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1

Por

“Pode-se dizer que o sonho é como a pedra desprezada pelos


1. 2
 pedreiros e que depois se tornou a pedra angular.” Carl G. Jung

INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo analisar as influências psicológicas que a
Mitologia –
Mitologia  – e e neste caso, a Mitologia Maçônica em questão  – 
 –  através da sua prática
ritualística, suas falas, movimentos, símbolos, dramas e alegorias, pode ter sobre seus
praticantes, acompanhando as similaridades da Mitologia Maçônica com as outras
Mitologias da história.
Malgrado muitos talvez possam julgar os rituais maçônicos como ingênuos,
estranhos, primitivos e ultrapassados ou até mesmo supersticiosos. Serão
apresentados neste estudo indícios de que, muito pelo contrário, tanto os rituais como
a mitologia possuem as mesmas fontes de origem —  o inconsciente 3, ponto
fundamental para o progresso psicológico.
Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da
humanidade, e todas essas, de uma forma ou de outra, podem ser encontradas em
alguma medida, representadas nas alegorias maçônicas 4. Esse sincretismo na
Mitologia Maçônica nos leva a crer que nossos antepassados já tinham noção das
similaridades existentes nas manifestações religiosas e mitológicas. Encontramos um
direcionamento para um estudo comparativo nas palavras ad-referendum do erudito
norte americano Joseph Campbell:
“A esperança que acalento é   a de que um esclarecimento
realizado em termos de comparação possa contribuir para a
causa, talvez não tão perdida, das forças que atuam no
mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de
algum império político ou eclesiástico, mas com o objetivo de
 promover a mútua compreensão entre os seres humanos.
Como nos dizem os Vedas: "A verdade é uma só, mas os
sábios falam dela sob muitos nomes". 5
 A definição mais comum de Maçonaria é a de que Maçonaria
Maçonaria é “um belo
sistema de moralidade velado em alegoria e ilustrado por símbolos” 6. Isso já diz muito
sobre a instituição e seu modo de ensino e aprendizagem, que ocorre por meio de

N.R.: ARTIGO ACADEMICO REGISTRADO NA BIBLIOTECA NACIONAL (RJ)


1
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1 (pag.32). Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1978;
2
 Apesar de não ter sido Maçom, Jung fala de uma das mais importantes lendas da Maçonaria Operativa, que é
relembrada nos graus de Mestre de Marca e Mui Excelente Mestre do Rito de York. Os ritos anglo-saxões (Rito de York
e as Ordens Inglesas de Aperfeiçoamento Maçônico) operam com um simbolismo voltado mais para o lado operativo
da Maçonaria, razão de ser lembrado enfaticamente cerimônias como essas da “pedra desprezada”.
3
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Monomito - A aventura do herói. São Paulo, Pensamento, 2007;
4
 MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. SP, Madras, 2010;
5
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Prefácio. São Paulo, Pensamento, 2007;
6
ZELDIS, L., Illustrated by Symbols. New York, NY: Philalethes, The Journal of Masonic Research & Letters, Vol. 64,
No. 02, p. 72-73, 2011;
2

rituais repletos de alegorias e expressões simbólicas. No entanto, entre o


desdobramento do ritual e o comportamento moral de seus praticantes há um
mecanismo psicológico que não pode ser ignorado e cuja compreensão pode
colaborar para um melhor entendimento da razão pela qual a Maçonaria atraiu ao
longo dos séculos o interesse de tantos distintos homens e a ira de tão perigosos
 – Comitê Comunista Internacional 7.
inimigos, como os nazistas, papas e o Comintern  – Comitê
Foi em 1900 que Sigmund Freud apresentou
a presentou ao mundo sua teoria
teor ia do
8
Inconsciente, na obra “ A
 A interpretação dos sonhos” . O conceito de Inconsciente e
 Arquétipos já existiam de alguma forma desde a Grécia Antiga ao período medieval,
contudo, foi somente com Carl Gustav Jung que tal teoria encontrou sua plenitude,
alcançando um sentido mais amplo, quando o mesmo diferenciou a atuação do
inconsciente de uma camada mais profunda, que chamou de Inconsciente Coletivo,
que são formas ou imagens de natureza coletiva que se manifestam praticamente em
todo o mundo como constituintes dos mitos e, ao mesmo tempo, como produtos
individuais de origem inconsciente, que influenciam toda nossa psique. 9 10
individuais
 Ao contrário da escola
escola freudiana,
freudiana, que afirma que os
os mitos estão profundamente
profundamente
11
enraizados dentro de um complexo do inconsciente (Complexo de Édipo, por
exemplo), para Jung, a origem atemporal dos mitos reside dentro de uma estrutura
formal do inconsciente coletivo. Torna-se assim uma diferença considerável para
Freud, que nunca reconheceu a autonomia congênita da mente e do inconsciente,
enquanto que, para Jung havia uma dimensão coletiva inata, com autonomia
energética.
 As ideias apresentadas por Jung foram o embasamento
embasamento científico que o
estudioso das Religiões e Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, precisava para
sustentar as similaridades existentes entre todas as religiões e mitologias da história.
Tal conceito chamado anteriormente de “Monomito” por
“Monomito”  por Jaymes Joyce ,foi esmiuçado 12

por Campbell, que mostrou o roteiro da manifestação arquetípica do herói


(personagem universal) que se encontrava representado em todo o mundo como um
arquétipo do Inconsciente Coletivo. 13 14
Com isso, inúmeras publicações de Joseph Campbell tomaram notoriedade,
especialmente a série de entrevistas “O Poder do Mito” 15. Muitos autores escreveram
estórias tendo por base tais teorias, em especial destacamos a saga “Star Wars” e
“Indiana Jones”,
Jones” , que tiveram a direção e roteiro de George Lucas, que publicamente
assumiu ser Campbell seu mentor pessoal e daqueles trabalhos em particular. 16

 Assim, será com base nas obras de Campbell e Jung o desenvolvimento


desenvolvimento deste
artigo, que visa comparar e reapresentar o simbolismo maçônico sob a ótica científica
da Psicologia Junguiana (Parte I) e da Ciência das Religiões, com ênfase na Jornada
do Herói (Parte II).
O método comparativo  –  –  apresentado neste artigo  – 
 –  proporciona uma visão
ampla entre duas matérias, transcendendo os limites impostos pela natureza de cada
uma. Esse cruzamento de matérias resulta num denominador comum entre ambas,

7
ROBERTS, J. M.: Freemasonry: Possibilities of a Neglected Topic. The English Historical Review, Vol. 84, 331, 1969;

 FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro, Imago, 1972;
9
Jung dizia que tomou o termo “Arquétipo
“Arquétipo””  é de fontes clássicas como Cícero, Plínio, Platão, Santo Agostinho e
principalmente na obra medieval “O Corpus
“O  Corpus Hermeticus”.
Hermeticus”. Foi
 Foi nos escritos da tradição hermética  – e
 – e posteriormente
alquimista –
alquimista  – que
 que Jung encontrou inúmeras
inúmeras referências antigas sobre os Arquétipos,
Arquétipos, como o citado Corpo Hermético,
Hermético,
onde Deus (Kether) é denominado por “Luz Arquetípica” e em Dionísio Areopagita
Areopagita onde encontramos diversas vezes o
termo “Os Arquétipos Imateriais”;
Imateriais” ;
10
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos., Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro, Imago, 1972;
11
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião, 11/1, A autonomia do inconsciente. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2011;
12
O termo “Monomito” é de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”;
13
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos, Chegando ao Inconsciente (pag.50).RJ, Nova Fronteira;
14
JUNG, C.G. Interpretação psicológica do Dogma da Trindade (pag.21) e (pag.45-46). RJ, Vozes;
15
CAMPBELL, Joseph. Coleção DVD, O Poder do mito com Bill
com Bill Moyers (1987). LogON Editora Multimídia;
16
Idem (1987);
3

como também, no crescimento investigativo, de natureza intelectual, para abeberar as


fontes de conhecimento, neste caso em questão, dos conhecimentos dispostos na
Sublime Instituição Maçônica.

PARTE I
ESTUDO E ANÁLISE COMPARATIVA DA
17
PSICOLOGIA JUNGUIANA COM O SIMBOLISMO MAÇÔNICO

O q u e éu m Sím b o lo ? 18
"Os símbolos são para a mente quais são os instrumentos as
mãos. - Uma aplicação alargada dos seus poderes."
Dion Fortune
Podemos definir os símbolos como metáforas e compêndios de um
conhecimento sensivelmente elevado , que em outras palavras são manifestações
19

exteriores dos arquétipos. Os arquétipos só podem se expressar através dos símbolos


em razão de se encontrarem profundamente escondidos no inconsciente coletivo sem
que o indivíduo os conheça ou possa vir a conhecer  . Dessa forma, em nosso nível
20

comum de existência, para compreendermos um elevado sentimento (como o


Inconsciente Coletivo e suas manifestações), necessitamos dos símbolos, que por
essa e outras causas são gestos existentes desde o início da humanidade. 21 22

Essas afirmações precedentes necessitam de um exemplo hipotético: O amor


da mãe para com seu filho jamais seria compreendido por palavras ou descrições
objetivas (números e letras). Outrossim, podemos ao invés de escrever sobre tal amor,
apenas lançar o “símbolo do coração”. Deste modo, mesmo que parcialmente, a noção
que teremos a respeito do amor de uma mãe para com seu filho, será muito mais
próxima do que as expressadas por meras palavras.
 A diferença crucial entre símbolo e arquétipo é que o primeiro pode ser visto e
em alguns casos também tocado e sentido, ao passo que o segundo pode ser apenas
sentido, e mesmo assim, somente por intermédio do primeiro. Portanto, para que haja
símbolos, deve antes haver arquétipos, pois aqueles são a manifestação destes em
menor escala  24. 23

Contrariamente a esta teoria junguiana ora apresentada, observamos na


psicanálise de Freud outra visão dos arquétipos, que se encontra centrada nos três
arquétipos relativos ao chamado “Complexo de Édipo”, que por suas características
peculiares, possui proximidades com a antropologia e com a linguística, tendo sido
ainda muito influenciado pelo renomado neurologista Jean-Martin Charcot, inobstante,
de outro modo, a visão que apresentamos neste artigo é a visão Junguiana, que
possui proximidades com os conceitos de Consciente Coletivo sustentados pelo
sociólogo francês Émile Durkheim, um dos pais da Sociologia Moderna, onde em sua
obra o define como o conjunto de crenças e sentimentos autônomos de uma
sociedade . Suas teorias também influenciaram Freud, mas com devido efeito,
25

acham-se proficuamente delineadas nas obras de Jung.

17
Publicado em: Revista Ciência e Maçonaria, Vol.1, N.1, 2013. Brasília, DF, Loja Maçônica Flor de Lótus, 2013;
18
O conceito de símbolo adotado nesta obra é o da Psicologia Junguiana, que difere do conceito semiótico de símbolo
instituído pelo suíço Ferdinand de Saussure, pai da linguística, bem como também difere parcialmente de certas
análises Psicanalíticas de Freud;
19
 CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Da Psicologia à metafísica. São Paulo, Pensamento, 2007;
20 
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
21
 CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, Parte I, A necessidade de ritos. São Paulo, Editora Ágora, 2008;
22
JUNG, Carl Gustav. Interpretação psicológica do Dogma da Trindade (pag.21). Rio de Janeiro, Vozes;
23
JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica, 18/1. Rio de Janeiro, Vozes, 2012;
24
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia, 12, (144-336). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2012;
25
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social, (pag.342). São Paulo, Martins Fontes, 2004;
4

 As mitologias e sentimentos se manifestam por meio de símbolos e gestos, e


de modo semelhante, a Maçonaria atua através da ritualística das suas iniciações e
instruções. Os símbolos e gestos  –  ou seja, a ritualística em si  –  atuam como um
botão automático que libera energia e assim, libera e desenvolve o Inconsciente
Pessoal de seus praticantes através do Mito trabalhado pelo grupo-cultura , 26

funcionando como um fator equilibrante na mente humana, semelhante aos efeitos dos
sonhos, a qual Jung define como: “são processos naturais que existem em paralelo ao
sistema orgânico e psicológico, a fim de propiciar mecanismos de compensação em
busca do equilíbrio físico e emocional do sujei to sonhador”. Isso também seria, de
forma relativa, uma excelente definição para a Ritualística Maçônica. Destarte, o
avanço instrutivo que a Maçonaria proporciona a seus adeptos é, além de consciente,
moral e esotérico, também um reforço psicológico, nos mostrando claramente a
magnitude e complexidade do processo iniciático desta Sublime Ordem.

O TEMPLO MAÇÔNICO E A PSIQUE HUMA NA


Uma nova análise do simbolismo do Templo Maçônico dos Ritos Latinos 27
“O homem é a medida de todas as coisas.” Protágoras
Os maçons são unanimes em dizer que o Templo 28 Maçônico é simbólico, e
como já vimos, o símbolo é muito mais do que mera ornamentação artística para
representar algo29. Importante aqui observar que o templo maçônico não é uma
“réplica” do Templo de Salomão 30, como muitos maçons insistem em fazer crer, mas,
em verdade tanto o templo como toda Mitologia Maçônica é simbolicamente inspirado
no Templo de Salomão e em outras poucas passagens bíblicas 31, mas contendo
muitas outras influências, de acordo com o Rito adotado 32. No caso do presente
estudo, refere-se a um templo do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Portanto, toda a ornamentação e divisão do templo não é fruto do acaso e do
achismo, a começar pela sala dos passos perdidos, mais adiante o átrio, a câmera ou
caverna de reflexões, e finalmente o templo em si. Todos estes compartimentos são
estágios de níveis de consciência há muito tempo utilizados para separar o Sagrado
do profano33.34
Nesse contexto, o ritual representa a passagem de um estado de consciência
para outro (do profano para o sagrado), e em última análise o templo com suas
divisões demonstram o estado de consciência a qual nos encontramos, neste caso, o
“Sagrado”. Desta forma, o templo em si representa um estado   intransponível de
pureza e santidade para seus membros. As funções-cargos expressas no ritual ou na
mitologia e as disposições do templo são personificações simbólicas das leis
psicológicas que atuam na psique 35 36, e isto é a base essencial da ritualística
maçônica e toda a sua mitologia37.

26
CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, Parte I, A necessidade de ritos. São Paulo, Editora Ágora, 2008;
27 
Por Ritos Latinos entende-se: REAA - Rito Escocês Antigo e Aceito; RER – Rito Escocês Retificado; Rito
 Adonhiramita e Rito Moderno.
28
O termo “templo maçônico” é comumente usado nos ritos maçônicos de origem latina. Os de origem anglo-saxônica
costumam chamar o local de reuniões de “Sala da Loja”.
29
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia, 12, Símbolos oníricos do processo de individuação. RJ, Ed. Vozes, 2012;
30
Muitos encontram semelhanças com o Parlamento Inglês (Câmara dos Comuns), mas, neste caso seriam somente
nos Ritos Anglo-saxões – Sala da Loja – e não nos Ritos Latinos que são o foco deste artigo.
31
Essa colocação é melhor observada na Parte II do presente artigo;
32 
 ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo, Universo dos Livros, 2012;
33
 A palavra vem do latim Profanum: Pro (diante de; fora do); Fanum (templo; lugar sagrado);
34
 VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem (pag.23-40). RJ, Editora Vozes, 2011;
35 
 MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. SP, Madras, 2010;
36 
 CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, O Ciclo Cosmogônico, O giro universal. São Paulo, Pensamento, 2007;
37
Por isso quando um maçom ocupa um cargo, o mesmo deve ser tratado (sempre) pelo título oficial que possui,
sendo sempre abordado pelo cargo que desempenha, pois, como dito, ele personifica a essencial-ritual em questão,
vindo a cumprir sua finalidade psicológica na dramatização mitológica e/ou ritualística;
5

Rituais ou simples gestos simbólicos identificam nossa consciência com o


campo essencial de ação 38. O soldado que retorna da guerra, ao passar pelo Arco do
Triunfo – Rito de passagem39  – acaba deixando a guerra para trás. Da mesma forma,
ao deixarmos para trás a sala dos passos perdidos e posteriormente o átrio, é sabido  –
consciente ou inconscientemente  –  de que estamos (ou estaremos) em um local
“ dedicado à virtude e consagrado para a prática do bem ” , o Templo Maçônico. Assim,
as salas que antecedem o templo, cumprem a função psicológica de devidamente
introduzir o adepto em um local – estado de consciência, para que o ritual cumpra seu
dever cognitivo de forma efetiva 40 41. Um excelente exemplo ritualístico disso, e
infelizmente é muitas vezes ignorado sabe-se lá porque, é a entrada ritualística dos
que chegaram após a cerimônia de abertura dos trabalhos ritualísticos. De acordo com
muitos rituais, há neste momento uma saudação ritualística  – e isso independente de
formalidade ou sem formalidade: a regra é saudar!  –  pois, como vimos acima, tais
gestos hão de identificar o consciente ou inconsciente com o campo de ação, haja
vista que o mesmo não ter sido devidamente introduzido no ritual, pela ritualística de
abertura dos trabalhos.
Em se tratando de Maçonaria, sempre encontraremos um significado instrutivo
de moral, esotérico e acrescento ainda, um significado também psicológico nos rituais.
Com efeito, essa psicologia na ritualística e símbolos maçônicos, são perfeitamente
sustentados, à medida que teorias e fundamentações como a Psicologia e a Ciência
das Religiões conseguem justificar os efeitos psicológicos da mitologia e das alegorias
primitivas e medievais. Saberiam nossos antepassados sobre psicologia para
encontrarmos tantas questões científicas em nossos rituais? Evidente que tais noções
 já eram conhecidas desde a antiguidade, contudo sem a devida organização e
proficiência que possuímos hoje. A Mitologia Maçônica foi analisada e estruturada
quando pesquisadores e eruditos  –  supracitados  –  desenvolveram métodos e
proposições psicológicas e sociológicas das mitologias e símbolos conhecidos desde
antiguidade, que por sua vez, encontram sua parcela de participação e inspiração nos
rituais maçônicos, mesmo que, em casos específicos utilizem um novo simbolismo.

Um estudo comparativo da estrutura da Personalidade e suas


co rresp on dências sim bólicas c om o Temp lo Maçônic o 

De acordo com a psicologia analítica de Carl G. Jung, a psique divide-se em


três níveis: A Consciência, o Inconsciente pessoal e o Inconsciente coletivo. 42
Conforme segue-se abaixo, tais divisões se conciliam em significados e funções com a
parte exterior e interior do templo maçônico (sala dos passos perdidos, átrio e o
templo), sendo que na parte interior, teremos uma correspondência particular com o
ocidente e oriente.

NÍVEL 1  – CONSCIÊNCIA43: Sala dos passos perdidos e o mundo profano


Sobre Consciência, Persona e etc.;
 A consciência é a única parte da psique a qual conhecemos direta e
objetivamente44, e nela tudo ocorre de forma racional e lógica. Da mesma forma, isso
também ocorre antes de adentrarmos ao templo, pois é na sala dos passos perdidos
que tudo ainda ocorre de forma desprovida de questões oníricas, sem sinais ou gestos

38
Portanto, entendemos porque em passagens ritualísticas específicas é exigido certos sinais e gestos pelo ritual;
39
O termo rito é empregado pelo autor da t eoria “Ritos de Passagem” com significado semelhante a “Ritual”;
40 
 VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem (pag.23-40). RJ, Editora Vozes, 2011;
41
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1 (pag.97-131). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978 
42 
 Hall, Calvin S. & Nordby, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana, A estrutura, dinâmica e desenvolvimento da
Personalidade (pag.24-83). São Paulo. Editora Cultrix, 2005;
43
Muitos autores o chamam de Consciência objetiva;
42
Idem (2005);
6

simbólicos, salvo detalhes excepcionais (não confundir com o Átrio que é uma
específica sala que antecede o templo).
O significado psicológico de Persona, para Jung, é aquela parte da
personalidade desenvolvida e usada em nossas interações mundanas (profanas),
nossa face externa consciente, nossa máscara social, como veículo não de nossa real
vontade, mas da nossa necessária aceitação 45 46.
 Assim que, nas iniciações maçônicas, o gesto dos candidatos serem despidos
de todos os metais, e iniciarem todos exatamente da mesma forma, significa que,
naquele momento, o indivíduo despe-se de suas personas. Esse desprendimento se
faz necessário visto que, conforme Jung, no nível do inconsciente pessoal  –  que
citaremos logo adiante  –  não há persona, a qual se manifesta apenas no nível
consciente. Se os irmãos observarem bem, o tratamento igualitário – tanto na iniciação
como nas reuniões ritualísticas  – fazem jus a presente comparação simbólica deste
esquema, conforme corroborado abaixo, todavia não ignoramos os outros significados
para com esse detalhe.
O crescimento psicológico ocorre, de acordo com Jung, quando alguém tenta
trazer o conteúdo-conhecimento do Inconsciente, para o nível Consciente, e
estabelecer uma relação entre a vida consciente e o nível arquetípico da existência
humana47 48, o homem que assim o fizer, haverá de reconhecer as origens dos
problemas no próprio inconsciente (em si mesmo), pois a pessoa que não torna
consciente suas limitações e defeitos, acaba por projetar nos outros tais percepções
negativas49. Fazendo o devido paralelo, o crescimento na senda maçônica somente
ocorre quando se aplica no chamado mundo profano o que se estuda e aprende no
mundo maçônico, que é neste quadro comparativo o referido inconsciente pessoal, e
assim tem-se a oportunidade de transformar o conhecimento adquirido em sabedoria.

OBSERVAÇÃO - ESTADO INTERMEDIÁRIO: 50 O Pré-consciente e o Átrio


Para Freud, a consciência humana também se subdividia em três níveis que
ele chamava de Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. O estado intermediário
entre a Consciência (já abordado no nível 1  – supra delineado) e o Inconsciente, era o
Pré-consciente, onde justamente por ser intermediário possuía a experiência de um
material perceptível (consciente) e um material latente 51.
Dessa forma, este plano  – Pré-consciente de Freud  – corresponde ao átrio do
templo maçônico, que apesar de ser uma extensão do templo, é também um
intermediário entre a sala dos passos perdidos e o templo. Nele ocorre o início da
ritualística (caráter onírico) que virá a ser efetivada no interior do templo. O átrio se
assemelha em correspondência com o pré-consciente, na medida em que ambos não
possuem uma natureza específica, o que por sua vez, ocorre nos níveis anterior e
posterior. Portanto, este estado intermediário (pré-consciente e átrio) contém uma
natureza dupla, que tem por missão introduzir o personagem no recinto onírico e
simbólico seguinte, bem como a desconexão com o mesmo no momento oportuno.

45 
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
46
HALL, Calvin S. & Nordby, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana, A estrutura, dinâmica e desenvolvimento da
Personalidade (pag.24-83). São Paulo. Editora Cultrix, 2005;
47 
 JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, O conceito de inconsciente coletivo, c) O método
de comprovação. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
48
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1 (pag.97-131). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
49
 HALL, Calvin S. & NORDBY, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana, A estrutura, dinâmica e desenvolvimento
da Personalidade (pag.24-83). São Paulo. Editora Cultrix, 2005;
50
 A Psicologia Analítica não trabalha com o conceito de Pré-consciente da Psicanálise. Todavia, visando um caráter
mais amplo, não poderíamos deixar de apresentar tal conceito à comparação que estabelecemos neste artigo, para
perpetrarmos o caráter investigativo, abrangente, didático e principalmente comparativo.
51
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro, Imago, 1972;
7

NÍVEL 2  – O INCONSCIENTE PESSOAL 52: O Templo Maçônico53


Sobre Inconsciente Pessoal, Sonhos, Anima/Animus e etc.;
Todas as experiências que temos, sendo que algumas são esquecidas, mas
que todavia não deixam de existir, são antes armazenadas e trabalhadas no
inconsciente pessoal. É nesse nível que ocorrem os sonhos e toda a projeção quando
estamos dormindo, e como sabemos, tais eventos oníricos são dotados de
acontecimentos surreais e ilógicos perante a nossa realidade objetiva 54, visto que
conceitos de “Tempo e Espaço” são fatores produzidos pelo nível Consciente. 55 56
 Assim o Inconsciente Pessoal encontra correspondência simbólica com o
interior ocidental do templo maçônico, onde a ritualística já alcança a totalidade dos
trabalhos, e estes retratam bem o estado fictício e mítico da Mitologia Maçônica
(drama maçônico), estado este que  –  paralelamente  –  também é encontrado nos
sonhos dotados de sentidos simbólicos e abstratos, onde tanto no estado onírico como
na ritualística, para-se ir do oriente ao ocidente, basta-nos dar alguns passos, e do
amanhecer ao pôr do sol, bastam-se alguns minutos, o que ocorre semelhantemente
aos nossos sonhos, onde no nível do Inconsciente Pessoal não há uma limitação
objetiva, da mesma forma o simbolismo da ritualística não possui um senso lógico,
pois, sua linguagem é figurada 57. Outra coincidência, não acha?
 Assim como o ritual maçônico não é literal os sonhos também não são, e
ambos transmitem instruções morais através de seus simbolismos que, como
observado por Jung, o crescimento e amadurecimento moral também é uma finalidade
dos sonhos58. Destarte, em ambos os casos perde-se o efeito do lógico e racional 59,
para com isso, trabalhar o simbólico e onírico 60. Sendo assim, interpretar o ritual
maçônico somente de forma literal é um erro lastimável, ao passo que o sonho,
inexoravelmente, também deve ser interpretado de forma não literal 61.
Os conceitos de Anima e Animus foram talvez as duas mais importantes
descobertas de Jung. Ambos são aspectos inconscientes de um indivíduo. O
inconsciente do homem encontra ressonância com o arquétipo feminino, chamado de
 Anima, enquanto que a mulher associa-se com o arquétipo masculino, chamado de
 Animus62. Cabe notar que quando se fala de masculino e feminino, em se tratando de
 Animus e Anima, está se referindo às expressões e características, e não algo literal 63
64
, pois, como supramencionado, o inconsciente reside em um nível atemporal,
inteiramente psicológico, portanto não material.

52
Outras correntes chamam de “Consciência subjetiva” em contraponto à Consciência Objetiva citada no nível 1;
53
 Abordagem ocidental-oeste do Templo Maçônico;
54
 JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos, Chegando ao Inconsciente. RJ, Editora Nova Fronteira;
55
Quando entramos numa crescente concentração decorrente de uma atividade consciente, a ordem natural das
coisas é adentrarmos sutilmente no Pré-consciente ou Inconsciente pessoal, de modo não profundo, mas
estabelecermos um estado intermediário diante da vigília. O que ocorre com isso é esquecermos as horas e dimensões
sensoriais (passam-se minutos e horas, contudo não nos damos conta, ou supomos ter passado poucos minutos).
Razão mor de necessariamente fazermos um relaxamento antes de adentrarmos ao Templo e dar início aos trabalhos.
56
JUNG, Carl Gustav. Sincronicidade 8/3 (pag.28,29 e 122, 123). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2013;
57
Idem (2013);
58 
JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica, 18/1. Rio de Janeiro, Vozes, 2012;
59
Ou seja: Consciente, Sala dos Passos Perdidos, Mundo Profano;
60
 Ou seja: Inconsciente, Ritualística/Templo Maçônico, Mundo Real, Símbolos;
61
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia, 12, Símbolos oníricos do processo de individuação – 2.Os sonhos iniciais
(pag.58). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2012;
62
 O casamento entre a parte Inconsciente (Anima ou Animus) com o Indivíduo, ou seja, no reconhecimento interior
destas particularidades da Psique, ocorre o chamado “Casamento Alquímico” dos filósofos alquimistas. Jung sinaliza
essa união nas diversas alegorias alquímicas e outros textos filosóficos. Segundo ele, o casamento ou paixão a
primeira vista, e inúmeras ocorrências mundanas, seriam reflexões que estaríamos encontrando essa nossa
contraparte Inconsciente (Anima ou Animus), podendo os “divórcios” trazerem graves consequências psicológicas. –
Observação complementar na Parte II;
63
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, Conceitos de anima (pag.63). RJ, Vozes, 2011;
64
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião, 11/1, A autonomia do inconsciente. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2011;
8

 A Anima manifesta-se na psique de forma emocional, passiva e intuitiva, por


outro lado, o Animus manifesta-se de forma racional, ativa e objetiva. Jung costuma
relacionar Anima ao deus grego Eros, o deus do Amor, ao passo que Animus era
relacionado com o termo Logos, que em grego significa verbo, razão 65. No templo
maçônico tal equilíbrio dual é conhecido pelas duas colunas B e J. Sendo que na
coluna B, tomam assento os Aprendizes Maçons, os quais são inteiramente instruídos
sobre a educação moral, espiritualidade e ética maçônica, conceitos perfeitamente
associados ao arquétipo de Anima. E na coluna J tomam assentos os Companheiros
Maçons, que ao contrário dos aprendizes, possuem suas instruções voltadas para arte
da ciência, também conhecida como artes liberais, bem como para o conhecimento
esotérico, que são características de Animus. Ao oriente vemos o sol e a lua, que são
símbolos do Animus e da Anima 66. Se não bastassem as discussões para o tão
debatido tema se as colunas (Boaz e Jakin) são dentro ou fora do templo, este
argumento acresce, aos outros mais 67, no sentido delas serem dentro do templo, por
correspondências simbólicas e psicológicas descritas.
Desta forma, neste contexto, Boaz e Jakin, representam Anima e Animus68, e a
consecução entre ambas colunas representa o Casamento Alquímico, a totalidade do
ser, ou seja, o Equilíbrio Perfeito, o Mestre 69. Aquele que caminha com tal união, anda
pelo Caminho do meio (Mestre Maçom) 70. Por fim, vê-se que as duas colunas
separam o ocidente em dois lados, e ambas norteiam para os respectivos estudos
aqueles que estão sob o seu direcionamento, semelhantemente o que ocorre com
nosso Inconsciente.

NÍVEL 3  – INCONSCIENTE COLETIVO71: Sólio do Oriente


Sobre Inconsciente Coletivo, Arquétipos e etc.;
Teoria proposta pela Psicologia Analítica, ele difere do Inconsciente Pessoal,
visto que não se trata de experiências individuais, mas como o nome sugere, são
experiências coletivas. Ele é um reservatório de imagens, chamadas de imagens
arquetípicas, tais imagens e concepções são herdadas pelo homem de forma
inconsciente através do Inconsciente pessoal. O Inconsciente coletivo estimula no
homem/humanidade um comportamento padrão pré-formado, que este seguirá desde
o nascimento72 73. Assim recebemos a forma do mundo em uma imagem virtual. Tal
imagem transforma-se em realidade consciente quando durante a vida identificamos
os objetos a ela correspondentes 74, da mesma forma recebemos do inconsciente a
impressão da contraparte Anima (no caso dos homens), enquanto crianças a
identificamos com nossas mães (ou pessoas que nos criaram que possuam
características de Anima), mais adiante em nossas vidas, tal impressão se converte na
companheira-mulher a qual nos casamos.
Os conteúdos do Inconsciente coletivo são denominados de “arquétipos”. Tal
termo significa um modelo original que conforma outras coisas do mesmo tipo,
semelhante ao termo “protótipo”. Tanto o Inconsciente coletivo como o arquétipo se
confundem com aquilo que chamamos nas ordens iniciáticas e meios espiritualistas de

65
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
66
Na Parte II, Jornada do Herói e a Maçonaria, acresceremos um outro conceito de Anima;
67 
ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo, Universo dos Livros, 2012;
68 
Muitas alegorias de “Dualidade”, nada mais são que representações de Anima/Animus;
69
Encontra-se um complemento na Parte II, em “Provação difícil ou traumática, O encontro com a Deusa.”
70 
 CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, Terceira parte, O Self como Herói. São Paulo, Editora Ágora, 2008;
71
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
72
Informação substancial para a interpretação mitológica da Jornada do Herói - Conforme Parte II deste artigo;
73
Não podemos confundir esse direcionamento Psicológico com decisões conscientes, a qual necessitamos para uma
vida consciente (cotidiana);
74 
 JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, O conceito de inconsciente coletivo. RJ, Vozes, 2011;
9

“Egrégora”, e a principal base científica que sustenta este presente artigo, é sem
sombra de dúvida o conceito de Inconsciente coletivo 75.
Jung acreditava que tanto a experiência quanto a prática religiosa eram
fenômenos que tinham sua fonte, interna e externa, no inconsciente coletivo 76
(conhecido esotericamente por “Egrégora”). O céu, o inferno, a era mitológica, o jardim
do éden, o olimpo, bem como as outras moradas dos deuses, são interpretados pela
psicanálise como símbolos do Inconsciente 77, e se enquadram ao simbolismo do
dossel e do sólio no Oriente, localizado a sete degraus acima do nível onde se
encontram os Aprendizes, Companheiros e Mestres, onde se encontra o chamado
Trono de Salomão e que possui estampado o olho que tudo vê no Rito Escocês Antigo
e Aceito.
 Assim como o Inconsciente coletivo dispõe da pré-formação psíquica da
78
psique , o direcionamento ou pré-formação dos trabalhos vem do Oriente da Loja,
além de que as informações históricas da Loja, presentes na carta constitutiva,
também se localizam na região do sólio, bem como os registros de todas as reuniões
ficam junto ao secretário (que normalmente toma assento no oriente).

OS EFEITOS E SINA IS INCO NSCIEN TES DA R ITUA LÍSTICA M A ÇÔNICA

"O que é real? Como você define o "real"? Se você está falando sobre
o que você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode
saborear e ver, o real são simplesmente sinais elétricos interpretados
 pelo seu cérebro." Morpheus - Matrix
 A ritualística se não estudada e compreendida, se torna pura fantasia e
ilusão! Todo aparato do ritual é ilusão! Todas as roupagens simbólicas
nos servem para nortear nossa Vontade, Inspiração e Imaginação.

Os rituais praticados e todas as suas repetições centram o indivíduo dentro dos


propósitos do mito, pois o ritual é a simples representação do mito. Ao participar de um
ritual, vivencia-se da sua mitologia. Assim, tais gestos e movimentos transcendem os
adeptos79, razão maior, a título de exemplo, de se vivenciar a iniciação dos quatro
elementos ou o mito de Hiram Abiff. Tornar-se Mestre Maçom é o mesmo que Jung
chamava de processo de individuação para realização do Si-mesmo 80, conceito este
que explanaremos melhor na Parte II deste estudo.
Quanto à ritualística e seu potencial psicológico, transcrevo abaixo ad
 probationem uma citação da obra “Os arquétipos e o inconsciente coletivo”, de Carl
Gustav Jung, onde o mesmo discorre sobre as formas de simbolicamente podermos
atuar no Inconsciente pessoal do indivíduo:
“ Outra forma de transformação é alcançada através de um ritual usado
 para este fim. Em vez de se vivenciar a experiência de transformação
mediante uma participação [vivência natural], o ritual é
intencionalmente usado para produzir tal transformação. (...) Se recebe
um novo nome e uma nova alma, ou ainda passa-se por uma morte
figurada, transformando-se em um ser semidivino, com um novo
caráter e um destino metafísico transformado” . (CARL GUSTAV JUNG,
2011, p. 231;) 81 [colchete nosso ] 

75
 Idem (2011);
76
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião, 11/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2011;
77 
 FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro, Imago, 1972;
78 
 JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, O conceito de inconsciente coletivo. RJ, Vozes, 2011;
79
 CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, Introdução. São Paulo, Editora Ágora, 2008;
80 
MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. SP, Madras, 2010;
81
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, Sobre o Renascimento, 2.f-g-h [231] (Procedimento
e Transformações). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
10

Desta forma, o indivíduo que vivencia o ritual, as iniciações, elevações e


exaltações, acaba por se transformar, seja pelas convicções conscientes, também
ocasionadas pelo sistema mnemônico da ritualística, ou pela influência do
inconsciente que recebe todos os sinais enviados pela mitologia através do ritual 82.
Os maçons devem, portanto, realizar reflexões da simbologia maçônica. Ao
executar um ritual de alto valor cultural, com gestos e passagens incomuns à
sociedade, o qual, sob um olhar cético e profano, pode ser considerado como infantil e
ingênuo, deve o maçom analisar tais movimentos a nível psicológico, onde reside sua
maior força e resultado. Ademais, abordar o ritual maçônico ou qualquer outro ritual
sem um entendimento psicológico e simbólico do seu significado, é de fato como ver
animais nas nuvens, ou seja, um exercício de pura vontade e imaginação 83.
Para o primitivo não bastava ver o Sol nascer e declinar. Esta observação
exterior correspondia a um acontecimento anímico, isto é, o Sol representava em sua
trajetória o destino de um Deus. Todos os acontecimentos mitologizados da natureza,
tais como o verão, inverno, amanhecer, meio dia e por do sol, as fases da lua, as
estações juntamente com norte, sul, leste e oeste, não são alegorias destas
experiências objetivas, mas sim, expressões simbólicas do drama interno e
inconsciente do homem que a consciência humana consegue apreender através da
dramatização84, o que efetivamente encontramos nos rituais maçônicos.
Conhecendo a antropologia das sociedades primitivas, Jung comparou a vida
com a trajetória do sol em um dia. A primeira parte é para cima, do nascimento para a
sociedade, semelhante ao amanhecer do sol. A segunda parte é para baixo, da
participação no mundo e na sociedade para a morte, semelhante ao meio dia. E,
enquanto o desafio da primeira metade da vida era a própria vida, o desafio da
segunda metade é a morte, e todos os símbolos trocam de significado, semelhante ao
anoitecer 85 86.
Outro detalhe ritualístico curioso relativo ao sol é a circulação em sentido
horário, também chamada de dextrocentrica. Uma prática tão antiga quanto a
Maçonaria. Os gregos e romanos tinham o lado direito como favorável, visto que este,
de forma geral, favorece mais seu dono do que o esquerdo. Relacionaram tal
procedimento ao aparente movimento que o Sol faz diariamente em torno da Terra.
 Assim, essas civilizações, tendo sempre o aparente movimento do Sol como
referência, adotavam a circulação em sentido horário, tendo altares, fogueiras, totens
ou sacrifícios como eixo de seus templos87.
Na obra “O símbolo de transformação  da Missa 11/3”, Jung desmistifica os
diversos rituais imbuídos de liturgias e simbolismos. A exemplo à própria circulação
em sentido horário, que neste caso otimiza e direciona os trabalhos para o Consciente,
enquanto que, a circulação no sentido anti-horário assim o faz direcionado para o
Inconsciente.88 Como se sabe a circulação ritualística varia conforme o rito maçônico
adotado, e em alguns casos, encontramos duas circulações diferentes dentro do
próprio Templo Maçônico. Analisando as questões simbólicas e psicológicas
destacadas acima, notamos a diferença crucial que existe nos movimentos ritualísticos
e uma das razões  –  eu suponho  –  de se praticar esses detalhes ritualísticos que
tornam do ritual algo incomum a outras práticas e cerimônias profanas, e que
encontram uma sólida justificativa nesse argumento psicológico.

82 
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1978;
83
Também podemos admirar os “animais nas nuvens” ou qualquer outro exercício de fantasia, e deles retirarmos
parábolas instrutivas de moral e bons costumes, no caso dos nossos rituais queremos, justamente, dizer que eles
transcendem tais questões morais e éticas, sendo imbuídos de outros valores além dos descritos nos próprios rituais;
84 
  JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1, Sobre os arquétipos do Inconsciente Coletivo
(pag.14). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
85 
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1 (pag.86-91). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
86
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos, Chegando ao Inconsciente. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira.
87 
 ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo, Universo dos Livros, 2012;
88
JUNG, Carl Gustav. O símbolo da transformação na missa 11/3, (pag.22). Rio de Janeiro, Vozes, 2011;
11

Os efeitos e significados psicológicos do “Sol” descritos por Jung, encontram


ressonância, dentre outras coisas, quando comparamos o trajeto do sol com os graus
simbólicos 89, bem como, com a ritualística de abertura e encerramento dos trabalhos
ritualísticos.
 A função psicológica da ritualística é a de restaurar um equilíbrio psicológico,
por meio do sistema moral e alegórico  – bem como psicológico – proposto pela cultura
em questão90, de modo a produzir um material onírico no inconsciente de seus
membros, que terão um amadurecimento progressivo, tanto a nível objetivo e moral,
como subjetivo e inconsciente. Desta forma o conhecimento da Maçonaria retrata um
estudo do inconsciente, tanto do Inconsciente Pessoal através dos efeitos diretos da
ritualística, como do Inconsciente Coletivo através do estudo da Mitologia Maçônica.
Curioso notar a antropologia das sociedades, que nos mostra que os rituais
tribais de iniciação (e outros por equiparação) dá-se ao candidato um novo nome 91, e o
classifica dentro do grupo em seu grau correspondente, bem como ele ganha ainda
uma idade fictícia, que desempenha um papel simbólico do seu posto, e recebe uma
marca, que nos tempos atuais figura como simbólica, e no final, tudo isso distingue o
iniciado dos não iniciados – qualquer semelhança com prática ritualística não é acaso!
No Rito Escocês encontramos estes mesmos e outros atos ritualísticos. Seja física ou
simbólica estas representações operam igualmente no inconsciente 92. Estudos
antropológicos nos mostram até que ponto encontramos embasamento para tais
práticas simbólicas encontradas na Maçonaria.
 A prática de diferentes termos linguísticos também é usada para separar o
sagrado do profano 93. Este exemplo é um dos diferenciais da ritualística maçônica,
onde uma linguagem própria e coloquial é adotada, inúmeros são os exemplos disso.
Em resumo, conclui-se que a ritualística, assim como o sonho, é o mito
personalizado, e o mito é a ritualística despersonalizada. A mitologia e a ritualística,
em síntese, simbolizam e expressão a dinâmica da psique 94. O ritual possui inúmeros
níveis de atuação simultaneamente. O que ocorre de simbólico no plano consciente  –
e erroneamente deduzido de teatro ou faz de conta  –  está ocorrendo real e
efetivamente em outros níveis, como por exemplo, no inconsciente pessoal do
praticante e/ou dos maçons.95
Estudar a ritualística a nível puramente moral, em nada difere de especial às
práticas educativas e imaginativas do RPG  –  Role-playing game, ou como antes
sugerido, imaginar animais nas nuvens, num exercício de vontade e imaginação, pois,
em quaisquer destes exemplos conseguiremos um amadurecimento moral e educativo
dentre outras coisas. A nossa proposta é uma análise além das fronteiras objetivas da
ritualística, uma visão que permita entender o porquê da execução de certos gestos e
passagens simbólicas. Por sua vez, esta é uma semelhante posição de estudiosos de
Mitologia, Religiões e Culturas Comparadas que perceberam um valor peculiar e
transcendental nos mitos e culturas existentes.
Por derradeiro, podemos nos esforçar em saber todos os procedimentos
ritualísticos, entretanto, se procedermos um ritual sem estudar seus símbolos e efeitos
psicológicos, seremos como robôs que obedecem o comando de um computador.

89 
 Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom;
90 
 JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos, Chegando ao Inconsciente (pag.50). RJ, Editora Nova Fronteira;
91 
Ne-varietur;
92
VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem, Passagem material – Os ritos de iniciação. RJ, Editora Vozes, 2011;
85 
 Idem (2011);
94 
 CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Prólogo (pag.27). São Paulo, Pensamento, 2007;
95
 A Iniciação Maçônica contém elementos psicológicos imprescindíveis para introduzir o profano no contexto cultural
[psicológico] maçônico. Caso contrário haveria uma dissidência de entendimento inconsciente.
12

PARTE II
A JORNADA ARQUETÍPICA DO HERÓI NA MITOLOGIA MAÇÔNICA
Jornada do herói X Iniciação Maçônica
96 
“Em muitos povos o sol representa a experiência de vida do homem”  C.G. Jung
Havendo demonstrado a estrutura psicológica da Mitologia Maçônica na parte I
 – por associação e equiparação, veremos a seguir os princípios da jornada arquetípica
do Herói, bem como projetaremos uma análise dos conceitos científicos da Ciência
das Religiões e da matéria de Religiões, Mitologias e Culturas Comparadas. E com
isso adaptaremos então, a Jornada à Iniciação Maçônica, de forma que o artigo não
tire a interpretação pessoal do grau de Companheiro e Mestre Maçom que
complementam o roteiro da Jornada do Herói.
O intitulado “Herói” 97  na análise psicológica da sua manifestação, pode ser
compreendido como um arquétipo dentro da psique coletiva 98. Para reforçar tal teoria,
Jung indica sua representação nas mais conhecidas culturas e religiões ao redor da
terra99, e nós também poderemos encontra-lo em filosofias como a Maçonaria.
O encontramos essencialmente nas histórias de Atum, Osíris e Hórus do
 Antigo Egito; de Marduk, dos Mistérios Sumerianos; de Apolo, Febo, Héracles,
Dionísio e Orfeu, da Mitologia Greco-Romana; de Krishna, da Religião Hinduísta; de
Baldur, dos Mistérios Nórdicos; de Amaterasu, na religião Xintoísta; de Oxalá, Oxalufã,
e Oxaguiã, das Religiões Afro-brasileiras; do Rei Arthur, Galahad e Persival, na
história do Santo Graal; na verídica história de Jacques DeMolay, nos Medievais
Cavaleiros Templários; em Cristian Rosenkreuz, nas Núpcias Alquímicas da Tradição
Rosacruz (Manifestos); em outros contos como Branca de Neve e o Mágico de Oz; em
vários heróis cinematográficos, como Luke Skywalker, Indiana Jones, James Bond,
Superman, Harry Potter, Frodo Bolseiro, e além é claro, de Jesus o Cristo, da Religião
Cristã100. Em todas estas histórias, encontram-se exatas e nítidas similaridades que
podem ser compreendidas pelo conceito do Inconsciente Coletivo. Por fim, na
Mitologia Maçônica tem-se a lenda de Hiram Abiff, mito esse exclusivo da
Maçonaria 101.
Embora a Mitologia Maçônica utilize do contexto contido no Antigo Testamento,
pouco se tem no mito de conteúdo especificamente bíblico, haja vista que o enredo
principal é composto por mitos elaborados. Malgrado, muitos são os maçons que
insistem em fundamentar a maçonaria na bíblia, ou, pior ainda, fundamentar a história
pela Maçonaria 102. O maior exemplo de elaboração mítica na Maçonaria é a de Hiram
 Abiff. Não há, logicamente, registros históricos de tais eventos, e interpretá-los no
sentido literal é um erro crasso, pois mitos devem ser interpretados, como já dito, de
forma simbólica e não literal . 103 104

Conforme descreve o célebre maçom, Arthur Edward Waite, em sua


Enciclopédia Maçônica 105:
“A lenda do mestre constru tor é a grande alegoria maçônica. Sucede
que essa história figurativa baseia-se num personagem mencionado

NR.: Publicado em: Revista Fraternitas in Praxis, Vol.01, N.01, Rio de Janeiro, RJ, 2013;
96
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira;
97
Quando empregarmos o termo “Herói” estaremos nos referindo ao Herói Mitológico;
98
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
99
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo, 9/1. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2011;
100 
DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo, Daemon Editora, 2008;
101
STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. SP, Pensamento, 2011;
102
ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012;
103
 CAMPBELL, Joseph. Isto és Tu, Metáfora e mistério religioso (pag.15-25). SP, Landy Editora, 2002;
104
CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, Segunda parte, O mito pessoal. SP, Ed. Ágora, 2008;
105
WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of Freemasonry, 2 vols. (London: William Rider and Son Limited, 1921;
13

nas sagradas escrituras, mas o pano de fundo histórico é acidental e


não essencial, assim o importante é a alegoria e não um ponto
histórico qualquer que esteja por trás dela” (WAITE, A. E., A New
Encyclopedia of Freemasonry, 2 vols - pag.267. London: William
Rider and Son Limited, 1921);
Mark Stavish corrobora sobre tal elaboração:  106
“A maior parte do ritual é composto por mitos elaborados, cuja
finalidade é um valor moral, ético e espiritual, mas não intelectual (..).”
O fato de interpretar os mitos como fatos, mesmo estes sendo ambientados
num período de difícil documentação (como é período dito “bíblico”)   é um evento
normal em muitas sociedades, sendo inclusive atual. Passam a viver em nome do mito
e não mais compreendem o recado da mitologia e com isso tudo passa a ser literal,
semelhante às outras demonstrações sugeridas na parte I, ao passo que aqueles que
vivem em nome da transcendência da alegoria, como por ora propomos,
compreendem a verdade do mito e tornam-se verdadeiros Mestres 107.
Mito não é o mesmo que história, pois, ele deve tão somente, fazer o indivíduo
atravessar as etapas da vida, do nascimento à maturidade, depois a senilidade e a
morte, a grande questão reside nessa chave de interpretação não literal, mas,
simbólica e transcendente.108

O Monomito ou a Jornada do Herói


 Assim como a psique humana é dividida em três partes pela Psicologia Analítica 109, a
Jornada do Herói também o é, podendo ser classificada como: a) Separação ou
Partida; b) Iniciação ou Provas e Vitórias; e c) O retorno 110. Esse ternário constitui a
base essencial do mito, bem como dos Rituais de Passagem . No que concerne a 111

Iniciação Maçônica, essa pode perfeitamente ser enquadrada neste postulado ternário,
como o estudo demonstrará abaixo, sendo a última fase  – 3. O retorno – devidamente
completada no grau de Mestre Maçom e Maçom do Real Arco.
Como já esclarecemos a teoria da Jornada do Herói teve por base a ideia do
Monomito difundida por James Joyce, vindo a ser aperfeiçoada por Campbell pela
associação com o conceito freudiano de forças do Inconsciente, e alcançando seu
pleno embasamento científico com a psicologia analítica ou arquetípica de Carl Gustav
Jung, que propõe o conceito psicológico de  Arquétipos e Inconsciente Coletivo. A
estruturação dos Ritos de Passagem pelo antropólogo Arnold Van Guennep
possibilitou a análise das diferentes fases da aventura do herói, bem como as diversas
manifestações do mesmo nas sociedades tribais 112.
Para tanto, será apresentada a constituição básica da Jornada do Herói, seus
significados psicológicos e antropológicos, que estão presentes em formas disfarçadas
nos contos e mitos, além é claro, de exemplificar o contexto maçônico da mitologia,
ideia central deste artigo.
Os principais objetivos da missão do Herói são, atingir a liberdade plena,
compaixão pela humanidade, ou ainda um casamento místico e espiritual. O processo
que leva a tais consecuções, e que suscintamente, retrata a repetida Jornada
 Arquetípica, foi chamado por Jung de “processo de Individuação”. Quando há uma
harmonia entre o consciente e o inconsciente, havendo uma contínua relação

106
STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. SP, Pensamento, 2011;
107
CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, A necessidade de ritos. SP, Ed. Ágora, 2008;
108
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, As chaves (pág.241-247). São Paulo, Pensamento, 2007;
109
Parte I - Análise comparativa da estrutura da Personalidade e suas correspondências simbólicas com o Templo;
110
Idem, Prólogo, (2007);
111
VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem. Classificação dos Ritos. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2011;
112
Idem (2011);
14

funcional  –  em outras palavras, quando deliberadamente a prática maçônica


(Inconsciente) toma praticidade no mundo profano 113 (Consciente) –, há uma sucessão
de experiências únicas, que levam a um alto estado de percepção, liberdade e
amadurecimento, tornando-se, segundo Jung, “um consigo mesmo”114. Isto é, portanto
encontrar sua própria individualidade, estar livre de influências exteriores, ou como
outros o definem atingir a “Verdadeira Vontade”, vontade livre de influências exteriores
(profanas, mundanas, dos outros), por isso vontade verdadeira.

1. Partida ou Separação
O chamado da aventura
“... Eu o proponho, na devida forma, um candidato apropriado para os
mistérios da Maçonaria. Eu o recomendo, como digno de compartilhar
 privilégios da Fraternidade, e, em consequência de uma declaração de
suas intenções, feita de forma voluntária e devidamente atestada, eu
acredito que ele seguirá estritamente em conformidade com as regras
da Ordem.” Illustrations of Masonry, WILLIAM PRESTON, 1867, p.26.
 A primeira tarefa do herói é retirar-se da cena mundana, do mundo profano nas
alegorias e contos, e iniciar uma jornada – que desmistificada trata-se de uma imersão
nas regiões causais da psique onde residem efetivamente as reais dificuldades 115  – a
fim de transpor os obstáculos, tornar consciente as dificuldades, e por fim superá-los
em benefício próprio ou coletivo 116.
Normalmente um problema se apresenta diante do herói mitológico, a fim de
convocá-lo a cumprir seu destino, mas também poderá ocorrer outros fatores para o
seu próprio crescimento, como curiosidade, sonhos, desejos e etc. Deste modo,
conforme o procedimento maçônico padrão 117, o candidato é geralmente convidado a
iniciar na Sublime Ordem. O convite parte do chamado no meio maçônico de padrinho,
o qual figura a função de arauto.
113
 A palavra vem do latim Profanum: Pro (diante de; fora do); Fanum (templo; lugar sagrado);
114
Tal afirmação de Jung é apenas uma adaptação da sentença grega: “Conheça-te a ti mesmo...”.
115
Como demonstrado na parte I, o único lugar onde de fato existem problemas e sofrimentos é no inconsciente, a
qual devemos reconhecer e erradica-los em favor de nós mesmos. Eis a eterna e difícil tarefa que temos.
116
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, O Monomito (pág.27). São Paulo, Pensamento, 2007;
117
 PRESTON, William. Illustrations of Masonry. New York: Masonic Publishing and Manufacturing Co., 1867;
15

Na aceitação do convite reside este estágio do “chamado da aventura” , que, 118

em outras palavras, o padrinho figura como um sinal enviado pelo inconsciente (a qual
 já falamos é o Templo Maçônico  –  Reunião Ritualística). O candidato que recebe o
convite-chamado é a consciência objetiva (simbolicamente o exterior do Templo
Maçônico – Mundo Profano). Em termos reais, isso nada mais é que, um sonho, a qual
como demonstramos, é um fator equilibrante do nosso Inconsciente, para,
devidamente direcionar o Consciente, a fim de alcançarmos o equilíbrio. Com o devido
paralelo que fizemos na parte I, acha-se dramatizado tal comunicação Inconsciente
Pessoal X Consciente, nesta referida passagem na Mitologia Maçônica.
 A associação dos estágios da Jornada do Herói para com os mitos não devem
ser literais, pois, cada mito possuí um conotação cultural que lhe é peculiar, obtendo
variações de um lugar para o outro. Desta forma, o que devemos observar é o
simbolismo essencial e arquetípico de cada estágio da jornada, como forma de
adaptação e posterior compreensão do contexto. Assim é evidente que a história de
um Herói (Buda, Jesus e Hiram) são literalmente diferentes – apesar das coincidências
significativas – mas o simbolismo arquetípico de suas manifestações no desenrolar da
história são notoriamente semelhantes.

A recusa do chamado
“...Tente! E não diga que a vitória está perdida, Se é de batalhas que
se vive a vida, Vá, Tente outra vez!” Raul Seixas
Sempre encontramos tanto na vida real como nos contos mitológicos, o
dramático caso do chamado que não obtém resposta, havendo, pois, o desvio da
atenção para outros vis interesses. A recusa à convocação acaba por aprisionar o
herói mitológico, seja pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela ignorância. A recusa é uma
negação à atitude de renunciar àquilo que a pessoa  –  o inconsciente  –  considera
interesse próprio 119, mesmo que sua mente consciente ainda não saiba, e tal recusa
caracteriza-se, cumulativamente, pela identificação da persona 120  com seu ego121 o
que acarretaria no conceito psicológico de Inflação 122. Por essa e outras razões
sempre encontramos uma manifestação de egoísmo no estágio da “recusa do
chamado”. Há casos onde não aceitam convites e iniciações por egoísmo, ou mesmo
largam e abandonam a maçonaria também por egoísmo.
 A esposa de Ló, tornou-se uma estátua de sal por ter olhado para trás e
desobedecido a instrução, e devido a forte emoção que caiu diretamente em Ló, tal
evento tornar-se-ia uma “recusa do chamado”, pois poderia diretamente ter rompido
com a jornada. 123
 A recusa do chamado na maioria das vezes é representada pelo medo em
suas várias manifestações, sendo que tal evento promove um olhar ou mesmo um
voltar-se para trás de forma a não prosseguir. Ocorre de modo semelhante como
“recusa do chamado” na jornada maçônica, qu ando por algumas vezes o medo do
desconhecido ou oculto impede os candidatos de iniciarem, outras vezes a própria
cultura de certas sociedades tratam de cumprir esta f unção.

118
 CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, A Aventura do Herói (pág.66). São Paulo, Pensamento, 2007;
119
Idem, Prólogo (pág.72). 2007;
120
Em grego significa “máscara”. A psicologia analítica define Persona como parte da personalidade desenvolvida e
usada em nossas interações, ela é nossa face externa consciente, uma máscara social que usamos para dar forma ou
força à imagem exterior que as pessoas tem ou a qual achamos que possuímos. Jung enxergava a Persona como um
mediador entre o mundo externo e o eu, voltando-se para a materialidade da vida consciente, enquanto Anima-Animus
também é um mediador, mas do eu para o inconsciente, voltado para a subjetividade da vida inconsciente;
121
Na visão de Jung, Ego é o nome dado à organização da mente consciente, constituindo-se de percepções
conscientes, de recordações, pensamentos e sentimentos. A menos que o Ego reconheça tais percepções elas não
chegariam a nossa consciência. Tais reconhecimentos do Ego são estabelecidos pela função dominante de cada
pessoa (sensibilidade, objetividade e etc). Uma forte experiência pode forçar entrada pelo ego ocasionando graves
consequências (traumas). O Ego passa a falsa ideia de que ele é, essencialmente, nossa inteira consciência, ou
melhor, nossa Psique como um todo. (HALL; NORDBY, 2010)
122
HALL, Calvin S. & Nordby, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana. São Paulo. Editora Cultrix, 2005;
123
 AT. Gênesis 19:26: “E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal.”
16

Para muitos, talvez, esse estágio seja o mais difícil de todos, garantindo as
devidas proporções. Todo início (na vida) é conturbado, é repleto de dúvidas e
dificuldades. Dar o primeiro passo, eis à chave para o chamado!

O auxilio sobrenatural
“...Quando os tempos se tornarem tempestuosos, E os amigos
simplesmente não puderem ser encontrados, Como uma ponte sobre
águas turbulentas, Eu surgirei...” – Bridge Over Troubled Water, by
Elvis Presley.
Para aqueles que não recusaram o chamado – convite para iniciar –, o primeiro
encontro da jornada do herói se dá com uma figura protetora, que fornece ao iniciando
ajuda para lhe proteger na jornada que estará prestes a deparar-se.
 As mitologias desenvolvem o papel na figura do guia e do mestre. No mito
grego esse guia é Hermes-Mercúrio, e no mito egípcio a sua contraparte egípcia,
Thoth. Nas tradições judaicas, Noé contou com uma pomba. Na mitologia cristã
encontramos como guia o Espírito Santo ou mesmo com a protetora, a Virgem
Maria . 124

Na iniciação pelo Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria, fica evidente a


figura de auxilio da jornada na função do oficial chamado de Experto/Guia, que conduz
o iniciando durante a jornada, oferecendo-lhe a devida proteção: “Eu serei o vosso
guia, tendes confiança em mim, e nada receeis” . A função do Experto durante a
iniciação é conduzir o candidato, que estando privado de certas faculdades, necessita
inexoravelmente do amparo do guia.

A passagem p elo primeiro limiar


"Cedo ou tarde, você vai aprender, assim como eu aprendi, que existe
uma diferença entre Conhecer o caminho e Trilhar o caminho."
Morpheus - MATRIX
Tendo resistido ao medo, muitas das vezes personificado como medo de
morte, simbolizado no Rito Escocês pela passagem da câmara de reflexões, o herói
segue em sua aventura até chegar ao conhecido na Jornada do Herói por “guardião do
limiar"125. Entende-se psicologicamente pelo limiar como a passagem do consciente
para o inconsciente, onde se adentra a um mundo de fantasias e imagens,
semelhantes aos sonhos. Ou seja, um mundo mítico e surreal  –  o inconsciente  –,
muitas vezes chamado de mundo da fantasia, variando conforme cada contexto
cultural.
Conforme explicamos na Parte I, o ponto simbólico intermediário que marca a
passagem do consciente para o inconsciente é a passagem da sala dos passos
perdidos para o – átrio e – templo. Joseph Campbell diz que no âmbito mitológico esse
primeiro limiar é representado pela presença de um guardião, e o mesmo está
associado, variavelmente, a um posto que pode ser uma “  porta” , ponte ou lago,
simbolizando o limiar. Isto posto, na Iniciação pelo Rito Escocês a passagem pelo
primeiro limiar ocorre, exatamente, no momento em que o candidato é levado à porta
do templo e recebido pelo Guarda do Templo, sendo que nos ritos anglo-saxões já
seria o Cobridor Externo. Após sua passagem, ou seja, após ser “franqueado seu
ingresso”, o candidato passa a vivenciar uma nova e única experiência, sendo
submetido a uma ritualística incomum a todas as outras, a simbólica e mística
ritualística maçônica, que é regida com base no sentido figurado e subjetivo,
igualmente aos contos e mitos, a qual já falamos são retratações do inconsciente.
Muitos poderiam agora até mesmo dizer que Campbell baseou toda sua teoria
no processo iniciático da maçonaria, para assim compor a “Jornada do Herói” (1949)
124
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Prólogo (pág.80). São Paulo, Pensamento, 2007;
125
Idem, pág.82-85, 2007;
17

devido a tamanhas coincidências, até mesmo em detalhes, que foram por ora
apresentados neste artigo. Todavia cabe uma observação que o trabalho de Joseph
Campbell foi analisado cientificamente sobre a estrutura de todas as religiões até
então conhecidas, principalmente as religiões de cunho ocidental. Como já salientado,
a teoria da “Jornada do Herói” teve por base pesquisas antropológicas, históricas e
sobretudo psicológicas, tendo foco no estudo de Religiões, Culturas e Mitologias
comparadas. Em verdade, não teríamos dificuldade nenhuma em fazer este estudo,
visto a herança cultural que a Sublime Ordem recebeu. Estas reflexões, que chegam
ao vulgo cunho de “coincidências”, são a causa deste artigo se chamar Mitologia
Maçônica.

Pro vações, tes tes, a no va ex per iênc ia - O ven tre da b aleia


"Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, livre da ânsia de
resultado, é toda via perfeita." – Liber AL I:44
 A ideia de que a passagem pelo limiar é uma passagem para uma esfera de
renascimento é simbolizada na imagem mundial do útero, ou ventre da baleia. O herói,
em lugar de conquistar ou aplacar a força do limiar, é jogado no desconhecido, dando
a impressão de que morreu, ou em outros casos é submetido a t estes e provações, de
forma que aprenda as regras – simbólicas – deste novo mundo. 126 127
Como exemplo pode-se citar alguns contos, como Chapeuzinho Vermelho
(conto alemão) na qual ela é engolida pelo lobo. Da mesma forma todo o panteão
grego, exceto Zeus, foi engolido pelo pai Cronos. Na bíblia e no Alcorão encontramos
Jonas, que é engolido por um peixe, e passa “três dias e três noites” nas entranhas do
peixe, e depois sai de lá vivo. 128  Arnold Van Guennep, salienta que “ A morte
momentânea” é tema principal das iniciações tribais. 129
Na jornada maçônica o iniciando é colocado à prova por testes simbólicos,
fazendo-o seguir por “caminhos escabrosos” , para que coloque a mostra sua coragem
de forma a persistir na senda da virtude.

2. Iniciação ou Provas e Vitórias - A Descida


O caminho sub sequente de prov as
“... Se quisermos ir ao paraíso, devemos antes passar pelo inferno...”
Divina Comédia – Dante Alighieri
Vindo a ser vitorioso nos primeiros testes e provas, ao cruzar por completo o
limiar, o herói caminha por uma paisagem onírica povoada por formas curiosamente
fluidas e ambíguas, na qual deve sobreviver a uma sucessão de novas provas. Esta
passagem marca o Herói que é definitivamente apresentado a um novo mundo. É
notório o paralelo com a Mitologia Maçônica, sendo que a ritualística maçônica é algo
 jamais experimentado antes, eis aí o “novo mundo” que é apresentado ao iniciando
maçom. O herói continua a ser auxiliado de forma indireta, por Guias e Mestres.
Porém, aos poucos ele percebe que existe um poder benigno, presente em toda parte,
que o sustenta em sua jornada. 130
Um mito interessante sobre esse estágio, e um dos mais antigos da história, é
o conto sumeriano da descida ao mundo inferior, pela deusa Inana 131. Tal mito era

126
Idem, pág.92, 2007;
127
Devido este estágio se encontrar logo após a “passagem do primeiro limiar ” não citamos a Câmera de Reflexões,
mas, também seria possível a associarmos à este estágio, por possuir características ideais a este nível. Contudo
haveria uma ambiguidade devido a ordem dos fatos. Ressalta-se, porém, que esta associação é verossímil de
associação;
128
 AT. Jonas 1:17: “O Senhor fez que ali se encontrasse um grande peixe para engolir Jonas, e este esteve três dias e
três noites no ventre do peixe.”
129
VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem. Os Ritos de Iniciação (pag.87). Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2011;
130
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Aventura do Herói (pág.102). São Paulo, Pensamento, 2007;
131
DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo, Daemon Editora, 2008;
18

ritualisticamente praticado na antiguidade pelas Prostitutas Sagradas 132 133, que foi
profanado e hoje é conhecido como strip-tease em a “Dança dos Sete Véus” 134.
Muitas mitologias retratam neste momento uma descida ao submundo, quando na
verdade, tal descida retrata a imersão aos domínios da psique aos quais você não
está dando a devida atenção 135, e disto viria à análise clínica da Psicologia Analítica 136.
O auxílio indireto de Guias e Mestres é uma perfeita associação às opiniões
dadas quando o Venerável Mestre faz sucessivas perguntas ao candidato. Estas
novas provas, cada vez maiores em níveis, representam no processo iniciático
maçônico, a passagem pelos quatro elementos, onde o iniciando vivencia e supera
simbolicamente os elementos. No passado, relatos indicam que os candidatos de fato
se colocavam à provas, seja de um incêndio, a nado, ou de tempestades,
diferentemente de nossos tempos, antigamente os grupos  –  e tribos  –  realizavam
literalmente tais testes 137.

Pro vação di fíci l o u tr aum átic a, O en co nt ro co m a Deu sa

"Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro


desperta." Carl Gustav Jung
 A provável última aventura, quando todas as barreiras foram vencidas,
aparecerá como a experiência mais profunda e traumática do enredo mitológico.
Normalmente é representado por uma morte efetiva e momentânea, ou mesmo por um
renascimento miraculoso 138. Em diversos ritos maçônicos (e em diferentes graus)
encontramos encenações de todo o tipo para representar este importante estágio, seja
por mais provas iniciáticas ou por demonstrações fúnebres, funestas e sombrias, de
forma que pela última vez é dada a chance ao candidato de desistir da senda da
virtude, e render-se ao medo do desconhecido, mas como ele mesmo descobrirá no
futuro isso seria utilizado para cumprir com as finalidades do processo iniciático.
Sendo persistente, o iniciando compreende depois o sentido simbólico ou
mesmo psicológico de suas provações e testes, e no ápice da aventura é apresentado
diante da “Deusa”. Tal passagem é finalizada por um “Casamento Místico”, conhecido
nos mitos por hierosgamos 139, o mesmo anunciado pelos manifestos rosacruzes 140.141
Em termos psicológicos tal casamento representa a união com a “Anima”, ou
 Animus em contos da heroína. Ocasião em que se toma pleno conhecimento da
dualidade do Inconsciente. Esta união representa o chamado “Casamento Alquímico”
dos Alquimistas, e retrata uma união indissolúvel entre o ouro e a prata, e, em outras
palavras, o encontro do Cavaleiro com a Princesa, aquele momento dos contos onde
se diz “E viveram felizes para sempre” (o que quer dizer: “viveram felizes além do
tempo e do espaço  – no Inconsciente”)  ou descobre-se o elixir da longa vida dos
alquimistas142.

132
VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem. Os Ritos de Iniciação (pag. 95). Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 2011;
133
Na antiga Suméria o nome “Prostituta” significava originalmente “Aquelas que se prostram” , neste caso em
homenagem a Deusa, A Sacerdotisa Inanna ou Ishtar. Contudo com o advento das sociedades patriarcais o termo se
profanou juntamente com os rituais desta antiga forma religiosa, passando a possuir outras significações na Roma
 Antiga;
134
O número 7 em questão se refere aos Sete Portais a qual a Deusa tinha que atravessar, onde a cada portal ela
retirava um véu. A dança dos Sete Véus na verdade retrata um ritual iniciático;
135
 CAMPBELL, Joseph. Isto és Tu, Metáfora e mistério religioso (pag.15-25). SP, Landy Editora, 2002;
136
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1 (pag.126-132). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
137 
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia e História da Magia. Editora Pensamento;
138
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Aventura do Herói. São Paulo, Pensamento, 2007;
139
Significa “Casamento Sagrado", é a cópula de um  deus ou homem com uma deusa ou mulher. Trata-se de um
antigo ritual que proporcionava uma intensa experiência espiritual ou intercâmbio de conhecimentos através do sexo;
140
Manifestos Rosacruzes publicados na Alemanha em 1614, 1615 e 1616, versados em alquimia, magia e cabala.
141
O referido Casamento, conforme explicado, não encerra a Jornada, que ainda encontra-se na metade do caminho;
142
JUNG, Carl Gustav. Estudos alquímicos, 13,Anima e Animus (45-62). Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2012;
19

Para desmistificarmos, a mulher representa na linguagem pictórica da


mitologia, a totalidade do que pode ser conhecido, e o herói é aquele que a
compreende. Segundo Jung, havendo o equilíbrio total na psique (o conhecimento de
 Anima e Animus), atinge-se em seguida o Si-mesmo, ou seja, a totalidade do ser,
torna-se consciente todo o inconsciente 143, e assim completa o processo que Jung
chamou de processo de individuação 144. Contudo, quando achamos que um processo
encerrou, descobrimos que ele é o início de outro, e que em todo fim acha-se um novo
início 145, e vemos que o herói (ou iniciando) apenas se capacitou para enfrentar
desafios maiores.
É neste estágio que chegamos ao fim desta breve apresentação, pois
entraríamos no contexto do grau de companheiro e por fim, culminar no grau de
mestre maçom. No grau de companheiro maçom recebe-se instruções pertinentes a
 Animus, quando então o processo é devidamente equilibrado  – havendo passado por
ambas colunas  – e no grau do mestrado completa-se em todos os níveis a projeção
arquetípica do herói na Mitologia Maçônica.
Semelhante ao contexto da Mitologia Maçônica ocorre o mesmo no mito
egípcio de Osíris, como sabemos um dos mais antigos que existem. Depois de se
casar com Ísis (sua Anima), Osíris é traído por seu irmão Seth, que juntamente com
outros conspiradores, induz Osíris a adentrar a um esquife, onde acaba morto  – pelo
próprio irmão. Achando-se próximo a uma planta (em algumas versões uma acácia)
Osíris é encontrado por Ísis, e posteriormente passa pelos mistérios da ressureição,
passando a ser chamado de Senhor dos Dois Mundos, pois superou a vida e a morte,
sendo a coroação da sua jornada o nascimento do seu filho, o Deus Hórus, a qual
também é conhecido como Filho da Viúva - a viúva em questão é Ísis 146. Da mesma
forma ocorre os mistérios da ressureição com Jesus  – Yeshuah  –  que traído por um
discípulo, morre com a crucificação e após acontece os mistérios da Redenção, e o
mesmo ascende ao “paraíso”147.
O prosseguimento da jornada do herói na Mitologia Maçônica acha-se no grau
de Mestre Maçom, todavia o “final feliz” d essa jornada se situa no grau de Maçom do
Real Arco. Não é atoa que ele foi considerado como segunda parte dos mistérios do
terceiro grau, onde a primeira parte é o próprio grau de mestre maçom.
Por essas e outras razões que nos ritos anglo-saxões (Rito de York e Ritual de
Emulação) o grau de Maçom do Real Arco é tratado como imprescindível ao
conhecimento maçônico. O segundo artigo do Tratado de União das Grandes Lojas,
dos Antigos e Modernos, de 1813, diz:
“ Está declarado e pronunciado que a pura e antiga maçonaria consiste
de três graus e nenhum mais, isto é, os de Aprendiz, Companheiro de
ofício, Mestre Maçom, incluindo a Suprema Ordem do Sagrado Arco
148 
Real.” 
Em síntese, poderíamos concluir que, nos graus de companheiro e mestre
maçom – incluindo o Maçom do Real Arco  – há a continuidade da jornada arquetípica
do herói na Mitologia Maçônica, a qual pode ser “complementada” por outros inúmeros
graus que encontramos nos ritos maçônicos.

Ainda sobre o encontro com a Deusa ou “Encontro com a Anima psicológica” 

143
HALL, Calvin S. & Nordby, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana, A estrutura, dinâmica e desenvolvimento
da Personalidade (pag.24-83). São Paulo. Editora Cultrix, 2005;
144
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia, 12, Simbolismo da mandala. Rio de Janeiro, Editora Vozes Ltda, 2012;
145
Na equação da Tétrada dos Pitagóricos: 10: 1+0 = 1. 10 = 1;
146
DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo, Daemon Editora, 2008;
147
Já falamos na parte I sobre os significados por trás deste e outros “lugares sagrados”;
148
RIBEIRO, João Guilherme C. O Nosso Lado da Escada. Rio de Janeiro, Ed., 2012;
20

Fim d o pr im eiro cic lo da Jo rnad a Maçônica 14 9  – Ap ren diz Maçom


“... Em cada um espera-vos um Companheiro, e aquele Companheiro é
Vós Mesmos...” Liber Tzaddi, XC.
O casamento – o supracitado conhecimento da Anima  –, representa o domínio
total da vida pelo herói. Na Mitologia Maçônica (ou todas as mitologias em que se trata
de herói, e não heroína) a mulher é o símbolo da Vida e o herói o seu conhecedor e
mestre, em outras palavras a mulher é o Templo e o herói seu Sacerdote, daí que
muitas representações de templo em culturas ocidentais 150 são em forma de uma
mulher grávida dando a luz 151, bem como um dos motivos de sempre se ter sacerdotes
 – e não sacerdotisas – em algumas religiões.
Poderia perguntar-se, onde reside o encontro com a Deusa em nossa
Mitologia, se mulher não inicia na maçonaria? Desde o início do artigo frisamos que
tudo apresentado nas mitologias são conceitos simbólicos, psicológicos e não
literais152 (salvo raras exceções). Assumindo todo o Templo as características e
conceitos de Anima, como exemplificado acima, o Templo Maçônico torna-se o objeto
de conquista inicial da jornada maçônica.
O iniciando tendo superado todos os testes e provações do processo iniciático,
recebe como prêmio da jornada, o “Encontro com a Anima”, que nada mais  é do que,
a “Luz da Maçonaria” a qual é dada ao neófito, que estava privado de certas funções-
habilidades durante a iniciação e agora passa a ter a “Visão e Conhecimento do
Templo Maçônico”  – Inconsciente – e então pode comungar de sua Egrégora, pois o
referido “casamento” é firmado com o sagrado juramento . Ele ganha também a sua
completa Liberdade, pois possui meios visuais para tal, desta forma ele fica liberto de
influências contrárias 153 154, bem como poderá agora exercer por inteiro o seu livre-
arbítrio.
O encontro ou união com a Anima 155 também pode ser chamado de “Encontro
com a Verdade”, pois a totalidade do ser e o completo conhecimento do inconsciente,
além de libertar, proporciona ao herói, um conhecimento único e inexplicável, por
conta de sua magnitude e proporção 156, não havendo desembaraços e conflitos
internos. Em outros contextos tal “Encontro com a Deusa” ocorre de forma diferente,
na qual chamamos de “Sintonia com o Pai”, que nada mais é   do que uma relação
íntima entre Deus e o Herói, ou seja, do Eu inferior com o Eu Superior. 157
Os testes que o herói passou, preliminares de suas experiências e façanhas
últimas, simbolizaram as crises de percepção por meio das quais sua consciência foi
amplificada e capacitada a enfrentar. Com isso, ele aprendeu que ele e seu Supremo
Pai-Mãe (ou ainda, Anima) são um só, pois se casaram, ele está no Pai-Mãe, e o Pai-
Mãe está nele158. Por derradeiro, torna-se o Mestre ou Herói, que variando de uma

149
Devido a continuação da Jornada do Herói, dentro da Mitologia Maçônica, ir além do âmbito dos estudos do grau de
 Aprendiz Maçom, não vamos adentrar adiante na terceira fase da Jornada do Herói - 3.O Retorno”. Em anexo
encontra-se um trabalho complementar contando o final “dessa aventura iniciática”;
150
  Muitos religiões antigas possuem a crença da mulher como aspecto negativo da humanidade, sendo que suas
maiores divindades são sempre Homens, ao passo que a Mulher é associada com a “Queda”;
151
MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São Paulo, Pensamento, 2007;
152
Vide Parte I, “O que é um Símbolo?”;
153
Representa o medo profano sobre a Maçonaria, que no início da aventura tendia a impedir o início da jornada;
154
 A Liberdade pregada em todas as mitologias só pode ser adquirida e consolidada com o Casamento Alquímico,
também chamado de Consecução;
155
O casamento comum na vida cotidiana é apenas uma demonstração, em menor nível, do real casamento interior.
Jung indica essa união inconsciente nas diversas obras alquímicas e filosóficos, e nos mostra que tal dedução
psicológica já era compreendida desde a antiguidade. O amor e felicidade resultante s do casamento interior jamais
poderia ser comparado com qualquer outro casamento, pois se trata de um “desejo da alma” (do inconsciente), e
segundo o próprio Jung este é o nosso objetivo enquanto seres viventes.
156
NT. João 8:32: "E Jesus disse: E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."
157
Em termos iniciáticos: Na união do I niciando com a Egrégora. Este contexto de “Sintonia com o Pai” também
encontra suas associações com tal estágio maçônico, por tratarem de conceitos específicos desta passagem, mas sua
definição necessária dependeria de outras características;
158
NT. João 10:30: “Eu e o Pai somos apenas um.”
21

cultura para outra, pode ser um filósofo, mestre pedreiro, líder político ou religioso e
etc., mas a sua referência – como demonstramos – transcende a estes exemplos.
 As representações do esquema psicológico do mito acham-se representados
em vários níveis e formas, seja nas diretrizes do Templo (do macrocosmo) ou na
 jornada e realização da ritualística (do microcosmo). Conceitos como arquétipos,
símbolos, individuação, sincronicidade, sombra, anima-animus, herói e todos os outros
objetos de estudo da Psicologia Analítica, acham-se representados, de uma forma ou
de outra, nos enredos e contextos da mitologia 159. Razão de tantas vezes termos
encontrado representações de Anima e Inconsciente Pessoal neste artigo, bem como
de descoincidências e variações, mas abordamos essa temática de uma forma
pioneira e geral dentro da Mitologia Maçônica.
Desmistificando a mitologia, percebemos que o mistério do universo é retratado
como Deus. Se para o religioso o infinito é Deus Onipotente, Onisciente e
Onipresente, para o atéu ou agnóstico, o infinito é o Universo, e seus infinitos espaços
siderais. O ego torna-se a figura do herói, por isso quando ele se encontra com a
Deusa-Deus (Inconsciente 160 e infinito), toma-se conhecimento de todo o universo e a
vida. Por isso o axioma: “Conhece -te a ti mesmo, e conhecerás todo o Universo” , em
outras palavras, “Conheça o seu próprio ego, e sua mente se expandirá” 161. Em
algumas passagens colocam o “Eu Inconsciente” como o Velho Sábio, que tudo sabe
e ensina, pois conhece as fraquezas e desejos reprimidos pelo o herói 162 163 (ego). .

Depois deste primeiro ciclo da Aventura do Herói  –  ou Jornada Maçônica  – o


herói ainda é levado a cumprir outros deveres no universo, assim como o Maçom é
instruído e posteriormente passado de grau, onde encontramos a continuidade da
Jornada Maçônica. Entretanto, dificilmente encontra-se um final para a mitologia como
um todo, pois em todo fim acha-se um (novo) início 164. Em outras palavras, tornar feliz
a humanidade é um processo, relativamente, progressista e infinito.
Segue um exemplo de roteiro mitológico, por Joseph Campbell: 165
“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é
atraído/levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali,
encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode
derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela e penetrar
com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão;
oferenda, encantamento, etc.); pode, da mesma maneira, ser morto pelo
oponente e descer morto (desmembramento). Além do limiar, então, o herói
inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante,
estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam fortemente (provas),
ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda. Quando chega ao nadir da
 jornada mitológica, o herói passa pela suprema provação e obtém sua
recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela união sexual com a
deusa-mãe (casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-
criador (sintonia com o pai), pela sua própria divinização (apoteose) ou,
mais uma vez —  se as forças se tiverem mantido hostis a ele -—, pelo
roubo, por parte do herói, da bênção que ele foi buscar (rapto da noiva,
roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de uma expansão da consciência
e, por conseguinte, do ser (iluminação, transfiguração, libertação). O
trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele agora
retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele
empreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de

159
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, As chaves (pág.241-247). São Paulo, Pensamento, 2007;
160
O inconsciente é retratado como Infinito, pois no seu nível de manifestação não há uma dimensão de tempo e
espaço, como de outro modo ocorre com o Consciente – já falamos sobre isso na parte I;
161
Jung deixou claro, como já citado neste trabalho, que o processo de elevação dar-se-á por tornar consciente as
nossas limitações e fraquezas que são, também, ocasionadas pelo Ego em questão.
162
Idem, 2007;
163
JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica, 18/1. Rio de Janeiro, Vozes, 2012;
164
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, O ciclo cosmogônico (pág.249-268). São Paulo, Pensamento, 2007;
165
Idem, 2007;
22

obstáculos). No limiar de retorno, as forças transcendentais devem ficar


 para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A
bênção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir).” 

Depois de analisarmos a parte inicial da Jornada do Herói no contexto maçônico,


podemos ver, claramente, os estágios desta jornada no roteiro acima mencionado.
Trata-se de um exemplo sucinto das várias histórias do Herói, a qual Campbell reuniu
em um único exemplo.

CONCLUSÕES A RESPEITO DE MITOLOGIA E


AS RAZÕES DESTE ESTUDO
“O sentido da vida não está de todo explicado pela nossa atividade
econômica, nem os anseios mais íntimos do coração humano
166
atendidos por uma conta bancária.” C. G. Jung

“ Galadriel:  –  Mithrandir, porque o Pequeno? Gandalf:  –  Eu não sei.


Saruman acredita que é apenas com um grande poder que podemos
manter o mal sob controle, mas não é isso o que eu descobri. Eu
descobri que são nas pequenas ações de nosso cotidiano, de
 pessoas comuns, que mantemos a escuridão afastada. Simples atos
de bondade e amor. Porque Bilbo Bolseiro? Talvez seja porque eu
tenho medo, e ele me dá coragem.” O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Em síntese, a mitologia pode ser entendida, sob a ótica da Psicologia
Junguiana, como um sonho coletivo, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes
no interior das camadas profundas da psique humana , ou numa visão religiosa,
167. 168

como a revelação de Deus aos seus filhos.


Tanto a mitologia, como os seus símbolos, são metáforas reveladoras do
destino do homem, e, nas diversas culturas são retratadas de diferentes formas , nos 169

contos a Princesa adormecida, significa, Inconsciente Pessoal adormecido, ou a


supremacia do ego sobre o consciente, o que para Jung consistia o motivo de todos os
males do homem, havendo, pois, a necessidade de despertar e estudar o Inconsciente
através, também, do estudo dos sonhos , que simbolicamente acham-se
170

representados na Mitologia, e no nosso caso no estudo e prática da ritualística


maçônica. A ideia da mitologia é que a mesma seja uma ferramenta para promover e
entender o crescimento psicológico do individuo, sendo esta a função principal do
mito .171

 As semelhanças entre sonhos e mitos – e como já dito a ritualística em si – são


evidentes, conforme já demonstrado no parágrafo anterior. Os sonhos, segundo a
Psicologia Arquetípica, podem também sugerir – dentre outros feitos principais  – uma
autorrepresentação da estrutura da psique, fazendo um teatro de operações face ao
ego, como forma de adaptação, necessária, ao processo de Individuação, e com isso
proceder num crescimento psicológico do sonhador.
Nesse contexto, os sonhos criam enredos, do qual o sonhador pode enfrentar
seus medos e complexos (ambientados no Consciente) de forma a amadurecer
enquanto ser vivente por intermédio desse processo Inconsciente de compensação.
Ou seja, basicamente, sonhos são  – semelhantes a – tudo o que já apresentamos na
Jornada do Herói na Iniciação Maçônica. Pode-se dizer, portanto, que de fato a
iniciação maçônica, bem como as mitologias, são autorrepresentações da psique, a

166
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos (pag.102). Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira;
167
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Epílogo, Mito e sociedade. São Paulo, Pensamento, 2007;
168
JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente, 7/1. Rio de Jan eiro, Editora Vozes Ltda, 1978;
169
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, Ciclo cosmogônico. São Paulo, Pensamento, 2007;
170
 JUNG, Carl Gustav. A vida simbólica, 18/1. Rio de Janeiro, Vozes, 2012;
171
CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação, A função da mitologia (pag.31-37). São Paulo, Editora Ágora, 2008;
23

qual com suas pertinentes alegorias e contextos culturais, todavia, seus princípios e
mensagens são sempre os mesmos, que é o equilíbrio psicológico e a devida conexão
entre o consciente (vida profana) com o inconsciente (vida maçônica), e desta relação,
resultar no conhecimento do Si-mesmo, ou melhor, no transcendente e espiritual
Mestre Maçom. Todas as mitologias retratam uma estória relativa à relação entre
Consciente x Inconsciente, seja por “mundo profano e Maçonaria”, “mundo real e
mundo da fantasia”, ou mesmo por “céu e inferno”, e etc.
Em termos de interpretação psicológica da Mitologia, sempre vamos encontrar
como chave essencial, a questão: Inconsciente = Reino metafísico, em outras
palavras, ''Porque eis que o reino de Deus está dentro de vós"  . Assim, a análise 172

para toda questão mitológica, é o estudo da psique humana . 173

Em várias sociedades e cultos primitivos, a prática religiosa consistia em


vivenciar a Mitologia de forma direta, pois no decorrer das cerimônias o mito o estaria
influenciando de forma indireta, por intermédio do inconsciente. Assim, o crescimento
e finalidade da Mitologia, ocorreria de forma particular em cada um, como uma
semente que aos poucos iria germinando .  A tradição maçônica conserva esses
174

costumes como forma de instrução aos seus membros, sendo portanto, herdeira
histórica dessas antigas culturas . 175

Compreende-se a validade e relevância de toda essa abordagem pelo fato da


literatura maçônica publicada no Brasil privilegiar as interpretações ritualísticas que
seguem um raciocínio estrito ao entendimento consciente de seus ensinamentos
morais, bem como outras poucas questões esotéricas 176, desconsiderando os efeitos
psicológicos produzidos pela prática ritualística e toda a sua mitologia.
Considerando que toda a ritualística da Maçonaria (como de outras ordens)
baseia-se fundamentalmente na prática simbólica, nada mais lógico do que a
interpretarmos além da questão moral e cívica comuns às lojas, mas, de todo,
adentrarmos nessa questão psicológica como fizemos neste estudo, e sobretudo,
esclarecer que o estudo maçônico, bem como a ascensão de graus e postos na
Ordem Maçônica, retratam claramente a autodescoberta do potencial humano, ou em
outras palavras, o autoconhecimento em uma jornada introspectiva.
Como vimos ao longo destas poucas páginas, nas diversas culturas,
sociedades tribais, religiões e mitologias, encontramos semelhanças próximas ou
distantes, dos seus templos e histórias para com o Templo Maçônico. Conforme os
templos de algumas ordens rosacruzes como também as antigas catedrais cristãs  –
em Aparecida do Norte, por exemplo  – tem-se o altar sagrado ao meio do templo, por
outro lado, cultos antigos como a Umbanda e o Xamanismo faziam seus templos
tendo sempre ao centro a fogueira ou o congá. E nesse contexto que também
encontramos o altar dos juramentos da Maçonaria, que mesmo tendo algumas
variações de um rito para o outro, sempre terá um lugar de destaque no templo. O
templo representa em síntese um diagrama da Psique Humana como um todo. Sendo
ele mesmo um arquétipo que será moldado conforme o contexto cultural, conforme
exemplificado acima, onde desmistificado passa a ser uma autorrepresentação da
psique humana, passando a ser conhecido pela mente de acordo com suas
peculiaridades arquetípicas.
Espero que ao final destas páginas uma reflexão possa ter sido estabelecida
de que, a  – “ julgável infantil, ingênua e supersticiosa” 177  –  ritualística maçônica
transcende toda crítica e limitação objetiva que possamos dar, e é nela que reside – se

172
NT. Lucas 17:21;
173
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces, As chaves. São Paulo, Pensamento, 2007;
174
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos, (pag.104-157). Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira;
175
BLAVATSKY, HELENA P.; O ocultismo prático e as origens do ritual na Igreja e Maçonaria. SP, Pensamento, 2009;
176
ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.
177
Se olharmos a ritualística a nível objetivo, talvez achamos de fato um forçoso exercício (de moralidade). Por outro
lado numa visão subjetiva ela passa longe de ser algo incomum. Ritualística = Inconsciente;
24

não em maior escala  –  uma boa parte do potencial transformador da Augusta,
Respeitável e Sublime Ordem Maçônica.

BIBLIOGRAFIA E OBRAS RELACIONADAS:


CARL GUSTAV JUNG
 Sincronicidade 8/3. Rio de Janeiro, Vozes, 2013;
 Interpretação psicológica do Dogma da Trindade. 11/2. RJ: Vozes, 2011.
 O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005.
 Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 9/1. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
 Psicologia do Inconsciente. 7/1. Rio de Janeiro: Vozes, 1978.
 O símbolo da transformação na missa. 11/3. Rio de Janeiro: Vozes, 2011;
 Psicologia e alquimia. 12. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
 Estudos alquímicos. 13. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
 Psicologia e religião. 11/1. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
 A vida simbólica. 18/1. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

JOSEPH CAMPBELL
 Herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensamento, 2007.
 As máscaras de Deus, Mitologia Ocidental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
 As máscaras de Deus, Mitologia Oriental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
 Isto és Tu. São Paulo: Landy Editora, 2002.
 Mito e Transformação. São Paulo: Ed. Ágora, 2008.

1. BLAVATSKY, HELENA P. O ocultismo prático e as origens do ritual da Igreja e da Maçonaria;


SP: Pensamento, 2009.
2. DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo: Daemon Editora, 2008.
3. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
4. FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1972.
5. HALL, Calvin S.; NORDBY, V. J. Introdução à Psicologia Junguiana. SP: Cultrix, 2010.
6. ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.
7. LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2012.
8. MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2010.
9. MURPHY, Tim W. O código secreto das catedrais. São Paulo: Pensamento, 2007.
10. PRESTON, William. Illustrations of Masonry. New York: Masonic Publishing and Manufacturing
Co., 1867.
11. RIBEIRO, João Guilherme C. O Nosso Lado da Escada. Rio de Janeiro, Ed., 2012;
12. ROBERTS, J. M.: Freemasonry: Possibilities of a Neglected Topic. The English Historical Review,
Vol. 84, No. 331, p. 323-335, 1969.
13. STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2011.
14. VAN Guennep, Arnold. Os Ritos de Passagem. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.
15. WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of Freemasonry, 2 vols. Londres: William Rider and Son
Limited, 1:351-352, 1921.
16. ZELDIS, L., Illustrated by Symbols. New York, NY: Philalethes, The Journal of Masonic Research
& Letters, Vol. 64, No. 02, p. 72-73, 2011.

O AUTOR

Rafhael Guimarães é Mestre Maçom da A.R.L.S. “Jacques DeMolay” nº33, jurisdicionada à Grande
Loja Maçônica do Estado do Espírito Santo. No Rito de York é Cavaleiro Templário (KT), filiado ao
Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil. No Rito Escocês Antigo e Aceito possui
o grau 14º - Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom, filiado ao Supremo Conselho do Grau 33 do
Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil. Além de pertencer
a outros Corpos Maçônicos, Ordens Iniciáticas, Rosacruzes, Martinistas e Grupos de Estudo.

E-mail:  guimaraes_rgf@hotmail.com
Facebook:  facebook.com/filosofo.desconhecido

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