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Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 2009, p. 27-54. ISSN- 0102-6869.
RESUMO: Existem muitos assuntos polêmicos em volta da língua portuguesa, sua história e seu uso. A
flexão do infinitivo é um deles, uma vez que para essa questão não é possível buscar soluções em outras
línguas, pois elas não demonstram esse fenômeno. Este trabalho objetiva apresentar as teorias que
envolvem a origem da infinitivo flexionado e, em seguida, apresentar o uso normativo dele. Como se verá,
a relatividade do seu caráter normativo é muito expressiva.
ABSTRACT: There are lots of polemic subjects around the Portuguese language, its history and its use.
The inflection of infinitive mode is one of them, since that it’s not possible to search solutions in others
languages to this question, because they don’t demonstrate this phenomenon. This work aims to show the
theories that involve the origin of inflected infinitive and, afterwards, to present the normative use of it. As
we’ll see, the relativity of its normative character is very expressive.
Introdução
O português é uma das poucas línguas que possuem a forma flexionada do infinitivo. Por um lado,
essa peculiaridade faz brotar interesse nos estudiosos; por outro, contudo, ela passa muitas vezes
despercebida por linguistas e filólogos, como é possível perceber ao consultar gramáticas da língua
portuguesa, das quais muitas nem citam a existência desse fenômeno. Muitos consideram esse idiotismo
como uma das belezas peculiares de nossa língua; outros, como Napoleão Mendes de Almeida (1996)
acreditam que a flexão do infinitivo faz o português parecer “a última escória do latim” (p. 271).
A maior importância do tema abordado é o fato de ainda existir polêmica a respeito dele. A
origem do infinitivo flexionado foi um assunto que fez discutirem filólogos de várias épocas, e até mesmo
atualmente ainda se questionam as causas e a raiz desse detalhe galego-português.
Outra polêmica sobre a flexão do infinitivo gira em torno de seu uso. Muitos gramáticos, inclusive
estrangeiros, tentaram sistematizar as regras que regeriam o uso dos infinitivos flexionado e invariável. No
entanto, até hoje pouco do que foi produzido conseguiu alcançar índices razoáveis de aplicabilidade. É por
isso que muitos intelectuais, como Celso Cunha e Lindley Cintra (2001), já desistiram de falar em regras
para a flexão do infinitivo, passando a tratar apenas de tendências (p. 485).
Todavia, é sabido que a sociedade em geral, buscando conforto e estabilidade, espera normas fixas
e práticas da gramática. A frustração e a insegurança que as pessoas sentem ao se depararem com
alternativas ou tendências são bastante conhecidas pelos professores de português e por todos os que
trabalham com a norma culta. Nesse fato baseia-se a nossa escolha do tema, pois não raro há insatisfação
quando nos perguntam qual a regra da flexão do infinitivo, e somos obrigados a responder que não existe
regra segura.
De modo geral, sabe-se que a necessidade de esclarecer a pessoa e o número gramatical é que rege
a flexão do infinitivo. Sua origem remonta ao período em que o galego e o português constituíam uma
unidade, e em que os povos da Península Ibérica viviam uma época de se enfatizar a linguagem. Nos
séculos XV e XVI, os usos do novo infinitivo flexionado tornaram-se ilimitados, como se percebe em
1
Mestrando em Estudos da Linguagem, da área Linguagem e significação – Estudos do texto/discurso, na
Universidade Estadual de Londrina.
2
Professor Doutor da Universidade Estadual de londrina
NAKAYAMA, Marcos A.; GALEMBECK, Paulo de T. Infinitivo flexionado: origem e uso. In
Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 2009, p. 27-54. ISSN- 0102-6869.
textos até mesmo de posteriores autores consagrados, como Rui Barbosa. Atualmente, há muitas restrições
ao uso da flexão, baseadas na necessidade da clareza. Contudo, essa inconstância diacrônica das
tendências de uso contribui para as contendas entre os estudiosos e para a sensação de insegurança dos
usuários.
Almeida (2005) apresenta o infinitivo como um dos modos verbais latinos. Definindo modo como
a “maneira por que se realiza a ação expressa pelo verbo”, o autor posiciona o infinitivo ao lado dos
modos indicativo, subjuntivo e imperativo. Acrescenta, em seguida, que existem três infinitivos em latim:
presente, passado e futuro.
Mais à frente, o mesmo autor comenta que o gerúndio é um “substantivo verbal”, e apresenta-se
como uma variação do infinitivo. Dessa forma, o infinitivo se comporta como a forma nominativa do
gerúndio, lembrando que o gerúndio latino não corresponde diretamente ao do português, pois o que
chegou a esta língua é a forma do ablativo do gerúndio, isto é, o caso adverbial por excelência. Isso
significa que a função durativa do gerúndio português está ligada mais ao caso em que ficou do que à
forma verbal.
Besselaar (1960) melhor subdivide o infinitivo, atribuindo a ele seis formas para um verbo não-
depoente (três tempos para voz ativa e três para a passiva), e três para um depoente. Em latim, o infinitivo
já contava com a função de sujeito ― chamado de infinitivo subjetivo ― e de objeto de uma oração ― o
infinitivo objetivo. Além disso, havia os usos com acusativo ou nominativo nas proposições infinitas.
NAKAYAMA, Marcos A.; GALEMBECK, Paulo de T. Infinitivo flexionado: origem e uso. In
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Com a função subjetiva, o infinitivo emprega-se de modo bastante semelhante ao português,
funcionando como um substantivo (no caso, neutro). Veja-se um exemplo: “Vincĕre bonum est” (“É
gostoso vencer”); note-se que o adjetivo bonum está no gênero neutro, e que o verbo no infinitivo vincĕre
funciona como sujeito da oração.
O infinitivo objetivo funciona como objeto direto de um verbo, que, no português, é considerado
muitas vezes como verbo principal de uma locução verbal. Uma frase ilustrativa é: “Ancillae matronas
timēre debent” (“As servas devem temer as senhoras”).
Já o acusativo com infinitivo entra no âmbito do período composto do português. A frase
portuguesa “Acho que aqui há uvas boas”, em latim, ficaria “Puto bonas uvas hic esse”, literalmente
“Acho existirem aqui uvas boas”. Na construção latina, o verbo da oração subordinada fica no infinitivo, e
o sujeito vai para o acusativo.
Segundo Besselaar (1960), essa construção é muito comum e ocorre principalmente com verbos:
a) que exprimem percepção ou pensamento: “Audio te cantare” (“Escuto tu cantares”); b) verbos que
exprimem afeto ou sentimento: “Gaudeo te bene vivĕre” (Alegro-me que vivas bem); c) verbos que
exprimem desejo, coação etc.: “Jubeo servam vocari” (Ordeno que a empregada seja chamada) e d)
muitos verbos impessoais, ou locuções com o verbo esse. Ainda em português existem construções com
estrutura parecida, principalmente com os verbos modais: “Ele deve chegar cedo”.
Por fim, o autor citado apresenta o nominativo com infinitivo, que consiste em aliar o infinitivo a
verbos na voz passiva, como no exemplo que o autor apresenta: “Cicero dicitur magnus orator fuisse”,
que pode ser traduzido para “Diz-se que Cícero foi um grande orador”, ou em verbos performativos, como
em “Jubeo te abire” (“Ordeno-te sair”).
Entre todas as línguas românicas modernas, apenas o português possui a forma flexionada do
infinitivo. Ela se constitui da forma natural do infinitivo acrescida das desinências: eu ― Ø; tu ― “-es”;
ele ― Ø; nós “-mos”; vós “-des”; eles “-em”. Sua origem remonta ao século XII, como se comprova n’Os
Cancioneiros. Como a língua de Portugal e da Galiza era compartilhada ― o chamado galego-português
―, o fenômeno da flexão do infinitivo é encontrado nessas duas línguas, tanto porque apenas no século
XV o português se tornou uma língua individual.
O infinitivo flexionado não foi criado artificialmente pela erudição, mas surgiu espontânea e
naturalmente no falar dos galego-portugueses. Além disso, há línguas que adquiriram um infinitivo
pessoal, isto é, que conta com um sujeito nominativo, mas elas não encerram essa característica marcada
por desinências.
O que se mostra mais curioso em nossa língua é que o nosso infinitivo possui empregos de
perfeita pessoalidade, como os verbos finitos, distinguindo-se deles apenas pela capacidade de ser regido
por preposição ― característica exclusiva das formas nominais. É claro que, apesar disso, o português
conserva ainda o emprego impessoal e, consequentemente, invariável do infinitivo.
Atualmente, muito se tem escrito sobre a origem e as causas desse idiotismo, e várias teorias se
contradisseram, cada qual se apoiando em um argumento distinto. Apresentaremos abaixo as duas teorias
mais discutidas sobre o surgimento da flexão do infinitivo.
Essa teoria foi escrita por J. M. Rodrigues, em um texto intitulado “O imperfeito do conjuntivo e o
infinitivo pessoal no português”3. Apreciada por filólogos importantes, como Carolina Michaëlis e J. J.
Nunes, é a teoria adotada pela maioria dos estudiosos, segundo Tersariol (1971).
Como se sabe, a estrutura morfológica latina do tempo imperfeito do modo subjuntivo
compreende a forma do infinitivo acrescida das desinências do latim, respectivamente: -m, -s, -t, -mus,
3
In Boletim de Segunda Classe da Academia de Ciências de Lisboa, 1913/14, vol. VIII, pp. 72-93.
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-tis, -nt. Veja-se a tabela a seguir, onde se conjuga o verbo amar no pretérito imperfeito do subjuntivo em
latim e se apresenta o infinitivo flexionado:
Amar
Pret. Imperfeito Inf. Flexionado
Eu Amarem Amar
Tu Amares Amares
Ele Amaret Amar
Nós Amarēmus Amarmos
Vós Amarētis Amardes
Eles Amarent Amarem
É possível apreender pela tabela a semelhança formal entre os dois paradigmas verbais. A
evolução fonética da forma latina para a portuguesa segue rigorosamente as leis que regeram as formas
regulares do latim para o português.
Analise-se uma forma para exemplificação: amarmos. Primeiramente, houve um hiperbibasmo
por sístole, que consiste na mudança da sílaba tônica em direção à sílaba anterior. Dessa forma, a forma
verbal primitiva seria pronunciada amarémus. Em seguida, na passagem de imperfeito do subjuntivo para
infinitivo flexionado, houve o recuo da sílaba tônica (ressalte-se que a forma amarēmus nada tem a ver
com o futuro do presente do indicativo português). Em seguida, nota-se a queda da vogal postônica,
devido à sua pronunciação fraca. Então a forma amaremus, cuja sílaba tônica é o “ma”, perde o fonema /e/
por um processo de síncope: amarmus. Esse fenômeno é extremamente comum na evolução do romance,
e responsável pela transformação da maioria das palavras proparoxítonas latinas e paroxítonas
portuguesas, como em asinu > asno; anima > *alima > alma; calidu > caldo etc. Cabe lembrar que não
houve queda de postônica na terceira pessoa do plural: a forma amarent evoluiu para amarem, sofrendo
apenas uma apócope da consoante final /t/, pois não houve condições para a síncope do /e/.
Há um exemplo em que um verbo é empregado sem a síncope da postônica. Frei Pantaleão do
Aveiro, em seu livro Itinerário à Terra Santa, apresenta a seguinte frase: “Como espantados da nossa
vista sem véremos alguns homens” (grifo nosso), onde se encontra a construção mórfica sem a síncope
do /e/.
A mudança de /u/ para /o/, tanto gráfica quanto foneticamente, é regra geral quando se trata de
terminações verbais ou nominais. Assim como o presente do indicativo amamus evoluiu para amamos, o
mesmo ocorreu em todos os outros tempos verbais, e por isso o infinitivo, flexionando-se, não fugiria à
regra: amarmus >amarmos.
Maurer Jr. (1968), ao apresentar ― para depois questionar ― a teoria do imperfeito do subjuntivo,
sintetiza seus pontos principais. O primeiro argumento de J. M. Rodrigues é o de que o tempo “imperfeito
do subjuntivo, que se perdeu na maior parte da România, conservou-se vivo no português, pelo menos até
o século XVI e, em alguns casos, mesmo até hoje” (p. 15). Para comprovar essa ideia, Rodrigues teria
buscado orações portuguesas em que se percebessem usos do infinitivo em lugar do imperfeito do
subjuntivo.
Ora, uma vez comprovado que o infinitivo tenha passado a tomar lugar do tempo verbal
imperfeito do subjuntivo, as semelhanças entre ambos se completariam assim que à forma nominal em
questão se atribuíssem as desinências número-pessoais. Considerando que o infinitivo e o imperfeito do
subjuntivo apenas se diferenciam pela presença de desinências neste último, J. M. Rodrigues assevera que
os sufixos foram compartilhados, por um processo de analogia, a qual é bastante comum em todas as
línguas.
Carolina Michaëlis, apud Maurer Jr. (1968), acrescenta que o imperfeito e o mais-que-perfeito do
subjuntivo do latim coexistiram por séculos, e apenas na metade do séc. XVI é que se percebe a
sobreposição total do mais-que-perfeito. Esse tempo é o que ficou no português com o emprego do tempo
imperfeito. Por exemplo, o tempo mais-que-perfeito do subjuntivo em latim do verbo amare é amavissem,
forma que evoluiu foneticamente para amassem, atual pretérito imperfeito do subjuntivo.
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Para completar a teoria, basta expor que, ainda em latim vulgar, há uma perda de conjunção em
determinadas construções com verbo no imperfeito do subjuntivo, o que faz com que a forma seja
relacionada ao infinitivo. Na Península Ibérica, o latim cartulário apresenta usos do imperfeito do
subjuntivo com funções de infinitivo, primeiramente regido da conjunção ut. Em seguida, percebe-se que
houve mudança para a conjunção “pro”, e enfim houve a supressão dessa partícula. Mais tarde, essa
construção desapareceu no espanhol, no italiano e no francês, sobrevivendo no galego e no português.
O exemplo apresentado tanto por Maurer Jr. (1968) quanto por Tersariol (1971) é a frase “Placuit
nobis facere” ― cuja tradução seria “Agradou-nos fazer” ―, em que aparece o infinitivo simples,
impessoal. É possível reestruturar a oração, trocando o infinitivo pelo imperfeito do subjuntivo desde que
acrescentando o conectivo adequado: “Placuit nobis ut faceremus”. Concomitantemente, podem-se
encontrar construções em que a conjunção não esteja explícita: “Placuit nobis faceremus”.
Com base nisso, o infinitivo flexionado português se formaria a partir de construções desse tipo,
como em “prouve nos fazermos”. Tudo isso, incluindo as omissões de conjunções, ainda antes do séc.
XIII.
A segunda teoria que explica a origem do infinitivo flexionado português é defendida por muitos
romanistas antigos e modernos. Basicamente, essa teoria prega que o próprio infinitivo, outrora invariável,
passou a receber índices foneticamente explícitos de sua pessoalidade. Sendo assim, não é em outro
paradigma verbal que se encontra a procedência dessa nova forma nominal, como prega a teoria do
imperfeito do subjuntivo.
No entanto, antes de entrar em questões morfológicas de desinências, convém comentar o caráter
semântico finito ― ou “semifinito”, como propõe Maurer Jr. (1968) ― que o infinitivo passou a ter.
A flexão desse idiotismo português é explicada por muitos por se tratar, antes de tudo, de um
infinitivo pessoal. Leia-se a definição para infinitivo extraída do Dicionário Houaiss (2001): “Forma
nominal do verbo que nomeia uma ação ou estado, mas que é neutra quanto às suas categorias gramaticais
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tradicionais, ou seja, tempo, modo, aspecto, número, pessoa.” Isso a princípio, pois na evolução da língua
o infinitivo perdeu seu caráter neutro em alguns contextos, passando a admitir sujeito próprio no
nominativo. Vale lembrar que essa pessoalidade do infinitivo é comum em muitas línguas românicas
(embora ela não seja expressa), como nos dialetos italianos do sul, no sardo, no francês medieval, no
romeno e no espanhol. Contudo, foi nas línguas portuguesa e galega que essa característica vigorou mais
forte.
Inicialmente, houve a teoria de que as desinências começaram na primeira e na segunda pessoa do
plural, por uma substituição do pronome pessoal reto pelo sufixo. Assim, a frase com verbo impessoal
“Ter saúde é bom” ― citada por Maurer Jr. (1968) e Tersariol (1971) ― poderia ter recebido pessoalidade
ao explicitar um sujeito: “Ter eu/ele saúde é bom”. Com isso, estender-se-ia para outras pessoas, de modo
que se criassem as construções “Termos nós saúde é bom” e “Terdes vós saúde é bom”. Percebe-se que,
por analogia com as formas do futuro do subjuntivo português, a flexão se prolonga às outras pessoas.
Dessa teoria, o mais interessante e positivo é notar que o verbo na forma nominal é pessoal.
Para Maurer Jr. (1968), a pessoalidade do infinitivo é a chave, além da origem, também das regras
de uso: “Apesar de toda a aparente complexidade de regras do seu emprego, em última instância, tudo se
reduz a esta regra simples e transparente: o infinitivo é flexionado quando tem sujeito.”
Difícil de determinar é o marco de origem da flexão. O filólogo supracitado acredita que seja uma
criação do latim vulgar, o que explicaria o uso abundante na época medieval. Foi no latim vulgar que
houve ascensão do uso do infinitivo regido de preposição, e isso está intimamente ligado com a
pessoalidade dessa forma nominal, visto que, por motivo de clareza, o infinitivo preposicionado tem maior
necessidade de se explicitar o sujeito. Não é coincidência que, comparado a outras línguas, o português
seja bastante tolerável quanto ao leque de preposições permitidas ao lado de um infinitivo, a saber, para
ser (finalidade), por ser (causa), com/ apesar de ser (concessão), a ser (condição), até/ antes de/ depois
de/ ao ser (tempo) etc.
Enfim, uma vez contendo um sujeito, o infinitivo torna-se pessoal, aproximando-se
semanticamente aos verbos finitos. Em seguida, como se “seguindo no embalo”, a aproximação semântica
causou também uma aproximação morfológica. É aí que entra em cena o futuro do subjuntivo, pois há
total coincidência entre esse tempo verbal e o infinitivo flexionado nos verbos regulares.
Tersariol (1971), ao refutar esta teoria, observa a dificuldade na similitude dos verbos irregulares.
O verbo ver, por exemplo, encerra no futuro do subjuntivo as formas vir, vires, vir, virmos, virdes, virem;
já seu infinitivo flexionado segue a regra geral: ver, veres, ver, vermos, verdes, verem. O anômalo verbo
ser conta com radicais diferentes em cada caso. No futuro do subjuntivo é for, fores, for, formos, fordes,
forem; e no infinitivo flexionado, segue a regra: ser, seres, ser, sermos, serdes, serem.
Quanto a tal senão, único apresentado pelo autor para negar a segunda teoria, é certo que ele não a
invalida, pois o futuro do subjuntivo é aqui introduzido como uma fonte de influência para a flexão do
infinitivo, e não seu tempo primitivo, que lhe emprestaria as formas. Além disso, a abundância da
regularidade com suas formas idênticas não poderia ser abalada pelos pouquíssimos casos de exceção.
Afinal, o infinitivo flexionado origina-se do próprio infinitivo. Caso parecido ocorreu com o
gerúndio no uso popular de Algarve. Uma vez tornando-se pessoal, até mesmo essa forma nominal
recebeu desinências em alguns contextos. Citado por Maurer Jr. (1968), J. J. Nunes4 apresenta a seguinte
construção: “Em tu vindos”. Cita ainda a ocorrência de “ganhando-mos” e “saindo-mos”. Essas
ocorrências ― ao lado de registros do particípio presente flexionado ― corroboram a flexão como
consequência da pessoalidade.
Convém agora analisar um dialeto que apresenta, nos séculos XV e XVI, casos de infinitivo
flexionado, o napolitano, do Sul da Itália. Considerando as datas, percebe-se que a flexão ocorreu
tardiamente, de modo se torna impossível pensar em influências do extinto imperfeito do subjuntivo do
latim. Além disso, observa-se que o infinitivo flexionado não foi regrado em sua limitada existência. As
duas formas, flexionadas e invariáveis, ocorrem indistinta e concomitantemente, o que comprova o fato de
ser o próprio infinitivo em todos os casos.
4
NUNES, J. J. Digressões Lexicológicas. Lisboa: Livraria Clássica, 1928.
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Resta, então, apenas uma pergunta: por que só o português herdou a forma flexionada do
infinitivo? Primeiramente, é sabido que a linguagem é imprevisível e, muitas vezes, torna-se incapaz de
explicar certos fenômenos subjetivos de um determinado grupo ou espaço linguístico. Por isso, Maurer Jr.
(1968) afirma que essa explicação não pode ser vista como indispensável. Apenas se pode expor que o
infinitivo possuiu, na história da evolução, maior vigor na aquisição de pessoalidade. Junte-se a isso as
semelhanças com o futuro do subjuntivo, e ― por que não aliar? ― também com o latino imperfeito do
subjuntivo. Por fim, o espanhol, que também conta com infinitivo pessoal, mas invariável, pode não ter
sofrido essas influências por formas de outros tempos, já que o futuro do subjuntivo nessa língua é
diferente do infinitivo.
Muito se tem escrito a respeito das normas que delimitariam os usos do infinitivo. Cunha & Cintra
(2001) acreditam que “o emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo é uma das questões
mais controvertidas da sintaxe portuguesa” (p. 485). Explicam também que os sucessivos fracassos das
tentativas de normatização se devem ao fato de os escritores da literatura de língua portuguesa terem se
pautado mais na estilística da composição do que na lógica sintática. Por isso, os mesmos gramáticos
propõem que não se deva falar em regras para a flexão do infinito, mas antes em tendências.
Vejamos um histórico das tentativas de sistematização dos usos do infinitivo.
Em 1803, o gramático Soares Barbosa publica sua obra Gramática Filosófica da Língua
Portuguesa, onde apresenta um esquema para a flexão do infinitivo. Diz o autor que deve se flexionar o
infinitivo toda vez que o seu sujeito for distinto do sujeito do verbo regente. Outrossim, infinitivo com
mesmo sujeito de seu verbo regente deve permanecer invariável.
Essa regra explica as construções: “Tu queres ir” ou “Nós queremos ir”. O mesmo autor conclui,
com isso, que Camões errou ao escrever n’Os Lusíadas: “E folgarás de veres a polícia” e “Não te
espantes/ De a Baco nos teus reinos receberes”.
A segunda regra que Barbosa apresenta é a de que o infinitivo deve permanecer não flexionado
quando a significação do verbo se aplica a um sujeito qualquer, sem determinação. Nesse caso, o infinito
comporta-se como um verdadeiro substantivo, como em “Amar é viver”; ou em “Eles não querem ir”,
onde o infinitivo funciona como complemento objetivo de outro verbo; e também em “Entre ir e ficar,
preferimos ficar”, onde o infinitivo está precedido de preposição.
O autor ainda completa que, para evitar interpretações indesejáveis, o infinitivo deve flexionar-se,
como em “Prefiro irmos embora”, além das situações em que a oração perde seu sentido abstrato e ganha
valor pessoal, e apresenta o seguinte exemplo: “O louvares-me tu me causa novidade”.
Maurer Jr. (1968), após admitir os méritos do gramático, contesta pontos considerados obscuros,
redundantes ou contraditórios. A expressão do tipo “tu queres ir” não possuiria dois sujeitos, pois para
Maurer Jr. trata-se de uma locução verbal. Contra as regras de Soares Barbosa o autor faz outras objeções,
que não nos apraz comentar por se tratar de implicâncias secundárias.
Frederico Diez, mais preocupado em descrever do que em criar regras, apresenta um princípio
geral de que a flexão só ocorre quando é possível transformar a construção infinita em uma finita. Isso
porque, sendo pessoal (e consequentemente flexionado na maioria dos casos), o infinitivo perde sua
indefinição, comportando-se como um modo finito. É o caso de “Eles pediram para ficarmos aqui”, que
pode ser transformada em “Eles pediram que ficássemos aqui”. O autor justifica que, se o infinitivo pode
assumir uma forma analítica, é porque a relação de dependência do infinitivo ao verbo regente se
afrouxou, podendo aquele exercer sua pessoalidade.
O problema é que essa regra também não abrange todas as possibilidades da língua, além de,
assim como a de Soares Barbosa, não diferenciar os usos obrigatórios dos facultativos.
Vejamos o que se diz modernamente a respeito dos usos dessa forma nominal.
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Já Dias (1918) afirmou que se podem dividir os usos do infinitivo em três casos: o do infinitivo
obrigatoriamente flexionado, o do infinitivo irrefutavelmente invariável e os casos facultativos, pautados
estes sempre em questões de estilo, de clareza, ênfase ou eufonia.
Maurer Jr. (1968) apresenta, em seu estudo sobre o infinito flexionado português, três regras
básicas para o emprego dessa forma nominal. Também outros autores se empenharam em construir ora
quadros de tendências, ora regras fixas, baseados nos usos mais fortes em nossa língua. Basear-nos-emos,
além do referido autor, em Abreu (2003), Cunha e Cintra (2001) e Tersariol (1971).
Esquematicamente, podemos afirmar que o infinitivo não flexionado tende a ser usado quando é
intensa sua impessoalidade. Com isso, o processo verbal é generalizado. Assim, o infinitivo permanece
invariável:
O emprego da forma flexionada está relacionado ao fato de o infinitivo ser pessoal e contar com
um sujeito próprio, idêntico ou não ao do verbo regente. Ele, o sujeito, não necessita vir explícito. Assim,
o infinitivo se flexiona:
b) quando tem um sujeito não expresso no contexto, de modo que a desinência é que o
apresentará8:
“Convém chegarmos cedo.”
“É preciso acabares logo o serviço.”
“Nós ficamos satisfeitos por terem vindo.”
a) Quando o infinitivo faz parte de uma locução verbal e está próximo de seu auxiliar9:
“Eles querem sair imediatamente.”
“Tu havias de ser um bom homem.”
“Nós acabamos de chegar da feira.”
Nesse caso, apenas há flexão do infinitivo em textos antigos ou quando a ênfase exige devido à distância
entre o auxiliar e o infinito. Tirante essas exceções, a flexão é bastante estranha, de modo que
aconselhamos o uso indiscriminado da forma não flexionada. Eis alguns casos de flexão tolerada:
“Quiseram os policiais, que haviam capturado com muito esforço o bandido, soltarem o patife.”
“Enfim, vamos encontrar os convidados, depois de tanta demora das nossas esposas, e desejarmos
a eles as boas-vindas.”
b) O mesmo aplica-se a infinito funcionando como complemento de verbo transitivo com mesmo
sujeito:
“Eles creram estar obedecendo às leis de trânsito.”
“Folgas de saber a notícia?”
“Nós nos orgulhamos de aprender com a senhora.”
o mesmo sujeito do verbo regente, como exemplifica Maurer Jr. (1968, p. 146): “Supúnheis terdes sido vós os
maiores beneficiados”. Para contrariar Barbosa, diz o autor do exemplo que é inadmissível a forma invariável do
verbo ser nesse caso. Nós, contudo, consideramos natural a ausência de flexão e, consequentemente, admissível.
8
Consideramos que esta regra vai ao encontro da teoria de Soares Barbosa, pois neste caso os sujeitos do verbo
regente e do infinitivo são essencialmente diferentes. Maurer Jr. (1968, p.149) relembra que é comum o infinito não
se flexionar quando vem acompanhado de pronome reflexivo. Nós acreditamos que a explicação desse fenômeno
seja a clareza que traz ao verbo o reflexivo, tal quais as desinências. Exemplos: “Convém recolher-nos”, “É bom
preparar-te”. No entanto, o próprio autor assume que a presença de pronome reflexivo realça a pessoalidade do
verbo, podendo incentivar sua flexão. Exemplo: “Juntos vimos florescer as primeiras ilusões, e juntos vimos
dissiparem-se as últimas” (Machado de Assis, apud MAURER Jr., 1968, p. 203). Acreditamos que a clareza explica
a flexão quando o reflexivo é de terceira pessoa, visto que ele é essencialmente ambíguo (permanecendo da mesma
forma para singular e plural).
9
Sempre há confusão ao tentar distinguir de um infinito como complemento verbal um infinito como verbo principal
de locução. A sutileza que difere essas duas formas não altera os resultados deste estudo, mas é comum encontrar
como traço diferencial o fato de a locução verbal formar, juntando todas as partes, uma unidade expressiva. Segundo
Maurer Jr. (1968), formam locuções os verbos: “poder, querer, dever, desejar, saber (em expressões como sabe
escrever), parecer, ir (por exemplo: vamos sair), deixar de, cessar de, começar a, acabar de, andar a, haver de, ter
de, etc.” (p. 110), além de: esperar, costumar, decidir, ousar, pretender, procurar, tencionar, tentar, estar a, estar
para, ter que (p.165). Para Luft (1996), frases como “Quero dormir” não constituem locução verbal, mas período
composto.
NAKAYAMA, Marcos A.; GALEMBECK, Paulo de T. Infinitivo flexionado: origem e uso. In
Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 2009, p. 27-54. ISSN- 0102-6869.
c) Quando o infinitivo vem regido das preposições a ou sem, com valor de gerúndio e/ou de
adjunto adverbial10:
“Os filhos andavam a gritar uns com os outros.”
“As pessoas correm sem cessar durante a semana.”
Nesse item há um caso especial citado por Maurer Jr. (1968) e Cunha & Cintra (2001), o chamado
infinitivo narrativo11. Trata-se do uso dessa forma verbal em frases nominais com caráter afetivo, com
sentido narrativo ou descritivo.
“Nós aqui estudando. E os políticos a cobrar impostos!”
“Anoiteceu e eles sem dar sinal de vida nem mandarem um recado.”12
b) Quando o infinitivo é regido por outra forma nominal do verbo (principalmente gerúndio);
visto que ela não exprime pessoalidade, o infinitivo recebe esse cargo:
“Os meninos estavam conversando em voz baixa, para não serem repreendidos pela mãe.”
“Imaginando conquistarem os eleitores, os políticos têm certeza de sua eloquência.”
10
Cunha e Cintra (2001) e Abreu (2003) inserem esta regra entre as de uso irrestrito de infinitivo não flexionado.
Este autor também reforça o caráter impessoal de orações subordinadas modais, como em: “Eles conversavam sem
parar” e “Eles assistiram ao filme sem pestanejar”.
11
Vale ressaltar que Cunha e Cintra inserem este caso como regra à parte e entre as de uso irrestrito do infinitivo não
flexionado.
12
A distância do segundo infinitivo facilitou a flexão neste caso.
13
Excetuam-se desta regra os adjetivos do supino latino terminado em -u. A flexão neste item é mais comum do que
nos outros.
14
Ver nota 3.
NAKAYAMA, Marcos A.; GALEMBECK, Paulo de T. Infinitivo flexionado: origem e uso. In
Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 2009, p. 27-54. ISSN- 0102-6869.
Também a distância entre o infinitivo e seu regente favorece a flexão daquele, como já se viu na primeira
regra do emprego preferencial do infinitivo não flexionado. Isso se aplica também quando há mais de um
infinitivo subordinado a um único termo15.
“Os pássaros pareciam cantar em homenagem a seu contentamento e voarem a louvor de sua
liberdade.”
“Vamos, depois que todos tiverem feito suas tarefas, passearmos na avenida.”
Casos especiais
a) Infinito com auxiliares causativos (deixar, ordenar, mandar, fazer e semelhantes) ou sensitivos
(ver, ouvir, sentir e semelhantes) e outros modernos como esperar ― há duas possibilidades16:
b) Na construção com o verbo parecer + infinito, ou quando o verbo regente está na voz passiva
sintética, há também duas possibilidades:
II. O verbo parecer ou o regente passivo não se flexiona, mas sim o infinitivo:
“As crianças parecia renascerem toda manhã.”
“Via-se crescerem as flores do jardim.”
Esse item vai de encontro às palavras de Abreu (2003), que não aceita a forma flexionada para essas
situações. Veja-se a respeito a nota 16 desta análise, ou leiam-se da obra do autor as pp. 191 a 193.
Considerações finais
Referências
ABREU, Antônio S. Gramática mínima: para o domínio da língua padrão. Cotia: Ateliê, 2003.
___________. Gramática latina: curso único e completo. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BARBOSA, Jerônimo S. Gramática filosófica da língua portuguesa. 7ª ed. Lisboa: Academia Real das
Ciências, 1881.
BESSELAAR, José Van D. Propylaeum latinum. Vol. 1. São Paulo: Herder, 1960.
CUNHA, Celso & CINTRA, Luís F. L. Nova gramática do português contemporâneo. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
DIAS, Augusto E. da S. Syntaxe histórica portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1918.
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0. Objetiva, 2001.
LUFT, Celso P. Dicionário gramatical da língua portuguesa. Porto Alegre: Globo, 1966.
destinar, encorajar, encarregar, ensinar, estimular, exortar, forçar, habilitar, habituar, impelir, incitar, incumbir,
induzir, levar, mover, obrigar, persuadir, privar, dizer, proibir, tolher etc.” (p.185).
NAKAYAMA, Marcos A.; GALEMBECK, Paulo de T. Infinitivo flexionado: origem e uso. In
Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 2009, p. 27-54. ISSN- 0102-6869.
___________. Dicionário prático de regência verbal. São Paulo: Ática, 1996;
MAURER JR., Theodoro H. O infinito flexionado português: estudo histórico-descritivo. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968.
TERSARIOL, Alpheu. Origem da língua portuguesa. 15ª ed. São Paulo: Lisa, 1971.