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Habeas-corpus impetrado por Rui Barbosa perante o Supremo Tribunal Federal em favor do

juiz Alcides Lima

O presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos, promulgou a Lei n.
10/1895, cujo artigo 65 dispunha que as sentenças do júri eram proferidas pelo voto a
descoberto e cujo artigo 66 facultava a recusa de jurados somente se motivadas.

Era juiz de direito da comarca de Rio Grande o Dr. Alcides de Mendonça Lima, ex-constituinte.
Ao abrir a sessão do 1o júri, aos 28 de março de 1896, declarou contrários à Constituição os
dispositivos citados. Publicada a notícia em jornal, foi imediatamente interpelo pelo Chefe do
Poder Executivo.
Tendo o juiz confirmado a notícia, Júlio de Castilhos imediatamente dirigiu-se ao procurador-
geral do Estado, solicitando-lhe o oferecimento de denúncia, o que logo foi feito, apontando-se
o juiz como incurso no crime de prevaricação, por “julgar ou proceder contra literal disposição
de lei”.

Por acórdão do Superior Tribunal, de 18 de agosto de 1896, Mendonça Lima foi condenado a 9
meses de suspensão de suas funções, qualificando, porém, a hipótese, não como
prevaricação, mas como abuso de poder (exercício de função pública além de seus limites).
Negando-se a aplicar ato legislativa que tinha por inconstitucional, o juiz excedera os limites
das funções próprias do seu cargo. Eis a substância da decisão.

Foi interposto recurso de revisão criminal para o Supremo Tribunal Federal (Recurso de
Revisão n. 215), tendo sido constituído patrono do requerente o advogado Rui Barbosa, que
sustentou haver o Tribunal local instituído um novo crime: o crime de hermenêutica. Disse Rui
Barbosa:

A resistência do juiz da comarca do Rio Grande a essa transmutação do júri numa


degenerescência indigna de tal nome surpreendeu a política da quele Estado com o imprevisto
de uma força viva e independente, a consciência da magistratura, difícil de submeter-se à
prepotência dos governos. Com a necessidade então de acudir a obstáculo tão inesperado,
improvisou-se, por ato de interpretação, nos tribunais locais, contra a magistratura, um princípio
der morte, de eliminação moral, correspondente ao que, por ato legislativo, se forjara contra o
júri, no gabinete do governador. O júri perdera absolutamente a sua independência, com a
escrutínio descoberto e a abolição de recusa peremptória: o poder não abrira só um postigo
sobre a consciência do jurado: aquartelar-se nela. Para fazer do magistrado uma impotência
equivalente, criaram a novidade da doutrina, que inventou para o juiz os crimes de
hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias de sua consciência ao padrão
oficial no entendimento dos textos.
Por acórdão de 10 de fevereiro de 1897, o Supremo Tribunal Federal absolveu o requerente,
sem manifestar-se, porém, sobre a questão da constitucionalidade das normas estaduais.

Havendo o juiz reincidido, veio a ser novamente condenado a nove meses de suspensão.

Seguiram-se os pedidos de revisão n. 405 e 406, o primeiro para revogação da pena imposta; o
segundo, para que o Supremo Tribunal Federal se pronunciasse sobre a questão
constitucional.

Por acórdão de 7 de outubro de 1899, o Supremo Tribunal Federal tornou a absolver o


requerente, mais uma vez sem pronunciar-se sobre a questão constitucional.

TESHEINER, José. Novo Podcast: Série História do Processo Judicial: Episódio 42 - O crime
de hermenêutica. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 14, nº 1172, 15 de setembro de
2014. Disponível em: http://www.tex.pro.br/index.php/artigos/285-artigos-set-2014/6740-novo-
podcast-serie-historia-do-processo-judicial-episodio-42-o-crime-de-hermeneutica

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