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RÁ: OS ARQUÉTIPOS NA MITOLOGIA EGÍPCIA*

Dossiê

Aglaê Dias Moreira Munhoz Fontana**

Resumo: O presente trabalho apresenta algumas considerações acerca do mito de uma


das divindades egípcias - Rá - como manifestação simbólica dos arquétipos que formam,
juntamente com os instintos, o inconsciente coletivo, que é comum a todos os indivíduos.
Para tanto, o trabalho buscou contribuições teóricas dos estudos do psiquiatra suíço Carl
Gustav Jung acerca da psique humana. Para o autor, o mito corresponde a uma forma de
expressão dos arquétipos criada de um modo específico e transmitida através de longos
períodos de tempo (JUNG, 2002). Nessa acepção, as considerações apresentadas no
trabalho terão por objetivo mostrar a relação entre mito e arquétipo.

Palavras-chave: Mito. Símbolo. Religião. Arquétipo. Inconsciente coletivo.

RÁ: ARCHETYPS IN EGYPTIAN MYTHOLOGY

Abstract: This paper presents some considerations about the myth of one of the Egyptian
deities - Ra - as a symbolic manifestation of the archetypes that form, together with the
instincts, the collective unconscious, which is common to all individuals. To this end,
the paper sought theoretical contributions from the studies of the Swiss psychiatrist Carl
Gustav Jung about the human psyche. For this author, myth corresponds to a form of
expression of archetypes, created in a specific way and transmitted over long periods of
time (JUNG, 2002). In this sense, the considerations presented in the paper will aim to
show the relationship between myth and archetype.

Keywords: Myth. Symbol. Religion. Archetype. Collective unconscious.

* Recebido em: 10.08.2019. Aprovado em: 09.03.2020


** Mestre em Performances Culturais pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Performances
Culturais, da Faculdade de Ciências Sociais - FCS/UFG. Especialista em Filosofia da Arte pelo Instituto de
Filosofia e Teologia de Goiás. Graduada em Licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
de Goiás e em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás. Universidade Federal de
Goiás. E-mail: aglae.fontana@gmail.com

Revista Mosaico, v. 13, p. 81-87, 2020. e-ISSN 1983-7801 DOI 10.18224/mos.v13.n0.7534 81


O
s mitos têm sua origem na tentativa de explicação dos fenômenos complexos que envolvem
a existência humana. Por meio das narrativas mitológicas, as civilizações antigas buscavam
respostas para a origem do mundo, a criação do homem, bem como outras questões
relevantes para a compreensão da vida. Essas narrativas constituiam representações simbólicas que
fundamentavam as práticas sociais das civilizações antigas.
Ernst Cassirer (1977) argumenta que o homem não vive em um universo meramente físico,
mas em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte, a religião fazem parte deste universo.
“São vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada da experiência humana” (p. 50). Assim
sendo, é notório que o pensamento simbólico e o comportamento simbólico constituem um dos traços
mais característicos da vida humana, e que o progresso da cultura humana se fundamenta nessas
condições (CASSIRER, 1977). O símbolo caracteriza uma parte do mundo humano do sentido. Nessa
direção, Jung (1964) acrescenta que o fato de existirem inúmeras coisas distantes da compreensão
humana, nos faz utilizarmos constantemente termos simbólicos como representação de conceitos que
não podemos definir ou compreender inteiramente.
Assim, os mitos sempre estiveram presentes em todas as civilizações. De um modo ou de outro
tem participado da construção do conhecimento humano. O antigo Egito não se diferenciava das demais
civilizações que mantinham sua tradição mitológica viva e atuante. O contexto explicativo fantástico
fazia parte da construção coletiva do seu saber. Essa civilização africana que existiu aproximadamente
há 3000 a.C. até 332 a.C. (CARDOSO, 1996) acreditava em diversas divindades, as quais se tornaram
as bases de sua religião. De acordo com a históriadora Margaret Marchiori Bakos:

Para os antigos egípcios o mundo estava cheio de deuses. [...], para eles nada era inanimado, havia
uma alma em cada coisa. Havia deus-céu, deus-terra, deus-água; animais estranhos eram deuses
maus ou demônios. Todos eram forças sobrenaturais, importantes para o homem. Tanto como
entre os homens, também entre os deuses havia relacionamentos, sociedades de deuses, famílias
de deuses, tríades, ogdôdes, enéades, pois, como uma regra, esses deuses apareciam em forma
humana, ou algumas vezes também em forma animal e até forma composta. Mesmo quando
representados na forma humana, os deuses nunca perdiam completamente suas primitivas
características de animal, líquido, mineral ou vegetal; e como tais inspiravam nos egípcios um
imorredouro temor religioso (1995, p. 93).

Segundo a autora, os antigos egípcios reconheciam, pensavam e tratavam os objetos cósmicos


como divindades dotadas de estranhos poderes dos quais eles não eram possuidores. Desse modo,
a religiosidade do antigo Egito se fundamentava nos mitos das divindades e adentrava em todos os
aspectos de sua vida pública e privada (CARDOSO, 1996).
Dentre as diversas divindades cultuadas, Rá é caracterizado como o deus sol, o qual é aludido na
cosmogonia de Heliópolis1. Cabe notar que o pensamento acerca da criação do mundo, dos deuses, da
terra, do céu e do homem era de grande importância para os antigos egípcios. No decorrer da história e do
território egípcio uma diversidade de centros teológicos apresentaram diferentes narrativas sobre o fenômeno
da origem do universo. Cada centro teológico possuía sua própria versão cosmogônica e diferentes deuses
responsáveis pela história da criação (MACHADO, 2019). Assim sendo, no antigo Egito não havia uma
ideia unificada sobre a origem do mundo. De acordo com Bakos: “Entre 3500 e 2250 a.C., formaram-se
pelo menos três teorias sobre a criação: Heliópolis, Hermópolis e Mênfis. A mais antiga, desenvolvida em
Heliópolis, tornou-se a mais popular de todas” (1995, p. 94). Conforme o mito da cidade de Heliópolis a
divindade Rá surge de Nu, o caos, a escuridão e o silêncio. De suas mãos e de sua respiração nasce Shu,
deus do ar e Tepru, deusa da umidade. Estes deuses dão origem a Geb, deus da terra e a Nut, deusa do céu,
e assim, o universo foi criado. Geb e Nut se unem carnalmente contra a vontade de Rá que envia Shu para
separar o casal. Tal atitude possibilitou a vida sobre a terra e condenou Nut a não procriar em todos os dias
conhecidos. Acontece que o calendário era composto de 360 dias, 30 dias em cada um dos 12 meses. Assim,
Thot, deus da sabedoria, decidiu ajudar Nut e conseguiu criar mais 5 dias a partir da luz da lua. Desse modo,
o calendário passa a ser constituido de 365 dias no ano, o que propiciou a Nut dar à luz a Osíris, Hórus, Set,
Ísis e Nephthys, formando a Enéade, as nove divindades de Heliópolis (JASEN et al., 2007).

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Conforme Haydn Paul (1992) na cidade de Heliópolis, o cântico de louvor a Rá repercutia nos
templos, entoado pelos sacerdotes no decorrer das fases do sol. Heliopólis era o centro do culto solar
egípcio onde os sacerdotes de Rá proclamavam seus reis solares, assegurando que após a morte o rei
retornaria para junto de Rá, seu pai celestial. Bakos (1995) reintera que Rá era considerado o mais
importante dos deuses, o senhor de Heliópolis. Tal divindade, que geralmente era associada à imagem
de um falcão (Fig.01) deu origem a todas as formas de vida no mundo. É o deus da criação, pai do
universo. Assim sendo, na cosmogonia de Heliópolis o sol se manifesta como imagem simbólica da
criação do cosmos.
A imagem a seguir (Fig.01) trata-se de uma estela2 de madeira pertencente ao Museu do Louvre
e datada do Terceiro Período Intermediário (1069 - 664 a.C). Na imagem Rá exibe a personificação de
um homem com a cabeça de um falcão, utilizando a coroa do disco solar adornada com a serpente
sagrada uraeus. No Egito antigo uraeus era a serpente protetora dos faraós – símbolo real que se
encontrava sobreposto praticamente a todas as coroas, formando com elas uma unidade fortemente
simbólica usada na fronte de faraós e deuses. A serpente uraeus não consistia somente em um adorno,
mas também representava a superioridade existencial dos faraós e das divindades (SALES, 2016).
O deus com cabeça de falcão constitui uma das formas mais usuais de representação da divindade
solar. A cena presente na estela egípcia ilustra um ritual de adoração que é retratado por um harpista
ajoelhado frente ao deus Rá. Os dois personagens se encontram separados por uma oferenda que
consiste em um jarro e uma flor de lótus3- símbolo do sol e da criação (VASQUES 2005).

Figura 1: A estela do harpista, Museu do Louvre.


Fonte: Foto do Louvre Museum.

De acordo com Herder Lexikon (1990) para todos os povos, o sol caracteriza um dos símbolos
mais relevantes, sendo reverenciado como uma divindade por diversos povos primitivos e antigas

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culturas superiores. Paul (1992) esclarece que “o sol é a mais personificada das luzes planetárias,
assumindo o papel central do panteão das divindades planetárias que a humanidade criou ou
reconheceu durante o seu progresso evolucionário” (p. 19). Segundo o autor, no transcorrer dos
tempos o sol tem sido visto como a fonte do poder criativo da natureza, da vida e da luz, relacionado
ao princípio masculino do deus-pai. Nessa perspectiva, cada religião e cada cultura possuíam suas
divindades solares. Os zoroastristas, por exemplo, tinham Ahura-Mazda, o deus sol, luz e doador da
vida. Os fenícios por sua vez, chamavam o sol de Adonai, termo utilizado pelos judeus, que significava
senhor, mas conceberam Yod como dinvindade solar (PAUL, 1992). Esse elemento estava presente em
toda a mitologia egípcia que, por sua vez era representado por uma diversidade de nomes, assumindo
também várias formas, como Aten, o deus solar, representado por um disco solar com raios de sol;
Haraktés que correspondia à aparição brilhante do sol; Kopri, um escaravelho que leva diante de si
um disco solar; dentre outras divindades, junto às quais o sol constituía elemento de representação
(PIAZZA, 1991). O sol, bem como outras representações simbólicas presentes nos mitos das divindades
dos antigos egípcios norteavam suas performances4 , atribuindo significado aos seus rituais religiosos
e as ações da vida cotidiana. Conforme explica Ciro Flamarion Cardoso:

Cerimônias eram realizadas pelos sacerdotes cada ano para garantir a chegada da inundação, e o
rei agradecia a colheita solenemente às divindades adequadas. Oráculos dos deuses - em especial
os de Amon no Reino Novo e em épocas posteriores - desempenhavam um papel importante
na solução de problemas políticos e burocráticos e eram também consultados pelos homens do
povo antes de tornarem decisões de algum peso. As mulheres sem filhos se desnudavam diante
de touros ou carneiros sagrados, esperando mudar a situação por sua exposição a tais símbolos
de fertilidade. A medicina era penetrada de magia e religião. O aspecto supersticioso das cren-
ças multiplicava o uso de amuletos e outras proteções mágicas, tanto pelos vivos quanto pelos
mortos (1996, p. 92).

Nessa perspectiva, as performances da civilização egípcia mantinham viva a crença nas


divindades que eram incorporadas à realidade cotidiana da vida na pólis. Por meio de seus rituais
performáticos, os mitos eram propagados, constituindo um modelo de condulta social, estabelecendo
assim, suas convenções e tradições religiosas. Do ponto de vista de Richard Schechner (2006), as
performances exercem a função de entreter, construir algo belo, formar ou modificar uma identidade;
construir ou educar uma comunidade, curar, ensinar, persuadir e/ou convencer e lidar com o sagrado
e/ou o profano. Sendo assim, no antigo Egito, as oferendas às divindades, os festivais e procissões
de adoração aos deuses, os cultos funerários e demais rituais religiosos constituíam a maneira como
essa civilização se relacionava com o sagrado (CARDOSO, 1996). Os rituais sagrados manifestavam
a dimensão simbólica advinda de seus mitos.
Os mitos do antigo Egito constituem representações simbólicas recorrentes em outros
mitos manifestados em diferentes civilizações e momentos históricos. Nessa acepção, os mitos são
manifestações universais que apresentam elementos semelhantes em sua estrutura. As ideias análogas
presentes nos mitos correspondem ao que Jung ([1976] 2002) nomeia de arquétipos. Segundo o autor
o termo Archetypus

[...] nos diz que, no concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos tratando de
tipos arcaicos - ou melhor - primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os
tempos mais remotos (JUNG, 2002, p. 16).

Em conformidade com essa argumentação os arquétipos são os conteúdos do inconsciente


coletivo. Eles assinalam a existência de determinadas formas típicas na psique, de apreensão da
realidade, as quais estão presentes em todos os indivíduos, em qualquer tempo e lugar (JUNG,
2002). Os arquétipos são imagens primordiais que constituem modelos para o desenvolvimento
do comportamento humano. Essas imagens estão presentes no inconsciente coletivo e apresentam
similaridades em sua estrutura. As representações de nascimento, morte e mãe, por exemplo,

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manifestam-se no inconsciente de todos os seres humanos, mas sofrem variações de acordo com a
experiência vivenciada pelo indivíduo acerca de tais representações. O arquétipo é uma disposição
para formar as mesmas representações de uma imagem. Embora essas representações apresentem
diversas variações de detalhes, elas não perdem a sua configuração original (JUNG, 1964).
De acordo com Jung (1964), os esquemas de pensamento coletivo da mente humana são
inatos e herdados. Eles operam relativamente do mesmo modo em todos os indivíduos. Portanto, as
manifestações emocionais pertencentes aos esquemas de pensamento coletivo constituem-se as mesmas
em todos os lugares. O autor afirma que: “O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão
marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho ou o das formigas para se organizarem em
colônias” (JUNG, 1964, p. 69,). Para Jung (2002), os instintos correspondem aos impulsos destinados
à produção de atitudes que decorrem de uma necessidade interior e de forma inconsciente. Eles
são fenômenos de natureza coletiva, ou seja, universal e uniforme que conduzem os indivíduos a
assumirem uma característica humana de existência. Assim como os instintos, os arquétipos também
são fenômenos coletivos que impelem a percepção e a intuição a adotarem certos padrões humanos.
De maneira conjunta os instintos e os arquétipos formam o inconsciente coletivo (JUNG, 2002).
Cabe notar que o inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente. Ele é herdado,
porém não na forma genética: ele é uma possibilidade herdada de ideias (JUNG, 2002). Compõe-se de
formas preexistentes, semelhantes aos arquétipos, que apenas de modo secundário (ou seja, através dos
símbolos) podem se tomar conscientes, atribuindo uma forma estabelecida aos conteúdos da consciência.
Nesse sentido, o inconsciente coletivo não é de natureza individual, mas universal. Diferentemente da
psique pessoal que se origina de experiências e aquisições pessoais, o inconsciente coletivo, por sua vez,
possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são semelhantes em todos os indivíduos. Jung
([1971] 2000) explica que o inconsciente coletivo, até onde nos é concebível julgar parece ser formado
de algo similar a temas ou imagens de caráter mitológico, e, por esse motivo, os mitos dos povos
constituem os verdadeiros expoentes do inconsciente coletivo. Assim sendo, as histórias mitológicas
seriam uma espécie de projeção do inconsciente coletivo.
Nesta direção, a imagem simbólica do sol presente na cosmogonia de Heliópolis pertence aos
arquétipos do incosciente coletivo. É uma expressão metafórica que busca explicar a origem do mundo.
Segundo o autor a imagem simbólica implica algo além do seu significado manifesto e imediato.
Apresenta, portanto, um aspecto inconsciente extenso, o qual nunca é precisamente definido ou de
todo explicado (JUNG, 1964).
Ocorre que as imagens simbólicas são empregadas aos elementos que fogem à capacidade de
entendimento humano. Sendo assim, os símbolos implicam determinadas coisas vagas, as quais são
ignoradas ou ocultas para os seres humanos (JUNG, 1964). Conforme Jung (1964): “Quando, com
toda a nossa limitação intelectual, chamamos alguma coisa de “divina”, estamos dando-lhe apenas
um nome, que poderá estar baseado em uma crença, mas nunca em uma evidência concreta” (p. 21).
Sob esse entendimento, o símbolo solar está presente numa diversificação de mitos que
manifestaram a tentativa de responder às perguntas mais complexas que permeavam a vida dos
indivíduos. Segundo Paul (1992), os mitos solares manifestavam diversos aspectos relevantes que se
repetem em diferentes continentes e culturas. Nas palavras do autor:

[...], eles simbolizam os processos naturais que atuam no mundo e nos seres humanos. Estes pro-
cessos incluem as fases do desenvolvimento humano físico e psicológico, as mudanças sazonais e
os movimentos celestes, associados às transformações contínuas da vida: nascimento, crescimento,
maturidade, morte, e à realização e conclusão de ideias, objetivos, planos, relacionamentos e
trabalho durante o ciclo completo de experiências. Então, vem a continuação da semente fertili-
zada e a renovação da vida humana e da natureza, o ciclo de existência continuamente nascendo,
existindo, morrendo, com a continuidade da vida em diferentes formas revelando a verdadeira
imortalidade e o processo de renascimento (PAUL, 1992, p. 21).

Assim, os mitos solares são representações simbólicas que assumiram grande importância
na história das civilizações. No antigo Egito, os mitos solares, bem como outros mitos, constituiam

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uma forma de buscar explicação para a condição humana e oferecer sentido à vida. Desse modo,
rituais eram performados, preservando os aspectos simbólicos de suas narrativas míticas. Tais
narrativas manifestam imagens primordiais que formam o inconsciente coletivo. Segundo Jung
(2000) o inconsciente coletivo constitui um depósito das experiências ancestrais que foram reunidas
no decorrer da história. É o eco dos eventos pré-históricos que a cada século atribui uma parcela
mínima de variações e de diferenciações. Isso explica a diversificação de narrativas mitológicas que
se desenvolveram com base no símbolo solar, assumindo algumas distinções de acordo com uma
determinada época e cultura. Nessa direção, as imagens primordiais apresentam uma configuração
simbólica similar que é encontrada em todos os mitos da história da humanidade. Elas constituem
os arquétipos, isto é, formas típicas que propiciam o desenvolvimento de um comportamento
especificamente humano.

Notas

1 Heliópolis constituia a cidade solar sagrada (PAUL, 1992).


2 As estelas são lajes construídas a partir de uma rocha ou madeira que podiam conter cenas ou textos
inscritos. No Egito Antigo, as estelas eram alçadas muitas vezes como epitáfios, marcadores de fronteiras,
monumentos votivos e comemorativos (SEEHAUSEN, 2018).
3 Louvre Museum. Disponível em: https://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/harpist-s-stele?sous_dept=1.
Acesso em: 19 mar. 2020.
4 O conceito de performance decorre dos movimentos artísticos independentes, a partir da década de 1970,
momento em que a arte conceitual privilegiava uma arte das ideias em detrimento do produto, posto
que não se destinava a ser comprada ou vendida, e se encontrava em seu apogeu. A performance como
demonstração ou execução dessas ideias tornou-se o modo mais visível desse período. Os performers
utilizavam diversas combinações de disciplinas e materiais como poesia, literatura, dança, teatro, música,
vídeo, dentre outras (GOLDBERG, 2006). Conforme elucida Veloso (2014, p. 193), “é também nessa década
que o conceito se amplia. A partir daí, integra uma variedade de teorias nas ciências humanas e sociais,
tais como a fenomenologia, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, semiótica, psicanálise lacaniana,
desconstrutivismo e feminismo”. Institucionalmente, os Estudos da Performance surgem como campo
de estudos acadêmicos nos anos 1980, com a criação do Departamento de Estudos da Performance, por
Richard Schechner, diretor teatral norte-americano e professor da Universidade de Nova York. Trata-se
de um campo de estudos interdisciplinar em que se analisam não somente o teatro e outras formas de
performance formal, tais como a dança e a música, para citar alguns exemplos, mas também as ruas, os
escritórios e todo tipo de atividades, com apoio na análise da vida cotidiana (SCHECHNER, 2010).

Referências

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