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A CLÁSSICA CONTRADIÇÃO ENTRE ZETÉTICA E DOGMÁTICA JURÍDICA NA

FORMAÇÃO DA CULTURA JUSFILOSÓFICA

Lucas Ariel Azeredo Sales Gama e Silva ¹​(RA 420105467).


Direito 1C.

INTRODUÇÃO

O saber filosófico jurídico encontra, nos meandros de suas investigações,


matéria das mais instigantes quando trata da dicotomia entre a zetética e a
dogmática jurídica. Não cabe neste resumido trabalho a pretensão de esgotar por
definitivo a temática que por ora se apresenta, posto que seria um caminho mais
curto para o insucesso do precípuo intento, contudo delimitar a interpretação destes
dois campos de visão acerca do fenômeno jurídico é tarefa salutar para quem quer
navegar com perícia pelos mares da lei.

1. TRANÇANDO BREVES DIFERENCIAÇÕES ENTRE ZETÉTICA E DOGMÁTICA


JURÍDICA.

Ambas as teorias, tanto a zetética quanto a dogmática, bebem de fontes


filosóficas para fomentar seus enfoques na ciência do direito. Sabe-se que zetética
​ exprime a noção de investigar, perquirir. O próprio ato de
vem do grego ​zetein e
indagar com o escopo de buscar a verdade de um fato ou fenômeno está no centro
da atitude filosófica. Neste campo vale mais a dúvida, a reflexão e a análise
pormenorizada das questões para a formulação de um sólido pensamento crítico.
Conforme Marilena Chauí:

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“O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático
porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas,
mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que
as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam
umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam
provadas e demonstradas racionalmente.” (CHAUÍ, 2000 , p.13).

Com efeito, a reflexão zetética traz consigo forte carga de ceticismo ao


pensar jusfilosófico. Sua base está no estabelecimento da dúvida como resultado da
cognição. O cético duvida de toda verdade preestabelecida e escava cada vez mais
fundo na inquirição de um acontecimento que está sob seu estudo. Nada deve ser
avaliado antes de passar por minuciosa análise que pode chegar, inclusive, a
desfechos inconclusivos. O resultado desse processo pode ser a obliteração da
ação numa paralisia inócua que em nada contribui para a evolução da sociedade,
seja no campo do direito, seja em outro campo, como o da ciência, por exemplo.
Em contraposição, a visão dogmática aproxima-se da filosofia escolástica
dominante na Idade Média, posto que trabalha melhor com a noção diretiva do
dogma, palavra que também provém do grego ​dokein e se refere à crença, opinião.
Um dogma não está, sob os olhos desse propósito jusfilosófico, para especular ou
refletir, pelo contrário, sua atitude se sustenta na resposta em detrimento da
pergunta. Logo, a teoria dogmática do direito limita-se a verdades preestabelecidas
que não comportam questionamentos e reflexões que possam, porventura, balançar
os alicerces resolutos da crença.

2. TECENDO ALGUMAS CRÍTICAS.

Ambas as abordagens aqui mencionadas trazem visões epistemológicas


salutares para a compreensão do Direito e merecem ser sopesadas para que não
se caia em radicalismos que enviesam a compreensão. Aristóteles a sua ”doutrina
do meio termo” corroborariam tal raciocínio, afastando qualquer juízo extremo que
colocaria o enfoque zetético e o dogmático como forças contrárias e irreconciliáveis.

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Críticas contundentes ao dogmatismo jurídico arbitrário são relevantes
quando focam na dureza de suas visões frente a um fenômeno fundamentalmente
plural e polimorfo que é o direito. Conforme, NIVA, 2016 :

“Essa adstrição dogmática ao ordenamento vigente é criticada por


seu legalismo, intransigência e distanciamento da realidade social,
examinando o fenômeno jurídico de forma isolada, ao exemplo da
abordagem de KELSEN.“

Conquanto possa-se entender salutar a solidez do dogma para a estabilidade


e a segurança das instituições jurídicas, o fato é que convicções inabaláveis
parecem não correspondem bem a plasticidade dos valores essencialmente
humanos que habitam o campo da cultura tais como a moral, a ética, a justiça.
Positivistas encampam a visão jusfilosófica que preconiza a separação total do
direito e da moral e não endossam a valoração do conteúdo da norma como algo
classificável em justo ou injusto. Ora, direito assim deve ser o real, o fato e não o
ideal, o que deve-ser. (BOBBIO, 2016).
Cabe salientar que o contrapondo a essa visão fatal do dogmatismo é
exatamente a zetética jurídica especulativa. Avaliações críticas também podem ser
feitas acerca deste enfoque que ao cair em ideias abstratas ou vagas deixam o
ordenamento jurídico suscetível de avaliações contraditórias e até mesmo
antagônicas. A idealização do fenômeno jurídico sob o manto do que “deve-ser”
abre um campo hermenêutico tão abrangente que, por lógica, leva a um certo grau
de instabilidade potencialmente perigosa. Outro ponto importante é o caminho
deveras circular do pensamento zetético que ao refutar toda premissa ou ponto de
partida pode desconstruir o pensamento sem dar-lhe alternativas para ocupar a
lacuna deixada pela dúvida.
Posto isso, advoga-se pela razoável proporcionalidade e ponderação entre os
dois campos do saber jurídico. Nem o pensamento fechado do dogma nem o
raciocínio aberto da zetética têm o condão de apresentar o melhor itinerário para o
direito. Uma visão contingencial pode responder melhor ao caso concreto, bebendo
da fonte legalista a sua segurança e da fonte especulativa e sua dinâmica.

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3. A FALSA CONTRAPOSIÇÃO ENTRE DUAS VERTENTES:

Sabe-se que o direito é um fenômeno mais próximo do dogmatismo, até


mesmo pelo caráter coercitivo da norma jurídica. A norma impõe uma conduta e,
quer você queira ou não, ela poderá ser aplicada para punir quem a afronte. Não
obstante, a filosofia tem um caráter mais zetético na medida em que não pode
prescindir da dúvida reflexiva para existir. O sábio jusfilófoso Miguel Reale afirma:

“As normas impõem regras de conduta para que possam ser


atingidas condições ideais de ordem e de segurança, indispensáveis ao
convívio do homem numa sociedade. Vale dízer-se que elas estabelecem
uma linha ideal de comportamento que, sendo obedecida criteriosamente por
todos os indivíduos - ou punindo todos aqueles que prefiram se desviar dela
influirá de maneira decisiva, amoldando o modo de agir de cada pessoa e,
assim, estabelecendo uma sociedade organizada. Pela própria finalidade,
toda norma é dotada de imperatividade, isto é, de comando. Dela emerge
sempre uma ordem, cuja obediência se impõe, tendo em vista principalmente
o fim colimado, que é a paz e a segurança de todos os indivíduos que
constituem a coletividade, o grupamento social.” (SECCO, 2009, p. 58)

Pensando então no sistema do ​civil law ​adotado no Brasil, a aplicação da lei


positivada se sobrepõe a outras fontes do direito como a jurisprudência, os usos e
costumes e a doutrina. Ou seja, a dogmática da norma positivada tem maior
robustez na análise do caso concreto e é entendida como a fonte primária do Direito
no Brasil. Verifica-se tal fato pelo art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro- Decreto-Lei n​o 4.657, de 4 de setembro de 1942 alterado pela nova
redação da lei 12.376/2010, ​in verbis​: “​Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
Percebe-se portanto a caráter supletivo das demais fontes frente a lei positiva.
Essas servem a esta como espécie de “soldados de reserva” as quais somente

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serão usadas em caso de falha da matriz jurídica primária. Ou seja, a zetética
jurídica aprimorando e refinando a dogmática.
Destarte, quando se fala de direito em sentido fechado, rígido e dogmático,
remete-se a lei positivada e todo seu juspositivismo kelseniano fincado no arbítrio
generalizante da sanção coercitiva estatal. Mas quando se trata da zetética, quer se
demonstrar a inter relação do Direito com a moral, a sociologia, a psicologia, a
ciência política e a filosofia dentro de um refletir holístico que teria nos princípios
jurídicos sua essencial expressão.
Toda essa reflexão pode desembocar ainda na clássica divisão do Direito
entre juspositivismo e jusnaturalismo, entre validade e justiça na norma jurídica. A
dogmática como decisão formal estaria dentro do campo de entendimento do
positivismo que abstrai da discussão qualquer atitude de valoração (que estaria por
certo no espaço da moral). A validade imperativa da lei está na sua neutralidade.
Em paralelo, a zetética estaria, então, ao lado do jusnaturalismo como corolário dos
valores de justiça e dos apegos à moral do direito como dever-ser. O grande filófoso
político Norberto Bobbio afirmou:

“Somos continuamente tentados a defender algumas exigências do


positivismo, enquanto cientistas, com o mesmo empenho e com a mesma
coerência (não obstante a aparência do contrário) com que defendemos as
razões últimas do jusnatuaralismo enquanto homens livres. Existe ,portanto,
um limite entre positivismo e jusnaturalismo que divide pela metade a nossa
própria pessoa, e pelo qual nos acontece sermos positivistas ou
jusnaturalistas, não segundo os tempos ou as ocasiões, mas segundo a
parte da sociedade que representamos.” (BOBBIO, 2016, p.29).

Dito isso, é inegável que a tradição jurídica brasileira tem laços mais
estreitos com o dogmatismo e o positivismo hierárquico kelseniano da tradição do
​ dvinda do direito germânico, porquanto caso fosse possível negar esse
civil law a
fato, todo a ordenamento jurídico estaria posto a baixo sem a supremacia da
Constituição Federal como norma suprema. Não obstante todo esse arcabouço
apresentado, observa-se novas tendências que vão de encontro à percepção
estática do dogmatismo formalista, ​verbi gratia o princípio da função social do

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contrato para o direito civil ou o próprio princípio do instrumentalidade das formas
para o processo civil, inegáveis mudança no sentido de um alargamento dos
meios exegéticos do direito rumo a visões mais sociológicas do fenômeno.

4. CONCLUSÃO:

Diante de tudo aqui exposto, a antítese pronunciada entre a zetética e a


dogmática jurídica merece questionamentos mais pormenorizados que vasculhem
melhor todos os desdobramentos dessas duas vertentes, tanto para a filosofia do
direito como para as demais ciências afins. Pretensão mais descabida não existiria
se neste breve artigo fosse prometido esgotar toda a problemática das já famosas
abordagens ético-jurídicas que aqui estão no centro do debate: a zetética
especulativa do pensamento aberto e a dogmática exata do pensamento fechado.
Tampouco cabe realizar qualquer juízo valorativo acerca de qual entendimento deve
sobrepor-se ao outro, pois, conforme foi defendido neste artigo, a visão da
complementaridade parece ser o melhor caminho para a superação do problema.
Por fim, advoga-se então pela terceira via, a via dialética que Hegel bem nos
apresentou em sua filosofia política, reformulando o método que surgira com os
filósofos gregos: nem a tese, nem a antítese.Que se busque a síntese então.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. ​LEI Nº 12.376, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2010. Instituiu a Lei de


Introdução às normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31
dez. 2010.
BOBBIO, N., Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico, São Paulo, ed. Unesp,
2016.
CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, São Paulo, 13a. ed.,​ ​Ática, 2000.

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COELHO, D., Zetética e Dogmática. Jusbrasil, 2017. Disponível em:
https://demersoncoelho.jusbrasil.com.br/artigos/510040630/zetetica-e-dogmatica
​SECCO, Orlando de Almeida​. ​Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro.
Editora Lumen Juris. 2009.

WEYNE, B., C., Introdução ao Estudo do Direito: uma análise zetética da


dogmática jurídica. Boletim Jurídico, 2006. Disponível em:
https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/1232/introducao-ao-
estudo-direito-analise-zetetica-dogmatica-juridica

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