Você está na página 1de 18

EXCELENTÍSSIMO JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA DE RIBEIRÃO

BONITO – SP.

LUAN GABRIEL DE ARAUJO, brasileiro, casado, portador do RG: 46.899.080-X,


residente e domiciliado na Rua Antônia de Paula Franco, nº 1092, Jardim Vista Verde,
CEP: 14.930-000, na cidade de Boa Esperança do Sul – SP, por intermédio de seu
advogado que a presente subscreve, vem a presença de Vossa Excelência propor a
presente

AÇÃO DE CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS

em desfavor da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito


público interno, CNPJ 46.377.222/0020-91, a ser citada na pessoa do Procurador
Geral do Estado, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

Da gratuidade judiciária:
O Requerente, conforme declaração anexas, não possuem meios
econômicos que possibilite patrocinar as custas do processo, bem como os honorários
advocatícios e demais encargos decorrentes da presente demanda, sem prejuízo do
sustento próprio ou da família.
Declara ainda, para fins de concessão do benefício da gratuidade de
Justiça, ser pobre nos termos do parágrafo único do artigo 2º da Lei 1.060 de 1950.
Desta forma, requer os benefícios da justiça gratuita, compreendendo, dentre outras
garantias aplicáveis, as isenções elencadas na já citada Lei.

Dos fatos:
PROCESSO: 0001061-27.2018.8.26.0498.
Conforme comprova documentação anexa, em 10 de julho de 2018 o Autor
foi preso em flagrante de posse de 2,0 gramas de maconha.
No que pese os esforços da defesa, somente em 26 de setembro de 2018
o Autor foi beneficiado com a liberdade provisória, em razão de ordem concedida nos
autos do HC 469.826 – SP (2018/0243297-0), de relatoria do Ministro Antonio
Saldanha Palheiro do Superior Tribunal de Justiça.
Em 23 de maio de 2019 o Juízo Singular condenou o Autor a 05 (cinco)
anos de reclusão em regime inicial fechado, com fundamento no art. 33, caput, da Lei
11.343/06.
Inconformada com a decisão, a defesa interpôs revisão criminal perante o
TJSP, que foi distribuído sob o número 2230916-33.2022.8.26.0000, sob a relatoria
do Desembargador Machado de Andrade do Terceiro Grupo de Direito Criminal.
Dentre os pedidos formulados, foi requerido pela defesa o reconhecimento da
ausência de justa causa para a invasão de domicilio; o reconhecimento do trafico
privilegiado; pleiteando inclusive a concessão da liminar para que o Autor aguardasse
em liberdade até a apreciação da revisão criminal, haja vista que já havia cumprido
80% (oitenta por cento) da condenação imposta.
No que pese as argumentações trazidas pela defesa, o Desembargador
Relator indeferiu o pedido revisional, sendo necessário a defesa interpor agravo
regimental nos termos do regimento interno do TJSP. Em 09 de janeiro de 2023
sobreveio acordão do Colegiado do Terceiro Grupo de Direito Criminal do TJSP
negando provimento ao Agravo Interno.
Inconformada a defesa, interpôs perante o STJ Habeas Corpus Substitutivo
de Recurso Especial, pleiteando o reconhecimento das ilegalidades praticadas pela
Policia Militar, pela Autoridade Policial e homologada pela Autoridade Judicial, haja
vista que houve ingresso forçado no domicilio do Autor.
Em 28 de fevereiro de 2023, o Ilustre Ministro Antonio Saldanha Palheiro
concedeu a ordem de oficio cassando o acordão.
PROCESSO: 1500012-60.2019.8.26.0555.
Enquanto estava de liberdade provisória do primeiro processo, o Autor foi
preso novamente em 03 de janeiro de 2019 de posse de 6,95 gramas de maconha,
acarretando novamente a prisão preventiva do Autor.
No que pese todos os esforços da defesa junto ao TJSP (2046313-
24.2019.8.26.0000) e STJ HC nº 505315 / SP (2019/0111763-5), lhe foi negado o
direito de se defender em liberdade.
Em 31 de outubro de 2019 sobreveio sentença condenatória em face do
Autor condenado em a 05 (cinco) anos de reclusão em regime inicial fechado, com
fundamento no art. 33, caput, da Lei 11.343/06.
Inconformado com a decisão a defesa interpôs recurso de apelação que foi
distribuído para a Desembargadora Ivana David da Quarta Câmara de Direito Criminal
do TJSP, que negou provimento mantendo a sentença condenatória.
Informado com a decisão, a defesa interpôs Habeas Corpus Substitutivo de
Recurso Especial perante o STJ que também foi julgado improcedente.
Inconformada a defesa interpôs Habeas Corpus perante o STF, que foi
distribuído sob a relatoria do Ministro Alexandre de Morais, HC 216460, onde lhe foi
concedida a ordem em 13/06/2022, desclassificando a conduta do Autor para uso de
drogas.

Conclusões dos fatos:


Neste interim, o Autor foi solto em 13 de junho de 2022 em razão da ordem
que lhe foi concedida nos Autos do segundo processo pelo Ministro Alexandre de
Morais. Entretanto, o Autor foi colocado em liberdade erroneamente, haja vista que
havia execução penal referente ao primeiro processo.
Após constatar o erro judicial ocorrido, o Juízo da Execução expediu novo
mandado de prisão que foi cumprido em 09 de setembro de 2022, sendo que só foi
solto novamente, em 07 de março de 2023, quando lhe foi concedida a ordem de oficio
referente ao primeiro processo pelo Eminente Ministro Antonio Saldanha Palheiro do
STJ.
Entre idas e vindas, o Autor cumpriu 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 26
(vinte e seis) dias de prisão, em razão de inúmeros erros judiciais cometidos. Senão
vejamos:
De inicio não podemos deixar de frisar que o Autor é usuário de drogas, a
nulidade reconhecida no primeiro processo reconhecendo o ingresso forçado no
domicilio do Autor, é matéria de ordem pública, sendo que deveria ter sido reconhecida
pelo Juízo Sentenciante.
Ademais, a desclassificação reconhecida no segundo processo pelo
Eminente Ministro Alexandre de Morais, deveria ter sido reconhecida pelo Juízo
Sentenciante, caso tivesse agido com o costumeiro acerto.
Não podemos deixar de frisar inclusive que, o Autor foi colocado em
liberdade 13 de junho de 2022 e preso novamente em 09 de setembro de 2022, sem
nenhuma justificativa plausível, haja vista que foram meros erros judiciais praticados
pelo Juízo Sentenciante, pelo Juízo da Execução Criminal e pela administração
penitenciária.
Tal situação ultrapassou e muito um mero aborrecimento, tanto é que as
ordens concedidas pelos Tribunais Superiores, reconheceram que as condenações
aplicadas pelo Juízo Sentenciante e pelo Colegiado do TJSP foram ilegais, passiveis
de concessão de ordem de oficio.
Nesse contexto, considerando que Autor teve tomado 04 (quatro) anos, 01
(um) mês e 26 (vinte e seis) dias de sua vida, tempo em que poderia ter trabalhado,
convivido com seu filho, em razão de condutas ilícitas praticadas pelo Requerido, é a
presente ação para que o réu seja condenado a compensar os inquestionáveis danos
morais impingidos ao demandante.
Ademais, conforme comprova execução de pena de multa de nº 1002225-
05.2021.8.26.0498 que tramita perante o Juízo da Vara Única de Ribeirão Bonito –
SP, apesar de tudo, ainda continua em tramite, buscando receber a multa penal no
valor de R$ 16.633,33 (dezesseis mil, seiscentos e trinta e três reais e trinta e três
centavos), mesmo indevida desde março de 2023.

Do direito à liberdade:
O homem, simplesmente pela sua condição de pessoa, carrega consigo
determinados direitos que lhe são inerentes e fundamentais. O reconhecimento
desses direitos, em assim sendo, não depende de qualquer decisão judicial ou
previsão legal.
O Constituinte Originário de 1988, atento a esta observação naturalística,
trouxe, pela primeira vez na história constitucional brasileira, o Título relativo aos
“Direitos e Garantias Fundamentais” com antecedência àqueles que tratam da
“Organização do Estado” e da “Organização do Poder”.
Pretendeu-se, com isso, evidenciar que existem certos direitos inerentes ao
homem, cabendo ao Estado zelar pela sua observância e, mais, adotar medidas para
que sejam eles tutelados e promovidos.
Nesse diapasão, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, caput, assegura
a todas as pessoas residentes no País a inviolabilidade do direito à liberdade, que
poderá ser excepcionado nos casos de prisão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada de autoridade judiciária competente (inciso LXI), desde que
observado o devido processo legal (inciso LIV).
A norma positiva suprema consagra, ainda, o princípio da não
culpabilidade, ao estabelecer a garantia de que “ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII).
Outro não é o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que reconhece o direito à liberdade em seu artigo 3, normatizando, no artigo 11, “I”,
que “todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
necessárias a sua defesa.”.
Na mesma esteira, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá (1948),
determina, no caput do artigo XXV que “ninguém pode ser privado da sua liberdade,
a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis
já existentes”; estabelece, ainda, que “parte-se do princípio que todo acusado é
inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade” (artigo XXVI, caput).
Atento a esses ditames superiores, o legislador infraconstitucional
promulgou o Código de Processo Penal (CPP), regulamentando, dentre outros temas,
as hipóteses em que o direito à liberdade da pessoa humana pode ser mitigado.
Diz o artigo 283 do CPP:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou


por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
§ 1º. As medidas cautelares previstas neste Título não se
aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou
alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
§ 2º. A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer
hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do
domicílio.

Relativamente à prisão preventiva, os seus requisitos autorizadores estão


elencados no artigo 312, com a redação dada pela Lei 12.403/2011:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como


garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser
decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art.
282, § 4º). (Destaquei)

Para a decretação da prisão preventiva, portanto, faz-se imprescindível a


existência de indícios suficientes de autoria.
Como se nota, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio e internacional,
ninguém pode ser privado de sua liberdade senão em flagrante delito ou por ordem
de autoridade judiciária competente, observando-se o devido processo legal, com a
garantia de que ninguém será considerado culpado até que sobrevenha sentença
penal condenatória transitada em julgado.
Noutras palavras, a liberdade é um direito fundamental e somente pode ser
excepcionada, fundamentadamente, quando houver indícios concretos da prática de
um crime e desde que preenchidos os requisitos legais à prisão preventiva.
Da responsabilidade do Estado de São Paulo:
Assentadas as premissas acima, passemos a demonstrar a
responsabilidade do Estado de São Paulo, ora Réu da presente demanda.
Conforme já indicado nos fatos, o Autor foi preso duas vezes em flagrante
delito, sendo que, em uma a sentença foi anulada, haja vista o ingresso forçado em
seu domicilio.
Nobre Juízo, no caso em tela, a Policia Militar, ultrapassando os limites
legais e constitucionais, violou o domicilio do Autor com a intenção unicamente de
conseguir elementos para fundamentar a prisão.
Como se não bastasse, o Juízo Singular que sentenciou o feito, homologou
a invasão em domicilio como licita, ignorando a legislação vigente, bem como o
posicionamento jurisprudencial.
Em casos análogos, após comprovada a ilicitude da invasão do domicilio
sem mandado, fica caracterizado constrangimento passível de indenização por danos
morais, conforme já ficou sedimentado pela jurisprudência do TJSP. Senão vejamos:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano Moral – Abuso de


autoridade cometido por policial militar – Autor agredido física e
verbalmente, algemado e conduzido – Conduta desproporcional
e agressiva – Dever de indenizar – Sentença de procedência
reformada para elevação do valor – Recurso de apelação dos
autores provido, em parte; recursos dos réus desprovido. (TJ-SP
- AC: 10235633420178260576 SP 1023563-34.2017.8.26.0576,
Relator: J. M. Ribeiro de Paula, Data de Julgamento: 28/01/2021,
12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/01/2021)

Apelação Cível Administrativo e Civil Ação de Reparação de


Dano Moral (invasão de domicílio por policiais) proposta em face
da Fazenda do Estado Sentença de procedência parcial que fixa
a indenização por dano moral em R$ 3.000,00 Recurso
voluntário pelos autores e pela FESP Provimento parcial de rigor
ao apelo dos autores apenas. 1. Invasão do domicílio
incontroverso diante da palavra dos próprios autores-vítimas,
coerente naquilo que se mostra essencial, bem como
respaldada na palavra de testemunhas civis Negativa dos
policias que não vinga porquanto admitem terem adentrado à
residência sem mandado judicial e porque duvidosa a assertiva
de que não mais era noite Circunstância, aliás, irrelevante, haja
vista a ausência de mandado judicial específico. 2. Dano moral
presumido Abalo psíquico e emocional incontroverso em razão
da abrupta e indevida atuação dos policiais. 3. Fixação do
“quantum” indenizatório que deve considerar o clássico binômio
de que a indenização não pode ser nem excessiva sob pena de
constituir o enriquecimento sem causa do lesado e tampouco
ínfima sob pena de servir a um só tempo desmerecer o lesado e
servir de estímulo a novas práticas indevidas Indenização fixada
em R$ 3.000,00, que não pode prevalecer diante das
circunstâncias fáticas dos autos Majoração para R$ 6.000,00
que se impõe - Incidência de correção monetária e juros de mora
de 1% desde o evento danoso nos termos do art. 406 do Código
Civil e Súmula 54 do C. STJ Inaplicabilidade da LF nº 11.960/09.
4. Ônus de sucumbência que merece alteração porquanto a não
fixação de valor de dano moral pretendido pelos autores na
inicial não encerra hipótese de sucumbência Inteligência da
Súmula nº 326 do C. STJ Condenação da FESP no pagamento
das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em
10% do valor da condenação nos termos do art. 20, § 3º, do
CPC. Sentença reformada em parte Apelação da FESP
desprovida e provimento parcial ao apelo dos autores. (TJ-SP -
AC: 01743620620088260000 SP 0174362-06.2008.8.26.0000,
Relator: Sidney Romano dos Reis, Data de Julgamento:
28/05/2012, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
19/06/2012)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DANOS MORAIS


– INVASÃO DE DOMICÍLIO SEM MANDADO – Autorização
judicial de busca e apreensão versando sobre residência diversa
dos autores – Constrangimento que se depreende do contexto
em que a ação foi praticada – Sentença de procedência mantida
– 'Quantum' indenizatório a comportar redução – Fixação em R$
15.000,00 para cada um dos autores, consideradas as
peculiaridades do caso concreto – Precedentes desta Corte –
Sentença parcialmente reformada, apenas para reduzir o valor
da indenização pelos danos morais – Recurso provido, para
tanto. (TJ-SP - AC: 10043411020188260297 SP 1004341-
10.2018.8.26.0297, Relator: Percival Nogueira, Data de
Julgamento: 11/03/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: 10/03/2021)

No caso em tela, toda a macula pelo qual o Autor foi submetido, se deu em
razão de abuso de autoridade por parte dos Policiais Militares, abuso de autoridade
homologado pelo Juízo Singular, bem como, pelo Colegiado do TJSP, que ignorou os
direitos constitucionais do Autor, deixando que o mesmo fosse levado a prisão.
Excelência, não estamos diante unicamente de um caso onde houve a
invasão do domicilio do Autor, estamos diante de um caso onde houve a invasão do
domicilio do Autor, sendo que foram produzidas de forma ilícitas provas que levaram
a sua prisão. Uma prisão ilegal, ilícita e passível de indenização.
Referido argumento, contudo, não se sustenta; afinal, o artigo 3º do CPP
deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal de 1988 e em observância
ao caráter instrumental do processo penal democrático, ligado intimamente ao
progresso dos direitos fundamentais, conforme ensina Aury Lopes Jr.:

“Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo


penal é o fundamento de sua existência, mas com uma especial
característica: é um instrumento de proteção dos direitos e
garantias individuais. É uma especial conotação do caráter
instrumental e que só se manifesta no processo penal, pois se
trata de instrumentalidade relacionada ao Direito Penal e à pena,
mas, principalmente, um instrumento a serviço da máxima
eficácia das garantias constitucionais. Está legitimado enquanto
instrumento a serviço do projeto constitucional.” (Direito
Processual e sua Conformidade Constitucional, vol I, Lumen
Juris, Rio de janeiro, 2007, p. 27)

Enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias


constitucionais fundamentais, não há dúvidas de que o processo penal, tal qual o
direito penal, é guiado pelo princípio da estreita legalidade, restringindo-se o alcance
do artigo 3º do CPP às normas que tratam de rito processual, não de processo penal
em si mesmo.
Feita esta breve incursão no diploma processual penal, retomemos a
análise do caso concreto.
Não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, que um
cidadão seja privado de sua liberdade sem a observância dos ditames legais e
constitucionais, que seja mantido em cárcere, em condições insalubres e indignas,
sem que haja observado o estrito processo legal.
Não se pode admitir que o fundamental direito à liberdade do cidadão
brasileiro seja restringido com base em condutas estatais como a levada a efeito no
caso em comento e o Poder Judiciário, guardião da Constituição Federal, não pode
ser conivente com tamanha violação de direitos, devendo, sim, reprimi-las e sancioná-
las, possibilitando que o efeito pedagógico de suas decisões encontre eco na atuação
dos órgãos estatais responsáveis pela condução das investigações criminais
preliminares, sob pena de se perpetuar o ciclo de violência a direitos fundamentais
por parte do Estado, criado e concebido pelo povo para a sua defesa.
Nesse sentido, inclusive, mencionam-se os seguintes precedentes do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com destaques nossos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO


ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
PRISÃO ILEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, LVII, LXV
E LXXV, 37, §6º DA CF, 630 DO CPP E 186, 927 E 954 DO CC.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CF.
VALOR FUNDAMENTAL SUBJACENTE A TODOS OS
OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA. A prisão ilegal viola diretamente o direito
fundamental à liberdade (CF, 5º, caput) e ao primado
constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, 1º, III), valor
fundamental subjacente a todas as garantias constitucionais. É
garantido ao cidadão o direito de ser indenizado pelo Estado,
sempre que injustamente tiver cerceado o seu direito à liberdade
pessoal, e vulnerado seu status de dignidade em razão de ato
praticado por agentes públicos. Ilegalidade do decreto de prisão
que se torna mais temerário em virtude das condições
degradantes e desumanas do sistema penitenciário brasileiro,
que colocam em risco a integridade física e mental do preso. As
ações indenizatórias fundadas na prisão ilegal têm supedâneo
na Constituição Federal (art. 5º, LVII, LXV e LXXV), no Código
de Processo Penal (art. 630) e no Código Civil (artigos 186, 927,
954, caput e parágrafo). Manutenção da sentença que se impõe.
Conhecimento e negativa de seguimento do recurso. (Apelação
0247129-92.2012.8.19.0001 – 22ª Câmara Cível – Des. Rogerio
de Oliveira Souza - Julgamento 10/01/2014)

Ante todo o acima exposto, evidenciada falha na prestação do serviço


público de investigação e apuração de condutas criminosas, a cargo da Polícia militar,
bem como da Autoridade Policial, e Autoridade Judiciária, o que redundou na prisão
e condenação do Autor, com base em fatos declarados ilegais e contrários a legislação
e jurisprudência. De rigor a procedência da presente ação, com a condenação do
Estado a compensar os danos morais causados ao Autor.
Ademais, é inegável que houve erro judiciário no segundo processo, haja
vista que mesmo ausente qualquer prova de que de fato o Autor estaria traficando, o
Juízo Singular, condenou o Autor pelo crime de trafico de drogas, sendo necessário a
defesa recorrer até ao STF para desfazer o erro praticado contra o Autor.
Em casos análogos, a jurisprudência já se posicionou pela reparação por
danos morais, em razão de falhas e erros judiciais. Senão vejamos:

"(...) Evidenciada a falha no aparato estatal na prestação de


serviço público, aqui identificada pelos equívocos da polícia
judiciária na fase preliminar de persecução criminal, dando
ensejo a uma série de equívocos que, por fim, induziram à
injusta condenação penal do apelante, não há como afastar o
reconhecimento do dano moral decorrente da responsabilização
civil da Administração prevista pelo art. 37, § 6º, da CF. 2.
Conquanto o art. 5º, LXXV, da CF, em sua literalidade, reporte-
se apenas às reparações pecuniárias por erro judiciário e
excesso de prisão, os atos policiais também geram obrigação de
indenizar quando constatada a culpa do serviço. 3. Diante dos
critérios que norteiam a fixação do quantum devido a título de
dano moral, sopesando-se, de um lado, a angústia e sofrimento
experimentados em virtude da indevida privação de liberdade
pelo significativo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, bem
como, a gravidade do prejuízo social e, de outro lado, a
razoabilidade e proporcionalidade com casos semelhantes,
considera-se que o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) se
mostra mais adequado para a justa reparação na hipótese em
exame." (Acórdão 1394500, 07078131620208070018, Relator:
JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível,
data de julgamento: 26/1/2022, publicado no PJe: 9/2/2022.)

O Superior Tribunal de Justiça também já se pronunciou pela procedência


de ações análogas ao em tela. Senão vejamos:

"(...) trata-se de ação indenizatória proposta em desfavor do


Estado de Pernambuco, alegando o autor, em síntese, que, após
ter sido vítima de roubo, com subtração de seus documentos
pessoais, foi condenado, equivocadamente, a 7 (sete) anos, 9
(nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, por crime de roubo,
tipificado no art. 157, § 2º, do Código Penal, tendo sido
determinada, ainda, a expedição de mandado de prisão, a
inclusão do seu nome no rol dos culpados e a cassação dos seus
direitos políticos. O Tribunal de origem manteve a sentença
condenatória ao pagamento de indenização por dano moral,
reduzindo o seu valor a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (...) O
Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, concluiu que 'a
confusão de pessoas cometida pelos agentes policiais que
investigaram o caso, acrescido do erro judicial - condenação de
inocente - feriu direitos fundamentais assegurados
constitucionalmente ao autor. Decerto, resta configurado o erro
judicial e, consequentemente, à responsabilidade objetiva do
Estado, por estar presente o nexo causal entre o dano sofrido
pelo recorrido e o ato perpetrado pelo recorrente'." (grifamos)
(AgInt no AREsp 1244424/PE)

"(...) 1. Cuida-se de ação de indenização por danos morais


contra o Estado de Mato Grosso, em decorrência de prisão
preventiva por 7 meses. O recorrente foi condenado à pena de
16 (dezesseis) anos de prisão pelo crime de homicídio de sua
companheira na condição de mandante do crime,
permanecendo foragido até provar sua inocência. Em revisão
criminal, foi determinada a realização de nova sessão do Júri
Popular, ocasião em que foi absolvido, por negativa de autoria,
20 anos após o ato imputado.2. Hipótese em que o juiz de 1º
grau fixou o valor indenizatório em R$ 186.000,00 (cento e
oitenta e seis mil reais) e o Tribunal de origem diminuiu a
indenização por danos morais para R$ 100.000,00 (tal valor,
atualizado até a presente data pelo IGPM a contar da data
prolação do acórdão recorrido - novembro de 2010 - alcança
aproximadamente R$ 140.000,00), montante que o recorrente
entende irrisório. 4. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido
de que excepcionalmente é possível rever o valor da
indenização, quando exorbitante ou insignificante a importância
arbitrada, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade, o que, in casu, não se afigura. 5.
Recurso Especial não provido." (REsp 1300547/MT)
Já o Supremo Tribunal Federal, entendeu pela condenação em danos
morais, quando o Autor sofre prisão ilegal, praticada por Juízo que agiu com abuso de
poder. Senão vejamos:

"(...) A prisão ilegal sofrida pelo autor, decorrente de decisão


prolatada por Juiz Federal que atuou com abuso de poder, gera
indenização por dano moral. No caso, restou evidenciado o
abuso de poder, pelo magistrado, na decretação das prisões,
sem que houvesse o mínimo respeito ao processo acusatório e
ao devido processo legal, usurpando as atribuições da Polícia
Federal e do Ministério Público Federal, bem como burlando o
princípio do Juiz Natural, entre outras irregularidades. Portanto,
a prisão do autor deu-se em razão de decisão prolatada por Juiz
Federal que atuou com abuso de poder, tornando-a ilegal. O
dano moral sofrido é presumível (in re ipsa), consequência lógica
do ato, em face da ilegalidade da conduta perpetrada por
preposto do Estado (lato sensu)." RE 1374769/RS

Já no caso em tela, de tão evidenciado que ficou o abuso de poder por


parte do Juízo que sentenciou o Autor nos dois processos, em ambos os feitos o Autor
foi agraciado com a concessão da ordem de oficio em habeas corpus, um para
desclassificar sua conduta para posse de drogas para uso próprio no STF, no outro
para anular a condenação em razão do ingresso forçado em seu domicilio. Ou seja,
inquestionável o abuso de poder por parte da Autoridade Judicial.

Da obrigação de indenizar:
O artigo 5º, inciso V da Constituição Federal erige à condição de direito
fundamental o direito à indenização por dano material e moral.
Relativamente à responsabilidade civil do Estado pelos prejuízos causados
por seus agentes aos particulares, a norma positiva supre disciplina o seguinte, em
seu artigo 37, §6º:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito


privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa.

Trata-se da denominada responsabilidade civil objetiva, que cria para o


Estado o dever de indenizar o particular quando comprovada a existência de um
evento danoso e de nexo material de causalidade entre o dano e a conduta estatal.
Desnecessário se faz, portanto, averiguar a existência de culpa por parte
do Estado, muito embora, na espécie, seja ela evidente.
Sobre o tema, Yussef Said Cahali, in “Responsabilidade Civil do Estado”,
4. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, leciona:

“Tendo a Constituição de 1988 (a exemplo das anteriores)


adotado a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas
jurídicas indicadas em seu art. 37, §6º, a que bastaria o nexo de
causalidade entre o dano e a ação ou omissão do ente público
ou privado prestador do serviço público, mostra-se, em princípio,
despicienda qualquer averiguação do dolo ou da culpa por parte
de seus agentes, por desnecessária a sua prova.”.

Mais à frente, consigna: “no caso de dano sofrido pelo particular em razão
de dolo ou culpa do agente estatal, de deficiência ou falha do serviço público, de culpa
anônima da Administração, da chamada faute de servisse, nasce a pretensão
ressarcitória: a indenização, compreendendo os danos certos e não eventuais, atuais
ou futuros, deve ser a mais completa possível, assimilando-se à responsabilidade civil
do direito comum”.
Em resumo, portanto, o dever de indenizar do Estado pode decorrer de uma
ação ou de uma omissão, desde que a conduta estatal seja a causa dos prejuízos
causados ao particular.
No caso dos autos, os documentos que acompanham a presente petição
deixam evidente que os danos causados ao autor têm a sua causa direta e imediata
na deficiência do serviço público prestado pelo réu no que tange o trabalho
desenvolvido pela Policia Militar, pela Policia Civil, pela Autoridade judicial.
Patente, pois, a obrigação do Réu de compensar os danos morais
causados ao autor.

Dos danos morais:


Relativamente à configuração dos danos morais, Sérgio Cavalieri Filho, in
“Programa de Responsabilidade Civil”, 11. ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2014,
atesta, com propriedade, que “dano moral, à luz da Constituição vigente, em sentido
amplo é agressão a um bem ou atributo da personalidade e, em sentido estrito, é
agressão à dignidade humana”.
E arremata: “nessa linha de raciocínio, só deve ser reputado como dano
moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira
intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições,
angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.”.
Na espécie, por tudo que já fora argumentado anteriormente, resta
incontroverso que a as falhas indicadas, pela Policia Militar, pela Autoridade Policial,
pela Autoridade Judiciária, tanto nas condenações quanto na execução penal,
conduziram a indevida prisão do Autor, absolvido ao final do processo criminal,
acarretando intenso sofrimento psicológico, mormente se considerarmos as condições
degradantes do sistema penitenciário brasileiro e o fato de ter sido acusado e
condenado pela pratica de crime que não cometeu.
De rigor, portanto, a compensação dos danos morais sofridos.
Quanto ao valor da compensação, ele deve ser fixado em um patamar
capaz de atender a sua dupla função: compensar a vítima (função compensatória) e
evitar a renovação do dano (função preventiva ou pedagógica).
Noutras palavras, a indenização civil por dano moral ostenta duas funções:
reparação-sanção; ela busca, a um só tempo, atenuar a dor sofrida pela vítima quando
da violação aos seus direitos da personalidade e desestimular o ofensor a repetir o
ato lesivo.
Assentadas essas premissas, passemos à fixação do valor da
compensação devida ao autor em decorrência dos danos morais que lhe foram
causados.
Inicialmente, sob o prisma da função compensatória, vale destacar os
seguintes fatores: a) circunstâncias em que se verificou a conduta – a polícia civil e
militar recebe grandes repasses orçamentários para desenvolver, com adequação e
regularidade, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, nos
termos da Constituição Federal e da Lei; incumbe-lhe, desta feita, exercer
adequadamente tais funções, usando de todos os meios à sua disposição para a mais
completa investigação dos fatos, com a exposição das versões dos envolvidos
estritamente de acordo com o que fora relatado; conforme sublinhado alhures, todas
essas expectativas não se concretizaram e o órgão de polícia procedeu de maneira
atabalhoada, sem a observância ao devido processo legal material.
Sob o aspecto da função pedagógica, cumpre tecer as seguintes
considerações: somo sabido, a República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa
humana (artigo 1º, caput e inciso III da Constituição Cidadã). Os Poderes Constituídos
pelo povo, de quem emana todo o poder, devem, portanto, observar este fundamento
maior, sob pena de ruir o Estado Democrático de Direito, cuja implementação fora
fruto de longo e combativo processo de reconhecimento e afirmação de direitos
fundamentais. Nesse contexto, condutas como a levada a cabo pelos réus não podem
ser admitidas.
Em consonância ao que fora acima exposto, entende-se razoável a
compensação dos danos morais causados ao autor no patamar de R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais).
Com isso, o réu compensará, ainda que imperfeitamente, os gravíssimos
danos causados à personalidade do autor e a responsabilidade civil cumprirá sua
função social, qual seja, a realização da justiça material.

Dos pedidos:
Ante o exposto, requer-se de Vossa Excelência:
a) A concessão dos benefícios da justiça gratuita, nos termos da Lei
1.060/50;
b) A citação do réu no endereço constante do preâmbulo desta peça, a fim
de que, querendo, contestem a presente demanda, no prazo legal;
d) Seja, ao final, julgada totalmente procedente a demanda, para: (i)
condenar o réu a compensar pecuniariamente os danos morais ao autor, no valor
correspondente a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ou outro valor que este Juízo
entenda cabível ao caso em tela, devidamente corrigido e com juros de mora; (ii)
condenar o requerido nos ônus de sucumbência, consubstanciados nos honorários
advocatícios de 20% (vinte por cento).

Protesta-se pela produção de todos os meios de prova em direito admitidas,


notadamente pela juntada de documentos e pela oitiva de testemunhas (rol abaixo,
sem prejuízo de oportuna complementação).

Dá-se à presente causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil


reais).

Termos em que, pede deferimento.

Ribeirão Bonito, 08 de maio de 2023.

GEAZI FERNANDO RIBEIRO


OAB/SP 346.960

Você também pode gostar