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Phaleg Joaquim

30 de abril às 02:50

Casamento Alquímico e Taoísmo: O Sol e a Lua

I - Parte

“Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as
quatro possam estar de acordo”

– Fernando Pessoa

O objetivo deste texto é explanar sobre alguns conceitos alquímicos ocidentais e orientais, evidenciar seus
paralelos com a psicologia analítica de Carl Gustav Jung e, se possível, incentivar uma reflexão sobre como
poderíamos melhorar nossa saúde mental através do entendimento da metáfora do “Casamento Alquímico”
ou “Coniunctio” dos alquimistas. Esta é a primeira parte, de duas.

Antes de começar a falar de alquimia é necessário fazer uma breve introdução sobre o que se trata este
antigo método de obtenção de conhecimento. De forma geral, a prática da alquimia se resume na obtenção
da pedra filosofal, que concede a vida eterna e transforma qualquer metal em ouro.

Para aqueles que imaginaram que leriam este texto e se tornariam ricos e imortais, isso não vai acontecer,
ao menos não literalmente. É de suma importância entender que a alquimia é uma prática alegórica, ou
seja, ela é uma grande metáfora sobre o ser humano e suas potencialidades latentes. Os metais, nada mais
são do que aspectos da personalidade que devem ser trabalhadas a fim de serem transformadas em ouro,
ou seja, manifestar o melhor e mais elevado da personalidade.

Assim como todo conhecimento ocultista relacionado ao desenvolvimento psico-espiritual, sempre fora
necessário certa discrição no que diz respeito à sua expressão e publicação. Sendo assim, os
conhecimentos alquímicos eram expressados através de metáforas e de símbolos, o que permitia que tais
conteúdos passassem despercebidos aos olhos ‘profanos’, e daqueles que não tinham, ainda, capacidade
de compreender tais ensinamentos. Além disso, esta prática simbólica, não só protegia os alquimistas
praticantes de preconceitos e perseguições, como permitia a expressão de conceitos complexos
sintetizados em símbolos.

A alquimia tem sua origem de forma incerta e cheia de mistérios, mas é possível identificar seus
ensinamentos desde o antigo Egito, através da emblemática figura do deus da magia e da sabedoria Thoth,
mais tarde sincretizado com a figura do deus Hermes grego e o Mercúrio romano, culminando na criação da
figura de Hermes Trismegisto, a quem é atribuído à autoria de diversos textos herméticos e alquímicos,
entre eles a famosa “Tábua de Esmeralda”. Vocês podem saber mais sobre Hermes aqui.

É possível também identificar uma ‘alquimia chinesa’ cujas metáforas são presentes em diversos
ensinamentos taoístas milenares. Encontramos as alegorias alquímicas atuando fortemente até o Séc. XVII,
no entanto, após esta época, com a chegada do pensamento científico e iluminista, ‘bobagens’ como
transmutação de metais foram esquecidas e deu-se lugar à um pensamento mais racional, que culminou,
entre outras ciências, na contemporânea Química. Foi só no Séc. XX que um psiquiatra suíço fez uma
interessante associação e reviveu, a luz da ciência, as metáforas alquímicas. Seu nome é Carl Gustav Jung.

Considerado como o pai da psicologia analítica, Jung tinha uma extensa formação no que diz respeito à
mitologia, estudos de religiões comparadas, e evidentemente, alquimia. Percebeu, ao atender seus
pacientes que muitos deles apresentavam conflitos e resoluções que podiam ser compreendidas através
das metáforas alquímicas, e desenvolveu, ao longo de sua vida, muitos conceitos e teorias que podem ser
consideradas uma ‘alquimia psicológica’. Vamos compreender um pouco desses conceitos para adentrar
mais a frente na metáfora alquímica. Muito desses conceitos psicológicos e alquímicos já foram discutidos
aqui.

Um conceito chave da psicologia analítica é o de arquétipo. Em grego, Arkhe: primórdio, origem e Typos:
imagem, forma. Arquétipo pode ser considerado uma estrutura psíquica universal, que é presente em
qualquer indivíduo e sociedade, de diferentes contextos sociais, geográficos e históricos. O fundamental
destas estruturas são seus conteúdos, uma vez que as formas variam. Estes conteúdos são profundos e
inesgotáveis, e uma pessoa quando interage com essas estruturas, sempre inconscientes, nunca esgota
seus significados.

Vamos imaginar o arquétipo do guerreiro. Ele compreende diversos significados, como força, coragem,
determinação, ação, movimento, caça, agressividade, persistência. Seu conteúdo, como dito, é inesgotável!
Sua forma pode variar, e ultrapassa culturas: Ares (gregos), Marte (romanos), Thor (nórdicos), Ogum
(africanos), entre diversos outros, todos eles representam simbolicamente o arquétipo do guerreiro. Na
contemporaneidade, perdemos o contato com os mitos, e principalmente com figuras religiosas, então, é
comum os arquétipos se manifestarem através de personagens e ícones da cultura que acabam carregando
esses valores simbólicos.

A existência dos arquétipos está bem documentada na enorme quantidade de comprovações clínicas
constituídas pelos sonhos e devaneios dos pacientes, e pela observação atenta dos arraigados padrões de
comportamento humano. Também está documentada nos estudos profundos de mitologia no mundo inteiro.
Vemos repetidas vezes as mesmas figuras essenciais surgindo no folclore e na mitologia. E acontece que
elas aparecem também nos sonhos de pessoas que não possuem nenhum conhecimento nessas áreas.
(GILLETTE e MOORE, 1993)

Uma vez entendido o conceito de arquétipo, vamos transcender. No exemplo citado o arquétipo do guerreiro
é praticamente um representante do masculino. Ou seja, o próprio masculino pode ser considerado um
arquétipo que se subdivide e outros arquétipos. Diversas podem ser as subdivisões, a utilizada por Robert
Moore e David Gillette, divide o Arquétipo Masculino em Guerreiro, Amante, Mago e Rei. Na alquimia é
muito comum vermos o simbolismo do Rei e do Sol como grandes representantes deste arcabouço
masculino.

Assim, como o Arquétipo Masculino tem seus ‘sub-arquétipos’, o feminino não fica para trás. Podemos
considerar o mesmo simbolismo, o da Rainha e da Lua, para representar alquimicamente o arcabouço
arquetípico do feminino, que também pode ser divido em quatro categorias principais: A donzela, a mãe, a
anciã e a amante. Vale a pena frisar que é difícil encontrar o termo amante, normalmente encontramos
‘meretriz’, contudo, existe a possibilidade disto ser um reflexo do patriarcado que, inclusive semanticamente,
reprime a sexualidade feminina, e quando ela aparece, de alguma forma é categorizada como algo errado
ou imoral, e não como uma expressão saudável e necessária.

Uma vez entendidos o significado de arquétipos, vamos entender o conceito de dois importantes arquétipos
junguianos que serão de suma importância para a compreensão da metáfora do casamento alquímico.
Estes arquétipos são a ‘anima’ e o ‘animus’. Tais conceitos nada mais são do que a manifestação dos
arquétipos que vimos anteriormente, mas o pulo do gato está em compreender que em todo homem, vive
uma figura feminina, chamada de ‘anima’ e em toda mulher, existe uma figura masculina, chamada de
‘animus’.

“São muitos os indícios da existência de padrões subjacentes que determinam a vida cognitiva e emocional
humana. Esses modelos parecem numerosos e se manifestam tanto nos homens como nas mulheres.
Existem arquétipos que moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações das mulheres, e outros que
moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações dos homens. Além disso, os junguianos
descobriram que em cada homem existe uma subpersonalidade feminina chamada Anima, formada por
arquétipos femininos. E em cada mulher há uma subpersonalidade masculina chamada Animus, composto
de arquétipos masculinos. Todos os seres humanos têm acesso a esses arquétipos, em maior ou menor
grau. Fazemos isso, na verdade, na nossa inter-relação uns com os outros”. (GILLETTE e MOORE, 1993)
Percebemos então, que existem internamente em cada um de nós, representantes de duas energias
primordiais, masculinas (Sol) e femininas (Lua), e que busca a harmonização de ambas, é um objetivo
comum, não só na psicoterapia, como em diferentes sistemas religiosos, seja na alquimia, ou na Cabala,
como vemos a seguir:

“Todos esses níveis (anima e animus) e muitos outros aspectos da polaridade do animus e da anima
formam um sistema complementar altamente complexo e, contudo, essencialmente simples que opera entre
homens e mulheres, enquanto estes trabalham dentro de si mesmos e um com o outro em busca de
equilíbrio […] Esse equilíbrio vem, segunda a cabala, quando o Adão e a Eva de cada parceiro estão face a
face em uma união mútua e interna. Jung diria que essa é a união entre o masculino e o feminino; na cabala
é visto como o ‘casamento do Rei e da Rainha'”. (HALEVI, 1990)

Ricardo Assarice

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