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O que está em cima é como o que está embaixo.

E o que está embaixo é como o que está em cima”


- Princípio da Correspondência (O Caibalion)

Esta é a terceira parte da série de sete artigos “Alquimia, Individuação e Ourobóros”, que é
melhor compreendida se lida na ordem. Caso queira acompanhar desde o começo, leia as
parte 1 e 2.
Hermes Trismegisto
A alquimia é uma ciência antiga, cujos primórdios são incertos, porém encontrados ao longo de
muitos anos e civilizações, como uma arte. Os objetivos da realização do trabalho alquímico são,
entre outros, transformar metais densos em ouro, e obter o elixir da vida, a pedra filosofal, que
garante a vida eterna, através da manipulação da prima matéria.
As origens da Alquimia são associadas à figura emblemática de Hermes Trismegisto. Tal entidade, é
na verdade resultado de diversos sincretismos ao longo do tempo e, à ela, foi atribuída a autoria dos
textos alquímicos e herméticos mais importantes da história, como a “Tábua de Esmeralda” e
“Corpus Hermeticum” . Um sincretismo religioso é o processo de absorção da cultura e influência
religiosa de um sistema, por outro. Por exemplo, o arquétipo da Deusa Afrodite, é análogo à Vênus
romana, cujo culto tem origens a adoração da Deusa fenícia Astarte.
Os representantes mais relevantes destes sincretismo são o Deus Egípcio Thoth e o Deus grego
Hermes (sendo o equivalente romano, Mercúrio).
“Na realidade, Hermes Trismegisto resultou de um sincretismo com o Mercúrio latino e com o deus
egípcio Thoth, o escrivão no julgamento dos mortos no Paraíso de Osíris, e patrono de todas as
ciências na Grécia Antiga. […] Hermes Trismegistos é o nome grego dado ao deus egípcio Thoth,
considerado o inventor da escrita e de todas as ciências a ela ligadas, inclusive a medicina, a
astronomia e a magia. Segundo o historiador Heródoto, já no séc. V A.C. Thoth era identificado e
assimilado a Hermes Trismegisto, i.e., ao Três Vezes Poderoso Hermes“ (ROCHA, 2008, 12).
Na mitologia, Thoth é um Deus ligado ao conhecimento, à escrita, ao estudo, medicina, astrologia e
todas as artes ocultas. Representa o Logos, a organização e estruturação do conhecimento. Mestre e
professor, aparece nas lendas como a figura que auxilia os homens e os ensina sobre os
conhecimentos do universo.
Hieróglifo egípcio com o Deus Thoth

Thot era o senhor do conhecimento mágico e dos segredos divinos colocados à disposição dos
deuses e dos homens. Mais do que qualquer outro deus, Thot era o “senhor do heka” (magia). A
magia egípcia pode ser entendida como uma força sem caráter moral determinado, de origem
divina, utilizada pelos homens, pelos deuses e pelos mortos para manter a Ordem Criada (Maat) ou
para provocar uma intervenção divina nesse mundo ou no Mundo dos Mortos. Assim, entendemos a
ligação entre Thot e o conhecimento mágico contido nos textos. (FACURI, 2013, 30).
Para António Fadista Rocha, Hermes Trismegisto é uma complexa divindade, a qual é atribuída
diversos atributos. Inicialmente era associado como um deus agrário, protetor de pastores e
rebanhos. Na mitologia grega, regia as estradas, e tinha grande velocidade, pois utilizava sandálias
com asas. Como conhecia os caminhos, não se perdia nas trevas, e se transformou no mensageiro
direto dos deuses, com livre acesso aos níveis inferno, terra e paraíso, alegoricamente associados a
estados de consciência.

“Hermes/Mercúrio” afresco de Tiepolo

Hermes é o representante mor das ciências ocultas e esotéricas, pai da alquimia. Aquele que sabe e
transmite as sabedorias ocultas. Na literatura Medieval e do Renascimento existem várias referências
à Hermes Trismegisto e os escritos herméticos, que foram profundamente estudados por alquimistas
e rosa-cruzes.
“A astúcia, a inventividade, o poder de tornar-se invisível e de viajar por toda a parte, aliados ao
caduceu com o qual conduzia as almas na luz e nas trevas, são os atributos que exaltam a sabedoria
de Hermes, principalmente no domínio das ciências ocultas, que se tornarão, na época helenística,
as principais qualidades do deus“ (ROCHA, 2008, 07).
A figura de Hermes Trismegisto, como podemos ver é bastante complexa, e como não é nosso
principal objetivo realizar um levantamento minucioso desta entidade, o foco agora passa para o
símbolo máximo associado a Hermes, o caduceu. O caduceu é representado pela imagem de um
bastão, com duas serpentes enroladas ascendendo, cujo topo, tem um par de asas.
“Símbolo dos mais antigos, sua imagem já se acha gravada, desde o ano 2.600 a.C., na taça do rei
Gudea de Lagash. São várias as formas e múltiplas as interpretações do caduceu. Insígnia principal
de Hermes, é um bastão em torno do qual se enrolam, em sentidos inversos, duas serpentes”.
Enrolando-se em torno do caduceu, elas simbolizam o equilíbrio das tendências contrárias em torno
do eixo do mundo […] A serpente é um símbolo encontrado na Mitologia de todos os povos. Todas
as grandes ideias surgidas no início da Civilização foram representadas pela serpente: o Sol, o
Universo, Deus, a Eternidade.” (ROCHA, 2008, 13).

Taça suméria do Rei Gudea de Lagash (2.600 A.C.)


Por se tratar de um símbolo muito antigo e importante, a imagem do caduceu apresenta uma série de
conhecimentos embutidos e deve ser analisada com cautela. Não cabe a este estudo esgotar a
interpretação de seu simbolismo, mas atentar-se àquele relevante as associações do método de
ampliação citados no inícios do trabalho.
“Também se pode interpretar o caduceu como sendo o símbolo do falo ereto, com duas serpentes
acopladas. Esta interpretação do caduceu é uma das mais antigas representações indo-europeias,
sendo encontrado na Índia antiga e moderna, associado a numerosos ritos, bem como na Grécia,
onde se tornou a insígnia de Hermes. Espiritualizado, esse falo de Hermes penetra no mundo
desconhecido em busca de uma mensagem espiritual de libertação e de cura.“ (ROCHA, 2008, 16).
E mais ainda, segundo Julien (1993), as serpentes presentes do cetro, podem representar o duplo
espiral, ligados a evolução perpétua e progressiva, a repetição infinita dos ciclos da vida.
“Hygeia” Detalhe de Giuseppe Moretti’s de 1922 em Bronze
“O percurso podendo se efetuar nos dois sentidos (ascendentes, até as etapas superiores, e
descendente, até os estados inferiores), representa a dualidade de forças, opondo-se e se
equilibrando, os dois aspectos simbólicos da serpente. Vê-se aqui também o equilíbrio das forças
cósmicas realizado por Mercúrio a partir do caos primordial […] O caduceu representa o
equilíbrio psicossomático (psico = psiquê; soma = corpo), o das forças vitais e psíquicas e
sua evolução a expansão e o equilíbrio, objetivo da medicina. A espiral dupla é o símbolo
dos médicos e a serpente única dos farmacêuticos.” (JULIEN, 1993, 75-76)
Essa noção cíclica e de equilíbrio é presente na percepção holística de C. Jung no que diz respeito à
compreensão do psiquismo e seus pares de opostos complementares. Talvez a melhor frase que
ilustra essa concepção é do próprio Jung, que diz “que qualquer árvore que queira tocar os céus
precisa ter as raízes tão profundas capazes de tocar os infernos”.
“Ouroboros” de Brenda Erickson
A associação com a figura do Ourobóros é facilmente realizada, na própria imagem acima vemos a
serpente que morde a própria cauda contendo a árvore que atinge ambas polaridades. No post
seguinte vamos nos aprofundar na arte da alquimia, suas etapas e os paralelos psicológicos com as
mesmas.

Referências Bibliográficas:
FACURI, Cintia Pratis. DE THOT A HERMES TRISMEGISTO: O EGITO ANTIGO E O
HERMETISMO ÁRABE. Disponível emhttp://www.revistanearco.uerj.br/arquivos/numero10/3.pdf.
14/05/2013
JULIEN, Nadia. Dicionário dos Símbolos. São Paulo. Ed. Rideel. 1989
ROCHA, Antonio Fadista. O Mito e a Realidade. Disponível
em: http://www.maconaria.net/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33.
14/05/2013

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