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JURISPRUDÊNCIA DA QUINTA TURMA

HABEAS CORPUS NQ 6.090 - TO


(Registro n Q 97.0054618-7)

Relator: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini


Impetrante: Diógenes de Oliveira Frazão
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins
Pacientes: Graciomar Viana Santana e Cleomar Viana Gomes

EMENTA: HC - Reaforamento - Júri - Irregularidades - Pre-


clusão - Reformatio in pejus - Soberania dos veredictos.
- Com a criação do Estado do Tocantins, o Poder Judiciário do
Estado de Goiás tornou-se incompetente para julgar processos
feitos à nova unidade federativa.
- Se os defensores dos réus tomaram ciência do reaforamento,
através do Termo de Aditamento de Julgamento, improcedem as
alegações de nulidade processual por cerceamento de defesa.
- A parte que se sentir prejudicada por nulidade em plenário,
porventura existente deve manifestar seu inconformismo logo
após a ocorrência, sob pena de preclusão. Entendimento do arti-
go 571, VIII, do CPP.
- O Júri é soberano, de modo que pode responder aos quesitos
diferentemente da série anterior, e se isto obriga o presidente do
júri a cominar pena mais grave do que a contida na sentença anu-
lada, não implica na vedação da chamada reformatio in pejus.
- Ordem de habeas corpus que se indefere.

ACÓRDÃO de Justiça, na conformidade dos vo-


tos e das notas taquigráficas a se-
guir, por unanimidade, indeferir o pe-
Vistos, relatados e discutidos es- dido. Votaram com o Relator os Srs.
tes autos, acordam os Ministros da Ministros José Arnaldo, Felix Fischer,
Quinta Turma do Superior Tribunal Edson Vidigal e José Dantas.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 247
Brasília, 24 de março de 1998 "Ementa - Apelação, Júri. Pri-
(data do julgamento). meiro Quesito. Agravantes. As
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- circunstâncias agravantes não
sidente. Ministro CID FLAQUER podem figurar no primeiro que-
SCARTEZZINI, Relator. sito, que deve se referir, exclusi-
vamente, ao tipo fundamental,
Publicado no DJ de 15-06-98. sob pena de nulidade do julga-
mento. Recurso provido."
RELATÓRIO Submetidos a novo julgamento,
restaram condenados por crime de
O SR. MINISTRO FLAQUER rixa e julgada extinta a punibilida-
SCARTEZZINI: Trata-se de ha- de, em razão da ocorrência da pres-
beas corpus substitutivo de recur- crição, motivando apelação do órgão
so constitucional em favor de Gra- ministerial que foi provida ao fun-
ciomar Viana Santana e Cleomar damento de que a desclassificação
Viana Gomes, contra acórdão da e. afrontou, manifestamente à prova
Câmara Criminal do Tribunal de dos autos (fls. 102).
Justiça do Estado do Tocantins, que
Inconformados recorreram extra-
denegou a ordem originária.
ordinariamente à Suprema Corte,
Os pacientes foram condenados a sem êxito (fls. 88) o que acarretou a
15 (quinze) e 18 (dezoito) anos de interposição de agravo de instru-
prisão, respectivamente, por have- mento, não conhecido por ser ex-
rem, no interior do Bar Mocambo, temporâneo (fls. 95).
na cidade de Palmeirópolis/TO, cau-
Posteriormente, o Ministério PÚ-
sado à vítima Antônio de Araújo
blico requereu a remessa do feito ao
Caldas lesões que lhe resultaram a
Estado do Tocantins, eis que o deli-
morte, restando incursos no artigo
to ocorreu em Palmeirópolis, que,
121, § 2 Q , lU, c/c artigo 61, h, do
antes, integrava a unidade federa-
Código Penal.
tiva do Estado de Goiás, só que com
Inconformados com a sentença, o novo contorno geopolítico brasilei-
apelaram alegando, em síntese: a) ro, ajurisdição de Goiás não tem le-
nulidade do termo de compromisso gitimidade para alcançar tais fatos,
dos peritos e, conseqüentemente, tendo em vista a criação do Tocan-
nulidade do laudo de exame cada- tins.
vérico; b) nulidade do processo à
Julgados pelo Tribunal do Júri de
míngua de citação dos réus; c) nuli-
Palmeirópolis, Graciomar e Cleo-
dade do julgamento por erro na for-
mar foram condenados, respectiva-
mulação dos quesitos. mente, a 15 e 18 anos de reclusão,
O apelo foi provido, sendo deter- como incursos, o primeiro, nas san-
minada a submissão dos acusados ções do art. 121, § 2 Q , lU, c/c art. 61,
a outro julgamento, em acórdão as- U, h, e art. 29, todos do Código Pe-
sim ementado: nal, e o segundo, nas penas do artigo

248 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
121, § 2º, III, c/c artigos 61, II, c e h na-se incompetente para julgar
e 29, também do Estatuto Repres- processos afeitos à nova unidade
sivo, vedado o direito de apelar em federativa. Tendo os defensores
liberdade. dos réus tomado ciência do rea-
Impetraram, sem êxito, habeas foramento, através do Termo de
corpus, ao mesmo tempo em que Aditamento de Julgamento, im-
apelaram do r. decisum condena- procedem as alegações de que não
tório, .que restou não sendo conhe- foram notificados do mesmo.
cido, sobrevindo recurso especial, Habeas corpus - Júri - Ale-
inadmitido na origem (fls. 106) e gações de irregularidades ocorri-
agravo de instrumento, negado por das em Plenário - Momento de
esta E. Corte (fls. 112). argüi-las - Preclusão - Aplica-
Transitada em julgado a senten- ção do artigo 571 do CPP.
ça condenatória, foi expedida carta - Havendo nulidades em plená-
precatória de prisão e remoção dos rio, a parte prejudicada deve ma-
pacientes para cumprimento da nifestar seu inconformismo logo
pena imposta pelo Tribunal do Júri, após a ocorrência, ao teor do que
motivando a impetração de novo dispõe o inciso VIII do artigo 571
habeas corpus, permitindo-se que do Código de Processo Penal, sob
aguardassem o julgamento do ape- pena de preclusão.
lo em liberdade.
Habeas corpus - Júri - Sobe-
A apelação não foi conhecida (fls. rania dos veredictos - Reforma-
157), sobrevindo, mais uma vez, re- tio in pejus - Hipótese não con-
curso especial, inadmitido na ori- figurada - Não impedimento do
gem (fls. 159), e, conseqüentemen- conselho popular de responder
te, agravo de instrumento, ao qual aos quesitos diferentemente da
foi negado provimento (fls. 166).
série anterior - Aplicação, pelo
Finalmente, impetraram habeas presidente do júri, de sanção
corpus, denegado, por unanimida- mais grave do que a contida na
de, cuja ementa assim está redigi- sentença anulada, em recurso ex-
da: clusivo do réu - Denegação.
- A vedação da chamada refor-
"Habeas corpus - Júri - Rea- matio in pejus, por decorrer de
foramento da comarca de Goiâ- norma processual ordinária, não
nia para a de Palmeirópolis - tem a forma e o alcance para li-
Incompetência daquela, tendo em mitar a soberania do Júri, de pre-
vista a criação do Estado de To- ceito constitucional de modo a
cantins - Ciência dos defensores impedir o Tribunal Popular de
dos réus. responder aos quesitos diferente-
- Com a criação do Estado do mente da série anterior obrigan-
Tocantins, a comarca de Goiânia, do o presidente do júri a impor
capital do Estado de Goiás, tor- sanção mais grave do que a con-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 249
tida na sentença anulada, em re- "In casu, verifica-se um verda-
curso exclusivo do réu. deiro tumulto processual ocasio-
Habeas corpus denegado." nado pela interposição de diver-
sas peças recursais principal-
Tal decisão motivou a interposi- mente pela defesa, onde muitas
ção de recurso ordinário, onde se delas sequer foram conhecidas,
alega cerceamento de defesa eis além de terem sido necessários
que: a) foi autorizado o reaforamen- três julgamentos para que então
to do julgamento sem que a defesa ocorresse a prestação jurisdicio-
fosse ouvida; b) os quesitos foram nal estatal.
formulados de modo que era difícil O fato é que o Juízo do Estado de
a sua compreensão pelos jurados; c) Goiás não mais era competente
as respostas eram induzidas, preju- para processar e julgar o feito,
dicando a defesa; d) houve refor- tendo em vista o novo contorno
matio in pejus, posto que na apli- geopolítico brasileiro, eis que fora
cação da pena foi fixado prazo su- criado o Estado do Tocantins, ra-
perior à apenação anterior; e) as zão pela qual ocorreu o reafora-
agravantes afastad'as na sentença mento, tendo os defensores toma-
de pronúncia foram recolocadas no do ciência através do Termo de
libelo e serviram para exacerbar as Aditamento do Julgamento (fls.
penas aplicadas, ferindo a coisajul- 40).
gada e o contraditório; e f) composi- Com relação às nulidades ocorri-
ção do júri popular por pessoas im- das no plenário do Tribunal do
pedidas. Júri, o artigo 571, VIII, do Códi-
Após, foram os autos à vista da go de Processo Penal, determina
douta Subprocuradoria Geral da a argüição, em audiência ou em
República que opinou pela denega- sessão do tribunal, logo depois de
ção do writ. verificadas a sua ocorrência, de-
É o relatório. vendo a suspeição de jurado ser
alegada em plenário, sendo con-
sideradas sanadas se não forem
VOTO argüidas no momento oportuno.
E mais. Após a sentença conde-
O SR. MINISTRO FLAQUER natória, os pacientes interpuse-
SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presi-
ram apelação pretendendo a anu-
dente, adoto como razões de decidir
lação do julgamento, que não foi
o parecer do Dr. Jair Brandão de
conhecida ao fundamento de que
Souza Meira, digno Sub procurador
o artigo 593, § 3º, do CPP veda a
Geral da República, que por sua
segunda apelação fundada no
percuciência e juridicidade, merece
mesmo motivo da anterior, ain-
ser transcrito.
da que a primeira tenha sido in-
Ei-Io: terposta pela parte contrária.
250 R Sup, Trib, Just., Brasília, a, 10, (109): 245-311, setembro 1998,
Como se vê, desde o início a in- princípio não se aplica aos julga-
tenção do impetrante era recor- mentos proferidos pelo Tribunal
rer de todas as decisões, ainda do Júri face à soberania de suas
que não tivesse amparo legal. decisões, decorrentes de preceito
Tanto que passados 17 anos do constitucional. A duas, porque
fato delituoso continua o impe- não se pode levar em considera-
trante argüindo nulidade da sen- ção a pena fixada nos julgamen-
tença proferida pelo Tribunal do tos anteriores, eis que foram anu-
Júri, quando a mesma já transi- lados, não mais existindo no mun-
tou em julgado, tendo sido todos do jurídico.
os meios recursais esgotados, fato Conclui-se, então, que não há que
este que se comprova diante das se falar em anulação do julga-
várias peças interpostas, até mes- mento realizado pelo Júri Popu-
mo agravos de instrumento onde lar, em razão da reformatio in
se pretendia a subida do extra- pejus, nem tampouco em cercea-
ordinário e especial, obstados na mento de defesa face ao impedi-
origem. Ressalte-se que o primei- mento de jurado e má formula-
ro julgamento foi por diversas ção de quesitos, eis que as supos-
vezes adiado face a ausência de tas nulidades não foram argüidas
um dos acusados, ou até mesmo no momento oportuno, restando,
do advogado. assim, sanadas."
Embora o primeiro julgamento
tenha condenado os pacientes a Com razão a douta Subprocura-
12 anos de reclusão, o segundo doria Geral da República, merecen-
tenha desclassificado o crime do integral acolhimento o parecer
para rixa e o terceiro fixado a exarado pelo ilustre Subprocurador-
pena em 15 e 18 anos de reclusão Geral, razão por que, me reportan-
não há que se falar em reforma- do a seus termos, indefiro a ordem.
tio in pejus. A uma, porque este É como voto.

HABEAS CORPUS NQ 6.566 - SP


(Registro n Q 97.0084123-5)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas


Impetrantes: Areobaldo Espinola de Oliveira Lima Filho e outros
Impetrada: Décima Pimeira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal
do Estado de São Paulo
Paciente: Benedito Quintino

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 251
EMENTA: Processual Penal. Transação penal. Lei 9.099/95,
art. 76.
- Habeas corpus. Seu deferimento, em face da proposta de transa-
ção formulada oportunamente pelo Ministério Público, inclusive
com requerimento de nova audiência preliminar, antecipada ao
recebimento da denúncia.

ACÓRDÃO sando a eventual aceitação de


proposta de pena antecipada. Ca-
Vistos, relatados e discutidos es- so em que, lançada aos autos a
tes autos, acordam os Ministros da proposta, várias vezes interveio
Quinta Turma do Superior Tribunal nos autos o ora paciente e seu
de Justiça, na conformidade dos vo- defensor, sem placitar a sugestão
tos e das notas taquigráficas a se- ministerial. Denegação do writ."
guir, por unanimidade, deferir o - fls. 167.
pedido, de forma que se proceda à
audiência de transação, oportuna- N esta instância, o parecer do Sub-
mente proposta pelo Ministério PÚ- procurador-Geral José Flaubert é
blico, nos autos da ação penal. Vo- pela concessão da ordem, conforme
taram com o Relator os Ministros ementa:
Cid Flaquer Scartezzini, José Arnal-
do, Felix Fischer e Edson Vidigal. "Processual Penal. Habeas Cor-
pus substitutivo de recurso ordi-
Brasília, 10 de fevereiro de 1998 nário. Infração de menor poten-
(data do julgamento). ciallesivo. Lei 9.099/95. Juiz que
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- não consultou o MP e o autor do
sidente. Ministro JOSÉ DANTAS, fato sobre a possibilidade de tran-
Relator. sação. Ordem que deve ser con-
cedida." - fls. 166.
Publicado no DJ de 16-03-98.
Deferi a liminar, para suspender
a tramitação da ação.
RELATÓRIO
Relatei.
O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-
TAS: Trata-se de pedido originário, VOTO
substitutivo do recurso ordinário, in-
terposto de acórdão denegatório as- O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-
sim esclarecedoramente ementado: TAS (Relator): Senhor Presidente,
denunciado pela contravenção de di-
"Habeas Corpus. Pleito de nu- reção perigosa, insiste o paciente em
lidade de recepção de denúncia, obter a chamada transação penal
por falta de anterior audiência vi- cuidada no art. 76 da Lei 9.099/95.
252 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
N esse mister, sem desmereci- que o momento da audiência
mento da motivação denegatória do preliminar está superado. Ao
writ, tem razão o denunciado, con- MP, para eventual oferecimen-
forme as particularidades do caso, to de denúncia."
bem assinaladas neste trecho do
parecer: A vítima não compareceu à au-
diência, inviabilizando a compo-
"Verifica-se que, em 24/2/97, sição dos danos.
foi realizada a segunda audiên-
No entanto, o Ministério Públi-
cia preliminar, na qual o ora Pa-
ciente recusou-se a fazer o acor- co já havia proposto a aplicação
do, por não ter sido juntado o lau- de multa, fl. 99, e, posteriormen-
do pericial. Assim sendo, o Juiz te, requereu a designação de nova
de 1 Qgrau deu vista ao Ministé- audiência preliminar, fl. 120.
rio Público, fl. 110. Dessa forma, entendo que o Juiz
deveria ter consultado o MP so-
Em 6/5/97, foi juntado o lau- bre a renovação da proposta de
do, fls. 113/118. transação, ou mesmo ter consul-
O Ministério Público, fl. 120, tado o ora Paciente sobre tal pos-
requereu a designação de nova sibilidade, visto que a infração
audiência preliminar. cometida pelo Paciente é consi-
Em 817/97, assim que a audiên- derada pela Lei 9.099/95 de me-
cia foi aberta, o Juiz se pronun- nor potencial lesivo e o Paciente
ciou no seguinte sentido: não se enquadra, em princípio,
nas exceções contidas no artigo
"Tendo em vista o espírito da 76 desse diploma legal." - fls.
Lei 9.099/95, que trouxe medi- 167/69.
das visando a simplificação da
apuração dos fatos, com o que Pelo exposto, defiro o pedido, de
até agora não houve a concor- forma que se proceda à audiência
dância do acusado, posto que de transação oportunamente pro-
requereu e aguardou a produ- posta pelo Ministério Público nos
ção da prova pericial, entendo autos da ação penal.

RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.824 - PR


(Registro n Q97.0065904-6)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas


Recorrente: Rogério Costa

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 253
Advogado: Dr. Carlos Henrique Kaminski
Recorrido: Tribunal de Alçada do Estado do Paraná
Paciente: Rogério Costa

EMENTA: Penal. Denúncia. Crime de usura. Alegação de falta


de justa causa.
- Habeas corpus. Incensurabilidade da denegação da ordem, a teor
de assertivas assim ementadas: "A Lei de Usura está em vigor,
incidindo nas sanções do art. 4 51 , a, primeira figura, da Lei 1.521,
de 1951, aquele que cobra juros em taxa superior à estabelecida
pelo Decreto 22.626, de 7.4.1933, ressalvadas as situações previs-
tas na Súmula 596 do STF. 2 - Se o fato narrado na denúncia em
tese configura infração penal, não há como agasalhar a assertiva
de falta de justa causa para a ação penal".

ACÓRDÃO "I - Carlos Henrique Ka-


minski, advogado inscrito na Or-
Vistos, relatados e discutidos es- dem dos Advogados do Brasil -
tes autos, acordam os Ministros da Secção do Paraná, impetra ordem
Quinta Turma do Superior Tribunal de Habeas Corpus em favor de
de Justiça, na conformidade dos vo- Rogério Costa, com a finalidade
tos e das notas taquigráficas a se- de trancar a ação penal que res-
guir, por unanimidade, negar pro- ponde perante o Juízo de Direito
vimento ao recurso. Votaram com o da 59 Vara Criminal da Comarca
Relator os Ministros Cid Flaquer de Curitiba, como incurso nas
Scartezzini, José Arnaldo, Felix Fis- sanções do art. 4 9 , letra a, da Lei
cher e Edson VidigaL n 9 1.521/51, c.c. o art. 29 do Có-
Brasília, 16 de dezembro de 1997 digo Penal.
(data do julgamento). Fundamenta seu pedido afir-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- mando que a conduta imputada
sidente. Ministro JOSÉ DANTAS, ao paciente não caracteriza a prá-
Relator. tica de qualquer crime, mesmo
em tese, até porque não existem
Publicado no DJ de 02-03·98. indícios suficientemente idôneos
que viessem a amparar a denún-
RELATÓRIO cia, faltando-lhe, pois,justa cau-
sa.
O SR. MINISTRO JOSÉ DAN- Sustenta, também, que o cri-
TAS: Eis como foi relatada a espé- me de usura inclui-se dentre as
cie, na origem, pelo juiz Wilde Pu- normas penais em branco, cuja
gliese: eficácia depende de outra norma
254 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
complementadora limitando o 2. Se o fato narrado na denúncia
máximo permitido na cobrança em tese configura infração penal,
de juros, de modo a estabelecer o não há como agasalhar a asserti-
"percentual superior à taxa per- va de falta de justa causa para a
mitida por lei", nos termos do tipo ação penal." - fls. 94.
apontado como violado.
Daí o presente recurso ordinário,
Por fim, sustenta que não se
posto na reiteração das razões ini-
aplicam à hipótese sub judice os
ciais - fls. 104/110.
termos do art. 192, § 3 Q , da Cons-
tituição Federal, dada a ausên- N esta instância, o parecer da
cia de lei complementar, não se Subprocuradora-Geral Laurita Vaz
tratando de norma auto-aplicá- é contrário ao recurso, na forma
vel. desta ementa:
Com essa argumentação, acom- "1. Habeas Corpus. Recurso
panhada dos ducumentos de fls. Ordinário. Delito do artigo 4 Q , a,
15 usque 76, finaliza com os re- da Lei n Q 1.521/51, c.c. o artigo
querimentos de estilo. 29, caput, do Código Penal. Tran-
A douta Procuradoria Geral de camento da ação penal. Argüições
Justiça exarou o judicioso pare- de falta de justa causa, dada a
cer de fls. 82/90, da lavra do emi- atipicidad.e dO'! conduta do pacien-
nente Procurador de Justiça Dr. te, e também de inexistêücí~ tie
Danilo de Lima, onde opina pela crime de usura, ao argumento de
denegação da ordem." - fls. 95. que o artigo 192, § 3 Q , da Carta
Magna teria revogado o artigo 4 Q
Denegou-se a ordem, segundo da Lei n Q 1.521/51 e o Decreto
fundamentos assim ementados: 22.626/33. Improcedência. Súmu-
la n Q 596 do STF. Apontada in a-
plicabilidade do dispositivo cons-
"Habeas corpus - Paciente de-
titucional à hipótese, ante a fal-
nunciado por crime de usura -
ta de necessária legislação com-
Lei n Q 1.521151 - Art. 42, a - plementar, e também por não se
Decreto n Q 22.6261 1933 -Legis- tratar de norma auto-aplicável.
lação em vigor - Falta de justa Questão não examinada pela
causa inocorrente - Ordem de- Corte a quo, por ter sido consi-
negada. derada irrelevante. Denúncia bem
1. A Lei de Usura está em vigor, formulada, nos termos do artigo 41
incidindo nas sanções do art. 4 Q , do CPP. Dilação probatória veda-
a, primeira figura, da Lei n Q da na via do writ. Constrangimen-
1.521, de 1951, aquele que cobra to ilegal não configurado.
juros em taxa superior à estabe- 2. Parecer pelo conhecimento
lecida pelo Decreto 22.626, de e improvimento do recurso." -
7.4.1933, ressalvadas as situa- fls. 120/121.
ções previstas na Súmula n Q 596,
do STF. Relatei.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 255
VOTO posições deste Decreto, por sua
vez, nos termos da Sumula nº 596
O SR. MINISTRO JOSÉ DAN- do Excelso Pretório "não se apli-
TAS (Relator): Senhor Presidente, cam às taxas de juros e aos ou-
no tema que se discute, a atipicida- tros encargos cobrados nas ope-
de ou não -da operação pessoal de rações realizadas por instituições
empréstimos a juros altos e inexis- públicas ou privadas, que inte-
tência do crime de usura, convenha- gram o sistema financeiro nacio-
Be que, conforme o acórdão recorri- nal", sendo que, por outro lado,
do, procede a resposta negativa a tal prevalece na doutrina e na juris-
pretensão do paciente contra a acu- prudência o entendimento de que
sação que lhe foi feita. o preceito constitucional do arti-
Por isso que me reporto aos ex- go 192, § 3º da Constituição Fe-
celentes adminículos pesquisados deral, ao dispor sobre o sistema
pelo Ministério Público oficiante, no financeiro nacional, tem por ob-
campo da jurisprudência e na dou- jeto a política de instituições ban-
trina, aduzidos deste modo: cárias e creditícias, não abran-
gendo, portanto, as relàções e os
"6: De acordo com o que reco- negócios celebrados entre parti-
nheceu o judicioso parecer minis- culares; pode-se -concluir que os
terial -de tIs . .82/90, a questão a objetos são diferentes e que por-
ser analisada nos autos não se tanto, não houve a revogação do
atém em saber se o artigo 192, artigo 4º da Lei de Economia Po-
§ 3º da Constituição Federal deve pular pelo referido dispositivo
ser conceituado como norma de constitucional.
eficácia plena ou norma de eficá-
cia contida ou parcial, matéria 8. O v. acórdão guerreado me-
essa controvertida na doutrina, lhor elucida a questão, in verbis:
mas sim em "definir se a referi-
da norma constitucional revogou "Por conseguinte, a conclu-
ou não o artigo 4º da Lei de Eco- são é uma só: as operações ce-
nomia Popular, no que se refere lebradas fora do âmbito do sis-
ao delito de usura pecuniária, na tema financeiro nacional estão
ausência de lei complementar subordinadas à taxa de juros
sobre as taxas de juros." (fls. 86/ moratórios fixada pelo Decre-
87) to 22.626, em pleno vigor, com
a ressalva da SÚillúla anterior-
7. Assim, tendo-se em vista que
mente·transcrita.
a taxa referida no artigo 4º, alí-
nea a da Lei nº 1.521/51 não pode A jurisprudência colaciona-
ser superior ao limite de 01 % (um da pela douta Procuradoria de
por cento) ao mês, conforme dis- Justiça em seu judicioso pare-
põe o artigo 5º do Decreto nº cer, diz de perto do acerto da
22.626, de 07/04/33, e que as dis- ilação:
256 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
"Os juros moratórios, de que taxa superior à estabeleci-
cogita o Código Civil e a li- da pelo Decreto 22.626, de
mitação da cobrança dos 7.4.1933" (Ac. do TJPR, in
mesmos a que se refere o 489/356).
Decreto n Q 22.626, de 1933,
continuam em pleno vigor, Por derradeiro, mais uma
não tendo sido esse diploma vez comungando com a opinião
revogado pela Lei n Q 4.595, esposada no parecer da douta
de 1964, que diz respeito ao Procuradoria Geral de Justiça,
sistema financeiro nacional que mesmo após o advento da
e foi sancionado com o fim Constituição de 1988, incide
específico de dispor sobre a em crime contra a economia
política das instituições ban- popular aquele que cobra juros
cárias e creditícias, nada moratórios superiores à taxa
tendo a ver, portanto, com os legal, trago à colação ensina-
empréstimos particulares" mento doutrinário da lavra do
(Ac. do TJMG, in RT 415/ Prof. José Afonso da Silva,
372). em sua obra "Curso de Direito
Constitucional Positivo", 8ª
Ainda: edição, pág. 704, onde afirma:

"A Lei n Q 4.595, de 1964, não "As cláusulas contratuais


revogou o art. 4 Q da Lei n Q que estipularem juros supe-
1.521, de 1951, porque a pri- riores são nulas. A cobrança
meira diz respeito específi- acima dos limites estabele-
co sobre a política de insti- cidos, diz o texto, será con-
tuições bancárias e credití- ceituada como crime de usu-
cias, no âmbito do sistema ra, punindo, em todas as
financeiro nacional, enquan- suas modalidades, nos ter-
to a segunda cogita da limi- mos que a lei dispuser. N es-
tação de juros moratórios te particular, parece-nos que
cuidados no Decreto n Q 22.626, a velha lei de usura (Dec.
de 1933, para alcançar os 22.626/33) ainda está em
empréstimos particulares" vigor.
(Ac. do TJPR, in RT 469/
381). Da mesma opinião, comun-
ga o douto J. Cretella Junior,
Conseqüentemente: em seus "Comentários à Cons-
tituição de 1988", pág. 4.292:
"A Lei de Usura está em vi-
gor, incidindo nas sanções "O Decreto n Q 22.626/1933,
do art. 4 Q , a, primeira figu- a chamada lei de usura, está
ra, da Lei n Q 1.521, de 1951, ainda em vigor e, pois, com
aquele que cobra juros em plena aplicação".

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109); 245-311, setembro 1998. 257
Por tais razões, e diante da nal, eis que no âmbito dessa será
constatação de que a denún- feita a análise de todas as pro-
cia descreve um crime em tese vas colhidas ao longo da instru-
e contém todos os requisitos ção, o que é vedado na via estrita
elencados no art. 41 do Códi- do presente remédio heróico, con-
go de Processo Penal, como, forme entendimento pacífico do
aliás, afirmando por ocasião do Egrégio Superior Tribunal de
seu recebimento pela autorida- Justiça, explicitado na ementa do
de apontada como coatara, é julgado adiante transcrita, in
de ser denegado o writ impe- verbis:
trado." (fls. 98/100)
"Ementa
9. Quanto à argüição de falta Ação penal. Trancamento.
dejusta causa para a ação crimi- Descrevendo a denúncia cri-
nal, melhor sorte não socorre o me de usura e de extorsão in-
recorrente. direta, de modo a ensejar am-
10. Conforme já exposto nos pla defesa, deve a ação penal
autos, a exordial acusatória de prosseguir até sentença final,
fls. 16/18, além de preencher os não sendo viável o seu tranca-
requisitos do artigo 41 do Código mento na via do habeas cor-
de Processo Penal, encontra-se pus.
suficientemente amparada na Prescrição. Dúvidas a res-
prova colhida durante o inquéri- peito da data em que se prati-
to policial (fls. 19/49), que apon- caram as cobranças de juros
ta a suposta prática delitiva de extorsivos. Alegação de pres-
crime contra a economia popular crição, dependente de aprofun-
pelo paciente, que teria cobrado dado exame de prova, a ser fei-
juros de 50% (cinqüenta por cen- to igualmente com a sentença
to) sobre um empréstimo de R$ de mérito.
300 ,00 (trezentos reais), sendo Recurso de habeas corpus
que, a posteriori, recusou-se a a que se nega provimento."
receber o pagamento da dívida, (RRC n Q 1.538-CE, Relator
retendo indevidamente um reló- Exmo. Sr. Ministro Assis Tole-
gio que a vítima deu em garan- do, in DJ de 09/12/91, pág.
tia, no valor de R$ 1.500,00 (um 18.045)" - fls. 123/129.
mil e quinhentos reais).
11. Impossível, assim, o pre- Pelo exposto, nego provimento ao
tendido trancamento da ação pe- recurso.

258 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 6.968 - RJ
(Registro nº 97.0080232-9)

Relator: O Sr. Ministro José Arnaldo


Recorrentes: Jair Leite Pereira e outro
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: Maria Helena Gomes (presa)
Advogados: Drs. Jair Leite Pereira e outro

EMENTA: Recurso em habeas corpus. Lei de Tóxicos. Concurso de


agentes. Paciente denunciada pelo art. 14 e condenada pelo art.
12, ambos da Lei 6.368/76; pelo art. 8~ da Lei 8.072/90 cominado
com o art. 288, do CP. Emendatio libelli (CPP, art. 383).
- A acusada se defende dos fatos narrados na peça acusatória e
não da definição jurídica dada na denúncia.
- O quantum da pena deverá ser examinado na apelação, porquan-
to o habeas corpus não comporta exame aprofundado de provas.
- Encontra-se em vigor o art. 14, da Lei de Tóxicos, com a comi-
nação da pena prevista no art. 8 51 , da Lei dos Crimes Hediondos
(Precedentes do STF e do STJ).
- Recurso conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos es- O SR. MINISTRO JOSÉARNAL-


tes autos, acordam os Ministros da DO: Condenada com outros três
Quinta Turma do Superior Tribunal acusados à pena de 28 anos de re-
de Justiça, na conformidade dos vo- clusão pelos crimes previstos no art.
tos e das notas taquigráficas a se- 12, da Lei 6.368/76 e no art. 8º, da
guir, por unanimidade, negar pro- Lei 8.072/90 c/c o art. 288 e art. 62,
vimento ao recurso. Votaram com o I, da lei substantiva penal, Maria
Relator os Ministros Felix Fischer, Helena Gomes, por seu il. patrono,
Edson Vidigal, José Dantas e Cid impetrou habeas corpus perante
Flaquer Scartezzini. a 3ª Câmara Criminal do TJIRJ, sus-
Brasília, 24 de novembro de 1997 tentando, em resumo, cerceamento
(data do julgamento). de defesa, posto sendo a sua condu-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- ta tipificada no art. 14, da Lei 6.368/
sidente. Ministro JOSÉ ARNALDO, 76, resultou apenada com a sanção
Relator. do art. 12, com inobservância do dis-
posto no parágrafo único, do art.
Publicado no DJ de 09-03-98. 384, do CPP.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 259
Acrescentou, ainda, que, ao des- Lê-se da peça acusatória às fls.
classificar-se o crime do art. 14 da 12/13:
Lei de Tóxicos para o do art. 288,
do CP, à alegação de que o previsto "No dia 13/08/92, em hora não
no art. 14 fora revogado pelo art. 8º, precisamente definida, a Polícia
da Lei 8.072/90, malferiu a senten- Militar, em operação comandada
ça a lei, a doutrina e a orientação pelo então capitão Paulo Fernan-
pretoriana. des de Lima Pacheco, realizou
A Corte estadual denegou a or- operação de "asfixia" no Morro
dem, daí o presente recurso, repisan- Menino de Deus, em São Gonça-
do a argumentação ali desenvolvida. lo, objetivando investigar e repri-
mir possível tráfico ilícito de en-
N esta instância, oficiou o Dr. Jair torpecentes noticiado naquele lo-
Brandão de Souza Meira, pelo Mi-
cal.
nistério Público Federal, pugnando
pela manutenção do aresto recorri- Após a operação, foram apreen-
do. didas 1.870 "trouxinhas" da subs-
tância vulgarmente conhecida co-
É o relatório.
mo "maconha", conforme fls. 17.
Em sede de inquérito policial/re-
VOTO ferente à apreensão, logrou-se
evidenciar a real existência de
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL- tráfico organizado no local, apu-
DO (Relator): Consta dos autos que rando-se ser a substância em tela
a paciente, apelidada de "Vovó do produto da associação permanen-
pó", e seus dois filhos "são os maio- te da denunciada Maria Helena
res, mais temidos e mais perigosos Gomes e de seu filho Luiz Carlos Go-
traficantes de entorpecentes de toda mes Jardim, que, apesar de re-
a cidade de São Gonçalo, cuja orga- colhido no Sistema Penitenciá-
nização criminosa por eles liderada, rio Estadual, continuava a "co-
praticamente detém o monopólio da mandar", junto à sua genitora, o
distribuição e venda de substân- "negócio" da família, "negócio"
cias causadoras de dependência fí- este estendido a outros familia-
sica e química (maconha e cocaína)" res e diversas pessoas, igualmen-
(fls. 27). te denunciados, componentes da
A irresignação, com vistas a anu- referida associação criminosa,
lar o decreto condenatório, resume- além de outros elementos parci-
se a imputar cerceamento de defe- almente identificados, dentre os
sa que consistiria na proferição da quais vários ainda sob investiga-
sentença, em mudar a tipificação da ção climinal nos Inquéritos 627/94
denúncia do art. 14, da Lei 6.368/ e 331/95, ambos da 72 DP, fazendo
76, para condená-la pelo art. 12, parte do grupo, e.g., "Bolão", "Dão"
com desprezo às recomendações do e "De Flash", j á falecidos, "Kiko"
parágrafo único, do art. 384, do CPP. e "Abuse e Use", supostamente

260 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
falecidos, além de "Carlinhos", A propósito, em decisão que ver-
"Beto", "Alexandre Bom Bom", sa hipótese idêntica à presente, lê-
"Denilsinho", "Jorge Tadeu Bura- se a ementa:
quito", "Nalvinho da Covança",
"Beto Russo", "Paulo Cesar P. C." "Habeas corpus. Tráfico de en-
e "Beto da Chumbada", associa- torpecentes: concurso de agentes.
ção que tem o fim de prática rei- Emendatio libelli: paciente de-
terada de crimes previstos no ar- nunciado pelos arts. 12 e 14 da
tigo 12 da Lei 6.368/76, dentre eles Lei de Tóxicos (n Q 6.368/76) e
a guarda, o depósito, a aquisição, condenado pelos seus arts. 12 e
o transporte e a venda de substân-
18. Flagrante preparado. Nulida-
cia entorpecente ou que determi-
ne dependência física sem a de- des.
vida autorização legal para tal. 1. Ocorre emendatio libelli
Estão Maria Helena Gomes e (CPP, art. 383) e não mutatio
Luiz Carlos Gomes Jardim, in- libelli (CPP, art. 384) quando o
cursos nas penas do artigo 14 da réu é denunciado pelo crime de
Lei 6.368/76, agravado pelo dis- formação de quadrilha e conde-
posto no artigo 62, I, do CP. nado apenas com a agravante do
Estão, assim, os demais denun- concurso eventual de delinqüen-
ciados, incursos nas penas do ar- tes. O art. 14 da Lei de Tóxicos
tigo 14 da Lei 6.368/76." prevê o crime autônomo de qua-
drilha ou bando, cujo tipo exige
A exordial descreve a prática do associação estável e permanente
ilícito, incumbindo ao juiz dar clas- (societas delinquendi) e cor-
sificação jurídica diversa na linha responde ao art. 288 do CP; o art.
do permitido pelo art. 383, do CPP. 18, IH, da mesma Lei prevê a
O que a lei processual codificada e agravante no caso de concurso
a Constituição asseguram, em ga- eventual de pessoas (societas
rantia ao direito de defesa, é a ob- criminis) e corresponde ao art.
servância do princípio da correlação 62 do C.P. Ambas as hipóteses
entre a imputação e o decreto con- contêm explicitamente a circuns-
denatório. Assim é que a sentença tância elementar do crime prati-
pode levar em conta na classifica- cado com associação de delin-
ção do crime preceitos penais dis- qüentes, estável ou eventual. Des-
tintos dos arrolados na exordial acu- crevendo a denúncia pluralidade
satória, ainda que imponha pena de agentes, improcede a alegação
maior. O réu, é sabido, defende-se
de surpresa para a defesa, por-
do fato ilícito deduzido na denún-
cia, não da capitulação jurídico-pe- que o réu deve se defender dos
nal nela contida (Código de Proces- fatos narrados da denúncia e não
so Penal Interpretado, 3ª ed., pág. da capitulação legal que a denún-
441, Júlio F. Mirabete - STF: cia deu ao delito.
RSTF 112/966; 113/153; STJ: RSTJ 2. O flagrante preparado, em ope-
42/348). ração de "venda" de droga, não

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 261
anula o processo-crime se a con- cho do despacho proferido pelo
denação está fundada também na Ministro Celso de Mello ao apre-
"posse", preexistente à simulação ciar pedido de liminar no HC
policial; em face das diversas hi- 74.029-4 (DJ de 4/6/96), verbis:
póteses previstas no art. 12 da
Lei de Tóxicos, não se aplica a "Observo, quanto à primeira
Súmula 145. Precedente. alegação, que a tese exposta
3. Habeas corpus conhecido, pelo impetrante não se ajusta
mas indeferido. (STF, 2ª Turma, à orientação jurisprudencial
ReI. Min. Maurício Corrêa, DJU firmada por esta Corte Supre-
03.5.96, pág. 13.901)." ma.
Com efeito, a jurisprudência
Afinal, assevera o órgão ministe- de ambas as Turmas do Supre-
rial às fls. 87: mo Tribunal Federal tem acen-
tuado que se encontra em vi-
"N o tocante à fixação da pena, o gor o art. 14 da Lei de Tóxicos,
Excelso Pretório j á se manifestou com a cominação da pena pre-
no sentido de ser possível a cau- vista no art. 8º da Lei dos Cri-
sa de aumento de pena superar o mes Hediondos (HC nº 68.793-
máximo abstrato (HC 63.050). Na RJ, ReI. pl o acórdão Min. Mo-
hipótese, verifica-se que o deci- reira Alves, 1 ª Turma; HC nº
sum condenatório obedeceu ao 72.862-SP, ReI. Min. Néri da
sistema trifásico, justificando a Silveira, 2ª Turma, v.g.).
fixação das penas-base, em am-
bos os delitos, no máximo permi- Em recente decisão, a Egrégia
tido e, posteriormente, agravan- Segunda Turma do Supremo Tri-
do-as, face à incidência do art. 62, bunal Federal - apreciando,
I, do Código Penal, resultando uma vez mais, essa quaestio ju-
um total de 28 anos de reclusão e ris - pronunciou-se no sentido
460 dias-multa." da subsistência da norma inscri-
ta no art. 14 da Lei nº 6.368/76:
N o tocante à parte da sentença
que afastou aplicação do art. 14, da
Lei 6.368/76, por entender revoga- "Penal. Processual Penal. Ha-
do pelo art. 8º, da Lei 8.072/90, me- beas corpus. Associação para
receria reparo por dissentir do po- o tráfico de entorpecentes. Lei
sicionamento do Supremo Tribunal 6.368/76, art. 14. Lei 8.0721
Federal e desta Corte, consoante de- 90, art. 89.
monstrado no voto-vista vencedor I - Tratando-se de associação
que proferi no REsp 112.182-SP (5ª para o tráfico de drogas, pre-
Turma), na parte que interessa: valece a tipificação do art. 14
da Lei 6.368/76, vale dizer, a
"Relativamente a esta matéria, associação de duas ou mais
permitimo-nos transcrever tre- pessoas, para praticar, reite-

262 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
radamente ou não, o tráfico de "Penal. Condenação em pri-
drogas, tipifica o delito do art. meiro grau, por infração aos
14 da Lei 6.368/76. A pena a ser arts. 12 (tráfico) e 14 (associa-
aplicada será a prevista no art. ção para tráfico de entorpecen-
8 Q da Lei 8.072/90, isto é, re- tes) da Lei n 9 6.368/76. Absol-
clusão de três a seis anos. Pre- vição, em segundo grau, quan-
cedentes do STF (HC n Q 73.119- to ao crime de associação, ao
SP, ReI. Min. Carlos Velloso). fundamento de que o art. 14 da
Lei n 9 6.368/76 foi ab-rogado
A 6ª Turma deste Tribunal vem pelo art. 8 9 da Lei n 9 8. 072 /90.
comungando do mesmo entendi- Absolvição: errônea, pois o art.
mento: 8 9 da Lei de Crimes Hediondos
não ab-rogou o art. 14 da Lei
"RHC -Penal-Lei n 9 6.368/ n 9 6.368/76. Houve tão-somen-
1976 (art. 14) e CP (art. 288, te derrogação do dispositivo da
redação do art. 8 ~ da Lei n 9 Lei de Tóxicos no que tange à
8.072/1990) - O crime defini- pena. Precedentes do STJ e do
do no art. 14, da Lei n Q 6.368/ STF. Recurso especial provido
1976 não foi revogado pela re- para ((restabelecer" a condena-
dação do art. 288, dada pelo ção imposta em primeiro grau"
art. 8 Q , da Lei n Q 8.072/1990. (REsp 29.528/92, ReI. Min.
Ambos os ilícitos levam em Adhemar Maciel, DJ 2/9/96,
conta a participação plural de pág.31.121)".
pessoas, o que facilita o agen-
te consumar a infração penal. A esses extratos jurisprudenciais,
Tais leis consideram duas si- acresce-se o publicado no Infor-
tuações jurídicas que não se mativo STF de 14 a 18 de abril,
confundem. Urge, porém, pro- em que ficou consignado:
mover a crítica da cominação
das penas. O tipo mais grave "Quadrilha para tráfico: Dis-
não pode contemplar sanção ciplina aplicável.
menos rigorosa. A individua- - Tratando-se de quadrilha
lização (como princípio), mes- destinada à prática de tráfico
mo na primeira etapa (defini- de entorpecentes, aplica-se o
ção legal), precisa ser coeren- tipo penal previsto no art. 14
te. Impõe-se, então, corrigir a da Lei 6.368/76 ("Associarem-
anomalia e considerar o má- se duas ou mais pessoas para
ximo da pena cominada igual o fim de praticar, reiterada-
ao art. 288, ou seja - reclu- mente ou não, qualquer dos
são de 6 anos. Precedente do crimes previstos nos arts. 12 e
STF (RHC 4.395/95, ReI. Min. 13 desta Lei.") e a pena comi-
Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ nada no art. 8 9 da Lei 8.072/
29/10/96, pág. 41.692). 90 ("Será de três a seis anos
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 263
de reclusão a pena prevista no 8.072/90. Precedente citado:
art. 288 do Código de Processo HC 73. 119-SP (DJU de 19.4.96).
Penal, quando se tratar de cri- HC 75.046-SP, rel. Min. Mo-
mes hediondos, prática da tor- reira Alves, 15.4.97."
tura, tráfico ilícito de entorpe-
centes e drogas afins ou terro- Mantenho a condenação contida
rismo."). Com base em prece- no art. 14, da Lei 6.368/76."
dentes de ambas as Turmas do
STF aplicando interpretação Como, porém, o recurso é do réu,
corretiva dos referidos dispo- e a aplicar-se a sanção do citado ar-
sitivos, a Turma indeferiu ha- tigo 14, da Lei 6.368/76, importaria
beas corpus em que se preten- em aumento da pena e subseqüen-
dia ver reconhecida a revoga- te reforma tio in pejus, conheço do
ção do referido art. 14 da Lei recurso, mas lhe nego provimento.
de Tóxicos pelo art. 8 Q da Lei É como voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 7.083 - MG


(Registro nº 97.0091376-7)

Relator: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini


Recorrente: Geraldo Pereira
Advogado: Geraldo Pereira
Recorrido: Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais
Paciente: Geraldo Pereira

EMENTA: RHC - Apropriação indébita - Trancamento de ação


penal - Exame aprofundado de provas - Impossibilidade pela
via eleita.
- O crime de apropriação indébita, in casu, retenção de verbas
trabalhistas pelo advogado, de seu cliente, exigem exame apro-
fundado de provas, posto que de pronto não se pode chegar a uma
conclusão sobre a ocorrência, o que impede o trancamento da ação
penal através do uso deste remédio heróico, cuja via é angusta.
- Recurso a que se nega provimento.

264 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
ACÓRDÃO natura do referido recibo, nem qual-
quer alteração ou simulação no mes-
Vistos, relatados e discutidos es- mo.
tes autos, acordam os Ministros da Em contra-razões (fls. 66/67), ale-
Quinta Turma do Superior Tribunal ga-se preliminar de intempestivida-
de Justiça, na conformidade dos vo- de e, no mérito, pugna-se pelo im-
tos e das notas taquigráficas a se- provimento do recurso.
guir, por unanimidade, negar pro-
vimento ao recurso. Votaram com o Foram os autos à douta Subpro-
Relator os Srs. Ministros José Ar- curadoria Geral da República que
naldo, Felix Fischer, Edson Vidigal entende não haver ocorrido a intem-
e José Dantas. pestividade e, no mérito, pelo im-
provimento do recurso.
Brasília, 17 de fevereiro de 1998
(data do julgamento). É o relatório.
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre-
sidente. Ministro CID FLAQUER VOTO
SCARTEZZINI, Relator.
Publicado no DJ de 15-06-98. O SR. MINISTRO FLAQUER
SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presi-
dente, com efeito, pela certidão de
RELATÓRIO fls. 52, o acórdão foi publicado no
dia 11.10.97, que caiu num sábado,
O SR. MINISTRO FLAQUER logo, considerando-se que a intima-
SCARTEZZINI: Trata-se de recur- ção se deu no primeiro dia útil (se-
so em habeas corpus interposto gunda-feira, dia 13), o prazo para a
em favor de Geraldo Pereira contra interposição do recurso iniciou-se
decisão da E. Segunda Câmara Cri-
dia 14. Protocolado o recurso dia
minal do Tribunal de Alcada de Mi-
nas Gerais, que denegou> a ordem na 20.10.97 (fls. 54) não há falar em
qual se pretendia o trancamento da intempestividade.
ação penal intentada contra o pa- No mérito, porém, o recurso não
ciente como incurso nas sanções do merece prosperar.
artigo 168 do Código Penal (Apro-
priação Indébita). Historiando os fatos, diz o v. acór-
dão de fls. 49 que: "alega o paciente
Entendeu o E. Tribunal que se
tratava de matéria de fato, reque- haver prestado serviços advocatícios
rendo exame aprofundado de pro- à Sra. Vagna Vidal de Lima, duran-
vas, razão por que denegou a ordem, te oito anos, pugnando por seus di-
sobrevindo o presente recurso onde reitos trabalhistas contra o ex-em-
o recorrente alega que o cliente dera pregador e, falecido este, contra
ao paciente recibo de quitação ge- seus herdeiros. Ressalta ter conse-
ral, de maneira que não se poderia guido levar as partes a um acordo
falar em apropriação indébita. Ale- (fls. 18) repassando à sua constituin-
ga que não houve coação para assi- te a quantia de R$ 300,00, fruto des-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 265
se acordo, oportunidade em que lhe te 80 mil cruzeiros para a vítima,
fora passado recibo de plena quita- como confessa na fase indiciária ... ".
ção (fls. 09)." Assim, conforme iterativa juris-
N o entanto, nas informações de prudência deste E. Superior Tribu-
fls. 30/31, ressalta o MM. Juiz que: nal, em face da necessidade de exa-
" ... realmente, juntou o impetrante me aprofundado de provas, posto
o recibo de fls. 171, entretanto nele que de pronto não se pode chegar a
não se fala em valor, não se fala na uma conclusão sobre a ocorrência ou
data da celebração do acordo firma- não do crime de apropriação indé-
do entre partes, nem datado está o bita, não se pode, por meio deste
recibo. Ocorre que o recibo está pul- remédio, cuja via é angusta, tran-
verizado pelas declarações da víti- car-se a ação penal.
ma em fls. 173. Por outro lado, con- Portanto, conheço do recurso e
fessa o réu que realmente recebeu lhe nego provimento.
500.000,00, tendo repassado somen- É como voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.137 - MG


(Registro n Q 98.0000518-8)

Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal


Recorrente: Felicio Alves de Lima e Silva
Advogado: Felicio Alves de Lima e Silva
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Paciente: Felicio Alves de Lima e Silva

EMENTA: Penal. Processual. Denunciação caluniosa. Tranca-


mento da ação penal. Falta dejusta causa. Habeas corpus. Recur-
so.
1. Somente com o arquivamento do inquérito policial ou absol-
vição irrecorrível em favor do denunciado, é possível qualquer
iniciativa no sentido do processo por denunciação caluniosa.
2. Ausência de justa causa para a persecução penal.
3. Recurso conhecido e provido.

266 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
ACÓRDÃO O colegiado mineiro não conhe-
ceu da impetração. Daí, a interpo-
Vistos, relatados e discutidos es- sição de Recurso Ordinário, por mim
tes autos, acordam os Ministros da relatado, no qual ficou ementado:
Quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos vo- "Penal. Processual. Denunciação
tos e das notas taquigráficas a se- caluniosa. Ação penal. Tranca-
guir, por unanimidade, dar provi- mento. Atipicidade. Habeas cor-
mento ao recurso para trancar a pus. Recurso.
ação penal instaurada contra o ora 1. A alegação de atipicidade da
paciente. Votaram com o Relator, os conduta, na hipótese de denun-
Srs. Ministros José Dantas, José ciação caluniosa, pode ser apre-
Arnaldo e Felix Fischer. ciada mediante simples consulta
a peças do processo.
Brasília, 07 de abril de 1998 (data
do julgamento). 2. Recurso parcialmente provido
para determinar ao Tribunal es-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- tadual que aprecie a alegação de
sidente e Relator. atipicidade da conduta." (RRC
5.312/MG, DJ 26/05/97)
Publicado no DJ de 04-05-98.

Retornando os autos à instância


RELATÓRIO a quo, o Tribunal mineiro agora de-
negou a ordem, refutando os argu-
O SR. MINISTRO EDSON VIDI- mentos de inépcia da denúncia.
GAL: O Ministério Público do Esta- Novo Recurso Ordinário, a mim
do de Minas Gerais denunciou Fe- distribuído por prevenção. Reitera
lício Alves de Lima e Silva, sob a as argumentações de que a ação
acusação de denunciação caluniosa penal pela prática de denunciação
contra Gustavo Adélio Ferreira, De- caluniosa exige dolo direto, antece-
legado de Polícia de Eugenópolis/ dente e provado. A simples dúvida
MG, e Lauro Sérgio Leal, advogado exclui o dolo, pois a figura típica
requer que o sujeito tenha plena
naquela Comarca.
certeza da inocência da vítima; nem
A Ação Penal foi instaurada, e mesmo o dolo eventual autoriza a
ele, Felício, quer trancá-la alegan- propositura da Ação Penal.
do inépcia da denúncia. Diz não ter O Ministério Público Federal,
praticado nenhum ato calunioso em nesta instância, opina pelo provi-
desfavor das alegadas vítimas, e mento do recurso.
que, mesmo se assim não fosse en- Relatei.
tendido, as mesmas não se viram
indiciadas ou responderam a qual- VOTO
quer inquérito policial ou ação pe-
nal, desconfigurando-se a tipicidade O SR. MINISTRO EDSON VIDI-
da conduta imputada. GAL (Relator): Senhores Ministros,
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 267
a ação incriminada consiste em fa- cisão proferida nesse processo
zer movimentar a máquina policial (arquivamento do inquérito ou
ou judiciária, imputando-se a prá- absolvição final do imputado) de-
tica de conduta delituosa contra ve ficar subordinada à relativa ao
pessoa de que sabe ser inocente. denunciante. Há perigo de deci-
Segundo a mais corrente juris- sões antinômicas e, de qualquer
prudência sobre a matéria, sua con- modo, risco de prejuízo para a
sumação só se dá com a instaura- Justiça. Se assim não for, pode
ção de investigação policial mesmo acontecer que, julgado primeira-
que ainda não seja aberto inquérito mente o denunciante e sendo ab-
- ou com a propositura da ação solvido, o denunciado, cujo pro-
penal contra a vítima. Evidente- cesso ainda não tocou ao termo,
mente, se o inquérito foi instaura- fique prejulgado. Ao contrário, se
do, somente após o seu arquivamen- absolvido o denunciado nem por
to será possível se imputar a alguém isso haverá prejulgamento do
o crime de denunciação caluniosa. denunciante, pois, além da ino-
O mesmo entendimento há de ser cência daquele, é mister demons-
usado com relação à ação penal, pois trar-se que o segundo tinha ciên-
apenas se configura o delito em cia dela."
apreço após o término, com a absol-
vição irrecorrível do denunciado, Aqui, sequer foi instaurado inqué-
que, por si só, não prejulga o denun- rito policial, nem mesmo oferecida
ciante. denúncia, não havendo de se cogi-
tar do delito em apreço, justamen-
Essa também é a orientação do te por lhe faltar esse elemento ob-
eminente jurista Magalhães N oro- jetivo.
nha, em seu "Direito Penal", Sarai-
va, 20ª ed., 1995, voI. 4: Assim, dou provimento ao recur-
so para trancar a ação penal instau-
" ... se foi instaurado procedi- rada contra o ora paciente.
mento contra o denunciado, a de- É o voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 7.216 - SP


(Registro nº 98.0004035-8)

Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal


Recorrente: Arlindo Joaquim de Souza
Advogados: Marco Antonio Volpon
Recorrido: Trib unal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
Paciente: Arlindo Joaquim de Souza

268 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
EMENTA: Penal. Processual. Gravação de conversa telefônica
por um dos interlocutores. Prova lícita. Princípio da proporcio-
nalidade. Habeas corpus. Recurso.
1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é inter-
ceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.
2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucio-
nais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em cer-
ta medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela confe-
ridos, no caso, o direito à intimidade.
3. Precedentes do STF.
4. Recurso conhecido, mas não provido.

ACÓRDÃO Representado à autoridade poli-


cial, este, de posse das fitas grava-
Vistos, relatados e discutidos es- das, determinou a realização de pe-
tes autos, acordam os Ministros da rícia para a degravação das conver-
Quinta Turma do Superior Tribunal sas. Esta é a inconformação do ora
de Justiça, na conformidade dos vo- recorrente. Diz ser ilícita a prova
tos e das notas taquigráficas a se- produzida, ferindo direito constitu-
guir, por unanimidade, negar pro- cional de inviolabilidade da comu-
vimento ao recurso. Votaram com o nicação telefônica.
Relator, os Srs. Ministros José Dan- O Tribunal de Alçada Criminal de
tas, José Arnaldo e Felix Fischer. São Paulo, julgando Recurso em
Sentido Estrito interposto contra
Brasília, 28 de abril de 1998 (data decisão denegatória de habeas cor-
do julgamento). pus, negou-lhe provimento, por en-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- tender que a produção da prova
sidente e Relator. mostrou-se lícita, nos moldes da
nova Lei 9.296/96.
Publicado no DJ de 25-05-98. Agora, vem com este Recurso Or-
dinário, reiterando as argumenta-
ções expendidas na impetração ori-
RELATÓRIO ginária.
O MPF, nesta instância, opina
O SR. MINISTRO EDSON VIDI- pelo não provimento do recurso.
GAL: Consta dos autos que Arlindo
Relatei.
Joaquim de Souza, advogado de uma
instituição financeira em São Pau-
lo, teve sua conversa telefônica gra- VOTO
vada pelo outro interlocutor, cujo
teor revestia a prática de conduta O SR. MINISTRO EDSON VIDI-
delituosa. GAL (Relator): Senhores Ministros,

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 269
vou resumir-lhes o fato: o paciente, Diz o art. 1 Q da referida lei:
na condição de representante judi-
cial de uma empresa privada, ajui- "Art. 1 º - A interceptação de
zou várias ações, relativas a débi- comunicações telefônicas, de qual-
tos, contra Marcelo Francisco Calil quer natureza, para prova em in-
de Oliveira e sua esposa. Ocorre vestigação criminal e em instru-
que, no decorrer das lides, houve ção penal, observará o disposto
contato telefônico entre os réus e o nesta Lei e dependerá de ordem
advogado da autora, no caso, o pa- do Juiz competente da ação prin-
ciente, ocasião em que aqueles, sem cipal, sob segredo de justiça."
o consentimento deste, e mais ain-
da, sem qualquer autorização judi- Cabe-nos, agora, definir o termo
cial, gravaram a conversa, cujo teor
"interceptação telefônica" em senti-
revestia a prática de ilícito penal.
do amplo. Para Luiz Flávio Go-
Quer agora impedir a degravação mes, "interceptar uma comunicação
da fita, ou se já transcrita, proibir telefônica não quer dizer interrom-
sua juntada aos autos, ou ainda, se pê-la, impedi-la, detê-la ou cortá-la.
já juntada, desentranhar e inutili- Na lei, a expressão tem outro senti-
zar a transcrição. do, qual seja, o de captar a comuni-
N a vigência do direito anterior a cação telefônica, tomar conhecimen-
1988, o art. 153, § 9º não previa ne- to, ter contato com o conteúdo des-
nhuma exceção ao sigilo das comu- sa comunicação" (in "Interceptação
nicações telefônicas. Não fazia, em Telefônica", pág. 95).
suma, nenhuma exigência de reser-
É da sua essência, no sentido le-
va de lei. Mas como existem os li-
gal, a participação de um terceiro,
mites imanentes, entendia-se que a
interceptação com autorização, nos uma ingerência externa, no conteú-
termos do Código Brasileiro de Te- do da comunicação, captando-se o
lecomunicações, era válida. Agora que está sendo comunicado. Essa in-
na CF de 1988, há expressa exigên- gerência tanto pode ser feita sem o
cia de reserva legal; mais precisa- conhecimento dos interlocutores
mente, nela está contemplada uma (interceptação telefônica no senti-
reserva legal qualificada. Logo, sem do estrito) ou como com o consenti-
lei, a interceptação telefônica cons- mento de um dos interlocutores (es-
titui prova ilícita, inadmissível. cuta telefônica). Mas uma coisa é
certa: ambas, se devidamente auto-
As reiteradas decisões judiciais,
rizadas, nos termos da Lei 9.296/96,
principalmente do STF, no sentido
constitui prova lícita e admissível; se
de garantir a fiel vontade do poder
não autorizada, além de não ser ad-
constituinte, levou o legislador in-
mitida como prova, configura crime.
fraconstitucional a dar prioridade
ao assunto. Elaborou a Lei 9.296/96, A problemática surge quando se
com o propósito de regulamentar o diz respeito à gravação telefônica,
inciso XII, do art. 5 Q , da CF. que consiste na captação da comu-
270 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
nicação telefônica por um dos comu- procedimento, precisamente por
nicadores sem o conhecimento do realizar-se de modo sub-reptício,
outro. É indubitável que as grava- envolve quebra evidente de priva-
ções telefônicas estão fora da disci- cidade, sendo, em conseqüência,
plina jurídica da Lei 9.296/96. Daí nula a eficácia jurídica da prova co-
o fato de a doutrina falar em "gra- ligida por esse meio."
vações clandestinas". Uma outra corrente, mais recen-
Existem 02 (duas) correntes ju- te, seguida, dentre outros, por Ro-
risprudenciais a respeito da maté- gério Schietti Cruz, admite a li-
ria. ceidade da prova obtida por esse
A primeira, defendida pelo mes- meio de gravação telefônica.
mo Luiz Flávio Gomes, entende Neste STJ, já foi defendida pelo
ilícita a gravação telefônica. Para Ministro Eduardo Ribeiro, em voto-
ele, "a Constituição não apenas vista dado no REsp 9.012/RJ, cuja
veda a interferência de um terceiro decisão foi publicada no DJ de 14/
nas comunicações, senão que prote- 04/97:
ge de modo inequívoco o direito à
intimidade. O que cabe realçar na "Importante frisar que não se
gravação clandestina é a sua sur- trata da interceptação da conver-
presa, o que a torna moralmente sação alheia, hipótese do RE
reprovável. Uma coisa é expressar 85.439 de que foi relator o Minis-
o pensamento sem saber da grava- tro Xavier de Albuquerque (RT J
ção, outra bem distinta quando se 84/609). No caso em exame a pro-
toma conhecimento dela." (pág. va foi apresentada por um dos
107). interlocutores.
Essa era, aliás, a posição adota- Tenho para mim que inexiste
da pelo STF. Na Ação Penal n Q 307/ a pretensa ilegitimidade. Ilícita
DF, relator Ministro lImar Galvão, é a gravação de conversa alheia,
em decisão plenária, firmou-se o en- o que envolve mesmo a prática de
tendimento da inadmissibilidade, crime. Nenhum impedimento
como prova, de laudos de degrava- existe, entretanto, a que um dos
ção de conversa telefônica, por ter participantes da mesma queira
sido feita com a inobservância do resguardar-se, mediante o regis-
princípio do contraditório e utiliza- tro fonográfico e, salvo justificá-
da com violação à privacidade veis exceções, dele se utilize como
alheia. Na ocasião, salientou o Mi- prova.
nistro Celso de Mello que "a grava- Dir-se-á que, de um modo ou
ção de conversa telefônica com ter- outro, se estará violando o sigilo
ceiros, feita através de fita magné- garantido às comunicações tele-
tica, sem o conhecimento de um dos fônicas. O argumento que vai lan-
sujeitos da relação dialógica, não çado, prova, entretanto, demais.
pode ser contra este utilizada pelo A acolhê-la, seria mister reconhe-
Estado em juízo, uma vez que esse cer que vedado aos próprios in-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 271
terlocutores revelar o conteúdo terceira pessoa e só pode ser reali-
da conversa, o que parece absur- zada mediante autorização judi-
do. Entretanto, se se admite pos- cial), e assim, lícita tal gravação
sa um deles transmiti-lo a tercei- como prova para o processo penal.
ro, não se vislumbra por que não O Ministro Nelson Jobim, relator
lhe seja dado demonstrar, medi- do processo, evocou a questão de
ante o registro feito, que está a não se poder colocar de lado a pro-
dizer a verdade. teção ao interesse do Estado. E afir-
(. .. ) ma em seu voto, que "a Constitui-
Considero que, em regra, quan- ção não trata da privacidade como
direito absoluto. E há momentos em
do alguém mantém determinada
que o direito à privacidade se con-
conversação, seja pessoalmente,
flita com outros direitos, quer de
seja com o uso de meios eletrôni-
terceiros, quer do Estado". Trata-se
cos, arrisca-se a ver a mesma di-
da subsunção ao Princípio da Pro-
vulgada, o que configurará, quan-
porcionalidade: as normas jurídicas
do muito, uma inconfidência, cujo
constitucionais se articulam num
grau de censurabilidade não che-
sistema, cujo equilíbrio impõe que
ga a tornar ilícita a prova.
em certa medida se tolere detrimen-
(. .. ) to aos direitos por ela conferidos, ou
Em suma, o que não se tolera seja, ponderados os direitos em con-
é a indevida escuta de conversa flito, prevalece aquele mais valora-
telefônica alheia, como não se ad- do. E continua, "é inconsistente e
mite a violação de correspondên- fere o senso comum - fonte última
cia. Não, a divulgação por quem da proporcionalidade - falar-se em
participou de uma, ou foi desti- violação do direito à privacidade
natário de outra. E se a divulga- quando a própria vítima grava diá·
ção, em regra, é tolerável, mais logo com seqüestradores, esteliona-
vale se faça de modo a garantir a tários ou qualquer tipo de chanta-
fidelidade ao que efetivamente gista."
ocorre." Apesar da perplexidade que pos-
sa causar, esse entendimento não é
É essa a corrente à qual me filio, recente. O STF há muito tempo ad-
seguindo, inclusive, entendimento mite as gravações telefônicas como
reformado da Suprema Corte no HC prova criminal. Posso citar o caso
75.338/RJ, julgado em 11 de março em que o Supremo recebeu a denún-
próximo. cia contra o ex-ministro Antônio
Entenderam os ministros do STF Rogério Magri, em condições seme-
que a utilização de fita cassete com lhantes. Na ocasião, o relator, Mi-
gravação de conversa entre duas nistro Carlos Velloso, fez uma dis-
pessoas, sem o conhecimento de tinção entre uma gravação efetua-
uma das partes, não é intercepta- da por terceiros, que intercepta uma
ção telefônica (que envolveria uma conversa de duas outras pessoas, da

272 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
gravação que se faz para documen- Não é diferente do que entende
tar uma conversa entre duas pes- José Carlos Barbosa Moreira.
soas. Concluiu seu voto, já na épo- Para o jurista, "os interesses e va-
ca, que poderia haver, em tal caso, lores que as inspira não raro entram
violação a preceitos éticos. em conflito uns com os outros, de
Outro dado jurisprudencial que tal sorte que se torna impraticável
tive acesso foi aquele quando, já no dispensar a todos, ao mesmo tem-
início deste ano, o deputado Maurí- po, proteção irrestrita." (A Consti-
cio Requião divulgou o conteúdo de tuição e as provas ilicitamente ad-
conversas telefônicas com funcioná- quiridas, Revista da Fundação Es-
rios do Ministério da Saúde. Nos diá- cola Superior do MPDFT, Brasília,
logos, ficava evidente que o Minis- jul./dez. 1995).
tério só liberaria recursos do orça-
Assim, diante dessas considera-
mento para emendas de parlamen-
ções, conheço do recurso, mas lhe
tares que votassem a favor do go-
verno. Nesse caso, a gravação tam- nego provimento.
bém foi aceita. É o voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.223 - SP


(Registro n Q98.0004690-9)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas


Recorrente: Flávio América Frasseto
Advogado: Dr. Flávio América Frasseto
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Joelson dos Santos

EMENTA: Menor infrator. Internação. Art. 122 do ECA.


- Habeas corpus. lncensurabilidade de sua denegação, à míngua
da ilegalidade suscitada sobre aplicação da medida a caso outro
que não os arrolados naquele dispositivo do Estatuto da Criança
e do Adolescente, desde que aplicada como justificada forma de
preservação do próprio menor.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 273
ACÓRDÃO te Joelson dos Santos, internado
por determinação do MM. Juiz de
Vistos, relatados e discutidos es- Direito da Infância e Juventude
tes autos, acordam os Ministros da da Comarca de Guarulhos.
Quinta Turma do Superior Tribunal Alega o impetrante que a pri-
de Justiça, na conformidade dos vo- mariedade do paciente e a ausên-
tos e das notas taquigráficas a se- cia de violência no cometimento
guir, por unanimidade, negar pro- do ilícito autorizam a concessão
vimento ao recurso. Votaram com o da liberdade.
Relator os Ministros Felix Fischer
e Edson Vidigal. Ausente, ocasional- Prestadas as informações pela
mente, o Ministro José Arnaldo. autoridade coatora (f. 16), sobre-
veio decisão denegatória da limi-
Brasília, 16 de abril de 1998 (data nar (f. 13).
do julgamento).
A Procuradoria Geral de Jus-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- tiça opinou pela denegação da or-
sidente. Ministro JOSÉ DANTAS, dem (fls. 21/22)." - fls. 29.
Relator.
Publicado no DJ de 18-05-98.
O recorrente reitera as razões da
inicial, pelo que, nesta instância, o
Subprocurador-Geral Ribeiro de
RELATÓRIO Bonis é de parecer contrário ao re-
curso, conforme ementa:
O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-
TAS: Cuida-se de recurso ordinário "Ementa: Recurso em habeas
contra a denegação de habeas cor- corpus. Internação de menor.
pus assim relatada: Art. 122 do ECA. O art. 122 do
ECA elenca algumas das hipóte-
"Menor-Ato infracional simi- ses em que a medida sócio-edu-
lar ao tráfico de entorpecentes. . cativa se mostra compulsória,
Inconformismo quanto à inter- mas não impede sua aplicação a
nação em função da primarie- outras situações como forma de
dade do infrator. Justificada a preservação do próprio menor."
medida em face da gravidade - fls. 5l.
da infração e circunstâncias
pessoais do jovem, que não es- Relatei.
tuda e nem exerce qualquer
atividade lícita. Ordem dene-
gada. VOTO

Voto do Relator. O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-


Habeas corpus impetrado TAS (Relator): Senhor Presidente,
pelo advogado Dr. Renato Isnard da mesma forma como o parecer se
Khair em benefício do adolescen- houve em louvores aos fundamen-

274 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
tos do v. acórdão atacado, também artigos 99 e 100 do ECA, em prote-
eu aos mesmos me reporto: ção à sociedade e ao próprio menor.
Quanto à questão da primarie-
"Conforme asseverou o V. Ares- dade do ora Paciente, uma vez
to recorrido "a internação, previs- mais pedimos venia para citar o
ta no art. 122 do ECA, elenca al- Venerando Acórdão guerreado,
gumas hipóteses em que a medi- adotando-o como razões de opi-
da se mostra compulsória, mas nar, verbis:
não im-pede que seja estendida a
outras situações, como forma de "A despeito de sua primarieda-
preservação do próprio menor". de concluo, como o magistrado
A atacada medida sócio-educa- atacado, que a medida de in-
tiva, adequadamente dosada, con- ternação é a mais adequada,
siderou a gravidade da infração visando a proteção do jovem,
e, ainda, o fato de que o menor não com vistas a assegurar-lhe de-
estuda e nem exerce qualquer ati- senvolvimento sadio, em con-
vidade laborativa. dições dignas, afastando-o do
envolvimento infracional, pres-
Assim, tal como concluiu o V. supondo a omissão dos pais e
Julgado da Corte inferior, inócua conduta desvirtuada (art. 98,
seria a aplicação de medida mais II e lII, do ECA), exigindo a
branda, o que concorreria para intervenção do Poder Público
estimular a reiteração, já que as para restabelecer as condições
condições pessoais do menor e o em que possa desenvolver-se
tipo de infração - tráfico de en- com dignidade, recebendo a
torpecentes - estavam a exigir educação necessária a viver
medidas extremas. em comunidade." -fls. 30."-
Inocorre, pois, a pretendida fls. 52/53.
ofensa ao art. 59, inc. XXXIX, da
Lei Magna. Ao contrário, o sóbrio Pelo exposto, nego provimento ao
e regular Decisum apoiou-se nos recurso.

RECURSO EM HABEAS CORPUS N9 7 A05 - SP


(Registro n 9 98.0019764-8)

Relator: O Sr. Ministro Edson Vidigal


Recorrentes: Marcelo Braz Fabiano e outro
Advogados: Marcelo Braz Fabiano e outro
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 275
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Silvia Piantino de Oliveira

EMENTA: Penal. Processual. Prisão em flagrante. Habeas cor-


pus. Recurso.
1. O habeas corpus é remédio constitucional que se presta a ampa-
rar quem esteja sofrendo violência ou coação em sua liberdade
de locomoção, ainda que indiretamente.
2. Não há interesse jurídico àquele que pretende anular o auto de
prisão em flagrante, e já foi beneficiado com a liberdade provisó-
ria, se existem outras provas veementes de sua autoria.
3. Recurso conhecido e não provido.

ACÓRDÃO beas corpus, estar sofrendo cons-


trangimento ilegal.
Vistos, relatados e discutidos es- Sustenta que o auto de prisão em
tes autos, acordam os Ministros da flagrante é ilegal, uma vez que não
Quinta Turma do Superior Tribunal estava em situação de flagrância,
de Justiça, na conformidade dos vo- pois o delito de concussão, que cons-
tos e das notas taquigráficas a se- ta na nota de culpa, é de natureza
guir, por unanimidade, negar pro- formal. Como a consumação ocorre-
vimento ao recurso. Votaram com o ra uma semana antes, ou seja, no
Relator, os Srs. Ministros José Dan- momento em que exigiu a indevida
tas, José Arnaldo e Felix Fischer. vantagem, não poderia ser presa
Brasília, 07 de maio de 1998 (da- quando recebia o dinheiro de sua
ta do julgamento). cliente. Quer que seja reconhecida
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- a ilegalidade da prisão em flagran-
sidente e Relator. te, bem como a anulação do respec-
tivo auto e do ato que arbitrou o pa-
Publicado no DJ de 01-06-98. gamento da fiança.
O Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo denegou a ordem, sob
RELATÓRIO o argumento de que, com base nas
investigações posteriores, o MP Es-
O SR. MINISTRO EDSON VIDI- tadual denunciou a ora paciente,
GAL: Presa em flagrante, após ob- não pelo crime de concussão, mas
ter vantagem indevida de uma cli- pelo crime de tráfico de influência
ente, a pretexto de livrá-la da ins- (CP, art. 332), já que afastado o en-
tauração de inquérito junto a um volvimento do funcionário da Dele-
agente de polícia, Sílvia Piantino de gacia na exigência do dinheiro. Sen-
Oliveira, advogada, diz, neste ha- do crime material, sua consumação
276 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
só se daria com o efetivo recebimen- tese. Ocorre que existem outras pro-
to da vantagem indevida, admitin- vas nos autos que a incriminam,
do-se a prisão em flagrante naque- como a degravação de conversa te-
le momento. lefônica, juntada às fls. 85/97, e até
Vem agora com este Recurso Or- suas próprias declarações. Então
dinário, reiterando as argumenta- qual seria o interesse da paciente
ções expendidas na impetração ori- em anular o referido auto de prisão
ginária. em flagrante? Pelo menos nos au-
tos não consta qualquer prova nes-
O MPF, nesta instância, opina
se sentido.
pelo não provimento do recurso.
Parece-me que o que se busca, na
Relatei.
verdade, tem cunho puramente eco-
nômico, pois a anulação do auto de
VOTO prisão em flagrante, via de conse-
qüência, faria anular o ato que ar-
O SR. MINISTRO EDSON VIDI- bitrou a fiança em valor considera-
GAL (Relator): Senhores Ministros, velmente elevado, R$ 3.000,00 (três
a paciente foi presa em flagrante mil reais); e essa pretensão não tem
por fatos que, ao que tudo parecia, guarida em sede de habeas cor-
configurava o crime de concussão pus.
(CP, art. 316). Após o pagamento de Ademais, apenas para efeito de
fiança, obteve o benefício da liber- esclarecimentos, devo dizer que, ao
dade provisória. contrário do que sustentam os re-
O habeas corpus é remédio cons- correntes, a legalidade da prisão em
titucional que se presta a amparar flagrante tem apoio na adequação
quem esteja sofrendo violência ou entre a efetiva conduta delituosa e
coação em sua liberdade de locomo- a respectiva possibilidade legal. Por
ção, por ilegalidade ou abuso de po- outras palavras, a sua ilegalidade
der. Aqui, não me parece esteja a ora somente se configura quando a real
paciente sofrendo qualquer espécie conduta delituosa (aqui, o tráfico de
de ilegalidade no seu direito de ir, influências), e não aquela presumi-
vir e ficar. da pelos agentes que procederam à
Não vislumbro interesse jurídico, prisão (no caso, a concussão), não a
por esta via do habeas corpus, a admite, por qualquer motivo que
anular o auto de prisão. Esse docu- seja.
mento, já na esfera da persecutio
Assim, conheço do recurso, mas
criminis in iudicio, serve, tão-so-
mente, para estabelecer os indícios lhe nego provimento.
racionais de autoria, pelo menos em É o voto.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 277
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.977 - SE
(Registro n Q 96.0077248-7)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas


Relator para acórdão: O Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini
Recorrente: Mirena Dantas Fontes Góes
Advogado: Marcello Lavenere Machado
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
Recorrido: Estado de Sergipe
Advogados: José Alcides Vasconcelos Filho e outros
Sustentação Oral: Dr. Marcello Lavenere Machado (p / recte.)

EMENTA: Administrativo - Magistrado - Representação -


Admissibilidade sem observância das formalidades legais - Nuli-
dade.
- A representação visando a disponibilidade de magistrado está
condicionada à autorização estabelecida no § 2 2 , do art. 27, da Lei
Complementar n 2 35/79, sem o que deve ser anulado o processo
desde aquele momento, a fim de que seja cumprida tal formalida-
de.
- Recurso provido em parte.

ACÓRDÃO Brasília, 03 de junho de 1997


(data do julgamento).
Vistos, relatados e discutidos es- Ministro EDSON VIDIGAL, Pre-
tes autos, acordam os Ministros da sidente. Ministro CID FLAQUER
Quinta Turma do Superior Tribunal SCARTEZZINI, Relator para acór-
de Justiça, na conformidade dos vo- dão.
tos e das notas taquigráficas a se-
guir, por unanimidade, conhecer do
Publicado no DJ de 13-04-98.
recurso e, por maioria, dar-lhe par-
cial provimento para anular o pro-
cesso. Os Srs. Ministros José Arnal-
RELATÓRIO
do, Felix Fischer e Edson Vidigal
votaram com o Sr. Ministro Cid Fla-
quer 8cartezzini, que lavrou o acór- O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-
dão. Votou vencido o Sr. Ministro- TAS: A espécie assim foi relatada
Relator. pelo Des. Gilson Gois:

278 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
"A doutora Mirena Dantas Fon- go epigrafado, pode-se constatar
tes de Góes, Juíza de Direito em que, embora a Constituição Es-
disponibilidade, alegando direito tadual não faça elencar no seu
líquido e certo e mediante argu- conteúdo a competência do Tribu-
mentações de existência de cer- nal Pleno para julgar os Manda-
ceamento defensivo, vício insaná- dos de Segurança contra suas
vel do v. Acórdão n. 1.026/94, próprias decisões, também assim
ofensa ao devido processo legal não o proíbe e nem exaure as hi-
por desrespeito ao princípio da póteses de cabimento, passando
proporcionalidade da pena e de- portanto tal competência a ser re-
sobediência decisória aos termos gulada pelo que dispõe a lei ordi-
dos artigos 46 e 27 da LOMAN nária correspondente, que é jus-
(Lei Orgânica da Magistratura) tamente o Código de Organização
- Lei Complementar n. 35/79, Judiciária, onde o seu artigo 26,
impetrou mandado de segurança inciso XVI, alínea e, viabiliza o
contra ato do Egrégio Tribunal de seu conhecimento, pelo que foi
Justiça do Estado de Sergipe, re- então proferida decisão, sob exer-
querendo liminarmente a outor- cício do juízo de retratação, tor-
ga judicial imediata de seu retor- nando insubsistente o despacho
no ao exercício da Magistratura anteriormente emitido e passan-
na 6ª Vara Criminal desta Capi- do então a conhecer da seguran-
tal, e a ratificação desta decisão ça impetrada.
quando do julgamento final do Às fls. 83 dos autos há despa-
mandamus. cho denegativo da liminar pleitea-
Anexou instrumento de man- da no presente Mandado de Se-
dato, visto às fls. 10, juntando gurança e determinação para que
também documentos de fls. 11 a fosse notificada a autoridade coa-
78 dos autos. tora para prestar informações.
Às fls. 79, verso dos autos, há Em seguida, a Excelentíssima
despacho desta relatoria não co- Senhora Presidenta deste Egré-
nhecendo do Mandado de Segu- gio Tribunal de Justiça, eminen-
rança, sob o fundamento de não te Desembargadora Clara Leite
ser o mesmo cabível contra deci- de Rezende, na representação le-
são do Tribunal Pleno, entenden- gal da legitimação passiva do
do a priori, não conter essa com- mandamus, apresentou infor-
petência dentro da definição es- mações pertinentes a esta rela-
tabelecida no artigo 106, inciso I, toria refutando todas as alega-
letras d e e, da Constituição Es- ções da impetrante, colacionan-
tadual. do documentos do mesmo jaez e
Desta decisão houve interposi- requerendo afinal a denegação do
ção de Agravo Regimental pela writ. (conf. fls. 87 a 117).
impetrante, onde ao examinar A douta Procuradoria de J us-
amiudamente os termos do arti- tiça, instada a se manifestar, apre-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 279
sentou parecer da lavra ilustre do Se V. Exas. decidirem apreciar o
doutor Darcilo Melo Costa, que mérito, seja julgado procedente
após minuciosa análise, propug- este ROMS para ser concedida a
nou pelo indeferimento da Segu- segurança impetrada contra a de-
rança requerida." - fls. 134/35. cisão que puniu a Magistrada,
sendo a mesma absolvida das
Denegou-se a segurança por acór- acusações que lhe foram imputa-
dão com a seguinte ementa: das.
Em última hipótese, e, admitin-
"Mandado de segurança - Juíza do-se apenas para argumentar,
de direito em disponibilidade - apreciando o mérito da punição
Acórdão atacado - Nulidades - aplicada, seja considerada des-
Inocorrência - Ratificação deci- proporcional a pena de disponi-
sória. bilidade a bem do serviço públi-
Denega-se a Segurança impetra- co, e aplicada outra pena de me-
da contra Acórdão do E. Tribunal nor gravidade guardando confor-
de Justiça que decidiu pela apli- midade com a natureza da falta
cação da pena disciplinar de dis- eventualmente cometida." - fls.
ponibilidade por motivo de inte- 157/58.
resse público à Magistrada, quan-
do ausentes quaisquer dos moti- Contra-razões do Estado a fls.
vos alegados na impetração. Le- 182/84.
galidade decisória. Direito líqui-
do e certo inexistente. Denegação N esta instância, o parecer do Sub-
do writ. Decisão unânime." fls. procurador-Geral Wagner de Castro
133. é pelo improvimento do recurso,
com forro nas informações da auto-
Em seu recurso de fls. 147/158, a ridade impetrada - fls. 189/92.
impetrante reitera as alegações da Relatei.
inicial, tecendo críticas ao julgado,
para afinal concluir:
VOTO

"De tudo quanto se expôs, a con- O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-


clusão transparente que resta é TAS (Relator): Senhor Presidente,
a da procedência deste ROMS, a fazer-se melhor resumo da irre-
por seus fundamentos, devendo signação da recorrente, esse consis-
ser cassado o acórdão recorrido tiria da colação dos dispositivos ar-
para se anular o inquérito admi- rolados sob irrogação de infringidos
nistrativo ab initio e por via de por cerceamento de defesa, ofensa
conseqüência a decisão nele pro- ao devido processo legal e ao prin-
ferida, retornando de imediato a cípio da proporcionalidade da pena
Recorrente ao exercício de suas (arts. 27 e 46 da Lei Complementar
funções de juíza. 35/79 LOMAN).
280 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
Ao propósito dessa invocação le- te a Representação n. 01/94 con-
gal, convenha-se que, no quanto foi tra a Doutora Mirena Dantas
possível extrair-se da inicial a indi- Fontes de Góes, Juíza de Direito
cação factual de que consistiriam titular da 6ª Vara Criminal da
tais irrogações, a todos os v. acór- Comarca de Aracaju (Auditoria
dãos recorridos responderam pela Militar), por grave violação dos
negativa da ofensa. Confira-se o acer- seus deveres de Magistrada, re-
to com que, em boa técnica, o voto tendo indevidamente e por mui-
condutor exaustivamente o fez: tos anos inúmeros autos de pro-
cessos, como também pelo des-
"Delineados os parâmetros que cumprimento de determinações
igualmente acompanho na iden- emanadas por superiores hierár-
tificação da certeza e liquidez do quicos, na forma do que dispõe o
direito pleiteado na via manda- artigo 175, I e II da Lei 2.246/79,
mental, passo a examinar detida- que instituiu o Código de Orga-
mente os argumentos lançados nização Judiciária.
pela impetrante, sem precedên-
cia compulsória de análise de Assim, no julgamento do refe-
qualquer deles, uma vez que to- rido processo de Representação,
dos giram em torno de um cerne em sessão plenária restou profe-
único, ou seja, objetivam a nuli- rido o venerável Acórdão, ora ata-
dade do venerável Acórdão n. cado, que, indeferindo a prelimi-
1.026/94 da emissão deste Egré- nar de nulidade do processo e re-
gio Tribunal, que decidiu majori- jeitando a prejudicial de prescri-
tariamente pela aplicação da ção, resolveu no mérito e sob fun-
pena de disponibilidade à Magis- damento no que dispõe o artigo
trada impetrante. 93, inciso VIII, da vigente Cons-
tituição da República, aplicar à
A impetração sustenta a exis-
representada a pena de disponi-
tência de cerceamento defensivo,
bilidade.
vício insanável do referido Acór-
dão, ofensa ao devido processo Inicialmente, registre-se por
legal por desrespeito ao princí- oportuno notar que as alegações
pio da proporcionalidade da que fundamentam o presente man-
pena e desobediência decisória damus são efetivamente genéri-
aos termos dos artigos 46 e 27 da cas e desprovidas da exigente com-
LOMAN (Lei Orgânica da Magis- provação de plano, porque a im-
tratura) - Lei Complementar n. petrante limitou-se a atacar fa-
35/79. tos e procedimentos do julgamen-
Em sumário histórico indis- to, sem contudo conseguir cor-
pensável, retorno ao versado pa- relacioná-los com a lei correspon-
ra lembrar aos senhores pares dente na demonstração de supos-
que a Corregedoria Geral da Jus- ta nulidade, senão vejamos:
tiça do Estado de Sergipe promo- No que tange à alegação de que
veu sindicância e posteriormen- o processo estaria viciado por de-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 281
sobediência aos termos dos arti- (quinze) dias, contados da en-
gos 27 e 46 da LOMAN; tal as- trega da cópia da teor da acu-
sertiva não tem certamente qual- sação e das provas existentes,
quer amparo, estando a merecer que lhe remeterá o presidente
transcrição os citados dispositi- do tribunal, mediante ofício,
vos, o que mesmo considerando nas 48 (quarenta e oito) horas
um tanto quanto enfadonho por imediatamente seguintes à re-
ser de literalidade conhecida e in- presentação da acusação.
clusivejá registrado fielmente às
§ 2 Q - Findo o prazo da defesa
fls. 92/3 destes autos pela insig-
prévia, haja ou não sido apre-
ne autoridade impetrada, enten-
sentada, o presidente, no dia
do de necessária repetição neste
útil imediato, convocará o tri-
voto para constatar-se claramen-
te que nenhum procedimento ali bunal ou o seu órgão especial
exigido foi olvidado ou negligen- para que, em sessão secreta,
ciado pelos condutores processan- decida sobre a instauração do
tes ou julgadores que chancela- processo, e, caso determinada
ram o v. Acórdão, conforme se vê: esta, no mesmo dia distribui-
rá o feito e fará entregá-lo ao
"Art. 46 - O procedimento relator.
para decretação da remoção ou § 3 Q - O tribunal ou seu órgão
disponibilidade de magistrado especial, na sessão que orde-
obedecerá ao prescrito no ar- nar a instauração do processo,
tigo 27 desta Lei." como no curso dele, poderá
afastar o magistrado do exer-
cício de suas funções, sem pre-
"Art. 27 - O procedimento juízo dos vencimentos e vanta-
para decretação da perda do gens até a decisão final.
cargo terá início por determi-
nação do tribunal, ou do seu § 4 Q - As provas requeridas e
órgão especial, a que pertença deferidas, bem como as que o
ou esteja subordinado o magis- relator determinar de ofício,
trado, de ofício ou mediante serão produzidas no prazo de
representação fundamentada 20 (vinte) dias, cientes o Minis-
do Poder Executivo ou Legis- tério Público e o magistrado ou
lativo, do Ministério Público ou o procurador por ele constituí-
do Conselho Federal ou Seccio- do, a fim de que possam delas
nal da Ordem dos Advogados participar.
do Brasil. § 5 Q - Finda a instrução, o
§ 1 Q - Em qualquer hipótese, Ministério Público e o magis-
a instauração do processo pre- trado ou procurador terão, su-
ceder-se-á da defesa prévia do cessivamente, vista dos autos
magistrado, no prazo de 15 por 10 (dez) dias, para razões.
282 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
§ 6º - o julgamento será rea- e apresentou razões derradeiras,
lizado em sessão secreta do tri- exercendo plenamente o seu direi-
bunal ou de seu órgão especi- to defensivo, restando entender
al, depois de relatório oral, e a tal argumento atacante como
decisão no sentido da penali- uma forma genérica de querer
zação do magistrado só será justificar, permissa venia, essa
tomada pelo voto de dois ter- absurda impetração.
ços dos membros do colegiado,
em escrutínio secreto. Já no que concerne à asserti-
§ 7º - Da decisão publicar-se-á va de que foi alvo de cerceamento
somente a conclusão. do direito de defesa, porque teria
sido compelida a ajuizar Manda-
§ 8º - Se a decisão concluir do de Segurança para ter vista
pela perda do cargo, será comu-
dos autos, mais uma vez que des-
nicada imediatamente, ao Po-
moronam as alegações da postu-
der Executivo, para a formali-
zação do ato." lante mandamental, primeiro
porque, como já dito, sua defesa
Diante dos textos epigrafados foi ampla e o pedido de vista na-
em cotejo com todo o processa- quele instante, como bemjustifi-
mento da representação, onde es- cou o ilustre relator Desembar-
taria a "desobediência" indigita- gador Artur Oscar de Oliveira
da pela impetrante que tivesse o Déda, "implicaria em subversão
condão de inquinar de nulidade da ordem processual", posto que
a decisão profligada? o processo estava em fase proba-
Esta é uma pergunta que nem tória, sendo ouvidas testemu-
mesmo a impetrante sabe a res- nhas, não cabendo vista à impe-
posta, porque simplesmente não trante, mas o que foi feito logo
existe, tanto que embora lhe com- após a referida fase. E segundo
petisse, não logrou especificar, porque, o Mandado de Seguran-
uma vez que toda a tramitação foi ça n. 22/94, a que se refere a Ma-
severa e criteriosamente obedeci- gistrada,já foi julgado prejudica-
da no processo em relação ao que do, através do v. Acórdão n. 249/
mandamenta a legislação, tendo 94, cuja cópia ela mesma anexou
a magistrada sido instada, inclu- aos autos às fls. 69 a 72, decisão
sive por duas oportunidades, esta que inclusive já transitou em
para manifestar-se sobre a devo- julgado, restando pois em res ju-
lução dos autos, onde ela sim de- dicata, não podendo seu conteú-
sobedeceu às autoridades hierar- do ser reapreciado no Mandado
quicamente superiores em tal de- de Segurança ora em julgamen-
terminação, mesmo assim apre- to.
sentou defesa prévia, arrolou tes-
temunhas que foram devidamen- Partindo agora ao exame de
te inquiridas, juntou documentos outra das alegações feitas no Man-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 283
dado de Segurança, ou seja, a de na verdade tais faltas giram em
que há vício insanável do Acór- torno de um único fato, ou seja,
dão n. 1.026/94, por não conter retenção de autos.
em seu bojo a íntegra do respei- Com muita propriedade foi o
tável voto vencido do eminente que disse sobre o assunto o ilus-
Desembargador Epaminondas tre Procurador de Justiça em seu
Silva de Andrade e Lima, tem-se parecer às fls. 127 destes autos
mais uma vez a conclusão de que "a assertiva, Egrégio Tribunal, é
a Magistrada punida e irresigna- estarrecedora! ... Considerando a
da procura a todo custo motivos reiteração pela impetrante das
para a impetração, chegando a constantes retenções indevidas
associar procedimentos normais de autos de processo e desobe-
como irregulares e ilegais, na vã diência a ordens de superiores
tentativa de nulificar o v. Acór- hierárquicos, foi a mesma puni-
dão; porque efetivamente tal afir- da com disponibilidade. Que tem
mação não procede, posto que o isso a ver com bis in idem."
eminente Desembargador, autor
Evidente que nada tem a ver,
do único voto divergente na refe- e quanto ao fato único equivoca-
rida decisão, mesmo com os au- se profundamente a impetrante,
tos remetidos pelo relator para porquanto a sua punição resulta
manifestar-se, exerceu tão-so- não só da retenção de autos, que
mente a faculdade de não consig- inclusive é ato gravíssimo, dife-
nar no Acórdão a integralidade do rentemente do que tenta demons-
seu voto, não havendo inclusive trar a Magistrada, porque foram
nenhum ordenamento regimen- inúmeros processos estancados
tal que imponha tal procedimen- por vários anos, alguns inclusive
to, por isso apenas chancelou o por quase um decênio fora da es-
instrumento e registrou, do pró- fera cartorária a causar prejuízos
prio punho, o seguinte: "consoan- às partes, enfim, a todos, sem fa-
te o voto proferido na sessão ple- lar ao próprio Poder Judiciário
nária e devidamente gravado pe- que deve ter higidez na presta-
lo sistema de áudio do pleno des-
ção jurisdicional e o julgamento
te Egrégio Tribunal de Justiça",
está sob sua égide, e tudo isso
conforme consta do Acórdão às
ocorria por ato isolado, exclusivo
fls. 151 dos autos de Representa-
e de responsabilidade da Magis-
ção, apenso a estes autos de Man-
trada impetrante; mas também a
dado de Segurança, que também
sua desobediência contumaz e
o reproduz às fls. 23.
reiterada, quando instada por
Outra alegação também sob a dois Corregedores-Gerais da Jus-
atribuição de "vício insanável" é tiça, nos exercícios dos seus man-
de que o v. Acórdão consigna duas datos, que tiveram ordens de de-
faltas para uma só penalidade, volução dos autos visceralmente
entendendo a impetrante que te- descumpridas pela relutante Ma-
nha aí ocorrido bis in idem e que gistrada.
284 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
N o que pertine à ofensa ao de- porque, como já dito em linhas
vido processo legal por inobser- volvidas, não se trata de deixar
vância ao princípio da "propor- a Magistrada de proferir alguns
cionalidade da pena", argumen- despachos, sentenças, ou reter al-
to lançado sob o entendimento da guns autos por curto espaço tem-
impetrante de que a pena foi se- poral, como quer demonstrar,
vera demais, e na verdade injus- mas simplesmente são inúmeros
ta, porque o que cometeu foi ato processos (43), todos da Comar-
corriqueiro e trivial dos Magis- ca de Aquidabã, de onde a mes-
trados em todo o país, irresignan- majá havia inclusive saído, e que
do-se inclusive a impetrante por- estavam com quase dez anos de
que mesmo sem transitar emjul- retenção indevida e injustificada,
gado a decisão já foi logo afasta- causando prejuízos às partes e
da de suas funções judicantes; maculando evidentemente a ima-
são alegações que igualmente não gem e reputação do Poder Judi-
podem prosperar. ciário. E a desobediência às or-
Ressalte-se por oportuno que dens superiores existiu efetiva-
mente, porque tanto o então Cor-
esta não é a única representação
regedor-Geral da Justiça, o sau-
feita contra a Magistrada-Impe-
doso Desembargador Rinaldo
trante, mas a terceira, onde a pri-
Costa e Silva, como este relator,
meira n. 04/84 teve proferido
quando ocupou igual cargo, assi-
Acórdão 31/95 onde a mesma foi
nalaram prazo para que a repre-
julgada absolvida e a segunda
sentada-impetrante devolvesse
Representação tombada sob n.
os referidos autos de processo,
03/89, teve Acórdão sob o n. 271/
tendo sido a mesma citada sob
95 onde restou a magistrada con-
chancela pessoal e não cumpriu
denada à pena de censura, sob
a determinação e nem sequer ofe-
respaldo na norma ínsita no ar-
receu qualquer justificativa para
tigo 189, § 2 2 , do Código de Orga-
assim não proceder, sendo por-
nização Judiciária do Estado de
tanto totalmente inobediente aos
Sergipe; tendo a terceira, ora em
seus superiores hierárquicos, me-
exame, aplicado a pena de dispo-
recendo sem dúvida a pena de
nibilidade diante da gravidade
disponibilidade que lhe foi apli-
dos fatos apurados e no interes-
cada, não só porque a penalida-
se da Justiça. (conf autos apen-
de de censura já lhe tinha sido
sos).
ministrada anteriormente, como
Ora senhores Desembargado- pelo fato da pena de remoção lhe
res, a retenção indevida de pro- ser impossível, vez que, como bem
cessos e o descumprimento de de- lembrou o relator do v. Acórdão
terminações emanadas por supe- censurado, o problema não esta-
riores hierárquicos são faltas dis- va na Vara ou na Comarca, mas
ciplinares de enorme gravidade em atos próprios da Magistrada
como ocorrida no caso dos autos, a erigir em qualquer delas.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 285
E quanto ao fato de logo após do conhecimento da Corregedoria
a publicação do acórdão ter sido Geral da Justiça, onde tramita
afastada de suas funçõesjudican- nova Sindicância para apuração
tes foi na verdade uma deferên- de fatos denunciados no ofício
cia do Egrégio Tribunal em man- 404/95, subscrito pelo Juiz Audi-
tê-la até tal data, porque na ver- tor Substituto Dr. Gilson Félix
dade, fulcrado no que prevê o ar- dos Santos, apontando inúmeras
tigo 27, § 3º da LOMAN, inclusi- irregularidades cometidas pela
ve já transcrito neste voto, pode- impetrante, a exemplo de reten-
ria a mesma ter sido apartada no ção de processos da Auditoria
curso do processo, assim não agin- Militar, lançamento no relatório
do em seu benefício, pelo que não de outros processos como julga-
tem a menor procedência tal ar- dos, quando sentenças dos mes-
gumentação. mos não existiam, entrada da
Assim, a pena de disponibili- impetrante nas dependências in-
dade aplicada à impetrante está ternas da Vara, inclusive no Ga-
perfeitamente coerente com os binete judicial respectivo, me-
atos por ela praticados, cuja do- diante uso das chaves ainda não
sagem não escapou do que de- devolvidas, entre outras irregu-
monstrou a prova inequívoca dos laridades narradas às fls. 89/91
autos e o que prevê a legislação destes autos.
na espécie, inexistindo cometi- Diante de tudo isto, é mesmo
mento de qualquer ato injusto ou constrangedora a situação de ver
ilegal dos membros do Pretório de forma clara e absoluta que a
aplicador. impetrante, uma Juíza de Direi-
Antes de finalizar, importa em to, tenha cometido atos dessa na-
registrar nesta oportunidade o tureza e se imponha renitente em
que foi objeto recente de informa- reiterá-los, inclusive com maior
ção trazida a estes autos pela gravidade, não havendo como
Excelentíssima Senhora Presi- esta Egrégia Corte, que prima
denta do Egrégio Tribunal de pela moralidade, ética e impar-
Justiça, sobre atitudes da impe- cialidade de seus ilustres mem-
trante, onde, mesmo após sua bros em nome do Poder Judiciá-
condição de disponibilidade, ain- rio e da Justiça, omitir ou negli-
da vem a cometer novos atos re- genciar o cumprimento da lei."-
prováveis e de extrema gravida- fls. 136/44.
de contra partes processuais e ao
próprio Poder Judiciário, ratifi- A partir dessa conferência, cabe
cando por demais a exigência le- concordar-se com o parecer antes
gal e moral de sua penalidade. referenciado, no quanto se pôs em
Em resumo, a Vara da Audito- demonstrar a excelência das infor-
ria Militar é alvo de novas ações mações da autoridade indigitada
da impetrante, que inclusive já é coatora, verbis:

286 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
"As informações rebatem deta- sentado por sua Presidenta,
lhadamente a argumentação de- não tenha considerado a gra-
senvolvida na impetração, calca- vidade da pena de disponibili-
da aquela peça em farta docu- dade aplicada à impetrante.
mentação a ela acostada, além da Trata-se da terceira repre-
que se contém nos apensos, des- sentação feita contra a Dra.
tacando-se dela, apenas para não Mirena Dantas Fontes de Góes.
alongar desnecessariamente este N a primeira representação, de
parecer, transcrevendo-se, os ex- n Q 04/84, onde foi proferido o
certos que seguem: acórdão 31/95, a representada
foi absolvida. Na segunda, Re-
" presentação n Q 03/89, onde foi
Ora, todo procedimento foi proferido o acórdão 271/95, a
cumprido na forma prescrita representada foi condenada a
nos artigos acima epigrafados, pena de censura, com fulcro no
tendo a impetrante apresenta- art. 189, 2 Q parágrafo, do Có-
do sua defesa prévia, arrolado digo de Organização Judiciária
testemunhas que foram inqui- do Estado. Na Representação
ridas, juntando documentos, n Q 01/94, cujo acórdão se pre-
apresentando razões finais, tende desconstituir por via des-
exercendo a plenitude do seu te writ, foi aplicada a pena de
direito de defesa, poupamo-nos disponibilidade, por interesse
de fazer uma apreciação mais público, prevista no art. 179,
minuciosa, uma vez que não IV, da Lei n Q 2.246, 26 de de-
indicou a impetrante como, ou zembro de 1979 (Código de
onde, foi desobedecido o proce- Organização Judiciária de Ser-
dimento estabelecido, limitan- gipe), diante da gravidade dos
do-se a dizer que 'o procedi- fatos apurados e no interesse
mento rígido estabelecido, es- da Justiça, foi aplicada a pena
pecialmente na sua fase de ad- de disponibilidade, até porque
missibilidade, se constitui em não era possível a aplicação da
garantia do magistrado, que o pena de remoção, pois, como
órgão disciplinar não pode des- bem demonstrado pelo Relator,
considerar. O desatendimento o problema não era da Vara ou
de tais regras, constitui causa da Comarca, conforme aduzido
de nulidade absoluta do pro- no acórdão n Q 1.026/94." (fls.
cesso disciplinar ... ', o que, da- 94)" - fls. 190/92.
ta venia, já é do conhecimen-
to deste Tribunal." (fls. 93) Pelo exposto, nego provimento ao
recurso.

É necessário, a esta altura, VOTO-VISTA


fazer alguns esclarecimentos,
para que não se pense que este O SR. MINISTRO FLAQUER
Egrégio Tribunal, aqui repre- SCARTEZZINI: Sr. Presidente, cha-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 287
mou-me a atenção nos presentes au- nar, como reiteradamente tem
tos a alegação de inobservância do decidido a instância superior."
devido processo legal, ao enfoque de
que no feito que teve como conse- No recurso ordinário (fl. 153), fo-
qüência a colocação em disponibili- ram repisados os argumentos de
dade do impetrante, foi desobede- afronta ao § 29 , do art. 27, da LOMAN,
cido o § 2 9 , do art. 37, da Lei Com- nestes termos:
plementar 35/79 (LOMAN), que reza:
"c} deixou de realizar o juízo pré-
"Findo o prazo da defesa prévia, vio de admissibilidade da repre-
haja ou não sido apresentada, o sentação, previsto no art. 27, § 2 Q,
presidente, no dia útil imediato, suprimindo assim 'uma instância
convocará o Tribunal ou seu ór- ao processo.
gão especial para que, em sessão Esse Egrégio STJ tem uniforme
secreta, decida sobre a instaura- entendimento jurisprudencial no
ção do processo, e, caso determi- sentido de considerar nulos os
nada esta, no mesmo dia distri- processos administrativos reali-
buirá o feito e fará entregá-lo ao zados contra magistrado em de-
relator." sobediência às garantias previs-
tas na LOMAN. A título de exem-
Ao exame da representação em plo, podem ser mencionados dois
anexo, verifico que esta formalida- acórdãos da lavra do E. Ministro
de, indispensável a meu ver, para Pedro Acioli, o primeiro prolata-
instauração do processo disciplinar do no ROMS 0166, 1989, publi-
não foi cumprida. cado na RSTJ vol. 10, pág. 196 e
Tinha dúvida se essa questão ha- o segundo, no MS 3.340-6, Piauí,
via sido levantada na inicial, que proc.93.0021344-0.
resta afastada no seguinte trecho da Nos autos há prova suficiente
exordial, verbis: pela qual garantias fundamen-
tais da Recorrente lhe foram sub-
"13 - De saída, se constata que traídas, desde a defesa prévia
foram frontalmente violados os com prazo reduzido, à negativa
arts. 46 e 27 da LOMAN, lei com- permanente de acesso aos autos,
plementar que não poderia ter culminando com a supressão do
sido posta de lado. O procedimen- juízo de admissibilidade, previs-
to rígido, ali estabelecido, espe- to na LOMAN, perderia a sua im-
cialmente a sua fase de admissi- portância diante da decisão final
bilidade, se constitui em garan- do Tribunal em aplicar a pena.
tia ao magistrado, que o órgão Não prospera o argumento. A
disciplinar não pode desconside- LOMAN ao estabelecer tal sole-
rar. O desatendimento a tais re- nidade impôs uma etapa no pro-
gras, constitui causa de nulida- cedimento que não pode ser con-
de absoluta do processo discipli- siderada, em nenhuma hipótese,

288 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
despicienda. Equivale, mutatis sem a autorização determinada no
mutandis, àquela estabelecida § 2 9 do art. 27, da Lei Complemen-
no art. 83 da CF, como garantia tar 35/79, a fim de que seja cumpri-
ao Presidente da República em da tal exigência, qual seja a sessão
casos de processo por crime de secreta para que seja decidido so-
responsabilidade. bre a instauração do processo.
Ou se segue e se obedece à LOMAN, Com estas considerações, dou
único diploma normativo legiti- provimento parcial ao recurso.
mado a regular os processos ad- É como voto.
ministrativos contra magistrado,
ou se dá prevalência ao direito
local. Na primeira hipótese, a au- VOTO
sência da sessão para se decidir
quanto à admissibilidade da re- O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL-
presentação é supressão de uma DO: Com esses esclarecimentos,
garantia, viciadora de nulidade. acompanho, com a devida vênia do
Representa uma oportunidade de Sr. Ministro José Dantas, o Sr. Mi-
defesa inafastável, ao magistra- nistro Cid Flaquer Scartezzini.
do que está sendo acusado em
processo."
VOTO
Ora, a sessão para admissibilida-
O SR. MINISTRO FELIX FIS-
de da representação é uma formali-
CRER: Sr. Presidente, com a devi-
dade estabelecida em lei, que não
da vênia do Sr. Ministro José Dan-
pode ser ignorada, o que ocorrendo,
tas, acompanho o voto do Ministro
como in casu, acarreta a nulidade
Cid Flaquer Scartezzini.
do processo.
Não importam os motivos que le-
varam o tribunal a aplicar a pena VOTO- VOGAL
de disponibilidade à Magistrada,
pois é questão de mérito, que so- O SR. MINISTRO EDSON VIDI-
mente, será analisada após a pre- GAL: Senhores Ministros, com to-
faciaI. das as respeitosas vênias, acompa-
Data venia, entendo deva ser nho o voto do Sr. Ministro Cid Fla-
anulado o processo, desde o momen- quer Scartezzini.
to da instauração da representação É o voto.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 289
RECURSO ESPECIAL N9 125.675 - SP
(Registro n 9 97.0021660-8)

Relator: O Sr. Ministro José Arnaldo


Recorrentes: Oswaldo Boschezzi e outro
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
Advogado: Dr. Michel David Asckar

EMENTA: Habeas corpus. Processo Penal. Sentença prolatada.


Suspensão do processo. Art. 89, da Lei 9.099/95. Inviabilidade.
- Recurso conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO meses e 5 dias e a 7 meses, de pri-


são simples, respectivamente, por
Vistos, relatados e discutidos es- violação do art. 58, do Decreto-Lei
tes autos, acordam os Ministros da 6.259/44, interpuseram apelação
Quinta Turma do Superior Tribunal para o Tribunal de Alçada Criminal
de Justiça, na conformidade dos vo- de São Paulo, tendo a 11 ª Câmara
tos e das notas taquigráficas a se- negado provimento ao recurso por
guir, por maioria, conhecer do re- maioria.
curso, mas lhe negar provimento. Apresentados embargos infrin-
Votou com o Relator o Sr. Ministro gentes, resultaram rejeitados, por
José Dantas. Votou vencido o Sr. maioria, advindo a presente irresig-
Ministro Felix Fischer. Ausente, nação por ofensa ao art. 89, da Lei
justificadamente, os Srs. Ministros 9.099/95 e inobservância do inciso
Edson Vidigal e Cid Flaquer Scar- XL, do art. 59 da Constituição e do
tezzini. art. 29, do Código Penal, que deter-
minam a retroatividade da lei pe-
Brasília, 07 de outubro de 1997
nal benéfica.
(data do julgamento).
É que, segundo os recorrentes,
Ministro JOSÉ DANTAS, Presi- com o advento da Lei 9.099/95, art.
dente. Ministro JOSÉ ARNALDO, 89, é inafastável a indispensabili-
Relator. dade de remessa dos autos à comar-
Publicado no DJ de 18-05-98.
ca de origem para as providências
de que trata referido dispositivo.
Contra-arrazoado pelo Parquet
RELATÓRIO estadual, o apelo foi admitido pela
letra a do permissivo constitucional,
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL- e, nesta instância, pronunciou-se o
DO: Oswaldo Boschezzi e Wanyr Ministério Público Federal pelo co-
Edson Boschezzi, condenados a 8 nhecimento e provimento do recurso.

290 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
É o relatório. o Ministério Público, ao ofere-
cer a denúncia, poderá propor
a suspensão do processo, por
VOTO
dois a quatro anos ... "
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL-
Esse texto é claro, o momento
DO (Relator): Os recorrentes foram
adequado para que seja proposta
condenados à pena inferior a 1 ano,
a suspensão do processo é o da
nos termos da legislação codificada
oferta da denúncia.
penal, com o beneficio do sursis.
O il. processualista Júlio F. Mi-
Interpuseram, então, apelação
para fazer incidir a Lei 9.099, de rabete entende ainda, no silên-
26.9.95, não lograram, contudo, êxi- cio da lei, possível a formulação
to, daí ter insuflado esta instância da proposta em outras duas hi-
superior, limitada a irresignação a póteses: "quando, após a instru-
se conferirem os efeitos da retroa- ção, nos termos do art. 384 do
tividade da suspensão condicional Código de Processo Penal for a
do processo (art. 89). imputação desclassificada para
crime que pode ser objeto de sus-
No REsp 130.775-PR, recorrente pensão quando, com a denúncia,
o Ministério Público estadual, esta isso não era possível"; e "no caso
Eg. 5ª Turma, à unanimidade, em de processo que deva ser subme-
sessão de 19.8.97, acolheu o voto tido ao Tribunal do Júri quando
que proferi deste teor: a desclassificação ocorre nos ter-
mos do art. 410 do citado Estatu-
Como se sabe, a Lei 9.099/95 con- to" (in Juizados Especiais Crimi-
sagra inúmeras medidas não só nais, Ed. Atlas, 1997, pág. 156).
com o evidente intuito de mitigar
a incidência de sanções penais a No sentido, pois, de que a propos-
autores de delitos de menor po- ta de suspensão do processo ocor-
der ofensivo, como também de ra no momento da apresentação
oferecer instrumentos hábeis a da denúncia, estes julgados do
fomentar uma política criminal Supremo Tribunal Federal:
tendente a integrar ou recondu-
zir esses infratores ao meio so- "Processo Penal- Suspensão.
cial desde que observadas certas A incidência da regra prevista
condições. no artigo 89 da Lei 9.099/95
pressupõe não haver sido pro-
Preceitua o art. 89, do retro dito latada, ainda, sentença conde-
diploma legal: natória. Visa à suspensão do pro-
cesso e, portanto, a evitar sen-
"Art 89 - Nos crimes em que tença que imponha ao acusado,
a pena mínima cominada for considerada pena mínima pre-
igualou inferior a um ano, vista para o tipo igualou infe-
abrangidas ou não por esta Lei, rior a um ano, pena restritiva
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 291
da liberdade (RC 74.848-1, 2ª para a aplicação de princípios mais
Turma, ReI. Min. Marco Auré- benéficos com vistas a evitar con-
lio, DJ 27.6.97, pág. 30.230)." trariedade à Constituição, pouco
"Incabível a suspensão do pro- importando se as normas são mis-
cesso, reclamada pelo impe- tas, nesse caso retro agem sempre,
trante com base nas Leis atenta ao citado inciso XL: a lei pe-
9.271/96 e 9.099/95, por se tra- nal não retroagirá, salvo para be-
tar de fato apreciado por sen- neficiar o réu.
tença anterior ao advento das A propósito, adverte o penalista
mesmas (RC 75.200-4 - ReI. Júlio Mirabete:
Min. Ilmar Galvão, Informati-
vo do STF nº 75, de 18.6.97,
pág.3)." "Preferimos entender que o art.
89 somente se refere às normas
Acena-se, agora, com remissão ao exclusivamente processuais pois,
disposto no art. 5 Q , inc. XL, in fine, em tese, o diploma legal refere-
da Carta Magna, a fim de se fazer se a procedimentos, embora te-
incidir o art. 89, da Lei 9.099/95 ao nha criado institutos de direito
processo em curso, com sentença material. Quanto às demais, de
condenatória mantida em 2 Q grau, caráter substantivo ou misto, de-
por se constituir em norma mais be- vem vigorar as normas de apli-
nigna de direito penal e via de con- cação da lei penal no tempo, o que
seqüência, ter eficácia retroativa. impõe a aplicação do princípio da
O art. 89, transcrito, estabelece lei mais benéfica mencionado, tal
o momento adequado para que seja como disposto no art. 5Q , XL, da
proposta a suspensão do processo: Constituição Federal e art. 2 Q e
o da oferta da peça acusatória. parágrafo único, do Código Pe-
N o art. 90 está dito: "As disposi- nal" (in Juizados Especiais Cri-
ções desta Lei não se aplicam aos minais, Editora Atlas, 1997, pág.
processos penais cuja instrução já 170). E aponta as disposições que
estiver iniciada." não estão alcançadas pelo art. 90:
Esses preceitos, frente ao estatuí- os institutos da composição, tran-
do no inc. XL, do art. 5 Q , da Consti- sação e suspensão condicional do
tuição, têm provocado acesas dis- processo porquanto "permitem,
cussões e divergências em doutrina se efetivadas, a extinção da pu-
e nos tribunais de todo o país. De- nibilidade, ou seja, a perda do
batem-se, então, as correntes: uma, direito subjetivo do Estado de
dizendo que os citados dispositivos punir (ius puniendi), se consti-
não se aplicam às normas proces- tuindo, inclusive, forma de "des-
suais e procedimentais; outra, sem penalização", são regras mais
se deter exclusivamente no critério benignas de direito penal, dota-
distintivo entre regras processuais das portanto de retroatividade" ...
e penais de direito material pende (ibidem, pág. 170).
292 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
° Colendo Supremo Tribunal Fe-
deral, no Inquérito nº 1.055-3-AM,
opção do legislador quanto à Lei
9.099/95, ao determinar que seus
reI. Ministro Celso de Mello, DJ dispositivos não fossem aplicados
24.05.96, pág. 17.412, Plenário, aos processos penais cuja instrução
unânime, fixou a diretriz de que a já estivesse iniciada" (ibidem, págs.
composição civil (art. 74, parágrafo 168/69).
único), a transação penal (art. 76), Atento ao princípio da retroati-
a representação nos delitos de le- vidade benéfica, e ao preceito limi-
sões corporais culposas ou dolosas tador da aplicação da suspensão
de natureza leve (arts. 88 e 91) e a condicional do processo (art. 90, Lei
suspensão condicional do processo 9.099/95) parece-me, concessa ve-
(art. 89), integram as medidas des- nia das autorizadas lições de dou-
penalizadoras e qualificam-se como trina e pretorianas em contrário,
normas penais benéficas sob o al- que até antes de proferida a senten-
cance do princípio constitucional ça, mesmo em curso a fase instru-
que faz observar a lex mitior, de tória, possa ser suspenso o processo.
aplicação retroativa e incidência
imediata, arrematando: "Ao alcan- Assim, como para muitos, dentre
eles: "o limite natural da aplicação
çarem, de forma imediata, ou não,
retroativa da suspensão do proces-
a liberdade do réu, ganham contor-
so está no trânsito em julgado"
nos penais suficientes a atrair a
(Luiz Flávio Gomes - in Suspen-
observância imperativa do dispos-
são Condicional do Processo Penal
to no inciso XL do rol das garantias
- 2ª ed., 1997, pág. 270), para mim
constitucionais. "
o limite é a lavratura da sentença,
Em assentada do dia 11.06.96, a sem com isso malferir-se o cânon
2ª Turma, do STF, unânime, reI. constitucional da retroatividade be-
Ministro Marco Aurélio, no tocante néfica.
à suspensão condicional do proces-
Acentue-se que a decisão pionei-
so previsto na Lei 9.099/95, enfati-
ra, do STF, qual anota o Prof. Júlio
zou o entendimento de ser regra Mirabete, de que foi relator o Em.
penal substantiva, e sendo mais Min. Celso de Mello, "refere-se não
favorável é de eficácia imediata e re- a processo em andamento no início
troativa (HC 73.837-1/GO, DJ 6.9.96, da vigência da Lei 9.099/95, mas a
pág. 31.854). inquérito policial (de nº 1.055/AM),
No processo comum, penal ou ci- quando ainda não se instaurara a
vil, erigiu-se o princípio da aplica- ação penal originária com o recebi-
ção imediata da lei processual. "En- mento da denúncia" (mesma obra
tretanto, preconiza o iI. Prof. Júlio pág.174).
Mirabete, por disposição expressa Com efeito, posteriormente, o
da lei, pode-se regular a aplicação da STF, pelas suas duas Turmas, HC
lei processual de modo diverso, ou 74.848-1- 2ª Turma, reI. Min. Mar-
seja, impedir a aplicação da nova lei co Aurélio e HC 75.204-4 - 1ª Tur-
aos processos já em curso. Foi essa ma - reI. Min. Ilmar Galvão, em

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 293
julgamentos deste ano, condicionou aplicada após a sentença, ainda que
a incidência do art. 89, da Lei 9.099/ não trânsita em julgado.
95 a não haver sido prolatada sen- Neste Órgão Julgador, já se deci-
tença condenatória, conforme emen- diu, sob a relatoria do Exmo. Sr. Mi-
tas acima transcritas. nistro José Arnaldo da Fonseca, as-
Desse modo, afinado com esse en- sim como sob a minha relatoria, em
tendimento, desta 5ª Turma e com sentido contrário. Julgou-se, naque-
o do v. acórdão recorrido e outros do las ocasiões, que a Constituição Fe-
Tribunal de Alçada Criminal de São deral não permitiria essa limitação
Paulo e Tribunal de Alçada do Rio imposta pelo Supremo Tribunal Fe-
Grande do Sul, dentre os quais: deral. Então, por força do art. 5 Q ,
inciso XL, da Constituição Federal
Do 1Q ): RC 286.754, reI. Damião
e do art. 2 Q , do Código Penal, não
Cogan,Ap 008.497, reI. Ricardo Dip;
havendo trânsito em julgado, dever-
Ap 1.006.899, ReI. Pires Neto; Ap
se-ia possibilitar a aplicação daque-
009.355, reI. Ubiratan de Arruda;
las normas mistas, pertinentes a
Ap. 002.771, ReI. Xavier de Aquino; cada caso, da Lei dos Juizados Es-
Ap. 003.175, ReI. Luis Ganzerla; peciais Criminais, sobrestando-se,
Do Rio Grande do Sul: Ap assim, os efeitos da decisão aqui
296.011.174 - ReI. Constantino Lis- atacada.
boa de Azevedo; Ap 295.066.088, ReI.
Luiz Armando Bertanha de Souza
VOTO-VOGAL
Leão;Ap 296.007.784, ReI. Luís Car-
los Ávila de Carvalho Leite (todos ex-
traídos do consagrado compêndio do O SR. MINISTRO JOSÉ DAN-
TAS: Senhores Ministros, com a
il. penalista e magistrado Luiz Flá-
devida permissão do Sr. Ministro
vio Gomes, "Suspensão Condicional
Felix Fischer, acompanho o voto do
do Processo Penal" - 2ª ed., 1997,
Sr. Ministro-Relator, pois tenho em
págs. 250/54) - conheço do recurso,
mãos o último pronunciamento do
mas lhe nego provimento.
Tribunal Pleno do Supremo Tribu-
nal Federal, que diz o seguinte:
VOTO- VISTA
"Suspensão condicional da
pena. Lei 9.099/95. Inaplicabili-
o SR. MINISTRO FELIX FIS- dade se quando se iniciou a vi-
CRER: Exmo. Sr. Presidente, o caso gência da lei que a instituiu já
em julgamento trata de matéria havia sentença condenatória."
polêmica, especialmente após a pu-
blicação de dois acórdãos do Supre- Não se fala em decisão transita-
mo Tribunal Federal, no sentido de da em julgado. É a mais nova pu-
que a Lei 9.099/95 não poderia ser blicação, de 10.09.97.

294 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
RECURSO ESPECIAL Nº 140.899 - PR
(Registro nº 97.0050589-8)

Relator: O Sr. Ministro José Arnaldo


Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná
Recorrido: Romildo de Oliveira (preso)
Advogado: Argemiro Rocha de Oliveira Filho - defensor

EMENTA: Latrocínio praticado com o concurso de menor. Lei


2.252/54, art. 1 ~
- Delito de corrupção de menor configurado. Crime de perigo.
Presunção decorrente do próprio texto legal. Tutela penal de
moralidade dos menores contra a corrupção penal.
- Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos es- O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL-


tes autos, acordam os Ministros da DO: O Ministério Público do Estado
Quinta Turma do Superior Tribunal do Paraná, irresignado com a deci-
de Justiça, na conformidade dos vo- são do Tribunal de Justiça que, con-
tos e das notas taquigráficas a se- firmando a sentença que condenou
guir, por unanimidade, conhecer do Romildo de Oliveira à pena de 20
recurso e lhe dar provimento para anos de reclusão, em regime fecha-
condenar o réu, Romildo de Olivei- do, pela prática de latrocínio (art.
ra, também pelo crime de corrupção 157, § 3º, do CP), absolveu-o da acu-
de menor, aplicando-lhe a pena de sação de corrupção de menor - re-
1 (um) ano de reclusão no mínimo corre com base nas alíneas a e c, inc.
legal, por ser menor de 21 anos e lU, art. 105, da Constituição, sus-
não constarem maus antecedentes, tentando, em resumo, violação ao
confirmadas as demais cominações. art. 1Q, da Lei 2.252/54 e divergên-
Votaram com o Relator os Srs. Minis- cia jurisprudencial, porquanto a
tros Felix Fischer, Edson Vidigal, José "simples associação do adulto a um
Dantas e Cid Flaquer Scartezzini. menor para a prática do delito, é o
Brasília, 17 de março de 1998 (da- bastante para caracterizar o fato
ta do julgamento). típico previsto na Lei 2.252, de
1954, porque praticar infração pe-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre-
nal na companhia de menor ou in-
sidente. Ministro JOSÉ ARNALDO,
duzi-lo a praticá-Iajá é corrompê-lo."
Relator.
Admitido, vieram os autos e aqui,
Publicado no DJ de 27-04-98. oficiando, o Ministério Público Fe-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 295
deral posicionou-se em favor do pro- "Argumenta o douto Promotor de
vimento do apelo. Justiça nas alegações finais, com
É o relatório. a natureza formal do delito da lei
especial. Registra-se, porém, que
o Egrégio STJ, ao contrário do
VOTO Egrégio STF, considera o delito
de corrupção de menor essencial-
O SR. MINISTRO JOSÉ ARNAL- mente material. Aqui, veja-se que
DO (Relator): A sentença condena- declarou José Vieira (fl. 14) "na
tória, mantida pelo aresto recorri- madrugada do dia 19/02/96 - 2ª
do, está vazada, no tópico que im- feira, por volta das 3:30 horas, o
porta, nestes termos (fls. 228/29): depoente encontrava-se em sua
casa, quando foi acordado por seu
"Quanto ao crime de corrupção de irmão e Romildo, sendo que os
menores, por ter o Réu praticado mesmos estavan1 chorando ... " Con-
o crime com o adolescente Eloir clui-se, pois, que a reação de am-
Vieira, de 16 anos de idade, en- bos à prática do crime foi seme-
tendo, que não se configura. lhante. Considero ainda, que o
adolescente não possuía passa-
"O réu possui 18 anos de idade, gens pelo Juizado da Infância e
nasceu em 03 de Dezembro de Juventude, mas o réu, por igual,
1979 - certidão de nascimento é primário, não possui anteceden-
de f. 23 ... tes desabonadores, consta que
"cumpre reconhecer que o réu sempre trabalhou, incursiona-
com pouco mais de 18 anos e o ram juntos pela primeira vez pelo
adolescente Eloir com mais de 16 mundo do crime. Inclino-me,
anos, são praticamente da mes- pois, pela absolvição do réu quan-
ma idade, agiram com equivalên- to ao crime do artigo 1Q da Lei
cia comportamental, ressai dos 2.252/54, por entender que não
autos que eram companheiros, resultou comprovado à suficiên-
andavam juntos, este freqüenta- cia." (fls. 108/109)."
va os mesmos lugares que aque-
le, não dispensou o adolescente a Não há dúvida de que o recorrido
ingestão de bebida etílica e o uso perpetrou o crime de latrocínio com
de substância entorpecente (ma- o adjutório do adolescente, caracte-
conha), de modo que, resulta de- rizada aí a conduta ilícita penal des-
monstrada sua independência crita no art. 1Q, da Lei 2.252/54.
volitiva, (ver depoimento de f. 40 Não se ignora a antiga e inafas-
e verso). Mais, o Réu disse que tada divergência acadêmica e pre-
logo de início, ainda na frente do toriana acerta da inteligência do
bar, onde encontraram a vítima referido dispositivo legal. Para uns,
caída, revistaram seus bolsos, o trata-se de crime material, ou seja,
adolescente subtraiu da vítima não comprovado que o menor fora
um canivete e um pedaço de fumo corrompido pelo réu, a conduta des-
em corda. te é atípica sob o ponto de vista enun-

296 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
ciado no predito preceito de lei es- E. Magalhães Noronha (Direi-
pecial. Para outros, é desnecessária to Penal, vol. 3, pág. 178, da 18ª
a prova de que o menor ainda não ed., 1986), enfatiza:
estava corrompido anteriormente.
Induvidosamente, a presunção, "É visível que o objeto dessa lei
até prova em contrário, é de que foi prover de maior tutela os
todo menor tem bons costumes. Por interesses do menor, coibindo
outro lado, a Lei 2.252/54 objetiva, a prática de delito, em que
essencialmente, proteger os meno- existe exploração sua, ou me-
res, ao estabelecer: lhor, de infrações (crime ou
contravenção), em que há in-
"Constitui crime, punido com a tervenção de menor de dezoito
pena de reclusão de 1 (um) a 4 anos. Em face dessa lei, quem
(quatro) anos e multa de mil cru- pratica infração em companhia
zeiros a dez mil cruzeiros, cor- de menor, além das penas do
romper ou facilitar a corrupção crime ou da contravenção, co-
de pessoa menor de 18 (dezoito) meterá também o delito do art.
anos, com ela praticando infração 1º. Assim, por exemplo, quem
penal ou induzindo-a a praticá- furtar, juntamente com menor,
la." não só incidirá nas penas do
furto, mas também nas do re-
Depreende-se do aí preconizado ferido dispositivo, há duas ob-
que o objetivo da tutela penal é a jetividades jurídicas violadas
moralidade dos menores na área - a posse da coisa móvel e a
das condutas delitivas. preservação dos costumes do
menor. A regra será a do con-
No caso em exame, ocorreu o con- curso formal."
curso de pessoas, do recorrido com
o menor, para a prática da infração A Lei nº 2.252/54, de forma clara
penal, o roubo qualificado. diz que o delito se constitui em
Colhe-se parte do voto do Minis- "corromper ou facilitar a corrup-
tro Costa Lima, no REsp 2.173-PR, ção de pessoa menor de 18 anos,
em que traz a cotejo a corrente de com ela praticando infração pe-
idéias que adota a orientação no nal ou induzindo-a a praticá-la."
sentido de que "a corrupção por ini-
Nelson Hungria ("Comentários,
ciativa ou induzimento dispensa
qualquer indagação post factum: VIII/192) lembra que a corrupção
presume juris et de jure a corrup- por iniciativa ou induzimento
ção (fls. 4 a 7): dispensa "qualquer indagação
post factum: presume juris et
"Por outro lado, o art. 1 Q da Lei de jure a corrupção".
n Q 2.252, de 01/07/54 é norma es- A jurisprudência de vários Tribu-
pecial, que não revogou a geral nais de Justiça se inclina tanto
(art. 218, do CP). no sentido do acórdão quanto não.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 297
Porém, o Supremo Tribunal Fe- da presunção de inocência que
deral possui entendimento firme guarnece o imputado. Mas isto
sobre o tema como passo a de- não se dá, sob pena de criar-se
monstrar: uma presunção de corrupção
em detrimento de todo inimpu-
Corrupção de menores. Código tável. Nisto reside a maior crí-
Penal, artigo 218. Tratando-se tica ao acórdão recorrido, cuja
de delito formal, prescinde-se, tese pressupõe esta insusten-
para sua configuração, da pro- tável presunção contra o me-
va da efetiva corrupção. A con- nor.
junção carnal incluindo-se en-
A tese atacada, sem negar vi-
tre os atos de libidinagem com-
gência à lei, inviabiliza sua
preendidos no alcance da nor-
ma; no caso, como um plus na aplicação na prática, na medi-
corrupção. da em que, se é difícil ao im-
putado provar a prévia corrup-
Precedentes do STF. ção do menor, é quase sempre
Recurso Extraordinário conhe- impossível provar a não cor-
cido e provido. (RECr n Q rupção, a inocência ou os bons
98.767-PR, ReI. Min. Oscar antecedentes de alguém, por
Corrêa, pub. DJ de 01.07.83, isto mesmo ordinariamente
pág. 10.000). presumidos na falta de prova
em contrário. O provimento do
No RECr, do mesmo Estado do apelo raro pelo dissídio juris-
Paraná, o Relator Ministro Oscar prudencial, impondo a melhor
Corrêa acolheu parecer do profes- jurisprudência ao caso, não
sor Assis Toledo, hoje ilustrando cerceará o julgador na criterio-
esta Turma e este ST J, de onde sa apreciação das circunstân-
destaca os seguintes lances: cias de cada hipótese que po-
dem, efetivamente, excluir o
"Enquanto o acórdão impugna- crime, se restar provado que a
do exige a prova de que o me- prática ou o induzimento da
nor não se achava anterior- prática de infração penal com
mente corrompido, para ense- e pelo menor nada acrescentou
jar a condenação, os paradig- à sua previa corrupção." (fls.
mas presumem a não corrup- 133/134).
ção do menor, embora admi-
tam a prova de sua anterior E concluiu o Relator:
corrupção. À primeira vista,
parece que os paradigmas, ao "N a verdade, o acórdão recor-
condenarem o corruptor, se rido praticamente inverteu o
este não provar que o menor sentido da presunção de ino-
já era corrompido, estejam cência: ao invés de admitir que
atentando contra a consagra- os menores são inocentes, sal-

298 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
vo prova em contrário, prati- Por isso, afirma Manzini, que
camente admitiu que são cor- este é crime de perigo". (Lições
rompidos, salvo prova da ino- de Direito Penal, volume lU,
cência. pág.25).
o fato de terem freqüentado o A Corte tem sufragado tal en-
baixo meretrício não prova a tendimento, como se vê dos
corrupção, e, menos ainda, o acórdãos nos HC 46.272-PE
aprendizado no crime, que (RTJ 49/534), Relator Ministro
constituiu, por certo, a parti- Luiz Gallotti, RE 73.651-SP,
cipação no estupro, a que os Relator Ministro Thompson
levaram os réus." (fl. 135). Flores (RTJ 62/520), RE
77.794-SP, Relator Ministro
Antônio Neder (RTJ 76/789) e
o Ministro Carlos Madeira pro- RE 92.797-MG, Relator Minis-
ferindo voto no RECr n Q 109.099-
tro Néri da Silveira (RTJ 103/
PR (RTJ voI. 119/866) relembrou:
243).
Todavia, como assinala Hele- Por tais razões, conheço do re-
no Fragoso, "toda corrupção curso e lhe dou provimento,
é moral, já que a perversão fí- para restabelecer a sentença
sica envolve sempre uma sub- de primeiro grau.
versão de princípios morais".
Como diz Manzini, a corrup- Mais recentemente, o mesmo
ção concretiza-se sempre numa STF voltou a reiterar que a cor-
rupção de menores é delito for-
modificação essencialmente
mal e para sua configuração pres-
moral.
cinde-se da prova da efetiva cor-
rupção (RECr nº 114.019-PR, in
E acrescenta: RTJ 126/1.097-1.099 - ReI. Min.
Célio Borja)."
"Contrariamente ao que dispu-
nha nosso Código anterior (ins- Por fim, transcreve-se trecho do
pirado no Código Zanardelli), parecer do então Procurador de J us-
não se exige, para a consuma- tiça, hoje compondo, com brilho,
ção do crime, que sobrevenha esta Corte, o Min. Felix Fischer, na
a efetiva corrupção da vítima, AC 43.247-7, TJ/PR (fls. 155/156):
que é sempre presumidajuris
et de jure da prática de qual- "Cumpre destacar, igualmente,
quer das ações típicas constan- que é praxe combater o recurso às
tes da descrição legal do crime. presunções na área penal. Mas,
Não aproveitará, assim, ao mesmo neste tópico, a quaestio
agente, a prova de que, in con- se apresenta fora dos parâmetros
creto, não correu, absoluta- pertinentes. De um lado, fala-se,
mente, a corrupção da vítima. por exemplo, em odiosa presun-
R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 299
ção de violência nos delitos con- fim, tendência peculiar, transcen-
tra os costumes, todavia a expres- dência, etc. Basta que o agente
são, aí, é indevida (v. o moderno tenha vontade e consciência de
CP português), como destaca João realizar uma das formas que in-
Mestieri (in "O Estupro"). Tan- dicam a corrupção ou a facilita-
to que a denominada hipótese de ção da corrupção. E, para tanto,
presunção tem que ser coberta a consciência atual, exigida no
pelo dolo (o que existe é exten- dolo, envolve a co-consciência (cfe.
são de norma de proibição e não Teresa P. Beleza, Jacobs, Jes-
presunção, apesar do nomem iu- check, entre outros) ou certo
ris, que não é elemento decisivo grau de atualização incorporada
da interpretação teleológica). De (E. R. Zaffaroni). É suficiente
outro, é a presunção de perigo que o sujeito ativo saiba, de for-
que, limitada e minimizada se ma até difusa (Teresa P. Bele-
apresenta como incriminação, za), que o sujeito passivo é menor."
por vezes, indispensável (o uso
exagerado, pelo legislador, é que Ante o exposto, conheço do recur-
pode mostrar-se odioso). so e lhe dou provimento para con-
Ultrapassados estes itens, é de se denar o réu, Romildo de Oliveira,
acentuar que o tipo subjetivo, na também pelo crime de corrupção de
corrupção de menores, se esgota menor, aplicando-lhe a pena de um
no dolo. Tanto numa forma como ano de reclusão no mínimo legal,
noutra, tem-se o chamado tipo por ser menor de 21 anos e não cons-
congruente (cfe. E. R. Zaffaroni). tarem maus antecedentes, confir-
Não há que se falar de especial madas as demais cominações.

RECURSO ESPECIAL Nº 155.426 - SP


(Registro nº 97.0082293-1)

Relator: O Sr. Ministro Felix Fischer


Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Recorrido: Altair Assunção Reis
Advogado: Humberto da Silva Monteiro

EMENTA: Penal e Processual Penal. Lei nº 9.099/95. Suspensão


condicional do processo. Oferta. Iniciativa.
I - Incumbe ao Ministério Público a proposta de suspensão con-
dicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c o art. 129, inci-

300 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
so I e § 2 9 da Carta Magna), não podendo em princípio, ser esta
realizada pelo julgador.
11 - Na hipótese de divergência entre juiz e promotor acerca da
oferta da suspensão, os autos devem ser, por aquele, encaminha-
dos ao Procurador-Geral de Justiça.
Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO para que o egrégio Tribunal a quo,


examine o mérito da apelação (na
Vistos, relatados e discutidos es- qual se asseverou nulidade).
tes autos, acordam os Ministros da O retrospecto está delineado às
Quinta Turma do Superior Tribunal fls. 524/525, in verbis: "Altair As-
de Justiça, na conformidade dos vo- sunção Reis foi condenado por in-
tos e das notas taquigráficas a se- fringência aos arts. 121, C.c. o 70
guir, por unanimidade, conhecer do (duas vezes), e 129, § 6 9 , C.C. 70 (três
recurso e dar-lhe provimento, nos vezes), todos do CP, à pena de um
termos do voto do Ministro-Relator. ano e dois meses de detenção, con-
Votaram de acordo os Ministros vertida em restritiva de direito com
Edson Vidigal, José Dantas, Cid a suspensão para direção de veícu-
Flaquer Scartezzini e José Arnaldo. los automotores pelo mesmo prazo.
Brasília, 17 de fevereiro de 1998 Tendo o mesmo recorrido, a Séti-
(data do julgamento). ma Câmara do Tribunal de Alçada
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- Criminal do Estado de São Paulo
sidente. Ministro FELIX FISCRER, converteu o julgamento em diligên-
Relator. cia para que se procedesse à aplica-
ção do art. 89, da Lei 9.099/95.
Publicado no DJ de 18-05-98.
Baixando os autos à origem, o Mi-
nistério Público do Estado de São
RELATÓRIO Paulo, com tais argumentos, deixou
de propor a suspensão condicional
do processo (fls. 407/409):
O SR. MINISTRO FELIX FIS-
CRER: Trata-se de recurso inter-
posto, com fulcro no art. 105, inciso "No caso dos autos, o réu agiu
III, alíneas a e c da Carta Magna, com imprudência acentuada. In-
pelo Ministério Público contra v. vadiu a pista contrária realizan-
acórdão do egrégio Tribunal de Al- do ultrapassagem perigosa. Como
çada Criminal do Estado de São resultado, acabou por matar duas
Paulo. A par do dissídio, alega-se pessoas. E mais, uma das vítimas
negativa de vigência do art. 89 da sobrevivente sofreu lesões gravís-
Lei n Q 9.099/95. O recurso objetiva simas que lhe ocasionaram defor-
a reforma do v. acórdão recorrido midade permanente (fls. 59/61).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 301
Interrogado, o réu não demons- A douta Subprocuradoria Geral
trou possuir qualquer arrependi- da República se pronunciou pelo co-
mento por sua conduta (fls. 181). nhecimento e provimento do recur-
so.
Assim, a personalidade do réu
e as conseqüências de sua condu- É o relatório.
ta não o fazem merecer a suspen-
são condicional do processo." VOTO
De volta o feito ao Tribunal deAl- O SR. MINISTRO FELIX FIS-
çada, a própria turma julgadora, CHER (Relator): O caso, como se
por votação unânime, ofertou a pro- percebe, teve um desenrolar confu-
posta de suspensão do processo, por so em matéria que não é das mais
4 (quatro) anos. claras ou, então, não é daquelas pa-
Embargos foram opostos pelo Mi- cíficas.
nistério Público, entretanto, rejei- Em primeiro lugar, a própria con-
tados. Assim aduziu o Juiz relator versão em diligência, já existindo
(fls. 433): sentença condenatória anterior à
Lei n Q 9.099/95, é uma solução que
"Comissão Nacional, instituída não merece aceitação na recente ori-
pela Escola Superior da Magis- entação do Pretória Excelso (v.g. HC
tratura para estudo interpretati- 75.546-1,1 ª Turma, DJU de 26/9/97,
vo da Lei n Q 9.099/95 e presidida pág. 47.4 78, relator Ministro Morei-
pelo erudito Ministro Sálvio de raAlves; HC 75.575, 1ª Turma, "In-
Figueiredo Teixeira, concluiu que: formativo STF" 95, relator Ministro
"se o Ministério Público não ofe- Sydney Sanches; HC 74.305-SP, Ple-
nário, Informativo n Q 57) e na des-
recer proposta de transação pe-
ta Corte (REsp 133.134-PR, 5ª Tur-
nal de suspensão do processo nos
ma, DJU de 15/12/97, pág. 66.500,
termos dos arts. 79 e 89, poderá
relator Ministro Cid Flaquer Scar-
o juiz fazê-lo".
tezzini; REsp 118.518-SP, DJU de
22/9/97, pág. 46.568, relator Minis-
o Ministério Público do Estado tro Fernando Gonçalves).
de São Paulo interpõe, então, recur- Em segundo lugar, o texto de lei
so especial com fundamento no art. é claro ao indicar que a suspensão
105, In, a e c, da CF sustentando condicional do processo é uma tran-
negativa de vigência ao art. 89, da sação. Pode haver, ou não (sem ar-
Lei 9.099/95. Apresenta julgado do bitrariedade), a oferta. E, esta pode
Tribunal de Justiça do Estado de não ser aceita ou, ainda, pode não
São Paulo que dissente do acórdão ser homologada. Entretanto, não
atacado e requer, ao final, o retor- compete ao julgador realizar a ofer-
no dos autos para que o Tribunal a ta quando houver divergência de
quo examine o mérito da apelação." avaliação entre ele e o agente do
302 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
Parquet. Por via de conseqüência, 5ª Turma-STJ, DJU de 18/11/96,
é incabível que tal iniciativa ocorra pág. 44.904, relator Ministro José
em segundo grau. Dessarte, como é Arnaldo da Fonseca).
atribuição do Ministério Público
Assim, a oferta da transação, no
(art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c o art.
caso, não pode subsistir. Ela, in
129, inciso I e § 2º da Lex Maxi-
casu, nega vigência, quase literal,
ma), a oferta da suspensão, a even-
ao art. 89 da Lei n Q 9. 099 / 95.
tual discrepância entre as aprecia-
ções deve ser resolvida, em princí- Voto, pois, pelo conhecimento e
pio, com aplicação analógica do art. provimento do recurso para que o
28 do Cpp (cf. HC 75.343-MG, Ple- egrégio Tribunal a quo examine o
nário-STF, relator p/ o acórdão Mi- mérito da apelação, sem exclusão da
nistro Sepúlveda Pertence, "Infor- remessa dos autos a Sua Excelência,
mativo STF", nº 92 e RHC 5.664-SP, o Sr. Procurador-Geral de Justiça.

RECURSO ESPECIAL Nº 156.176 - SP


(Registro nº 97.0083892-7)

Relator: O Sr. Ministro Felix Fischer


Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Recorrido: Ademilson da Silva - menor impúbere
Representado por: Sebastiana Fátima da Silva
Advogado: Ronaldo Cardoso de Souza

EMENTA: Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso espe-


cial. Remissão e medida sócio-educativa.
A remissão concedida pelo Parquet pode vir a ser acompanha-
da de medida provisória sócio-educativa aplicada pelo juiz, ob-
servado o disposto no art. 127 do ECA.
Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO tos e das notas taquigráficas a se-


guir, por unanimidade, conhecer do
recurso e dar-lhe provimento, nos
Vistos, relatados e discutidos es- termos do voto do Ministro-Relator.
tes autos, acordam os Ministros da Votaram com o Relator os Ministros
Quinta Turma do Superior Tribunal Edson Vidigal, José Dantas, Cid Fla-
de Justiça, na conformidade dos vo- quer Scartezzini e José Arnaldo.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 303
Brasília, 17 de março de 1998 vimento ao recurso para o fim de
(data do julgamento). cancelar a medida sócio-educati-
Ministro EDSON VIDIGAL, Pre- va de liberdade assistida, subsis-
sidente. Ministro FELIX FISCHER, tindo a remissão pré-processual
Relator. como forma de exclusão do pro-
cesso.
Publicado no DJ de 18-05-98.
Irresignado, o Ministério PÚ-
blico opôs embargos declaratórios
RELATÓRIO rejeitados, por votação unânime,
em v. acórdão fundamentado às
O SR. MINISTRO FELIX FIS- fls. 77/78.
CHER: Versam os autos sobre re- Sobreveio, então, o presente
curso especial interposto, com ful- recurso, no qual se alega ofensa
cro no art. 105, inciso IH, alíneas a ao art. 127, da Lei Federal 8.069,
e c da Carta Magna, pelo Ministé-
de 13 de julho de 1990, além de
rio Público do Estado de São Paulo
dissídio jurisprudencial."
contra v. acórdão do egrégio Tribu-
nal de Justiça local, em sede de re-
missão do ECA. No v. julgado que apreciou a ape-
lação consta:
O retrospecto está às fls. 97, in
verbis: "O Dr. Promotor de Justiça que
oficiou nos autos concedeu remis-
"Ademilson da Silva, por ter, são com a medida de liberdade
juntamente com Sidnei Hernan- assistida por seis meses, o que foi
des Medina, subtraído 65 latas de homologado pelo MM. Juiz, que
cerveja importada da residência
aplicou a medida apontada pelo
da vítima José Martins Filho,
Dr. Promotor de Justiça.
teve concedida a remissão, sen-
do, na oportunidade, aplicada Realmente, a remissão pré-
medida sócio-educativa de liber- processual não se harmoniza com
dade assistida, pelo prazo de seis a aplicação de medidas sócio-
meses, com fulcro nos artigos 112, educativas porque aquela, no
inciso IV, c/c art. 118, do Estatu- caso, é perdão e forma de exclu-
to da Criança e do Adolescente. são do processo (v. art. 126, ECA).
Inconformado, apelou plei- A remissão como forma de sus-
teando a reforma da decisão ale- pensão ou extinção do processo é
gando, em síntese, ser incabível forma de mitigação das conse-
a aplicação da remissão cumula- qüências do ato infracional, e só
tivamente com medida sócio-edu- poderá ser aplicada pelo Juiz com
cativa. Aduziu, ainda, ter havido observância do devido processo
cerceamento de defesa. legal, onde o menor tenha asse-
Na apelação, o tribunal acor- gurados todos os seus direitos, in-
dou, por unanimidade, dar pro- clusive o da ampla defesa.
304 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
Assim, a remissão concedida De se notar, apenas, que o dispo-
pelo Dr. Promotor de Justiça se- sitivo legal sobre o qual se assenta
ria perdão, sendo forma de exclu- o decidido é mais amplo do que
são do processo e, ao mesmo tem- aqueles enfocados pelo ora Embar-
po, mitigação das conseqüências gante. O art. 189, ECA, não restrin-
do ato infracional praticado pelo ge a fase processual para concessão
menor o que, sem dúvida alguma, da remissão, não se admitindo in-
é contraditório. terpretação restritiva de direitos
Ademais, a aplicação da medi- onde a lei não restringe.
da sócio-educativa de liberdade Ademais, se o ora embargante
assistida resulta nula por inob- não concorda com a fundamentação
servância do devido processo le- adotada no V. Acórdão, a hipótese
gal e desrespeito ao princípio do não é de embargos declaratórios,
contraditório e ampla defesa sendo nítido o caráter infringente
(arts. 110 e segts. e 207, ECA). dos embargos opostos.
No entanto, impossível a ofer- Em síntese, não há no acórdão
ta de representação contra o re- obscuridade, dúvida ou contradição
corrente - situação mais gravosa e nem omissão, na medida em que
ao adolescente - para que não a matéria foi conhecida e objeto de
ocorra a reformatio in pejus. apreciação e julgamento. Tanto é
A solução adequada e viável na verdade que o ora Embargante o
hipótese dos autos, é o cancela- compreendeu." (Fls. 77/78).
mento da medida sócio-educati- Daí o recurso. A douta Subprocu-
va aplicada." (Fls. 66/67). radoria Geral da República se pro-
nunciou pelo provimento do recurso.
Foram opostos embargos de de- É o relatório.
claração que mereceram a seguinte
apreciação, in verbis: "O magistra-
do não está adstrito à fundamenta- VOTO
ção adotada pela parte. Está vincu-
lado, sim, aos fatos narrados. A ma- O SR. MINISTRO FELIX FIS-
téria questionada nos autos foi de- CRER (Relator): Realmente, apesar
cidida com base nos fundamentos da terminologia escolhida no termo
que se entendeu pertinentes ao caso. de remissão (fls. 15), é inegável que,
"O Juiz não está obrigado a res- por ocasião do referido perdão pré-
ponder todas as alegações das par- processual, o Parquet pode indicar
tes, quando já tenha encontrado mo- ou sugerir a aplicação de medida
tivo suficiente para fundar a deci- sódio-educativa, observado, é claro,
são, nem se obriga a ater-se aos fun- o disposto no art. 127 da Lei n Q
damentos indicados por elas e tam- 8.069/90.
pouco a responder um a um todos In casu, a medida foi a da liber-
os seus argumentos." (RJTJESP dade assistida que, primo icter
115/207). occuli dentro dos limites legais, por
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 305
si, não causa nenhum constrangi- ção, a contestada medida só veio a
mento às atividades do menor. Aliás, se efetivar através de ato jurisdicio-
a medida sócio-educativa propria- nal (cf. fls. 16).
mente dita, de mera observação e Voto, portanto, pelo conhecimen-
não como pensam alguns, uma pena. to e provimento do recurso, resta-
E, no presente caso, como foi en- belecendo-se a decisão de primeiro
fatizado nos embargos de declara- grau.

RECURSO ESPECIAL Nº 160.264 - PR


(Registro nº 97.0092553-6)

Relator: O Sr. Ministro FeZix Fischer


Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná
Recorrido: Ezequiel Pereira de Jesus (preso)
Advogado: Cila Viana Pereira

EMENTA: Penal. Recurso especial. Tentativa de estupro. Crime


hediondo. Sursis.
I - O estupro, tentado ou consumado, em qualquer de suas
modalidades, é crime hediondo.
11 - A pena privativa de liberdade, quando de sua execução,
deve obedecer ao disposto no art. 2º, § 1 º da Lei 8.072/90.
11 - Desde que preenchidos os seus requisitos, o sursis pode
ser aplicado a ilícito penal qualificado de hediondo.
Recurso conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO nistros Edson Vidigal, José Dantas,


Cid Flaquer Scartezzini e José Ar-
Vistos, relatados e discutidos es-
tes autos, acordam os Ministros da naldo.
Quinta Turma do Superior Tribunal Brasília, 17 de março de 1998
de Justiça, na conformidade dos vo- (data do julgamento).
tos e das notas taquigráficas a se- Ministro EDSON VIDIGAL, Pre-
guir, por unanimidade, conhecer do sidente. Ministro FELIX FISCHER,
recurso e dar-lhe parcial provimen- Relator.
to, nos termos do voto do Ministro-
Relator. Votaram de acordo os Mi- Publicado no DJ de 11·05-98.

306 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
RELATÓRIO integralmente em regime fechado
em vista do disposto no artigo 2~
O SR. MINISTRO FELIX FIS- § 1 ~ da Lei 8.072/90 - No per-
CHER: Versam os autos sobre re- curso do processo e no apelo o réu
curso especial interposto, com ful- nega a autoria e hostiliza carac-
cro no art. 105, inciso.JII, alíneas a terização de crime hediondo -
e c da Carta Magna, pelo Parquet Recurso conhecido e parcialmen-
paranaense contra v. acórdão do te provido.
egrégio Tribunal local, em sede de Nos crimes sexuais a palavra da
configuração, ou não, da tentativa vítima, quando mulher honesta e
de estupro como crime hediondo. recatada, tem relevante valor
O retrospecto está às fls. 168, in probante e, em especial, quando
verbis: em sintonia com eventual prova
testem unhal.
"Alega o recorrente que a de- Por se tratar de delito de tenta-
cisão impugnada não poderia tiva de estupro, inaplicável o co-
conceder a suspensão condicional mando do artigo 2º, § 1º, da Lei
da pena ao condenado, posto que 8.072/90, pois este normativo le-
o estupro, em qualquer de suas gal somente deve ser aplicado
formas, é crime hediondo, de sor- quando verificado o crime consi-
te que incidiria à espécie o artigo derado hediondo que, in casu,
2º, parágrafo 1 º, da Lei 8.072/90, não ocorreu. O delito de estupro
a impor o cumprimento da pena (artigo 213 do CP) para ser con-
em regime integralmente fecha- siderado crime de natureza hedi-
do. onda, necessária sua combinação
Aponta contrariedade ao arti- com o artigo 223 do Código Pe-
go 213 do Código Penal e aos ar- nal, de acordo com o disposto no
tigos 1 º, inciso V, e 2º, parágrafo artigo 1 Q , inciso V, da Lei 8.072/
1 º, da Lei dos Crimes Hediondos. 90. No presente caso a vítima so-
Aduz, ainda, divergência ju- freu lesões corporais leves." (Fls.
125).
risprudencial com julgado dessa
C. Corte de Justiça."
N o corpo do v. decisório tem-se:
Diz a ementa do v. acórdão repro-
chado, a saber: "Caracterizado o delito de es-
tupro tentado, passo a questionar
"Estupro - Tentativa - Crime se, in casu, está configurado cri-
não consumado por motivos me hediondo.
alheios à vontade do réu - Arti- O artigo 1 º, Inciso V, da Lei
go 213, c / c o artigo 14, inciso II, 8.072/90, estabelece que para ser
ambos do Código Penal - considerado crime hediondo,
Reprimenda fixada em quatro (4) mesmo o tentado, necessária a
anos de reclusão a ser cumprida sua combinação com o ordena-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 307
mento do artigo 223 do Código Daí o recurso. A douta Subprocu-
Penal, ou seja, que da violência radoria Geral da República se pro-
resulte lesão corporal de nature- nunciou pelo provimento.
za grave ou a morte da vítima É o relatório.
que, no caso, inocorreu, pois o
Exame de Lesões Corporais, a
que se submeteu a vítima, regis- VOTO
tra que as lesões corporais que
ela sofreu são de natureza leve O SR. MINISTRO FELIX FIS-
(fls. 12). CHER (Relator): O texto legal (Lei
n Q 8.072/90 com a redação dada pela
É portanto, de lei e de Justiça,
Lei n Q 8.930/94) é por demais claro,
que sej a afastada do delito per- a saber:
petrado pelo apelante a qualifi-
cadora de hediondez.
"Art. lº. São considerados he-
Posto isto, por não se tratar no diondos os seguintes crimes, to-
presente procedimento de crime dos tipificados no Decreto-Lei n Q
hediondo e considerando-se que 2.848, de 07 de dezembro de 1940
o réu é primário, tem bons ante- - Código Penal, consumados ou
cedentes, com conduta social re- tentados:
gular e que exerce profissão fixa
de pedreiro, dou provimento par-
cial ao apelo interposto a fim de, V - estupro (art. 213 e sua
com suporte do artigo 213 do Có- combinação com o art. 223, caput
digo Penal, reduzir e fixar a pena e parágrafo único)."
no seu mínimo legal de seis (6)
anos de reclusão e, obedecida a A restrição abraçada no v. julga-
norma do artigo 14, inciso lI, e do recorrido carece de suporte jurí-
seu parágrafo único, do mesmo dico. Em primeiro lugar, se assim o
fosse, a lei diria estupro qualifica-
Código, por se tratar de crime
do e a indicação dos artigos teria
tentado, diminuo-a no seu máxi-
construção diferente. Em segundo
mo legal permitido de dois terços
lugar, o e utilizado no inciso Vindi-
(2/3), tornando-a definitiva em ca, como conjunção coordenativa
dois (2) anos de reclusão. aditiva, que abrange a forma sim-
Por presentes os requisitos do ples e a qualificada. Aliás, compa-
artigo 77 do Código Penal e con- rativamente, é de se atentar para
siderado o valioso parecer da as limitações dos incisos II (quanto
douta Procuradoria Geral de J us- ao roubo), III (extorsão) e VII (epi-
tiça (fls. 115), concedo ao apelan- demia).
te o benefício de suspensão da Confundiu-se, talvez, a qualifica-
pena pelo prazo de dois anos, ção do delito com a questão da inci-
mediante cumprimento das con- dência do art. 9 9 da Lei dos Crimes
dições." (Fls. 129). Hediondos ao estupro, onde esta

308 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
Corte só tem admitido a majoração aplicação de nenhuma das causas
para a forma qualificada. redutoras de pena da Parte Geral,
Na doutrina: J. F. Mirabete exceção feita ao arrependimento
("Manual de Direito Penal", voI. 2, posterior, que pressupõe a prática
pág. 436, 9ª ed., Ed. Atlas S.A.) e de crimes cometidos sem violência.
Damásio E. de Jesus in "Direito Destarte, não equiparou punitiva-
Penal", voI. 3, pág. 89, 10ª ed., Sa- mente o delito tentado ao delito con-
raiva). sumado; não obstou a possibilidade
do reconhecimento da semi-imputa-
Como precedentes desta Corte: a) bilidade, em virtude de perturbação
REsp n Q 0073.323-MG, 6ª Turma, da saúde mental ou de desenvolvi-
relator Ministro Anselmo Santiago, mento mental incompleto ou retar-
DJU de 03/03/97, pág. 4.715; b) dado, ou mesmo em razão de embria-
REsp 0092640-ES, 6ª Turma, rela-
guez, proveniente de caso fortuito
tor Ministro Vicente Leal, DJU de
ou de força maior; não impediu o
03/03/97, pág. 4.719; c) RHC 0005986,
erro evitável sobre a ilicitude do
6ª Turma, DJU de 10/03/97, pág.
fato, nem desconsiderou a razoabi-
6.000, relator Ministro Vicente Leal;
lidade da exigência do sacrifício do
d) REsp 46.204-5-PR, 5ª Turma, re-
direito ameaçado, no estado de ne-
lator Ministro Costa Lima, RSTJ 67/
cessidade; não desprezou a partici-
464; e) RHC 6.447, 5ª Turma, de
pação de menor importância, nem
nossa relatoria, DJU de 30/06/97,
a possibilidade de que o agente te-
pág.31.046.
nha querido participar de crime
O estupro, em qualquer de suas menos grave. Em suma a classifi-
modalidades, é crime hediondo, e a cação de crime hediondo não obstou,
pena deve ser executada no regime em momento algum, a incidência,
fechado ex vi in art. 2º, § 1Q, da Lei nas proporções estabelecidas na lei
dos Crimes Hediondos. penal, das causas de diminuição de
Todavia, quanto à concessão, ou pena já especificadas.
não, do sursis, para delitos hedion- É exato que algumas dessas cau-
dos, quero crer que inexiste restri- sas de redução de pena se mostram,
ção legal. Apesar do disposto no art. em relação aos delitos hediondos e
2º, § 1 º da Lei n Q 8.072/90, se o réu assemelhados, concretamente inviá-
preenche os requisitos do art. 77 do veis. Mas a tentativa, a semi-impu-
CP ele terá direito ao benefício. tabilidade, a participação de menor
Vale, aqui, a lição de Alberto Sil- importância ou a participação em
va Franco, in verbis: "A Lei nº crime menos grave se revelam fac-
8.072/90, apesar de ter, por ponto tíveis, principalmente a primeira
nuclear, a exacerbação punitiva de nos tipos de estupro e de atentado
tipos já especificados no ordena- violento ao pudor e em algumas mo-
mento penal, nos quais a violência dalidades de tráfico ilícito de entor-
(real ou ficta) é apresentada como pecente, e as demais em qualquer
modo de execução, não impediu a das figuras criminosas assim rotu-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 309
ladas. É perfeitamente possível que bilidade do agente, que se procedes-
o acusado, num desses delitos, seja se à conversão da pena privativa de
semi-imputável ou tenha sido sur- liberdade em internação ou trata-
preendido, no estupro, no atentado mento ambulatorial, ou, em face da
violento ao pudor ou em algumas tentativa em seu curso inicial, à
formas de tráfico ilícito de entor- aplicação da medida penal alterna-
pecentes, no início do iter criminis e, tiva do sursis. É evidente que, na
em conseqüência, obtenha a maior primeira hipótese, haveria necessi-
diminuição punitiva. Nessas hipóte- dade de declaração pericial de que
ses, tomando-se por base a pena o condenado precisaria ser subme-
mínima cominada em relação aos tido a especial tratamento curativo
tipos já referidos, ou seja, seis anos e, na segunda, teria ele de reunir
de reclusão (estupro e atentado vio- os requisitos do art. 77 do CP, mas
lento ao pudor) e três anos de reclu- não seria o agravo ou o sério perigo
são (tráfico ilícito de entorpecentes) endereçados ao bem jurídico "vida"
e efetuando-se a redução máxima de - o mais importante em toda a es-
dois terços, atinge-se as quantida- cala de valores penalmente tutela-
des punitivas de dois e de um ano dos, porque o fundamento, a base
de pena privativa de liberdade, res- de todos os demais - que seria um
pectivamente. obstáculo a qualquer das soluções
Em tais situações, a substituição anotadas. Por que ficaria, então o
da pena privativa de liberdade pela juiz impossibilitado de permitir o
internação ou tratamento ambula- tratamento ambulatorial, ou de
torial (art. 98 do CP), em relação ao aplicar o sursis, só porque o legis-
semi-imputável necessitado de tra- lador entendeu, na proteção de bens
tamento curativo, ou a aplicação do jurídicos de menor relevo, que o con-
sursis (art. 77 do CP), em relação denado deveria cumprir integral-
ao condenado imputável, seriam mente a pena imposta em regime
pertinentes? Ou bastaria a classifi- fechado?" (in "Leis Penais Especiais
e sua Interpretação Jurispruden-
cação dos fatos debitados ao conde-
cial", voI. 2, 6ª ed., RJ, pág. 639).
nado como crime hediondo ou equi-
parado, para que não ocorresse a Esta Corte tem precedente recen-
conversão ou a substituação puni- te, desta 5ª Turma (relator Minis-
tiva? Seriam um e outro desses con- tro Edson Vidigal), no REsp 91.851,
denados obrigados a cumprir a pena publicado no DJU de 24/02/97, pág.
reclusiva em regime fechado, nos 3.396.
termos do § 1 9 do art. 2 9 da Lei
"Penal. Lei 8.072/90. Tentativa
8.072/90?
de estupro. Crime hediondo.
Uma resposta positiva represen- Sursis. Possibilidade de conces-
taria inquestionável injustiça. Se o são. Inexistência de incompatibi-
ato criminoso objetivasse, sem su- lidade com a norma que determi-
cesso, tirar a vida de alguém, nada na o cumprimento integral da
impediria, em face da semi-imputa- pena em regime fechado.
310 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998.
1. Inexistindo na Lei 8.072/90 legais estabelecidos no Código
norma expressa a vedar a conces- Penal, independentemente do
são de sursis, não pode o intér- regime prisional imposto.
prete lançar mão de interpreta- 4. Recurso não conhecido."
ção extensiva ou dilatória para
suprimir o benefício. Na mesma linha: RTJSP 134/417,
2. Não há, também, incompatibi- RT 676/298 e RT 719/312.
lidade lógica entre o sursis e a E, a concessão do sursis não foi,
norma do art. 2 Q , § 1Q, j á que ine- em si, atacada.
xiste qualquer relação entre re- Voto, pois, pelo conhecimento do
gime de cumprimento de pena e recurso e pelo seu provimento par-
este instituto. cial, fixando-se o regime de execu-
3. O que importa para a suspen- ção da pena como fechado, visto que
são condicional da pena é o pre- o estupro tentado é hediondo e man-
enchimento dos seus requisitos tida a concessão do sursis.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 245-311, setembro 1998. 311

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