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LAURA MORGANA PIMENTEL DIAS

PESQUISANDO O NOME E O ENDEREÇO DE TORTURADORES: A IMPORTÂNCIA


DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO ÂMBITO DA COMISSÃO NACIONAL
DA VERDADE PARA A EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso de


Pós-Graduação em Direito Internacional e
Direitos Humanos.

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RESUMO

A presente pesquisa objetivou a análise da atuação internacional no âmbito da Comissão


Nacional da Verdade, com a finalidade de compreender de que forma a colaboração de outros
países nas investigações sobre os casos de violações de Direitos Humanos ocorridos entre 18
de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 contribuiu para a efetivação do direito à memória
e a verdade no Brasil. Buscando um estudo melhor fundamentado sobre o tema explanou-se
também sobre a importância da Justiça de Transição, abordando alguns aspectos relevantes
acerca da Comissão Nacional da Verdade, assim como, o objetivo da cooperação internacional
e seus desdobramentos. Por fim, analisa-se alguns casos apresentados no Relatório Final da
Comissão Nacional da Verdade. Trata-se, pois, de pesquisa bibliográfica, com revisão de
literatura dos principais autores sobre o tema exposto.

Palavras-chave: Direito Internacional. Direitos Humanos. Justiça de Transição. Cooperação


Internacional.

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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………… 3
2. JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO………………………….………………………. 4
2.1 elementos da Justiça de Transição…………………………………..…….. 6
2.2 direito à memória e a verdade ……………………………………………..10
3. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: ASPECTOS GERAIS …………13
3.1 a Comissão da Verdade no Brasil ...............................................................14
4. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL …………………………….………...18
4.1 a cooperação internacional na CNV ……………………………………….21
5. CASOS INTERNACIONAIS APRESENTADOS NO RELATÓRIO FINAL DA
CNV ……………………………………………………………………………...22
5.1 o Brasil e os órgãos internacionais de direitos humanos………………….27
5.2 o caso 1.683…………………………………………………………………..28
5.3 o caso 1.684…………………………………………………………………..29
5.4 perseguição a brasileiros no exterior………………………………………30
5.5 Jefferson Cardim de Alencar Osório……………………………………….33
5.6 Edmur Péricles Camargo……………………………………………………34
5.7 Jean Henri Raya Ribard, Antonio Luciano Pregoni, Joaquim Pires Cerveira e
João Batista Rita…………………………………………………………………………35
5.8 Flávio Tavares…………………………………………………………………36
6. CONCLUSÃO ……………………………………………………………………36
7. REFERÊNCIAS………………………………………………………………….38

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1 INTRODUÇÃO

O período ditatorial brasileiro, que abrangeu os anos de 1964 a 1988, foi permeado por
retrocessos aos direitos individuais, violência e repressão. Nesse contexto, inúmeras violações
aos direitos humanos ocorreram por meios estatais.
Assim, é de se imaginar, por óbvio, que parte dos governantes responsáveis à época,
bem como, detentores de poder na sociedade civil, desejam esquecer, ou mesmo, fingir que
tais violações nunca ocorreram.
Por essa razão, o direito à memória e à verdade emerge como garantia da efetivação
de uma transição do regime autoritário para o novo modelo democrático, possibilitando o
esclarecimento dos fatos nebulosos e obscuros ocorridos durante a repressão, e ao mesmo
tempo, impede o esquecimento de barbáries perpetradas pelos agentes estatais, o que, por si
só, significa a repetição do crime.
Diante disso, essa pesquisa se propôs a analisar a cooperação internacional dos países
no âmbito da Comissão Nacional da Verdade - CNV, observando alguns dos casos
apresentados no Relatório Final da Comissão, tendo como problemática da pesquisa analisar
de que forma a colaboração de outros países nas investigações sobre os casos de violações de
Direitos Humanos ocorridos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 contribuiu
para a efetivação do direito à memória e a verdade no Brasil.
Para tanto, iniciou-se o primeiro capítulo explanando-se sobre a Justiça de Transição,
abordando-se seus elementos, conceito, bem como, tratando acerca do direito à memória e a
verdade, com fins a entender a importância desse instituto para a proteção à democracia.
No segundo capítulo, discorreu sobre os principais aspectos a respeito da Comissão
Nacional da Verdade, refletindo-se sobre o seu conceito amplo, e, após, detalhando como se
deu a implementação da Comissão no Brasil, abordando seus desafios e resultados.
O terceiro capítulo tratou da cooperação internacional, analisando seu conceito e
função, objetivando entender o que impulsiona os Estados internacionais a cooperar uns com
os outros. Em seguida, foi apresentada como ocorreu a cooperação internacional no âmbito da
Comissão Nacional da Verdade no Brasil, conforme descrito no Relatório Final da CNV.
No quarto capítulo, são relatados os casos internacionais apresentados no Relatório
Final, discorrendo, brevemente, sobre cada um, com vias a analisar tanto a atuação

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internacional da época da ditadura, quanto sua atuação na apuração das violações cometidas,
seja com cidadãos estrangeiros, seja com brasileiros exilados.
A título de complementação, esclarece-se que os casos apresentados neste trabalho
foram escolhidos em razão de sua importância/visibilidade, tendo em vista que inúmeros
outros casos encontram-se relatados no documento final da CNV. Assim, os critérios adotados
para apresentar tais casos, foram: notoriedade, relação de agentes internacionais na descoberta
dos crimes, ou no auxílio a violência, e encerramento das investigações.
Outro esclarecimento a ser feito diz respeito ao título da pesquisa. A inspiração para a
nomenclatura do trabalho surgiu com a canção “Torturadores” de Ana Frangoelétrico, que em
seu refrão diz: “ Pesquisando o nome e o endereço de torturadores, só pra contar pros netos e
porteiros, que tem todo o direito de saber”.
A pesquisa também se propôs a atingir outros objetivos como compreender a
importância dos direitos à memória e a verdade para a promoção e proteção da democracia,
refletir sobre a cooperação internacional, principalmente no que diz respeito às relações
internacionais para a defesa dos direitos humanos, e esclarecer os casos de graves violações
aos direitos humanos ocorridos durante o regime militar ditatorial, demonstrando os
resultados obtidos através da Comissão Nacional da Verdade.
Esse estudo utilizou o método indutivo, através do qual partiu-se de um ponto
específico que foi a análise dos casos de violações de direitos humanos, no âmbito
internacional, apresentadas no Relatório Final da CNV, para a partir disso tecer reflexões mais
amplas. A abordagem utilizada foi qualitativa, uma vez que a intenção deste trabalho foi a
reflexão e discussão do tema além da produção de dados. Classifica-se esta pesquisa como
bibliográfica, descritiva, qualitativa e documental.

2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

Inicialmente convém abordar alguns aspectos acerca do conceito de “Justiça de


Transição”. Assim, para melhor entender o que é a Justiça de Transição, subdividimos esse
tópico, abordando primeiramente os elementos da Justiça de Transição, e, posteriormente,
fez-se uma breve consideração acerca do direito à memória e à verdade.
No Relatório do Secretário-Geral da ONU ao Conselho de Segurança sobre o tema da
The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies restou assente a

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definição de Justiça de Transição como “os processos e mecanismos, jurídicos ou não, por
meio dos quais uma sociedade procura superar o legado de um passado marcado por
violações e abusos de direitos humanos em larga escala” (MacARTHUR,2012).
O sentido de transição refere-se a passagem de um regime ditatorial para o regime
democrático, que teria como finalidade a construção de uma paz sustentável em uma
sociedade pós-conflito, através de medidas no âmbito da justiça, para lidar com violações
estatais de governos de um regime anterior autoritário para um regime posterior democrático
(JAMAR, 2020).
Nesse sentido, assim explica Van Zyl:

O objetivo da justiça transicional implica em processar os perpetradores, revelar a


verdade sobre crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as
instituições perpetradoras de abuso e promover a reconciliação. O que foi
mencionado anteriormente exige um conjunto inclusivo de estratégias formuladas
para enfrentar o passado assim como para olhar o futuro a fim de evitar o
reaparecimento do conflito e das violações. Considerando que, com frequência, as
estratégias da justiça transicional são arquitetadas em contextos nos quais a paz é
frágil ou os perpetradores conservam um poder real, deve-se equilibrar
cuidadosamente as exigências da justiça e a realidade do que pode ser efetuado a
curto, médio e longo prazo (VAN ZYL, 2009 p.47).

O que o autor sugere é que a justiça transicional forma-se através de um conjunto de


medidas que buscam, objetivamente, a punição dos perpetradores da violência, a revelação
dos fatos como ocorreram no passado, a reparação às vítimas e a reforma das instituições que
promoveram os abusos. Tais medidas, entretanto, necessitam de estratégias inclusivas, tendo
em vista que ocorrem em período instável, entre o fim de um poder autoritário e o início de
uma democratização.
Destaca-se que, na última década, a justiça transicional ampliou seu campo,
desenvolvendo-se em dois sentidos de suma importância: a) seus elementos deixaram de ser
meras aspirações e passaram a ser obrigações legais vinculantes e b) ocorreu o fortalecimento
da democracia em vários países do mundo (VAN ZYL, 2009).
Assim, os elementos da justiça transicional passaram a ser obrigações legais
vinculantes, tendo os organismos do direito internacional, como o Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos
Humanos, ajudado a implementar tais elementos, uma vez que existem padrões claros
relativos às obrigações dos estados a respeito da forma de enfrentar as violações dos direitos

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humanos, bem como proibições, como no caso das anistias gerais quando se trata de crimes
internacionais (VAN ZYL, 2009).
Desse mesmo modo, nas palavras de Van Zyl (2009, p. 33), percebe-se que o
fortalecimento da democracia e o surgimento de organizações na sociedade civil, contribuíram
para fundar as instituições e a vontade política necessária ao confronto do legado de violações
dos direitos humanos, conseguindo que as mesmas se transformassem em ações.
Sobre as estratégias da Justiça de Transição, assim expõe Van Zyl (2009, p. 33):

A atenção que se tem prestado às questões da justiça transicional, assim como o


comprometimento com esses assuntos, se vê refletida na atribuição de mais recursos
e na preocupação internacional pela construção da paz pós-conflito. Isso requer
intervenções continuadas por parte de atores nacionais e internacionais, em
diferentes níveis. É necessário coordenar, integrar e ajustar diligentemente cada
elemento ao adequado apoio político, operativo e econômico dado por uma série de
partes interessadas. As estratégias da justiça transicional devem ser consideradas
como parte importante da construção da paz, na medida em que abordam as
necessidades e as reclamações das vítimas, promovem a reconciliação, reformam as
instituições estatais e restabelecem o estado de direito.

Seguindo o entendimento do autor, concluímos que o objetivo-fim da Justiça de


Transição não é apenas punir, mas, garantir que a ordem democrática seja instalada sobre um
Estado com instituições recuperadas, promovendo a reparação às vítimas, e permitindo que a
verdade seja esclarecida. Desta feita, podemos compreender que inexiste a passagem de um
regime ditatorial para a democracia sem que se faça a transição da justiça, devendo
respeitar-se todos os elementos que a compõem como forma de garantir a efetividade da
democratização estatal.
Sendo assim, resta-nos, então, explicar quais são estes elementos e a sua importância
na redemocratização, possibilitando, dessa forma, o entendimento a respeito da necessidade
do cumprimento estatal para a efetivação destes elementos, principalmente no que tange às
determinações internacionais.

2.1 Elementos da Justiça de Transição

Têm-se que nas sociedades em que a transição do regime autoritário para o


democrático ocorreu através de acordos políticos e pactos que se basearam na impunidade dos
crimes cometidos por agentes da repressão, sob o argumento, falacioso, de que assim se

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conseguiria a reconciliação nacional, como no caso brasileiro, tratar do passado é uma tarefa
democrática essencial (SOUSA JÚNIOR et al., 2015)
Assim, nas palavras de Paulo Abrão e Amarílis Busch Tavares (2015, p. 11) “Os
mecanismos da Justiça de Transição – o direito à reparação, à memória, à verdade e à justiça e
a reforma das instituições – são também pilares indispensáveis para o processo democrático,
no qual a cultura democrática e o próprio significado da democracia são permanentemente
desafiados, testados e aprimorados”.
Como já salientado, a Justiça de Transição é dividida em quatro elementos ou pilares:
o direito à memória e à verdade; as reformas institucionais; as reparações simbólicas e
financeiras; e a responsabilização por atos praticados no período autoritário (AL/MG, 2014).
Para um melhor entendimento desta pesquisa, bem como, melhor fluidez do texto, o
elemento do direito à memória e à verdade será exposto em tópico apartado, ficando neste
tópico alguns breves apontamentos sobre os demais pilares da justiça transicional.
O primeiro elemento, o direito à responsabilização, diz respeito ao julgamento dos
perpetradores das graves violações aos direitos humanos. Essa etapa traduz-se em parte crítica
no combate a um legado de abusos, pois, ao mesmo tempo em que podem servir para evitar
futuros crimes e consolar as vítimas, permitem pensar um novo grupo de normas e dar
impulso às reformas das instituições governamentais (VAN ZYL, 2009).
Nesse sentido, possibilitar o efetivo julgamento e punição dos violadores de direitos
humanos, para além de uma questão jurídica, possui um caráter ainda mais abrangente,
atingindo uma questão de reparação psicológica das vítimas e seus familiares, bem como,
permitindo que a sociedade possa discutir suas normas e valores, criando uma base moral para
o Estado democrático a ser soerguido.
Ocorre, porém, que no caso brasileiro, tal elemento restou prejudicado em sua
execução, tendo a Lei de Anistia sido o principal obstáculo à realização de julgamentos penais
dos autores das violações aos direitos humanos. Isso ocorre porque a referida Lei anistiou
crimes “de qualquer natureza” relacionados aos crimes políticos. Assim, mesmo com a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 153/2008), interposta pela
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2010, o STF manteve a validade da Lei,
impedindo o julgamento e condenação penal de perpetradores da violência estatal no período
(RODRIGUES PINTO, 2012).

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Com relação às reformas institucionais, essa objetiva dissolver/reformar as instituições
responsáveis pelas violações dos direitos humanos, adotando, por vezes, programas de
depuração e saneamento administrativo, assegurando que as pessoas responsáveis pelas
violações dos direitos humanos sejam retiradas dos cargos públicos, evitando, também, que
voltem a ser empregadas em instituições governamentais (VAN ZYL, 2009).
Com efeito, para o International Center for Transitional Justice, as Reformas
Institucionais abarcariam as seguintes medidas: a) Expurgo de oficiais, implicando na
investigação de antecedentes pessoais, com fins a responsabilizar e afastar do serviço público
oficiais envolvidos em práticas abusivas ou corruptas; b) Reformas estruturais, através da
reestruturação das instituições para promover integridade e legitimidade, com
responsividade, independência funcional e representação democrática; c) Controle,
manifestado na criação de órgãos de controle internos públicos e transparentes, garantindo
responsividade à governança civil; d) Transformação dos regimes jurídicos, reformando e
criando regimes jurídicos que garantam proteção e promoção dos direitos humanos; e)
Desarmamento, desmobilização e reintegração, promovendo a dissolução de grupos armados
e paramilitares; f) Educação, com a criação de programas de treinamento para agentes
públicos sobre os parâmetros de direitos humanos nacionais e internacionais (GUERRA,
2019).
Assim, tais medidas de não repetição ensejam uma série de reformas institucionais, a
serem implementadas pelos Estados, dando efetividade aos pilares da justiça transicional,
sendo certo que as mesmas precisam ocorrer em todas as esferas, seja no contexto político,
legislativo e jurídico do Estado (LIMA MONTEIRO; RIBEIRO, 2016).
Por fim, a reparação diz respeito ao dever que os Estados têm de reparar as vítimas das
graves violações de Direitos Humanos, podendo essa reparação assumir diferentes formas,
como a ajuda material (por meio de pagamentos compensatórios, pensões, bolsas de estudos e
bolsas), assistência psicológica (aconselhamento para lidar com o trauma) e medidas
simbólicas (monumentos, memoriais e dias de comemoração nacionais), sendo a formulação
de uma política integral de reparações complexa, do ponto de vista técnico, e delicada, do
ponto de vista político, uma vez que os incumbidos de formular uma política de reparações
justa e equitativa terão que decidir se é necessário estabelecer diferentes categorias de vítimas,
e se convém fazer distinções entre uma vítima e outra (VAN ZYL, 2009).

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Importante anotar a visão de Paulo Abrão e Marcelo D. Torelly (2011, p. 473), acerca
desse tema assim eles discorrem:
O crescimento “tardio” da demanda por medidas de justiça de transição contrariou
tanto a tese de que um acordo político entre regime e oposição contido na anistia de
1979 teria posto fim à ditadura e que, portanto, a ausência de demanda por justiça
transicional baseava-se numa ampla aceitação social da existência de tal pacto de
esquecimento (como defendido por Gaspari em sua extensa obra, dentre outros),
quanto a tese que busca afirmar que o processo de reparação às vítimas, que deita
raízes na mesma Lei de Anistia de 1979 e estrutura-se fortemente nos anos 1990 e
2000, teria sido ensejador de uma alienação social que não ocorreu em outros países
da região ou, mesmo, servido como uma espécie de “cala boca” as vítimas.
Observando o cenário atual, encontramos um país onde ao redor da implementação
de um dos maiores programas de reparações à vítimas de violações a direitos
humanos no mundo (com cifras próximas aos dois bilhões de dólares), debate-se a
criação de uma Comissão da Verdade, onde dezenas de associações civis e governos
federal e locais gerem projetos de difusão (e disputa) da memória histórica dos anos
de repressão, onde constrói-se um sítio de memória e consciência dedicado as
vítimas na cidade de Belo Horizonte (o Memorial da Anistia Política no Brasil) e,
ainda, onde se encontram em discussão duas importantíssimas decisões judiciais em
termos de justiça e luta contra a impunidade: uma da Suprema Corte do país, que em
abril de 2010 manifesta-se pela validade da interpretação dada a Lei de Anistia de
1979, a considerando, portanto, bilateral, ampla e irrestrita, mesmo no formato de
uma anistia em branco, e outra da Corte Interamericana de Direitos Humanos que,
sobre o mesmo diploma legal, afirmou a incompatibilidade ante a Convenção
Americana de Direitos Humanos da concessão de auto-anistia pelo regime, mais
especialmente no que concerne as graves violações aos Direitos Humanos, num
cenário onde analises de constitucionalidade e convencionalidade da Lei de 1979
geram leituras diversas sobre o conteúdo normativo aplicável.

A crítica dos autores é centrada na utilização da reparação não como um elemento de


algo maior (a Justiça de Transição), mas sim como um instituto único, uma ferramenta para
pôr fim a um período anterior, uma indenização para as vítimas esquecerem os
acontecimentos traumáticos, permitindo, assim, que o Estado siga em frente, como se nada
tivesse acontecido.
O problema é que aconteceu. E a gravidade dos terríveis fatos que acometeram a
sociedade brasileira necessitam de uma reparação integral, não apenas material ou simbólica,
para além disso, faz-se necessária uma efetiva garantia de que os fatos ocorridos serão
trazidos à tona, revelada a verdade dos acontecimentos. É justamente esse o objetivo do
elemento essencial da Justiça de Transição: o direito à memória e à verdade.

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2.2 Direito à memória e à verdade

Nesse tópico abordaremos um dos pilares da justiça transicional, discorrendo sobre


seu conceito, suas implicações, aprofundando a importância do direito à memória e à verdade
no contexto sociológico.
Inicialmente, conceitua-se o direito à memória e à verdade como um instituto pela
reconstrução da memória e da verdade histórica dos países que passaram por regimes
autoritários, sendo necessário, uma vez que é comum em regimes ditatoriais a apresentação de
uma versão oficial distorcida da história, conveniente a seus interesses, e a vilanização de
opositores com a ocultação das práticas autoritárias cometidas contra estes (AL/MG, 2014).
Assim, nas palavras de Alexandra Barahona de Brito (2009, p. 58) “lidar com os
legados da repressão autoritária é um desafio político e ético que muitas sociedades enfrentam
durante a transição para a democracia. É uma questão que frequentemente causa profundas
tensões políticas, levando alguns governos a optarem pela anistia ou pelo esquecimento”.
Para além de um caráter meramente jurídico-legal, o direito à memória, bem como o
direito à verdade, possuem em seu cerne um caráter excepcionalmente democrático. Como
bem analisou Coelho (2016, p. 5):

O fato da memória possuir uma dimensão coletiva faz com que ela se torne alvo de
disputa por parte dos grupos políticos dominantes de uma sociedade que buscam,
por meio do controle sobre o processo de seleção do que deve ser lembrado e do que
deve ser esquecido, satisfazer seus próprios interesses.

Assim, evitar a manipulação da história, a omissão de fatos, a criação de inverdades, e


principalmente o esquecimento de crimes são os objetivos principais de uma tutela jurídica da
memória e da verdade. Desta feita, na comunidade internacional, há um posicionamento de
que a necessidade do direito à verdade no pós-conflito se dá de dois modos: um relacionado a
um caráter pessoal e restrito, de ordem particular, fundamentado no direito das vítimas e seus
familiares de conhecer a verdade dos fatos que envolveram violações de Direitos Humanos, e
o segundo de dimensão coletiva, uma vez que a verdade permite que a sociedade tenha o
conhecimento de informações necessárias para o desenvolvimento da sua democracia (LIMA
MONTEIRO; RIBEIRO, 2016).
A respeito da memória nos contextos sociais, assim discorre Reátegui (2011, p. 362):

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Para analisar as questões acima mencionadas é necessário reconhecer, em primeiro
lugar, a onipresença da memória. Somente em um sentido metafórico é possível falar
do esquecimento como uma maneira social de situar-se frente ao passado. A rigor,
toda representação do presente e toda orientação das ações individuais e coletivas
encontram-se sustentadas em certa percepção organizada do passado. Às vezes, essa
percepção é manifesta e explícita, está conformada por enunciados definidos sobre
fatos pretéritos e por interpretações e valorações específicas. Em outras ocasiões, a
memória aparece mais abstratamente, sob a forma de “estruturas herdadas de
percepção”, como se sustentou a partir de certa sociologia da vida subjetiva. Ou seja,
ela não é necessariamente um conjunto de enunciados sobre fatos concretos, mas
sim um conjunto de disposições assentadas em uma coletividade que orienta as
pessoas a perceber os fatos de um modo específico. Na esfera da violência armada e
das massivas violações de direitos humanos, esta seria a diferença entre uma
memória que descreve fatos e responsabilidades concretos e uma percepção geral do
passado que orienta a ver a violência como uma fatalidade.

A partir da fala do autor percebe-se dois pontos muito interessantes acerca da memória
como instrumento democrático. O primeiro diz respeito a utilização do esquecimento como
ferramenta para a construção de uma narrativa histórica, assim, após “apagar-se” a tela da
história, resta um espaço novo e límpido para a “impressão” de fatos remontados da maneira
que melhor satisfaça os interesses do narrador. O segundo ponto trata do movimento oposto,
no qual a memória é trazida à tona para reinterpretar fatos históricos sob uma nova ótica,
sempre induzida por interesses particulares.
Esse é justamente o ponto observado nas recentes manifestações antidemocráticas no
Brasil, onde milhares de pessoas saíram às ruas para pedir a “volta da Ditadura”. Sobre o tema
assim explana Granjeiro (2021, p. 4):

No Brasil, este cenário pode ser visto quando grupos de extrema direita utilizavam
da desinformação para repassar uma imagem positiva do Regime Civil-Militar.
Dentre os principais argumentos utilizados pelos extremistas, reside a ideia de que
não houve corrupção no regime militar, bem como o clima de maior segurança
prevalecia. Muitas vezes, os grupos tentam negar a existência da tortura, como
forma de promover a imagem positiva dos militares.

Em suma, a autora critica a remodelação dos fatos históricos por um determinado


grupo da sociedade com o objetivo antidemocrático, sendo transmitida a ideia de que o
período do Regime Civil-Militar fora benéfico as instituições brasileiras, minimizando-se a
existência da violência durante esse período, assim como, negando-se as violações aos
direitos humanos perpetradas pelos agentes estatais.
Nesse contexto, utilizando as palavras de Barreto Ferreira (2018, p. 273): “quando a
mentira toma conta das engrenagens do Estado, tornando-se política estatal, comprometida

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está a democracia e os seus mecanismos. Entretanto, questionar as relações presentes e
resgatá-las à luz da prometida democracia é o que impulsiona a sociedade amadurecida em
busca das chaves que abrem o baú da verdade, e a faz reclamar uma nova intriga capaz de
promover uma reviravolta na trama”.
O direito à memória e à verdade tratam-se, portanto, de exercícios de cidadania que
visam a construção de um novo regime democrático, rompendo com as mentiras e
esquecimentos que permeiam os regimes autoritários. Nesse sentido, assim explanam Santos e
Kneipp (2018, p. 290):

Assim, o direito à verdade e à memória relaciona-se umbilicalmente com a


aprendizagem social e formação da identidade cultural da sociedade, possíveis por
meio do resgate à memória coletiva, aspectos estes também presentes nos tratados
internacionais sobre direitos humanos.

Extrai-se, desse modo, que a narrativa construída por uma sociedade ou indivíduo, a
respeito de si, constitui sua identidade, definindo sua forma de inserção no mundo, uma vez
que todas as decisões e comportamentos futuros serão pautados nessas informações retidas na
memória. Dessa maneira, uma má formação da memória tende a gerar impactos negativos no
desenvolvimento de uma determinada sociedade, desagregando indivíduos e prolongando
conflitos (SILVA; REIS, 2017).
Dando prosseguimento a essa discussão, tomemos as palavras de Vargas e Martins
(2018, p. 250-251):

Nesse sentido, a memória se apresenta como oportunidade de construir ou


reconstruir novas soluções a desafios totalmente inéditos, isto é, atuar por uma
política de memória é enfrentar as marcas da violência do passado que massacra
corpos vulneráveis, deslocando os sentidos da história do fantasmagórico oculto pela
história oficial permitindo o emergir de novas vozes. “Escovar a história a
contrapelo” é movimentar estruturas rígidas, fixas, absolutas e totalizantes como
aquelas tomadas pelo discurso oficial do Estado que legitima mortes,
desaparecimentos e extermínios, sempre sob a lógica da segurança jurídica, da
ordem pública, do controle social e da sociedade de bem. E esse movimento de
ruptura provoca novos sentidos àquilo que pode ser chamado de justiça.

Aprofundando a crítica das autoras, temos que essa política da memória enseja
diversas ações governamentais, possibilitando a discussão pública das violências cometidas
por agentes estatais, revelando-se a verdade dos fatos, evitando-se o esquecimento arbitrário
das ações abusivas do passado, garantindo, assim, a não repetição dos erros. Nesse contexto,
surge a Comissão Nacional da Verdade.

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3 COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: ASPECTOS GERAIS

Neste tópico abordaremos os aspectos gerais da Comissão Nacional da Verdade,


discorrendo sobre suas funções e objetivos, abordando em subtópico específico a instauração
da CNV no Brasil.
Instauradas em períodos de transição política, as Comissões Nacionais da Verdade
visam investigar fatos, causas e consequências de violações de direitos humanos ocorridas
num determinado período da história de um país (MEMÓRIAS DA DITADURA, 2023).
Ademais, uma comissão da verdade também pode ser definida como uma instituição
com foco no passado, possuindo a finalidade de investigar padrões de abusos sobre um
período de tempo, com caráter temporário e concluindo seus trabalhos com a apresentação de
um relatório público, devendo ser constituída ou autorizada pelo Estado, envolvendo direta e
amplamente a população afetada, sistematizando informações sobre a sua experiência
(VIEIRA, 2016).
Nas palavras de Simone Rodrigues Pinto (2010, p.128):

Mais de duas dezenas de comissões de verdade têm sido estabelecidas desde


1974, muitas delas com nomes diferentes. Alguns exemplos são: Comissão
sobre Desaparecidos na Argentina, Uganda e Sri Lanka; Comissão de Verdade e
Justiça no Haiti e Equador; Comissão de Esclarecimento Histórico na Guatemala
e Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul, Chile e Peru.
Apesar de diferentes em muitos aspectos, todas têm seguido o mesmo objetivo
de não permitir que a amnésia política e social afete o futuro da
democratização. Por meio de depoimentos de testemunhas, declarações de
perpetradores, investigações e pesquisas em documentos públicos e privados, as
comissões de verdade buscam estabelecer um amplo cenário dos
acontecimentos ocorridos durante o período de repressão política ou guerra
civil, esclarecendo eventos obscuros e permitindo que o amplo debate varra da
sociedade o silêncio e a negação das dores do período da história a que diz respeito.

Nessa perspectiva, considera-se, então, que as Comissões da Verdade, como


instituições, buscam o esclarecimento do passado, permitindo que a sociedade discuta e
verbalize fatos ocorridos naquele determinado período que restavam desconhecidos.
Assim, um elemento diferencial da comissão da verdade é o enfoque na vítima, ou
seja, ao contrário dos julgamentos penais em que se busca a análise dos fatos e da sua relação
com o acusado, na comissão da verdade é permitido uma maior atenção aos relatos das
vítimas e seus familiares, proporcionando um tratamento psicológico, aliviando os traumas
causados pela violência e violações (RODRIGUES PINTO, 2010).

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Em síntese, os objetivos e funções das Comissões da Verdade são: analisar os
contextos sociais e históricos nos quais se passaram os abusos e violações, esclarecendo, na
medida do possível, os fatos que muitas vezes foram encobertos ou distorcidos por
mecanismos do próprio Estado, enfrentando uma cultura do esquecimento com que se
pretende negar o acontecido e dificultar a apuração das evidências que permitam apontar os
responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridas no período; Reconhecer e proteger
as vítimas exigindo que o Estado valorize seus testemunhos como fundamentais para a
construção da verdade histórica e repare, mesmo que parcialmente, os danos decorrentes das
violências sofridas; Elaborar relatórios e recomendações, com sugestões de reformas
institucionais, revisões constitucionais e processos de justiça que possam garantir o
aperfeiçoamento da democracia, que ao se tornarem públicos, reforçam esses três objetivos,
que formam parte dos eixos da Justiça de Transição (MEMÓRIAS DA DITADURA, 2023).

3.1 A Comissão da Verdade no Brasil

A implantação de uma comissão da verdade no Brasil era pretensão da


sociedade civil há vários anos, e desde 2007 esse tema tornou-se recorrente, com
cobranças ao governo para a adoção das medidas necessárias à sua criação. Sua
implementação foi uma das recomendações da XI Conferência Nacional de
Direitos Humanos e constou do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos,aprovado em
2009. Da mesma forma, tratava-se de medida prometida pelo Estado brasileiro à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, no bojo da demanda apresentada por familiares de
vítimas da Guerrilha do Araguaia (WEICHERT, 2014).
Enfim instituída, através da Lei nº 12.528, em 18 de novembro de 2011, a CNV teve o
objetivo de examinar e esclarecer o quadro de graves violações de direitos humanos
praticadas pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988, buscando consolidar o direito à memória
e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional, iniciando seus trabalhos em 16 de
maio de 2012, tendo concluído os mesmos em 10 de dezembro de 2014, data da publicação de
seu relatório final e ano do cinquentenário do golpe militar (SCHETTINI, 2021).
De acordo com Paula Maria Nasser Cury (2013, p. 292):

Metodologicamente, pode-se dizer que as finalidades gerais da CNV, elencadas no


art. 1o da Lei no 12.528/11, são subdivididas, no art. 3o , nos seguintes objetivos ou
finalidades específicas: (1) esclarecer os fatos e circunstâncias dos casos graves de
violações de direitos humanos (referidos no art. 1o da mesma Lei); (2) esclarecer, de

14
forma circunstanciada, os casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados,
ocultações de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; (3) identificar
e tornar públicos os fatos relacionados à prática das violações graves de direitos
humanos mencionadas no art. 1o da referida Lei, bem como suas eventuais
ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; (4) encaminhar aos
órgãos públicos competentes as informações obtidas que possam auxiliar a localizar
e identificar corpos e restos mortais de desaparecidos políticos; (5) colaborar com o
poder público na apuração de violações de direitos humanos; (6) recomendar a
adoção de medidas e políticas para prevenir violações de direitos humanos,
assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; (7)
promover a reconstrução da história dos casos graves de violação de direitos
humanos e colaborar na prestação de assistência às vítimas dessas violações.

A CNV compôs-se de sete membros, designados pela Presidência da República, sendo


os mesmos, brasileiros, com reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a
defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como, com o respeito aos
direitos humanos. Foram vedadas as participações daqueles que, não obstante atendessem aos
requisitos, exerciam cargos executivos em agremiação partidária, pois não teriam condições
de atuar com imparcialidade, no âmbito da CNV (NASSER CURY, 2013).
Foi inicialmente composta pelos membros Claudio Lemos Fonteles,
ex-procurador-geral da República; Gilson Langaro Dipp, ministro do Superior Tribunal de
Justiça; José Carlos Dias, advogado, defensor de presos políticos e ex-ministro da Justiça;
José Paulo Cavalcanti Filho, advogado e ex-ministro da Justiça; Maria Rita Kehl, psicanalista
e jornalista; Paulo Sérgio Pinheiro, professor titular de ciência política da Universidade de
São Paulo (USP); e Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada criminal e defensora de presos
políticos. Com a renúncia de Claudio Lemos Fonteles, em setembro de 2013, sua vaga foi
ocupada por Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, advogado e professor titular de direito
internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP. Em razão de problemas de
saúde, Gilson Langaro Dipp se afastou da Comissão e não participou do período final de suas
atividades (BRASIL, 2014). Em relação a sua composição, houveram críticas, principalmente
por parte da Associação Nacional de História (ANPUH) pela ausência de um historiador
profissional (TEÓFILO, 2016)
Inicialmente a CNV teria duração de dois anos, no entanto, seus membros solicitaram
à presidente Dilma mais seis meses de prorrogação, durante dois anos e seis meses, os
membros da CNV investigaram, realizaram audiências com ex presos políticos e militares
envolvidos em tortura, e produziram um extenso relatório já à disposição da
sociedadebrasileira (TEÓFILO, 2016).

15
Decidiu-se, logo no início, que a Comissão investigaria, tão somente, os atos
praticados “por agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do
Estado”, afastando dessa forma a pressão para que enfrentasse a teoria dos ‘dois
demônios’, que indicava que também deveria investigar-se os atos violentos praticados por
dissidentes da ditadura contra o Estado, seus agentes e, inclusive, outros civis, sendo
tais atos da resistência armada ao regime militar, em regra, denominados como
terroristas por parte das forças armadas e segmentos da sociedade civil e, ainda hoje, são
invocados como justificativa para a dura repressão praticada pelo Estado durante o
período (WEICHERT, 2014).
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela CNV foi a resistência de membros das
Forças Armadas que, em sua maioria, quando presentes às audiências, permaneciam em
silêncio ou tentavam confundir os trabalhos investigativos através de informações falsas ou
confusas, por exemplo. Outros, ainda, ausentaram-se alegando motivos de saúde, ou em
alguns casos, simplesmente não atenderam às convocações da CNV, e, ainda que não tenha
havido o reconhecimento da responsabilidade institucional das Forças Armadas pelas graves
violações empreendidas, vários militares, com frequência, insistiram que suas ações foram
motivadas por um dever funcional, demonstrando-se convictos de que suas condutas eram
legítimas e justificadas no contexto de luta contra grupos considerados “terroristas”
(SANTOS, 2017).
Nos termos da Lei no 12.528/2011, a CNV teve como prerrogativa “convocar, para
entrevistas ou testemunhos, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e
circunstâncias examinados” (artigo 4o , inciso III). Tais depoimentos se constituíram em fonte
de extrema relevância para o esclarecimento circunstanciado de casos específicos e para a
reconstrução histórica das práticas e estruturas da repressão política (BRASIL, 2014).
Ao todo, de 16 de maio de 2012 até 31 de outubro de 2014, foram coletados pela
Comissão 1.116 depoimentos, sendo 483 em audiências públicas e 633 de forma reservada. A
metodologia de coleta de depoimentos envolveu, inicialmente, a definição dos nomes das
pessoas cuja oitiva seria importante para a Comissão. Assim, comissões da verdade estaduais
e municipais, setoriais ou de classe, bem como familiares de vítimas e comitês populares de
memória, verdade e justiça, apresentaram sugestões de nomes de depoentes à CNV. Depois da
seleção dos nomes, foi realizado o levantamento de informações sobre cada uma das pessoas a

16
ser ouvida, em pesquisa a bases de dados públicas. Seguiu-se, ainda, a elaboração de um
roteiro de perguntas para cada caso (BRASIL, 2014).
Com o término da comissão foi gerado um documento muito importante para a
história dos direitos humanos no país: o relatório final da CNV.
O mesmo foi dividido em três volumes: O Volume I, formado por um texto único,
composto por capítulos; O Volume II, com textos independentes, feitos por diferentes grupos
de trabalhos; E o Volume III, onde estão os perfis dos 434 mortos e desaparecidos políticos
(VIEIRA, 2016).
O Volume I, dividido em cinco partes, trata da criação da Comissão, antecedentes
históricos, seu mandato legal e apresenta as comissões da verdade de alguns países, como
Argentina, Chile, El Salvador, África do Sul, Uruguai e Peru. Essa parte também trata das
atividades realizadas pela CNV durante seu mandato, sua relação com órgãos públicos, com o
Ministério da Defesa e as Forças Armadas e com a sociedade civil. Ademais, discorre sobre a
cooperação internacional entre a Comissão e outros governos com o intuito de ajudar no
esclarecimento de fatos ocorridos no Brasil e no exterior (BRASIL, 2014) .
Na segunda parte do primeiro volume, o relatório da CNV aponta os principais
acontecimentos políticos que marcaram a implantação de uma nova ordem democrática em
1946, o desenvolver dos fatos que terminam por romper com essa democracia em 1964, além
dos acontecimentos que dão início, meio e fim à ditadura militar, bem como, trata dos órgãos
e procedimentos da repressão política (VIEIRA, 2016).
O capítulo sobre a participação do Estado brasileiro em graves violações no exterior
analisa o papel fundamental do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no
acompanhamento e vigilância de cidadãos brasileiros que estavam fora do país. Assim, nas
palavras de Vieira (2016, p.02): “fica evidente a participação ativa do MRE no apoio ao
regime militar ditatorial, especialmente em relação às graves violações de direitos humanos”.
As conexões internacionais: a aliança repressiva no Cone Sul e a Operação Condor
também foram apresentadas no documento. Nesse sentido, o relatório demonstrou que houve
colaboração entre as ditaduras do Cone Sul, e que a Operação Condor foi uma consequência
dessa aliança e da influência dos EUA na região, sendo um marco nas graves violações de
direitos humanos de cidadãos brasileiros e estrangeiros, no Brasil e em outros países
(VIEIRA, 2016).

17
Na terceira parte do relatório, intitulada “Métodos e práticas nas graves violações de
direitos humanos e suas vítimas”, está a maior parte dos nomes e depoimentos das vítimas das
graves violações. A respeito das execuções e mortes sobre tortura há o registro de 191 mortes
por execução sumária e ilegal ou decorrente de tortura realizadas por agentes a serviço do
Estado, no período de 1946 a 1988, de acordo com o “Quadro geral da CNV sobre mortos e
desaparecidos políticos”. A esse respeito, discorre Vieira (2016, p. 04):
O capítulo sobre o tema oferece importantes dados quantitativos, além de relatos de
vítimas e testemunhas que ajudaram a comprovar que as execuções e mortes
decorrentes de tortura foram empreendidas sistematicamente pelos agentes estatais
contra os opositores políticos do regime. Durante a ditadura militar, agentes estatais
cometeram graves violações de direitos humanos. Para que não se soubesse o motivo
real da morte, os órgãos de segurança criavam encenações de tiroteios, suicídios e
acidentes. A CNV baseou-se em três métodos para o esclarecimento circunstanciado
dos casos de morte nesse período: elaboração de novas perícias a partir de elementos
materiais dos crimes ainda acessíveis; pesquisas de documentos dos antigos órgãos
de segurança e informações; e depoimentos de testemunhas, vítimas e agentes
estatais.
Assim, em que pese a extensão do relatório, limita-se, neste trabalho, a serem feitas
algumas considerações condizentes à cooperação internacional, e sua participação no
esclarecimento dos fatos ocorridos no período ditatorial brasileiro. Desse modo, cumpre-se
tecer alguns apontamentos sobre a cooperação internacional.

4 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

A partir desse tópico discorremos sobre os aspectos mais relevantes sobre a


cooperação internacional. Para isso, introduzimos algumas informações pertinentes sobre a
cooperação internacional, principalmente no que concerne ao seu conceito e função.
A cooperação é um fenômeno cada vez mais relevante, principalmente nas relações
internacionais, estudos e análises sobre a ocorrência e as diferentes formas e tipos de
cooperação têm contribuído para a compreensão de por que os atores estatais e não estatais
cooperam, e uma das respostas a tal indagação se relaciona à capacidade de a cooperação
gerar novos ganhos aos parceiros, dificilmente obtidos de maneira unilateral e sem grandes
custos (MONTE; ANASTASIA; MATOS, 2021).
Segundo Bahia (2015, p. 45) “a cooperação jurídica internacional constrói a ideia de
um espaço comum de justiça, com reconhecimento mútuo de jurisdições”. Assim, a ajuda
internacional em diversas matérias permite a ampliação das fronteiras internacionais, o que

18
possibilita um maior trânsito de informações e direitos, mormente no que tange aos direitos
humanos.
A esse respeito temos a fala de Pozzatti Junior (2019, p. 152):
Tendo os direitos humanos um conteúdo universal, eles extrapolam o poder
normativo dos Estados nacionais, podendo servir de lastro para a ideia de
cooperação internacional sob três perspectivas. A primeira é ontológica, já que os
direitos humanos exigem a cooperação internacional devido a sua própria definição.
Isso se deve ao fato de que a cooperação internacional se impõe justamente para
garantir o caráter indissociável e interdependente dos direitos humanos
espacialmente, sendo, portanto, um instrumento para defender a própria ideia de
direitos humanos. Assim, a cooperação internacional se impõe como consequência
do próprio conceito dos direitos humanos, como verdadeiro componente da
compreensão dos direitos humanos que ela é. Em uma frase: como os direitos
humanos são universais, indissociáveis e interdependentes, a ideia de cooperação
internacional faz parte da sua própria definição.

Como observado pelo autor, a própria essência dos direitos humanos é intrínseca a
necessidade da cooperação internacional como instrumento para a consecução dos seus
objetivos, tutelando os direitos universais de maneira ampla e indistinta, ultrapassando a
noção de barreiras geográficas e fronteiras.
Nesse contexto, no que se refere à cooperação internacional e às comissões da
verdade, temos as palavras de Hollanda e Israel (2019, p. 02):
Mais recentemente, outro dispositivo de interlocução entre Estado e grupos
organizados da sociedade ganhou força na cena pública brasileira: as comissões da
verdade para apurar crimes da ditadura militar. Elas existiram em muitos outros
países no mundo e chegam a constituir uma espécie de fórmula política para países
recém-egressos de regimes violadores de direitos humanos . A partir da criação da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), em novembro de 2011, elas proliferaram por
todo Brasil e, três anos depois, já contavam cerca de uma centena, com formas
variadas, vinculadas ou não a instâncias de Estado. Independentes entre si, estiveram
desobrigadas da produção de uma única e coerente narrativa nacional sobre a
ditadura. Não sendo autorizadas pelo voto, comissões da verdade costumam
mobilizar – no Brasil e fora dele – uma noção de democracia amalgamada aos
direitos humanos. A partir dela produzem justificação ou legitimação pública de
suas atividades. Comissões da verdade constituem um objeto amplamente abordado
a partir da literatura de justiça de transição, mas ainda inexplorado pelo prisma da
representação política.
Com isso, passamos agora a abordar a cooperação internacional na CNV, apresentando
suas características e meio de atuação na comissão.

4.1 a cooperação internacional na CNV

Por meio do projeto de cooperação técnica internacional intitulado “Fortalecimento da


Comissão Nacional da Verdade”, celebrado com a ONU em 17 de outubro de 2013, que

19
estava diretamente vinculado a experiência do PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) no desenvolvimento humano, sob a perspectiva da defesa e promoção dos
direitos humanos, visando ao fortalecimento do Estado democrático de direito, foram
contratados, entre outros, pesquisadores, assistentes e peritos, que prestaram assessoria
técnica voltada à realização dos eixos estruturantes de atuação da CNV: pesquisa, articulação
e comunicação (BRASIL, 2014).
Além disso, a CNV também desenvolveu importante intercâmbio com entidades
estrangeiras e organizações internacionais, auferindo subsídios em matéria de Justiça de
Transição, contando com a colaboração, inclusive, do Centro Internacional para a Justiça de
Transição (International Center for Transitional Justice – ICTJ), organização não
governamental reconhecida como referência internacional na temática transicional, sediada
em Nova York, nos Estados Unidos, promovendo recomendações e análises sobre os trabalhos
da CNV, o ICTJ ainda ofereceu treinamento técnico à equipe da Comissão (BRASIL, 2014).
A CNV também contou com a cooperação estratégica de órgãos de direitos humanos
de outros países, para o intercâmbio de informações e documentos sobre graves violações de
direitos humanos e para o compartilhamento de experiências no campo da efetivação do
direito à verdade, à memória, à justiça e à reparação, exemplo dessa cooperação internacional
foi a atuação de pesquisadores e peritos do Brasil, da Argentina e do Uruguai no grupo de
trabalho que atuou na exumação e nas atividades periciais relativas aos restos mortais do
ex-presidente João Goulart (BRASIL, 2014).
Outro exemplo dessa cooperação internacional ocorreu em abril de 2013, quando foi
apresentada proposta de acordo de cooperação para o intercâmbio de informações que
possibilitariam o esclarecimento de casos de tortura, desaparecimento forçado e outras graves
violações de direitos humanos ocorridas durante as ditaduras das quais Brasil, Argentina e
Uruguai padeceram em passado recente, sendo a proposta concretizada em janeiro de 2014,
através da assinatura do ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado,
em Havana, Cuba, de memorandos de entendimento bilaterais para o intercâmbio de
documentação para o esclarecimento de graves violações aos direitos humanos, ao lado do
chanceler Héctor Timerman, da Argentina, e do chanceler Luis Almagro, do Uruguai, tendo
tal ação representado um aprofundamento na cooperação já existente entre as instituições de
direitos humanos dos três países, colaborando para o desenvolvimento das pesquisas
realizadas pela CNV, notadamente no que se refere à investigação da coordenação repressiva

20
ilegal entre os países do Cone Sul, na perseguição e eliminação de seus opositores (BRASIL,
2014).
Entre outros, a CNV pediu apoio do governo alemão para a entrega de documentos
que pudessem ajudar a esclarecer o monitoramento de brasileiros que, durante a ditadura
(1964-1985), se exilaram naquele país. Outra importante relação de cooperação ocorreu com a
Argentina, onde, em missão, foram realizadas as seguintes atividades: reunião com a
Secretaria de Direitos Humanos da Argentina para o planejamento de pesquisas no Arquivo
Nacional da Memória da Argentina; pesquisa em arquivos da Justiça Federal argentina, em
Buenos Aires; entrevistas, em Buenos Aires, com familiares de vítimas de cidadãos
argentinos desaparecidos no Brasil; entrevista com duas testemunhas de desaparecimentos
forçados de cidadãos brasileiros em Córdoba, na Argentina; e pesquisa nos arquivos da
Comisión Provincial por la Memoria, em La Plata, identificando-se, ainda, no arquivo central
do Ministério de Relações Exteriores e Culto da República Argentina, 66 caixas com
documentos que poderiam esclarecer violações de direitos humanos cometidas durante a
ditadura militar brasileira, e, em seguida, a Comissão pela Memória da Província de Buenos
Aires (CPM), entregou documentação com informações sobre as circunstâncias da prisão e do
desaparecimento de 11 cidadãos brasileiros naquele país, incluindo informações sobre seis
argentinos presos e desaparecidos no Brasil, além de outros casos de graves violações de
direitos humanos envolvendo a colaboração de organismos da repressão de ambos os países,
e, ainda, acervo sobre o monitoramento sofrido pelo ex-presidente João Goulart na Argentina
(BRASIL, 2014).
Destaque-se também a pesquisa que a CNV realizou no chamado Arquivo do Terror,
que contém documentos policiais e militares da ditadura de Alfredo Stroessner e se encontra
atualmente sob a custódia da Suprema Corte de Justiça do Paraguai, em Assunção, na mesma
visita, foi realizada pesquisa no Arquivo da Comissão de Verdade, Memória e Justiça do
Paraguai, geridos pela Diretoria de Memória e Verdade da Defensoria do Povo daquele país
(BRASIL, 2014).
Tem-se, ainda, a parceria da CNV com o Uruguai, nos campos da antropologia
forense, da pesquisa histórica e do intercâmbio de documentação, entre eles arquivos
brasileiros e uruguaios, que pudessem ajudar a esclarecer casos de desaparecimentos forçados
e outras graves violações de direitos humanos, e documentos sobre o monitoramento e

21
perseguição sofridos pelo ex-presidente João Goulart, quando se encontrava exilado naquele
país (BRASIL, 2014).
Entre o período de 9 a 13 de junho de 2014, equipe da CNV esteve em Washington,
nos Estados Unidos, onde realizou trabalho de pesquisa nos arquivos mantidos pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) acerca de 30 casos de graves violações de
direitos humanos perpetrados no Brasil durante a Ditadura Militar. A Comissão ainda
pesquisou arquivos da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Alto Comissário das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em Genebra, na Suíça, identificando ao menos 5
mil páginas de documentos sigilosos envolvendo o Brasil, e, por fim, em 20 de junho de
2014, o Ministério das Relações Exteriores entregou à CNV 43 documentos do Departamento
de Estado dos Estados Unidos, produzidos no período de janeiro de 1967 a dezembro de
1977, entre eles, documentos elaborados entre 1967 e 1974, 18 foram desclassificados e
tornados acessíveis em 19 de maio de 2014 e outros 25, produzidos entre 1973 e 1977, já
haviam sido desclassificados entre os anos de 2005 e 2009, publicados integralmente no site
da CNV (BRASIL, 2014).
Assim, observados como se deu as diversas formas de cooperação internacional no
contexto da Comissão Nacional da Verdade, passa-se, agora, a análise dos resultados obtidos
no relatório final da comissão sobre os casos apurados internacionalmente.

5 CASOS INTERNACIONAIS APRESENTADOS NO RELATÓRIO FINAL DA CNV

Utilizando-se do excerto constante no Relatório da Comissão Nacional da Verdade


(BRASIL, 2014):

A ditadura não se preocupava apenas com seus opositores no Brasil: o inimigo


interno não podia ser descuidado, mesmo quando fora do território nacional.
Potencialmente, incluíam-se nessa categoria não só os que foram afastados da
política pelo Ato Institucional no 1, de 9 de abril de 1964, ou identificados pelos
órgãos da repressão ao longo dos anos seguintes, mas também todos aqueles que
deixavam o país por discordarem da ditadura. Suspeitos, precisavam ser vigiados.

Analisando-se esse trecho do relatório percebe-se a extensão das violações de direitos


praticadas pelo regime ditatorial, restando assente que os mesmos não se restringiam aos

22
limites territoriais brasileiros, pois na mentalidade dos agentes, o inimigo deveria ser vigiado
e punido em qualquer lugar.
No período da ditadura no Brasil, o Ministério das Relações Exteriores (MRE)
colaborou ativamente com a política repressiva do regime. Além do Centro de Informações do
Exterior (Ciex), que era uma estrutura clandestina criada dentro do MRE para atuar como
serviço secreto, havia também a Divisão de Segurança e Informações (DSI). Tanto o Ciex
quanto a DSI desempenharam papéis essenciais na vigilância de brasileiros no exterior e na
produção de informações para subsidiar o Serviço Nacional de Informações (SNI) e outros
órgãos de inteligência, auxiliando assim na ação repressiva (BRASIL, 2014).
As missões diplomáticas e consulares brasileiras também estiveram envolvidas na
política repressiva da ditadura. Documentos encontrados nos arquivos do MRE e no Arquivo
Nacional mostram que o monitoramento de brasileiros no exterior não se limitou ao trabalho
do Ciex ou dos funcionários da DSI, nem se restringiu apenas ao fornecimento de
informações periódicas estabelecidas no Plano Nacional de Informações. Por meio de
instruções provenientes das autoridades superiores do MRE ou da própria DSI, ou ainda por
iniciativa de diplomatas em serviço nas embaixadas e consulados, o MRE utilizou sua rede de
postos no exterior para colaborar com a política repressiva. Diplomatas e outros funcionários
do Serviço Exterior desempenharam funções de espionagem, restringindo direitos, criando
obstáculos e mantendo os órgãos de repressão informados sobre as atividades dos opositores
do regime no exterior (BRASIL, 2014).
Assim, fica claro que o MRE funcionou como uma engrenagem do aparato repressivo
da ditadura, colaborando ativamente na vigilância e perseguição de brasileiros que se
opunham ao regime. A DSI fazia parte da estrutura do MRE e era responsável pela
coordenação e tratamento da informação nessa área, sendo seus expedientes integrados ao
fluxo normal do Ministério. A DSI também tinha interface com os demais órgãos do Sistema
Nacional de Informações, aos quais repassava as informações recebidas das missões
diplomáticas e consulares brasileiras no exterior. A atuação do MRE na política repressiva era
ampla e envolvia tanto a coleta de informações lícitas quanto o uso de métodos encobertos e
clandestinos, como a instalação de equipamentos de escuta em quartos de hotel, conforme
revelado pela Operação Marco Polo (BRASIL, 2014).
Outro ponto importante encontrado durante a comissão foi a colaboração do governo
britânico com o Brasil em questões de inteligência e informações. Segundo relatos do

23
embaixador Jacques Guilbaud, o Ciex (Centro de Informações do Exterior) teria contado com
a colaboração do MI5 (Serviço de Segurança do Reino Unido) em sua organização, incluindo
a contribuição de especialistas britânicos na elaboração de regulamentos internos. Um
exemplo mencionado foi a entrega de informações sobre superfaturamento na aquisição da
residência do embaixador do Brasil em Lisboa. Rumores sobre a colaboração entre o
Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro e a inteligência britânica também foram
abonados por pesquisas históricas (BRASIL, 2014).
Também se faz referência a um episódio durante a década de 1930, em que o MRE
teria fornecido informações antecipadas sobre a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a
presença de Luís Carlos Prestes no Brasil, auxiliando nas ações anticomunistas do governo de
Getúlio Vargas. Essas informações teriam sido transmitidas por um espião francês chamado
Johnny, que repassava os dados ao chefe operacional do SIS britânico no Brasil, que, por sua
vez, os enviava ao embaixador inglês Gurney, responsável por codificá-los e enviá-los a
Londres. As informações eram então selecionadas pela comunidade de inteligência britânica e
entregues ao ministro do Exterior brasileiro (BRASIL, 2014).
Além disso, é mencionado que o diplomata britânico Maurice Oldfield visitou o Brasil
em 1960, sendo recebido pelo embaixador Pio Corrêa. Anos mais tarde, Maurice Oldfield se
tornaria chefe do MI5. No entanto, não há registros específicos sobre sua visita nos arquivos
do MRE, e solicitações de acesso a documentos britânicos sobre o assunto não foram
respondidas (BRASIL, 2014).
O documento intitulado "Criação do Serviço de Informações do Exterior", datado de
12 de julho de 1967, revela a atração dos fundadores do Ciex pelo modelo britânico de
inteligência. Assim, o serviço de informações brasileiro se baseia amplamente na estrutura e
funcionamento do serviço secreto inglês, com algumas adaptações para as peculiaridades
nacionais. Entre as sugestões, está a concessão de status diplomático aos representantes do
serviço de informações no exterior e a atuação da DSI (Divisão de Segurança e Informações)
como meio de contato oficial do serviço com outros órgãos do Itamaraty e da administração
pública federal (BRASIL, 2014).
Outro trecho apresentado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV),
publicado em dezembro de 2014, descreve o monitoramento realizado pelo Ministério das
Relações Exteriores (MRE) do Brasil sobre brasileiros no exterior, iniciado logo após o golpe
de 1964.

24
O monitoramento abrangia diferentes categorias de brasileiros, como aqueles que
estavam exilados, asilados, banidos do território nacional ou apenas de passagem por algum
país estrangeiro. O Consulado-Geral do Brasil em Montevidéu, por exemplo, mantinha
contato frequente com a polícia uruguaia, recebendo cópias das fichas policiais de brasileiros
exilados, que eram posteriormente enviadas à DSI (Divisão de Segurança e Informações) em
Brasília, após serem descaracterizadas.
Documentos relatam, ainda, casos em que diplomatas brasileiros agiram por conta
própria, como o cônsul-geral do Brasil em Paris que observou os passos da esposa de
Juscelino Kubitschek, a embaixatriz Glorinha Paranaguá. Além disso, havia solicitações de
renovação de passaporte e outras prestações consulares que eram utilizadas para obter dados
dos solicitantes sem levantar suspeitas.
O monitoramento também se estendia a figuras políticas, como o ex-deputado Leonel
Brizola e o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, ambos cassados pelo AI-1, que
foram mencionados em documentos da polícia uruguaia em uma suposta reunião com o chefe
dos Tupamaros, Raúl Sendic Antonaccio. O relatório também menciona casos de
monitoramento do ex-presidente João Goulart, com informações detalhadas sobre seus
deslocamentos sendo transmitidas às embaixadas e consulados.
Os consulados privativos localizados em cidades de fronteira também desempenhavam
um papel no monitoramento de brasileiros nas regiões limítrofes, fornecendo informações
sobre aqueles que transitavam nessas áreas.
No relatório é descrito um exemplo ilustrativo da postura adotada pelo Estado
brasileiro durante o golpe de Estado no Chile em 1973. Nesse período, o governo brasileiro
deliberadamente se omitiu no exercício da proteção consular aos brasileiros que se
encontravam no país à época, negando-lhes autorização para retornar ao Brasil, o governo
prolongou a estada de dezenas de detidos em condições sub-humanas no Estádio Nacional em
Santiago.

Assim, ao invés de auxiliar os brasileiros a deixarem o Chile com destino a outros


países, conforme o desejo das novas autoridades chilenas, o governo brasileiro procurou obter
listas de nomes e informações sobre aqueles que buscavam refúgio em embaixadas de outros
países ou em sedes de organizações internacionais. Além disso, interessava à ditadura

25
brasileira obter informações sobre a partida dos exilados, o que permitiria o monitoramento de
suas atividades posteriores.
Com esse objetivo, o governo brasileiro enviou uma equipe de militares e policiais ao
Chile, incluindo o sargento Deoclécio Paulo, para interrogar os brasileiros detidos no Estádio
Nacional. Há relatos de que esses interrogatórios tenham sido conduzidos sob tortura,
conforme depoimentos de sobreviventes.
Entre tais documentos, o Despacho-Telegráfico nº 460, emitido em 16 de outubro de
1973 para a Embaixada do Brasil em Santiago, registra a presença de agentes brasileiros no
Estádio Nacional, acompanhados pelo sargento Deoclécio Paulo, auxiliar do coronel Walter
Mesquita de Siqueira, adido do Exército e da Aeronáutica. No entanto, em depoimento à
Comissão Nacional da Verdade (CNV), o capitão Deoclécio Paulo negou ter conhecimento de
qualquer apoio da adidância aos agentes brasileiros que atuaram no estádio.
Por outro lado, há relatos de diplomatas e funcionários do Serviço Exterior Brasileiro
que, arriscando sua situação profissional, descumpriram instruções em benefício dos
brasileiros perseguidos pelo regime. Alguns funcionários foram repreendidos e sofreram
sanções administrativas por concederem passaportes, mesmo que por engano, a brasileiros
que constavam das listas atualizadas periodicamente pela Divisão de Segurança e Informações
(DSI). Um exemplo mencionado é o caso do segundo-secretário Octavio Eduardo Llambi
Campbell Guinle, investigado em 1970 pela Comissão de Investigação Sumária (CIS), órgão
de exceção criado com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5). A investigação foi uma
represália pela concessão de passaportes a dois brasileiros asilados no Chile: o almirante
Cândido Aragão e o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra.

5.1 o Brasil e os órgãos internacionais de direitos humanos

A CNV apurou, ademais, que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil
articulou a cobertura e dissimulação das graves violações de direitos humanos ocorridas
durante a Ditadura Militar. Isso foi feito tanto nos organismos multilaterais, como a Comissão
de Direitos Humanos da ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA,
quanto nas relações com essas entidades.
O MRE formou um grupo interministerial, que incluía representantes do Ministério da
Justiça, da secretaria-geral do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e do Serviço Nacional

26
de Informações (SNI), para lidar com as comunicações e denúncias recebidas. O embaixador
João Clemente Baena Soares, responsável pela coordenação desse grupo, revelou em
depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) que todas as comunicações recebidas
das comissões internacionais de direitos humanos eram encaminhadas a uma rede controlada
pela Casa Militar da Presidência da República.
A documentação analisada pela CNV mostrou que, apesar do Brasil ter tido um papel
de destaque na elaboração de instrumentos de proteção aos direitos humanos desde a década
de 1940, as vítimas de graves violações durante a ditadura não conseguiram se beneficiar
significativamente da atuação dos organismos multilaterais. Os resultados obtidos foram
insuficientes em comparação com outros países do Cone Sul na mesma época.
Essa atuação do Estado brasileiro em proteger os interesses da ditadura em detrimento
da dignidade humana foi confirmada por documentos inéditos analisados pela CNV, que
também revelaram as estratégias adotadas para esse fim.
Nesse sentido, o relatório apresentou informações sobre as denúncias de violações de
direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar e a resposta do governo brasileiro no
âmbito do sistema das Nações Unidas (ONU).
A primeira denúncia sobre desrespeito aos direitos humanos no Brasil foi enviada ao
sistema ONU em 7 de abril, menos de uma semana depois do golpe de Estado em 1964, pelo
Congreso Permanente de Unidad Sindical de los Trabajadores de América Latina (CPUSTAL)
do Chile. O governo brasileiro, em suas respostas, afirmava que o movimento de restauração
da democracia buscava assegurar a liberdade e a expansão do movimento sindical, que estaria
sob o jugo de um pequeno grupo de agentes subversivos.
Nesse contexto, o Brasil recebeu diversas denúncias de violações de direitos humanos
enviadas por organizações internacionais, como a Alianza de Mujeres Costarricenses e a
Women's International Democratic Federation. O governo brasileiro adotava uma postura de
negação e evasão de responsabilidade, alegando falta de informações específicas para
responder às denúncias.
Assim, em meados da década de 1970, a ditadura militar estava preocupada com as
denúncias e os questionamentos sobre direitos humanos no Brasil, tanto na ONU como na
Organização dos Estados Americanos (OEA), por isso, criou-se um grupo de trabalho
interministerial em 1974 para lidar com as denúncias e traçar estratégias defensivas no âmbito

27
internacional. A estratégia era tentar rejeitar, desacreditar ou adiar o exame das denúncias
contra o Brasil.
Apesar da postura defensiva, o governo brasileiro buscava ampliar sua participação
nos sistemas da ONU e da OEA, visando a reeleição na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e o ingresso na Comissão de Direitos Humanos da ONU.

5.2 o caso 1.683

Refere-se à denúncia da detenção arbitrária, tortura e morte de Olavo Hansen,


dirigente dos trabalhadores da indústria têxtil de São Paulo. A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) recebeu a comunicação sobre o caso em 9 de junho de 1970,
enviada por várias organizações sindicais e cristãs da América Latina.
De acordo com o artigo 42 do Regulamento da CIDH, o presidente e o secretário
executivo da comissão solicitaram ao governo brasileiro, em 17 de junho de 1970, todas as
informações pertinentes ao caso. Foi designado o professor Durward V. Sandifer como relator
do caso.
Em 11 de janeiro de 1971, o chanceler brasileiro respondeu à solicitação da CIDH,
afirmando o compromisso do país com os direitos humanos. No entanto, manifestou
estranheza diante do pedido de visita da comissão, alegando que não eram necessárias
medidas excepcionais, pois outros meios de apuração dos fatos ainda não haviam sido
esgotados.
O governo brasileiro apresentou à CIDH uma cópia do documento intitulado "2ª
auditoria de Exército (2ª Circunscrição Judiciária Militar)", que mencionava um inquérito
policial instaurado para investigar a prisão e o falecimento de Olavo Hansen. Segundo esse
documento, Olavo Hansen foi preso por elementos da Polícia Militar de São Paulo enquanto
distribuía panfletos subversivos e foi conduzido ao DOPS (Departamento de Ordem Política e
Social). No dia seguinte, sentindo-se mal, ele foi transportado para o Hospital Militar do
Exército, onde faleceu. O exame necroscópico concluiu que a causa da morte era
indeterminada.
O inquérito foi conduzido por autoridades brasileiras, e o juiz auditor responsável
decidiu que Olavo Hansen não cometeu suicídio, mas faleceu devido a uma insuficiência
renal aguda agravada pela presença de um produto químico chamado PARATION em seu

28
organismo. O juiz também afirmou que não havia elementos objetivos nos autos que
indicassem uma morte causada criminosamente.
O juiz auditor determinou o arquivamento do caso, a menos que surgissem novos
elementos que modificassem o resultado da investigação.
O Estado brasileiro assegurou perante a CIDH que o inquérito instaurado para apurar a
morte de Olavo Hansen comprova o interesse do governo em investigar e, se necessário, punir
qualquer violência contra os presos.

5.3 o caso 1.684

No caso 1.684, a Comissão recebeu três denúncias anônimas entre junho e julho de
1970, que relatavam a existência de 12 mil prisioneiros políticos no Brasil e a ocorrência de
práticas de tortura, como afogamento, choque e estupro. Assim como no caso 1.683, a CIDH
solicitou informações ao governo brasileiro sobre o assunto e autorização para que o relator
do caso, Durward V. Sandifer, pudesse visitar o Brasil para realizar suas próprias
investigações. No entanto, o Brasil se opôs ao pedido, alegando as mesmas razões
apresentadas no caso anterior.
Em relação ao mérito da questão, o governo brasileiro apresentou uma documentação
volumosa, mas repetitiva, como prova de sua posição. Alegou que as supostas vítimas de
tortura eram, na maioria, criminosos comuns que haviam atentado contra o Estado e, portanto,
estavam sujeitos à Justiça Militar competente de acordo com a lei.
O relator do caso rejeitou as justificativas apresentadas pelo Brasil para não autorizar
sua visita, utilizando uma interpretação extensiva do Regulamento da CIDH. Segundo essa
interpretação, a comissão tem poder discricionário para escolher os meios adequados de
investigação, sendo a observação in loco um deles. O relator argumentou que não havia
necessidade de esgotar prazos, pois um prazo de espera obrigatório poderia resultar em
demora trágica.
O relator também afirmou que o governo brasileiro não havia fornecido informações
suficientes sobre as alegações de tortura feitas nas denúncias. Diante das respostas evasivas,
recomendou que o governo brasileiro fosse solicitado a fornecer todas as informações
disponíveis sobre as alegações de tortura e os processos judiciais em andamento. Essas
informações deveriam ser transmitidas a todos os reclamantes dos casos 1.683 e 1.684.

29
Em 3 de maio de 1972, a comissão emitiu uma resolução na qual declarou que a não
autorização da visita do relator ao Brasil dificultou o trabalho investigativo e impediu a
confirmação dos fatos relatados nas denúncias. No entanto, a prova reunida era suficiente para
presumir a ocorrência de graves casos de tortura e maus-tratos. Diante disso, a comissão
recomendou que o Brasil realizasse uma investigação completa, conduzida por magistrados
independentes não submetidos à disciplina militar ou policial, para determinar, com todas as
garantias processuais, se houve prática de tortura e se funcionários militares e policiais
mencionados no processo estavam envolvidos.
Em uma nota de 12 de outubro de 1973, o governo brasileiro afirmou que uma
investigação havia sido realizada dentro da ordem jurídica nacional, sob a supervisão direta
do ministro da Justiça, e que todas as providências aplicáveis foram tomadas, não sendo
necessário realizar mais nenhuma outra ação.

5.4 perseguição a brasileiros no exterior

De acordo com o relatório, a ditadura brasileira buscava cooperação com outros


governos latino-americanos para restringir os direitos dos exilados brasileiros. A CIA também
estava envolvida nesse processo, fornecendo assistência à estação do Rio de Janeiro para
coletar informações sobre os exilados. Agentes infiltrados, como Alberto Conrado Avegno,
participavam de reuniões e operações de informações relacionadas aos exilados.
O embaixador brasileiro em Montevidéu, Manoel Pio Corrêa, articulou uma rede de
informações para vigiar as atividades de exilados brasileiros, incluindo o ex-presidente João
Goulart e Leonel Brizola. Houve coordenação repressiva entre os governos brasileiro e
uruguaio, com o Uruguai adotando medidas restritivas aos exilados brasileiros.
O relatório também revela a participação direta do Ministério das Relações Exteriores
brasileiro em pelo menos um caso de detenção arbitrária no Uruguai. Documentos indicam
que um cidadão brasileiro detido no Uruguai foi entregue à polícia brasileira na fronteira entre
os dois países, em acordo entre o embaixador brasileiro e o ministro do Interior uruguaio.
Há indícios de que detenções de brasileiros em território uruguaio, a pedido das
autoridades brasileiras, ocorreram durante vários anos, envolvendo diferentes órgãos e
agentes diplomáticos, militares e policiais dos dois países.

30
O relatório também menciona o envolvimento do Consulado-Geral de Montevidéu na
coleta de informações sobre estrangeiros considerados subversivos ou indesejáveis, incluindo
nomes de figuras políticas uruguaias importantes atualmente, como José Mujica Cordano e
Lucía Topolansky.
Essas informações mostram a extensão das operações de perseguição, vigilância e
transferência de exilados brasileiros durante a ditadura militar no Brasil, evidenciando a
colaboração entre os governos e agências de segurança da época.
Em novembro de 1969, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de
Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, viajou para Porto Alegre, onde acompanhou o
interrogatório de Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Betto. No livro
"Batismo de Sangue" (1982), Frei Betto menciona que não voltou a ver o delegado Fleury e
que, segundo os jornais, ele teria ficado alguns dias no Sul. Frei Betto especula que Fleury
pode ter utilizado a desculpa de ter passado dias interrogando-o para encobrir sua ida a
Montevidéu, possivelmente em busca de Joaquim Câmara Ferreira ou para treinar a polícia
uruguaia na repressão aos Tupamaros.
A notícia da visita de Fleury a Montevidéu e sua possível participação na criação da
Brigada Repressiva Especial Uruguaia foi registrada em um documento secreto do Ministério
das Relações Exteriores brasileiro. A Embaixada brasileira no Chile e o adido militar
responsável pela missão demonstraram preocupação com os contatos que Fleury estava
mantendo naquele momento e com possíveis prejuízos à sua missão.
Documentos secretos do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, datados de 20
de maio de 1970, mencionam a presença de Fleury em Montevidéu, conforme constatado por
Carlos Figueiredo de Sá, um brasileiro exilado no Uruguai. Além disso, o jornal uruguaio El
Eco também confirmou a presença de Fleury em Montevidéu, em uma notícia de 18 de
outubro de 1971, na companhia de dois auxiliares identificados como membros do DOPS.
Em seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-delegado do DOPS
de São Paulo, José Paulo Bonchristiano, afirmou que Fleury tinha à sua disposição 40
investigadores e três delegados assistentes. Segundo Bonchristiano, quando precisavam agir
fora de São Paulo, não havia problemas no sistema repressivo para efetuar prisões em outros
estados do Brasil. Ele também mencionou que os agentes viajavam frequentemente por países
da América do Sul, como Argentina, Chile e até Peru, contando com o apoio de empresas
como a Varig e a Vasp para o transporte.

31
Na década de 1970, agentes e diplomatas dos Estados Unidos tinham contato com
serviços do DOPS de São Paulo. De acordo com registros disponibilizados recentemente, os
diplomatas Claris Rowley Halliwell, Frederic Lincoln Chapin e C. Harlow Duffin
frequentavam o prédio do DOPS em São Paulo. Halliwell, que era oficial político do
consulado americano, visitou o DOPS 49 vezes entre 1971 e 1974, sendo 31 dessas visitas
realizadas em 1971. Outros representantes diplomáticos também visitavam o DOPS, mas não
com a mesma frequência. O ex-delegado Bonchristiano confirmou ter visto Halliwell, Chapin
e Duffin no prédio do DOPS de São Paulo, mas afirmou que seu contato direto era o cônsul
Niles Bond, conhecido como "Mr. Bond", com quem tratava de assuntos como cursos do FBI
e outras questões.
Em uma entrevista à Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo em
2012, Bonchristiano afirmou que o DOPS de São Paulo era considerado o melhor
departamento de polícia da América Latina na época. Ele mencionou que o DOPS realizava
levantamentos que envolviam elementos do Partido Comunista no Brasil e em toda a América
Latina, o que interessava ao governo dos Estados Unidos. Bonchristiano também declarou que
Fleury era uma espécie de elo de ligação entre o DOPS e os militares, sendo um delegado das
Forças Armadas e do Alto Comando.

5.5 Jefferson Cardim de Alencar Osório

O coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório foi sequestrado em Buenos Aires em


10 de dezembro de 1970. Jefferson Cardim nasceu no Rio de Janeiro em 1912 e seguiu
carreira militar após ingressar na Escola Militar do Realengo em 1930. Ele foi nomeado
diretor-técnico da companhia estatal de navegação Lloyd Brasileiro em Montevidéu, mas teve
seus direitos políticos cassados após o Ato Institucional nº 1, em abril de 1964.
Exilado no Uruguai, Cardim liderou um movimento conhecido como Guerrilha de
Três Passos em março de 1965, contra a ditadura militar. Foi preso, torturado e condenado a
oito anos de prisão. No entanto, com a ajuda de seu filho Jefferson Lopetegui Osório e do
ex-major Joaquim Pires Cerveira, Cardim conseguiu escapar da prisão em 1968. Ele se
refugiou na Embaixada do México e, posteriormente, morou em países como Argélia, Chile,
Espanha, Uruguai e Guiana.

32
Em novembro de 1970, Cardim aceitou um convite para trabalhar como assessor para
a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC) no governo de Salvador
Allende no Chile. Ele partiu de Montevidéu com seu filho e sobrinho, passando por Buenos
Aires antes de seguir para o Chile. No entanto, o grupo foi monitorado por agentes brasileiros
e uruguaios durante toda a viagem.
Ao chegar a Buenos Aires, Cardim e seu grupo foram abordados por agentes da
Polícia Federal argentina que alegaram uma operação de rotina devido a denúncias de
transporte de drogas. Eles foram presos, mesmo Cardim possuindo um passaporte argelino
que garantia seu asilo político. Foram conduzidos a um prédio da polícia argentina, onde
foram interrogados e torturados.
Apesar de possuir documentos que comprovavam sua condição de asilado argelino,
Cardim e seu filho foram entregues às autoridades brasileiras. O embaixador brasileiro em
Buenos Aires na época, Antônio Francisco Azeredo da Silveira, foi informado da operação e
autorizou o transporte dos detidos de volta ao Brasil. Em 13 de dezembro de 1970, eles foram
transportados para o Brasil em um avião.
No Brasil, Cardim e seu filho foram mantidos em celas individuais e submetidos a
torturas na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Cardim foi interrogado sobre suas
atividades no exterior e torturado por agentes do CISA (Centro de Informações da
Aeronáutica), como Abílio Correa de Souza e coronel Ferdinando Muniz de Farias. Ele foi
posteriormente transferido para a fortaleza de Santa Cruz e, em seguida, para o Instituto Penal
Cândido Mendes, na Ilha Grande. Cardim foi libertado em 2 de novembro de 1977, mas teve
sua anistia anulada pelo Supremo Tribunal Militar no ano seguinte. Somente em 1981, após o
fim da ditadura militar, sua anistia foi ratificada.

5.6 Edmur Péricles Camargo

Edmur Péricles Camargo, também conhecido como "Gauchão", foi um dirigente do


grupo político M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara). Após o sequestro do embaixador
suíço Giovanni Enrico Bucher no Brasil, onde setenta presos políticos foram trocados pelo
diplomata, Edmur foi preso e banido do país. Ele foi para o Chile juntamente com outros
banidos e permaneceu lá até junho de 1971.

33
Na época, havia preocupações sobre a movimentação de um grande número de
exilados no Chile durante o governo de Salvador Allende. Essas preocupações começaram a
ser discutidas não apenas nas esferas de segurança, mas também na agenda diplomática.
Telegramas trocados entre a Secretaria de Estado (MRE) e a Embaixada em Buenos Aires, em
janeiro de 1971, mencionam conversas entre as chancelarias do Brasil e da Argentina sobre a
coordenação de medidas contra a subversão.
Em 16 de junho de 1971, Edmur Péricles Camargo deixou Santiago do Chile com
destino a Montevidéu para receber tratamento ocular devido às torturas que havia sofrido no
Brasil, que afetaram sua visão. As informações sobre essa viagem foram comunicadas pelo
cônsul brasileiro em Santiago, o embaixador Mellilo Moreira de Mello, à Secretaria de
Estado. Um adido da Aeronáutica na Embaixada brasileira em Montevidéu recebeu uma
comunicação do posto Correio Aéreo Nacional (CAN) de Montevidéu, informando que
Edmur Péricles Camargo Villaça estava viajando para o Uruguai pela LAN-Chile. O adido
entrou em contato com a Embaixada do Brasil em Buenos Aires e deslocou-se para a cidade
para saber das providências que seriam tomadas.
No aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, a polícia argentina prendeu Edmur e o
entregou às autoridades brasileiras. Foi providenciado um avião da Força Aérea Brasileira
(FAB) que chegou a Buenos Aires na madrugada do dia 17 de junho de 1971. Edmur Péricles
Camargo foi transferido para o avião da FAB, acompanhado pelo coronel Lana, adido
aeronáutico, e pelo secretário Nery, que havia seguido de Brasília no mesmo avião. O avião
decolou por volta das 6h45 e seguiu para a base militar do Galeão, no Rio de Janeiro.
Durante a prisão, os agentes apreenderam os documentos que estavam com Edmur,
incluindo seu salvo-conduto, documentação do serviço de saúde do Chile e uma carta do
almirante Cândido Aragão destinada ao presidente João Goulart. Os agentes brasileiros
conseguiram obter uma carta de apresentação do general Aragão para um contato de Edmur
em Montevidéu.
Houve relatos de que a polícia argentina se precipitou ao prender Edmur, uma vez que
seria difícil justificar a entrega e o recebimento de um banido. A operação de prisão foi
coordenada entre os adidos do Brasil em Buenos Aires e Montevidéu, além de contar com a
colaboração das autoridades argentinas.
Posteriormente, foi divulgado um documento informando às autoridades chilenas
sobre o desaparecimento de Edmur Péricles Camargo. Segundo relatos de outros exilados e

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refugiados brasileiros, Edmur teria sido preso pelas autoridades argentinas e brasileiras e
entregue à ditadura brasileira.

5.7 Jean Henri Raya Ribard, Antonio Luciano Pregoni, Joaquim Pires Cerveira e João
Batista Rita

O relatório aborda os desaparecimentos do cidadão francês Jean Henri Raya Ribard,


do argentino Antonio Luciano Pregoni e dos brasileiros Joaquim Pires Cerveira e João Batista
Rita, ocorridos em 1973 e 1974, e suas conexões internacionais.
De acordo com as informações apresentadas, há indícios de que o desaparecimento de
Joaquim Pires Cerveira, João Batista Rita, Jean Henri Raya e Antonio Pregoni estaria
relacionado não apenas ao sequestro dos brasileiros em Buenos Aires, mas também ao
desaparecimento de Caiupy Alves de Castro, ocorrido no Rio de Janeiro em 1973.
O documento menciona a existência de contatos entre Joaquim Cerveira e o grupo
liderado por Jean Raya e Antonio Pregoni na Argentina, intermediados pela militante
peronista Alicia Eguren. Também há menção a um possível plano de ação armada no Brasil,
mas o alvo não é identificado no relatório.
Outras informações destacadas incluem o envolvimento do coronel Floriano Aguilar
Chagas, adido do Exército junto à Embaixada do Brasil em Buenos Aires, na operação de
sequestro de Cerveira e na penetração de um "comando argentino" de peronistas de esquerda
no Brasil. Também são mencionados contatos do coronel Aguilar com agentes da inteligência
argentina e chilena.
Depoimentos de testemunhas, como o ex-delegado Cláudio Guerra, indicam que o
delegado Sérgio Paranhos Fleury teria sido responsável pelo sequestro de Cerveira em Buenos
Aires e por seu transporte para o Brasil. O corpo de Cerveira teria sido entregue a Cláudio
Guerra para incineração em uma usina no município de Campos de Goytacazes, no Rio de
Janeiro.
O relatório também menciona o envolvimento do DOI (Destacamento de Operações
de Informações) do Rio de Janeiro nos casos de prisão ilegal e tortura de Cerveira e Rita.

35
5.8 Flávio Tavares

Flávio Tavares, cidadão brasileiro, foi sequestrado em 14 de julho de 1977, no


Uruguai, onde foi torturado e detido arbitrariamente. Ele era jornalista e advogado, e militava
no Movimento de Ação Revolucionária (MAR). No Brasil, foi preso três vezes: a primeira em
Brasília, logo após o golpe de 1964, a segunda em agosto de 1967, e a última em agosto de
1969, no Rio de Janeiro.
Após sua última prisão, Tavares foi banido do país e enviado junto com outros catorze
presos políticos para o México. Lá, trabalhou como jornalista e posteriormente mudou-se para
Buenos Aires, em julho de 1977. Em Buenos Aires, além de escrever para o jornal Excelsior,
também contribuiu com o jornal O Estado de S. Paulo usando o pseudônimo de Júlio
Delgado.
Em 11 de julho de 1977, a pedido do jornal Excelsior, Tavares foi a Montevidéu
interceder em favor de Graziano Pascale, outro correspondente do jornal mexicano que havia
sido preso. Três dias depois, quando tentava retornar a Buenos Aires pelo aeroporto de
Carrasco, Tavares foi sequestrado por agentes da repressão uruguaia.
Durante sua detenção no Uruguai, Tavares foi submetido a torturas e permaneceu
preso por três meses. Após esse período, foi levado a um juiz militar e informado de que
estava sendo processado por espionagem contra o Uruguai. Posteriormente, foi transferido
para o Cárcere Central de Montevidéu, onde ficou em cela solitária por mais seis meses.
Após uma intensa campanha na mídia brasileira e internacional, movida por entidades
como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e
o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Tavares foi libertado. Ele deixou
Montevidéu em janeiro de 1978 e seguiu para Lisboa, onde permaneceu até retornar ao Brasil
em 1979, após a promulgação da Lei de Anistia.

6 CONCLUSÃO

Após o exposto, passamos a fazer algumas considerações. Primeiramente observa-se


que a Justiça de Transição no Brasil não seguiu todos os passos necessários para sua
implementação, sendo, portanto, deficitária.

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Este déficit pode ser notado na sociedade brasileira hodierna de diversos modos, seja
através do sentimento de revanchismo que permeia algumas das camadas elitistas, que
possuem raízes nos militares e ditadores que governavam à época, seja pela perspectiva de
que os cidadãos que lutaram e resistiram ao autoritarismo do regime militar eram “bandidos”
que mereciam ser punidos, ou ainda, pelo gravíssimo sentimento de impunidade que se eleva
quando nota-se que os agentes repressores do Estado, os mesmos violadores de direitos
humanos, os mesmos torturadores, que tinham conhecimento das práticas ilícitas, que
ordenaram e chancelaram diversas atrocidades, em nome do Estado, continuam nas mesmas
esferas de poder, sendo tratados com as mesmas honras de antigamente.
Em segundo lugar, percebe-se que a cooperação internacional é elemento essencial da
proteção aos direitos humanos. Assim, não se garante os direitos dos homens delimitando-se
áreas de atuação, fronteiras geográficas e barreiras culturais. Como bem observado nos casos
apresentados no Relatório Final, a ditadura brasileira não se restringiu aos limites fronteiriços
do país, tendo se estendido para diversas nações, perpetrando a violência contra nacionais e
estrangeiros em vários territórios.
Nesse sentido, a atuação internacional na apuração dos crimes políticos cometidos
pelo Estado brasileiro foi de grande relevância, garantindo os direitos à memória e à verdade
não só às vítimas mas a toda a sociedade brasileira.
Por fim, restou demonstrada a importância da Comissão Nacional da Verdade, que
através de sua atuação permitiu o esclarecimento de casos a tanto tempo esquecidos, deu voz
às vítimas, e nome aos torturadores. E, se não permitiu a punição dos mesmos, permitiu, ao
menos, que os netos e porteiros soubessem, como todos tem o direito de saber.

37
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