Você está na página 1de 22

O SIMBOLISMO DOS MANDALAS

A Kabbalah Ocidental – As Portas das Percepção

Biblioteca Nacional
Janeiro/2007 Copyright 2007 / EDA
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
Ao início deste trabalho duas dúvidas nos assaltam: a palavra mandala é substantivo masculino ou
feminino? É palavra paroxítona ou proparoxítona? Com relação ao gênero, nas obras por nós consul-
tadas, encontramos os dois gêneros. A Grande Enciclopédia Larousse Cultural1 consigna como sub-
stantivo masculino, que é o mais correto e será por nós adotado neste trabalho.
A pronúncia paroxítona é a mais usada em português e será por nós adotada, apesar de que na obra
“Fundamentos do Misticismo Tibetano2” do Lama Anagarika Govinda, Ed. Pensamento, quando
trata dos Métodos de Transliteração e de Pronúncia das Palavras Hindus e Tibetanas, nos é esclarecido
que na India e no Tibete a pronúncia é proparoxítona (mándala).
O que é símbolo e simbolismo? Na Grande Enciclopédia Larousse Cultural1 encontramos o ver-
bete SÍMBOLO, s. m., do grego symbolon pelo latim symbolum, como sendo sinal figurativo, ser ani-
mado ou coisa que representa um conceito. Exemplo: a bandeira, símbolo da pátria.
Relativamente a simbolismo, encontramos no “Dicionário da Língua Portuguesa da Academia
Brasileira de Letras3”, elaborado por Antenor Nascentes o verbete SIMBOLISMO, s. m., do francês
symbolisme, como sendo um sistema de símbolos destinado a lembrar fatos ou exprimir crenças.
No “Vocabulário da Psicanálise4”, de Laplanche e Pontalis, ed. Martins Fontes encontramos no ver-
bete SIMBOLISMO o seguinte: “A noção de simbolismo está hoje tão estreitamente ligada à psi-
canálise, as palavras simbólico, simbolizar, simbolização são tantas vezes utilizadas e em sentidos tão
diversos, finalmente os problemas que dizem respeito ao pensamento simbólico, à criação e ao mane-
jo dos símbolos dependem de tantas disciplinas (psicologia, lingüística, epistemologia, história das
religiões, etnologia, etc.), que existe especial dificuldade em querer delimitar um uso propriamente psi-
canalítico destes termos e em distinguir-lhes diversas acepções.”
É conhecido o sentido etimológico de símbolo: o symbolon para os gregos era um sinal de reco-
nhecimento (entre membros de uma mesma seita, por exemplo) que poderia ser duas metades de um
objeto partido que se completavam ao serem juntadas por dois membros da seita. Pode-se ver nesta
origem, a idéia de que é a ligação que faz o sentido.
Na “Introdução à Psicologia Junguiana5”, de Calvin S. Hall e Vernon J. Nordby, ed. Cultrix, encontramos:
“Jüng contribuiu de modo primoroso para o estudo dos processos de simbolização: dedicou ao
assunto um volume de pesquisas e de escritos muito maior do que o de qualquer outro psicólogo. Dos
seus dezoito volumes (obras completas), cinco foram exclusivamente dedicados ao simbolismo da
religião e da alquimia, e o assunto é discutido sempre de modo prático em todos os seus escritos. Não
seria exagero afirmar que os dois mais importantes conceitos de Jüng são o de arquétipo e o de sím-
bolo. Os dois conceitos estão intimamente ligados. Os símbolos são as manifestações exteriores dos
arquétipos. Os arquétipos só podem ser expressos através dos símbolos em razão de se encontrarem
profundamente escondidos no inconsciente coletivo sem que a pessoa os conheça.”
Para dar uma idéia do que é arquétipo citaremos um trecho da obra “A Busca do Símbolo6” de
Edward C. Whitmont, ed. Cultrix:
“Um campo de força é um padrão ou configuração energética que se torna perceptível ao obser-
vador experiente apenas através da padronização de elementos diretamente observáveis suscetíveis à
sua influência. Para dar um exemplo simples, sob a influência de um campo elétrico ou magnético
invisí-vel para nossos sentidos, a limalha de ferro se organiza num padrão específico que, em conse-
qüência, torna visível para nós o efeito do campo de força.
O que Jung chama de psique objetiva pode então ser comparado a um estrato energético abrangente
do qual surgem atividades de campo de força variáveis, que o observador experiente percebe através
das padronizações de configurações de imagem, emoção e impulso. Jung chamou essas expressões do
campo psíquico de complexos e arquétipos da psique objetiva.
1/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
Eles são típicas configurações energéticas ativadas por situações e problemas, tanto de fora quanto
de dentro, por pessoas, conflitos emocionais, necessidades de maturação, etc.
Eles imprimem seus padrões de força na totalidade de acontecimentos dentro de seu alcance. A psique
objetiva existe independentemente de nossa volição e intenção subjetivas. Ela opera independentemente,
mas pode ser vivenciada e compreendida. Aquilo que, por falta de compreensão, consideraríamos imagi-
nações caóticas, desejos e impulsos, pode revelar significado quando somos capazes de interpretar simboli-
camente suas manifestações imagéticas. Quando as expressões da psique objetiva são interpretadas sim-
bolicamente e depois submetidas ao teste de realidade na experiência vivida, vemos que elas não apenas
funcionam de uma forma autônoma mas que este funcionamento também parece ter um relacionamen-
to interativo definido com a mente consciente racional e criadora de conceitos.”
Na obra “Jüng7”, de Nise da Silveira, editora Paz e Terra, encontramos o seguinte sobre arquétipos: “São
matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma. Jüng compara o “arquétipo”
ao sistema axial dos cristais, que determina a estrutura cristalina na solução saturada, sem possuir, contu-
do, existência própria. A noção de arquétipo, postulando a existência de uma base psíquica comum a todos
os seres humanos, permite compreender por que em lugares e épocas distantes aparecem temas idênticos
nos contos de fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, nas produções do inconsciente
de um modo geral, seja nos sonhos de pessoas normais, seja nos delírios dos loucos.”
Para Jüng, a evolução da psique humana desde o aparecimento do homem na terra deixou marcas
no sistema nervoso e no organismo humano, que se escondem no inconsciente psíquico, e podem ser
chamadas “resíduos arcaicos”. A isso deu o nome de “imagens primordiais” ou arquétipos, conforme
está claramente exposto na obra “O Homem e seus Símbolos8”, de Jüng, editora Nova Fronteira.
Voltando ao conceito de símbolo, na obra “A Vida Simbólica9”, ed. Vozes, vol. XVIII/1 das obras
completas, Jüng, no parágrafo 416, nos esclarece:
“Chamamos de símbolo um conceito, uma figura ou um nome que nos podem ser conhecidos em
si, mas cujo conteúdo, emprego ou serventia são específicos ou estranhos, indicando um sentido ocul-
to, obscuro e desconhecido.”
E no parágrafo 417:
“Um conceito ou uma figura são simbólicos quando significam mais do que indicam ou expressam.
Eles têm um aspecto abrangente “inconsciente” que nunca se deixa exaurir ou definir com exatidão. A
causa dessa peculiaridade deve ser buscada no fato de no estudo do símbolo o espírito ser levado, em
última análise, a representações de natureza transcendental e diante das quais deve capitular nossa
compreensão. O círculo, por exemplo, pode levar à representação do Sol “divino”, onde a compreen-
são racional se mostra incompetente, pois não estamos em condições de definir ou demonstrar um Ser
Divino. Somos apenas humanos e nossas faculdades mentais são, portanto, limitadas.”
E no parágrafo 418:
“Como existem muitas coisas que estão além da compreensão humana, usamos freqüentes vezes –
consciente ou inconscientemente – figuras e conceitos simbólicos quando a elas nos referimos; não só
usamos símbolos, mas também os produzimos espontaneamente em nossos sonhos. O simbolismo é
um dado psicológico que merece um aprofundamento maior.”
Na obra “O Homem e seus Símbolos8”já citada, na parte que trata da Função dos Símbolos, nos diz Jüng:
“Quando um psicanalista se interessa por símbolos ocupa-se, em primeiro lugar, dos símbolos natu-
rais, distintos dos símbolos culturais. Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique
e, portanto, representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais.
Em alguns casos pode-se chegar às suas origens mais arcaicas, isto é, a idéias e imagens que vamos
encontrar nos mais antigos registros e nas mais primitivas sociedades.”
2/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
“Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados para expressar “verdades
eternas” e que ainda são utilizados em muitas religiões. Estes símbolos culturais guardam, no entanto,
muito da sua numinosidade original ou “magia”. Constituem-se em elementos importantes da nossa
estrutura mental e forças vitais na edificação da sociedade humana. Erradicá-los seria perda das mais
graves. Quando reprimidos ou descurados, a sua energia específica desaparece no inconsciente com
incalculáveis conseqüências. Esta energia psíquica que parece ter assim se dispersado vai, de fato, servir
para reviver e intensificar o que quer que predomine no inconsciente – tendências, talvez, que até
então não tivessem encontrado oportunidade de expressar-se ou, pelo menos, de serem autorizadas a
levar uma existência desinibida no consciente. Estas tendências formam no consciente uma “sombra”,
sempre presente e potencialmente destruidora.”
“A época em que vivemos tem demonstrado o que acontece quando se abrem as portas deste
mundo subterrâneo. O homem moderno não entende o quanto o seu “racionalismo” (que lhe destru-
iu a capacidade para reagir a idéias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do “submundo” psíquico.
Libertou-se das “superstições” (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas neste processo perdeu seus va-
lores espirituais em escala positivamente alarmante. Suas tradições morais e espirituais desintegraram-
se e, por isto, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais.”
“Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus
valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. Sua gente perde o sentido da vida, sua
organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramo-
nos agora em idênticas condições. Mas na verdade não chegamos nunca a compreender a natureza
do que perdemos, pois os nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam-se mais em proteger
suas instituições do que em entender os mistérios que os símbolos representam. Na minha opinião, a
fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas, infortunadamente, numerosas pessoas
religiosas parecem ter tamanho medo da ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam
cegas a estas forças psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os destinos do homem.
Despojamos todas as coisas do seu mistério e da sua numinosidade; e nada mais é sagrado. À medida
que aumenta o conhecimento científico diminui o grau de humanização do nosso mundo.”
Voltando à obra “Introdução à Psicologia Junguiana5”, temos mais o seguinte com relação a
Símbolos: “Em última análise, os símbolos são representações da psique; são projeções de todos os
aspectos da natureza humana. Além de expressar a sabedoria humana racial e individualmente adquiri-
da e armazenada, podem representar também os níveis de desenvolvimento, os quais são predesti-
nações da futura condição do indivíduo. O destino do homem e a evolução futura de sua psique estão
estabelecidos nos símbolos.”
“No entanto, o homem não tem uma consciência direta do conhecimento contido num símbolo; é
preciso que decifre o símbolo para lhe descobrir a importante mensagem. Os dois aspectos de um sím-
bolo, um retrospectivo e guiado pelos instintos, o outro prospectivo e guiado pelas metas supremas da
individualidade transcendente, constituem as duas faces de uma mesma moeda. A análise retrospecti-
va expõe a base instintiva e a análise prospectiva revela os anseios da humanidade que aspira à pleni-
tude, ao renascimento, à harmonia, à purificação.”
Para encerrar esta síntese sobre o símbolo e o simbolismo, vamos nos reportar à obra PSICOSSÍNTESE10,
do Dr. Roberto Assagioli, ed. Cultrix. Ao referir-se à Técnica de Utilização de Símbolos, diz o seguinte:
“O objetivo desta técnica é utilizar a enorme e ainda bem longe de ser inteiramente avaliada potência
dos símbolos na dinâmica da vida psicológica. Os símbolos estão sendo constantemente usados por todos
mas, em geral, de um modo inconsciente e, com freqüência, de maneira não construtiva ou até perniciosa.
Portanto, uma das necessidades urgentes da terapia e da educação, é compreender a natureza e o
poder dos símbolos, o estudo das muitas classes e espécies de símbolos e sua utilização sistemática
para fins terapêuticos, educacionais e de auto-realização. 3/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
A função dinâmica primitiva e básica dos símbolos é a de serem acumuladores, no sentido elétrico,
como recipientes e preservadores de uma carga ou voltagem psicológica dinâmica. A segunda função
dos símbolos, e a mais importante, é a de transformadores de energias psicológicas. Uma terceira
função é a de condutores ou canais de energias psicológicas. A quarta e última função dos símbolos é
a de serem integradores das energias psicológicas.
Os símbolos como acumuladores, transformadores e condutores de energia psíquicas, e os símbolos
como integradores, têm funções terapêuticas e educacionais sumamente importantes e úteis. E isso tam-
bém pode ser considerado em referência à psicodinâmica, porque a integração é realmente uma função
da energia, especificamente a função do que se designa por sintropia, em contraste com a entropia.
Sintropia refere-se a uma elevação da tensão da voltagem da energia psicológica e também da biológica.”
O princípio de sintropia, bem como sua teoria geral, foram muito bem expostos pelo matemático italiano
Luigi Fantappiè. Nascido em Viterbo, em 1901 e falecido na mesma cidade em 1956, ampliou as idéias de
Volterra, desenvolvendo uma teoria dos funcionais analíticos, em 1926, e estendeu-a às funções de va-
riáveis complexas. Ele foi um dos fundadores do Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde trabalhou de 1934 a 1939.
“Num certo sentido, a sintropia consiste num sistema completo de coleta, armazenagem, transfor-
mação e, finalmente, utilização de energias. A sucessão normal da eficiência psicodinâmica do símbo-
lo é a de atrair energias psicológicas, armazená-las, subseqüentemente transformá-las e depois, utilizá-
las para vários fins, sobretudo para o importante objetivo de integração.”
Voltando à natureza e valor qualitativo dos símbolos, convém deixar tão clara quanto possível a relação entre
o símbolo e a realidade que ele representa. Essa relação baseia-se principalmente, senão exclusivamente, na
analogia. A analogia, poderíamos dizer, é um importante elo psicológico entre realidades externas e internas.
A analogia pode ser e tem sido muito mal usada, ou usada de forma exagerada e irreal. Isso ocorreu especial-
mente durante a Idade Média, e produziu uma reação, uma desvalorização e até uma rejeição da analogia,
sobretudo na ciência. Mas como é uma atividade psicológica normal e realmente inevitável, o resultado foi a
renúncia a uma valiosa via de acesso ao conhecimento. Um dos modos como a analogia pode ser sistemati-
camente usada é tentar descobrir novas e incomuns relações e formular hipóteses (ou modo de ver as coisas)
que não ocorreram antes. É um método que está repleto de ricas possibilidades para a criatividade, não só
numa acepção artística e humanista, mas também de um ponto de vista científico.
É claro, precisa ser acompanhado de um uso sistemático do pensamento analítico, a fim de conferir
o valor da analogia. Pode-se usar a analogia como um método para obter novas perspectivas, sobre
quase todos os assuntos. Está ligada à parte do processo criativo que poderíamos chamar “estágio de
afrouxamento”, quando se permite ao inconsciente que estabeleça novas relações criativas; e tem que
ser seguido, depois de um processo rigoroso de verificação e pensamento analítico.
A analogia é heurística em função e natureza, e fornece uma imagem relativa, não “fotográfica” ou
exata, da realidade que, de qualquer forma, é de muito difícil conhecimento, principalmente porque
estamos limitados em nossas percepções, pelos nossos sentidos, que só são sensíveis a uma faixa de
ondas vibratórias de luz, de som, etc.
A possível e desejável integração dos vários campos do conhecimento pelo método de analogia, e os
métodos de verificação, sistematização e incorporação do repertório de conhecimento, tem um para-
lelo na integração da intuição e do intelecto. De fato, a intuição é entre outras coisas, um órgão para
a descoberta de analogias.”
Após as considerações sobre símbolo e simbolismo, vamos entender o que quer dizer MANDALA. É
uma palavra de origem sânscrita. O sânscrito foi um dos idiomas primitivos da India e deu origem às
diversas línguas existentes atualmente naquele país, assim como o latim deu origem a várias línguas
européias: italiano, francês, romeno, espanhol, português, catalão, etc. Originalmente, em sânscrito, a
palavra MANDALA significava círculo, arco, ciclo. 4/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SHRI-YANTRA
No tantrismo hindu e no budismo tântrico, o MANDALA é um diagrama simbólico representando a
evolução e a involução do universo em relação a um ponto central, como define assim o verbete MAN-
DALA, a Grande Enciclopédia Larousse Cultural1.
Na “The Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion11”, editada pela Shambala Publications
Inc., Boston, USA, que contém todo o vocabulário do Taoísmo, do Hinduísmo, do Budismo e do Zen,
é seguinte a tradução do verbete MANDALA:
1. A volumosa coleção de versos do “Rig Veda” é dividida em dez mandalas (ou dez ciclos de hinos).
2. Um desenho místico usado no tantrismo hindu, um diagrama construído, de círculos, quadrados,
triângulos, simbolizando as forças cósmicas, e que são usados na prática da meditação.
3. Uma representação simbólica de forças cósmicas, em duas ou três dimensões, que é de consi-
derável significado no budismo tântrico do Tibete, conhecido como Vajrayana. Os mandalas são
usados primariamente como um suporte para a meditação, por meio da visualização de um
desenho, de uma figura ou de um símbolo. A palavra sânscrita MANDALA foi traduzida para o
tibetano como DKYL-KHOR, que se traduz por CENTRO-PERIFERIA.
O MANDALA é ainda compreendido como a síntese em um esquema unificado de numerosos ele-
mentos distintos, que através da meditação pode ser reconhecido como a natureza básica da existên-
cia. O caos aparente e a complexidade das coisas são ordenados em um arranjo de linhas, figuras
geométricas ou não, cores, etc. caracterizado por uma hierarquia natural”.
Isto nos lembra o lema maçônico expresso em latim ORDO AB CHAOS, usado em documentos, e
que significa: “Assim como Deus geometriza, emanando universos com nebulosas multiformes, assim
também a Arte Real maçônica transforma o caos em ordem harmoniosa, eliminando a confusão e
acendendo a luz da compreensão onde imperavam as trevas da ignorância. Se as pedras brutas arran-
cadas das pedreiras são talhadas e polidas para a construção de edifícios, templos e catedrais, também
os homens comuns são escolhidos pela Maçonaria e por ela preparados, instruídos e transfigurados em
mestres aptos a construir, fortalecer, embelezar e aprimorar o edifício social da humanidade.”
(Dicionário de Maçonaria12”, de Joaquim Gervásio de Figueiredo, editora Pensamento).
A forma do MANDALA, que é determinada pela tradição, no budismo Vajrayana é em sua estrutu-
ra básica a representação de um palácio quadrado, com um centro, e quatro portas situadas nos qua-
tro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste. Os mandalas podem ser pintados, desenhados ou feitos
como objetos de metal.
O hinduísmo tântrico é um sincretismo religioso da India, que dá importância ao cerimonial, às palavras
mágicas e sagradas, às músicas sagradas, a deuses e deusas. A palavra TANTRA refere-se a um grupo de
textos que orienta esse ramo religioso. Em sânscrito TANTRA quer dizer “contexto” ou “trama” (a trama
dos tecidos). O tantrismo absorveu muitos princípios do Ioga. Nesse aspecto, o budismo Vajrayana é o que
mais se assemelha ao tantrismo hindu, e por isso é chamado budismo tântrico.
No tantrismo hindu, que abordaremos primeiro, os MANDALAS são também chamados de
IANTRAS. IANTRA é uma palavra sânscrita que significa SUPORTE.
O IANTRA é um diagrama místico usado como um símbolo do divino. Na prática da meditação ele
funciona como um suporte, pois por meio de sua visualização concentrada e interpretação simbólica,
o devoto pode atingir a união mística com Deus. Na obra “O Tantrismo13”, de Jean-Michel Varenne,
editora Martins Fontes encontramos o seguinte:
“O IANTRA é um diagrama, uma figura geométrica destinada à instrução e à contemplação iniciáti-
ca dos adeptos. Composto de pontos, linhas, círculos, triângulos e quadriláteros, cujas múltiplas com-
binações e emaranhado não obedecem a um propósito meramente artístico; o IANTRA é uma repre-
sentação estática de forças em movimento.”
5/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SHRI-YANTRA
O tantrismo se baseia no conceito de uma força extraviada e propõe sua reintegração no princípio imó-
vel. O IANTRA participa, ritual e pedagogicamente, desta perspectiva, figurando o esquema geométrico
dessa potência, simultaneamente, em expansão e contração. A partir de um ponto central chamado
BINDU, a abstração das linhas pode ser interpretada em um duplo movimento: excêntrico ou concêntrico.
O adepto, ao cabo de uma visualização complexa, chega ao ponto central do diagrama e interioriza-
o completamente, a fim de que suas próprias energias se fundam na unidade.
Essas energias, representadas pela organização espacial do diagrama, reintegram o ponto único, o
BINDU, origem do desdobramento, mas também da absorção no divino. O IANTRA é um protótipo
energético cuja eficácia cresce segundo o grau de compreensão e de abstração do adepto; este interi-
oriza o modelo a fim de que suas forças psíquicas (cujo esquema ideal o diagrama apresenta) possam
reunir-se, organizar-se, recentrar-se.
A prática do IANTRA pressupõe uma instrução técnica precisa, trabalhada e esotérica. O IANTRA
permanece fechado à consciência profana, que não pode penetrar-lhe os mistérios sem um ensino dire-
to. Essa estrutura abstrata é impenetrável para os não-iniciados, pois as projeções do imaginário são
automaticamente neutralizadas.
O IANTRA não é um suporte de vidência ou de advinhação, como o TARÔ ou o I CHING. As imagens, os
símbolos, os arquétipos oriundos do inconsciente não mantêm contato com esses arabescos enigmáticos.
A contemplação do diagrama e seu aprofundamento dependem da consciência do discípulo, de sua
capacidade para integrar o esquema. Esta é a razão pela qual existem cerca de 960 modelos de IANTRAS
no tantrismo hindu, cada qual adaptado ao plano de realização interior alcançado pelo adepto.
Um devoto avançado será capaz de assimilar e de viver a identidade IANTRA - energia – consciência
antes de “desaparecer” (esquecer de si mesmo) em sua própria contemplação, ao passo que um prin-
cipiante deverá se contentar com um estado interiorizado de quietude.
Durante a visualização do IANTRA o adepto harmoniza sua substância corporal com o protótipo
energético. Cada figura geométrica possui um sentido ao mesmo tempo simbólico e operatório. Assim, o
triângulo, conforme seu vértice se dirija para cima ou para baixo, significa respectivamente, a energia espíri-
to e energia matéria. O mais conhecido de todos os IANTRAS é o SHRI-IANTRA, visualizado à pág. 7/21.
Vamos procurar interpretar alguma coisa sobre o SHRI-IANTRA, com base em comentários, não só da
obra “O Tantrismo13” como também com base na obra “SAKTI y SAKTA14” de Arthur Avalon, pseudô-
nimo de Sir John Woodroffe, editora KIER, Buenos Aires; “TANTRA21” de Georg Feuerstein, Nova Era, Rio
de Janeiro, 2004; “THE TANTRA22” de Victor M. Fic, Abhinav Publications, Nova Delhi, India, 2003 e
“KAULA TANTRA23” de Tarananda Sati (Osvaldo Luiz Marmo), Madras Editora, São Paulo, 2006.
O SHRI-IANTRA propõe a visão unitiva das energias espírito e matéria. É um diagrama composto de
nove triângulos entrecruzados, cinco dos quais com o vértice dirigido para baixo e quatro para cima;
simboliza o Cosmos e sua Causa Divina. Os dois jogos de triângulos estão superpostos para demons-
trar a união do deus SHIVA masculino com a deusa SAKTI feminina.
Os cinco triângulos representam o aspecto feminino e o poder de Sakti, e os quatro triângulos represen-
tam o aspecto masculino e o poder de SHIVA. Este IANTRA tem nove rodas ou CHAKRAS, algumas for-
madas pela interseção dos nove triângulos, sendo que esta interseção cria 43 pequenos triângulos.
O primeiro CHAKRA exterior é representado pela cor verde, que colore os quarto pontos cardeais
norte, sul, leste e oeste e significa o ciclo das aspirações e desejos inconstantes.
O segundo CHAKRA é composto por dezesseis pétalas amarelas e o terceiro por oito pétalas ver-
melhas e significam as pétalas da realização dos desejos.
O quarto CHAKRA é composto pelos 14 pequenos triângulos escuros que selam a potencialidade
do despertar espiritual.
6/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SHRI-YANTRA
O quinto e o sexto CHAKRAS são compostos pelos dez pequenos triângulos
vermelhos e escuros, que coincidem com a emergência do conhecimento interior.
O sétimo CHAKRA é composto pelos oito pequenos triângulos cinzas, que
cortam os nós de todos os desejos.
O penúltimo CHAKRA é branco e significa a máxima realização espiritual.
O último CHAKRA é o ponto BINDU central, dentro de um triângulo
amarelo, significando o êxtase realizado: SAT-CHIT-ANANDA ou SER-
CONSCIÊNCIA-BEATITUDE.
Abordaremos agora o MANDALA do Vajrayana ou budismo tântrico. Tomaremos por base a obra
“O Budismo Tibetano15”, de Jean-Michel Varenne, editora Martins Fontes. Nela encontramos:
“O MANDALA é uma figura geométrica composta por um certo número de quadrados e de círculos que
obedecem a uma disposição rigorosamente simétrica, organizada em torno de um ponto central.”
Símbolos arquetípicos tibetanos, budas, bodhisattvas, yiddans, divindades pacíficas ou iracundas (irritadas)
são pintados sobre tecidos (os tankas) ou desenhados sobre o solo. O MANDALA é uma representação ini-
ciática dos poderes psíquicos atuantes no universo e nos seres; sua contemplação instaura no adepto uma
experiência espiritual fundamental e conclui, em princípio, uma longa série de ritos preparatórios.
O simbolismo do MANDALA está em íntima correspondência com a metafísica do budismo
Mahayana, do qual o Vajrayana é um dos ramos, e se fundamenta na equivalência entre Samsara e
Nirvana, ou entre fenômeno e númeno; o iniciado deve aprender a interpretar e depois a integrar o
duplo movimento de expansão-contração das forças cósmicas, que criam e destroem alternativamente
as várias manifestações das formas de vida no Universo.
Este movimento centrífugo e centrípeto começa no centro do MANDALA e se espalha em direção à
periferia numa multiplicidade de aspectos; a integração iniciática realiza um caminho em que o inicia-
do se libera das projeções de sua psique, antes de se estabelecer na unidade de sua consciência incri-
ada. Assim, o MANDALA propõe simultaneamente duas formas de leitura simbólica:
1 - Do centro à periferia, o Um fundamental se desintegra numa pluralidade de emanações.
2 - Da periferia ao centro, a psique reflui, involui sobre si mesma e os elementos dispersos se dissolvem
na unidade primordial. A iniciação no MANDALA é uma experiência psicológica e espiritual determinante.
A maioria dos seres humanos sofre inconscientemente de uma falta de unidade, de coerência interior e
procura sem descanso os meios de pôr um freio no sentimento de dispersão e de desamparo que os oprime.
Involuntariamente somos submetidos à tirania das nossas projeções psíquicas; na vigília ou quando so-
nhamos, estamos sempre fugindo da nossa verdadeira natureza, criando, graças à memória e à imaginação,
universos psíquicos paralelos onde atuamos em representações nas quais nossas paixões, desejos e repulsas
são fugazmente teatralizadas... Os MANDALAS parecem um teatro, onde se reconstituem os dramas psi-
cológicos quotidianos e fixam os poderes perturbadores numa representação arquetípica. As inúmeras divin-
dades que povoam o MANDALA correspondem aos medos, aos impulsos e repulsas; o simbolismo con-
segue finalmente “materializar” este turbilhão imperceptível, fixando reações habitualmente ocultas.
Por meio desta teatralização simbólica, o adepto aprende a controlar seus impulsos, e a partir deste
momento, as energias investidas em suas criações fantasmáticas contribuem para a reintegração da
psique individual na unidade impessoal.
Assim, o MANDALA é uma iniciação mas também é uma terapia: as atuações inconscientes que
desestabilizam o ser profundo acalmam-se ao final de uma assimilação consciente dos mecanismos
projetivos, ocorrendo a metanóia. Cada deidade ou divindade honrada no MANDALA é dual e ofe-
rece um duplo rosto simbólico, pacífico ou irritado; enquanto formos incapazes de interpretar estas fi-
guras, elas nos deixarão perdidos no labirinto das projeções; assim que estivermos em condições de
identificá-las como uma emanação do nosso psiquismo, elas nos indicarão o caminho. 7/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SHRI-YANTRA
As divindades “habitam” pontos estratégicos; o percurso no MANDALA depende da nossa própria ori-
entação interior: o que provoca o erro de alguns, facilita a libertação espiritual de outros. Os MANDALAS
pintados em tecidos (tankas) não se prestam às iniciações, mas sim à contemplação e meditação, bem
como à memorização pedagógica das diferentes seqüências iniciáticas.
Tradicionalmente, o MANDALA iniciático é desenhado sobre o solo com pó de arroz de diversas
cores, e cada cor simbólica é atribuída a cada espaço delimitado pelo entrecruzamento das figuras
geométricas.
A sua construção exige uma minúcia, uma destreza e uma atenção excepcionais, deixadas a critério dos
mestres. A escolha do dia e do lugar propício para a iniciação no MANDALA é fixado pelo mestre de ceri-
mônia, depois de cálculos astrológicos relativos ao discípulo, e cálculos geomânticos relativos ao lugar.
Antes da participação do futuro iniciado, nos quatro cantos do MANDALA são colocados vasos
votivos, com substâncias preciosas, e ornados com fitas, flores e ramagens. Estes receptáculos con-
sagrados são destinados a acolher a “descida” das divindades que vão ajudar o adepto. Os deuses e
divindades que presidirão o desenvolvimento da iniciação são invocados por litanias.
A iniciação no MANDALA acontece depois de uma longa preparação. Esta cerimônia é um sacra-
mento, uma espécie de batismo complexo, que aparenta ser uma espécie de drama cósmico, implican-
do em uma morte de um estado de consciência e o renascimento num estado de consciência superi-
or. Precauções purificadoras são tomadas com relação ao neófito, tais como banhos, jejum e abstinên-
cia sexual antes da cerimônia.
Esta preparação acalma e harmoniza a psique, antes de conduzi-la a um processo perturbador. Na
véspera da iniciação o neófito deve dormir sobre o lado direito, com a cabeça apoiada na palma da
mão direita, e recitar mantras ou palavras sagradas. A razão desta posição, segundo a tradição, é
porque era a posição de Buda quando de sua morte física.
Ao amanhecer do dia da iniciação, o neófito conta os seus sonhos ao mestre, o qual, dependente de
sua interpretação, decide realizar ou rejeitar o rito. A cerimônia deve se desenvolver num propósito
totalmente desinteressado, sem o desejo de obter recompensas terrestres ou favores celestes.
O discípulo reitera os três votos do budismo: o Dharma (a lei e as normas), o Buda (o mestre supre-
mo) e a Sangha (a comunidade monástica). Depois de lhe vendar os olhos, o mestre conduz o discípu-
lo à porta Leste do MANDALA; êste então joga uma flor no círculo e o lugar em que cair vai determi-
nar o caminho adequado e a natureza das divindades protetoras.
Conforme os neófitos obedeçam à luxúria, à cólera, à avareza, à confusão mental, etc., diferentes
divindades deverão presidir ao desenvolvimento da cerimônia. É portanto indispensável que a totali-
dade das forças invocadas no MANDALA correspondam ao temperamento do neófito. Este, identifi-
cado com o desenvolvimento do mistério iniciático, revive os momentos cruciais das etapas psíquicas
de sua vida espiritual. Sem uma perfeita identidade entre suas projeções pessoais e sua representação
simbólica, o discípulo seria incapaz de elaborar as inúmeras sugestões impostas pelo drama iniciático,
e a reabsorção das projeções na unidade do espírito malograria.
As visões obtidas no “círculo mágico” (MANDALA) têm uma consistência e um poder muito forte. A
consciência reflui lentamente, volta-se para si mesma e distingue, além das visualizações “holográficas”, o
desdobramento das energias que alicerçam a psique. O neófito vai se adiantando aos poucos até o centro
do MANDALA, e o estrelamento das divindades pacíficas e irritadas existentes no MANDALA, integram-
se numa perspectiva geométrica, esboça-se uma estrutura cujas linhas convergem para o ponto central,
que acaba por se fundir na própria consciência do adepto, iniciado nos mistérios do espírito incriado. Além
de sua materialização espetacular, o MANDALA é uma central de energia, que distribui e absorve as
paixões e os desejos, promovendo uma transferência iniciática das forças psíquicas para o espírito incondi-
cionado, que as absorve uma a uma.
8/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
O MANDALA, diagrama psíquico posto em prática pelos hinduístas e budistas, além de suas implicações cul-
turais e religiosas, revela, muitos séculos antes da psicologia profunda, os mecanismos projetivos da consciên-
cia. O psicólogo suiço Carl Gustav Jüng publicou numerosos desenhos realizados por seus pacientes ocidentais,
cuja estrutura geométrica e simetria centralizada evocam incontestavelmente os MANDALAS orientais.
Nos MANDALAS do budismo tibetano, a partir do centro em expansão, são estabelecidas ao menos
cinco zonas essenciais, que correspondem aos cinco poderes associados aos seus principais “bodhissatvas”.
Assim, ao “bodhissatva” VAIROCANA, chamado “resplandescente”, de cor branca, é associado ao seu
poder sobre a matéria e as trevas mentais. O “bodhissatva” AKSHOBHYA”, chamado “inabalável”, de cor
turquesa, é associado ao seu poder sobre o conhecimento e a cólera. O “bodhissatva” RATNASAMBHA-
VA, chamado “a matriz da gema”, de cor amarela, é associado com a sensação que se degrada em orgu-
lho. O “bodhissatva” AMITABHA, chamado “luz infinita”, de cor vermelha, é associado com a ideação e
com a concupiscência. E por último, o “bodhissatva” AMOGASIDHI, chamado “infalível perfeição”, de
cor verde, tem poder sobre o “karma” e o ciúme.
Os quatro lados do MANDALA são fechados por portas situadas nos pontos cardeais, e do lado de for a
devem ficar os demônios, ou as forças inconscientes recalcadas na psique. Além de suas características religiosas
e culturais, o MANDALA é também uma invenção terapêutica, cujo enquadramento simbólico e conseqüên-
cias psicológicas ultrapassam o hinduísmo e o budismo, alcançando uma experiência espiritual universal.
Um dos mais conhecidos MANDALAS tibetanos pintados e de forma apenas circular, dedicado à
meditação, é o SIDPE-KORLO, cuja tradução é RODA DA VIDA, que se pode ver na obra “Psicologia
e Alquimia16”, de Carl Gustav Jüng, vol. XII das obras completas, ed. Vozes, fig. nº 40. Na página 10,
há uma reprodução do mandala tibetano RODA DA VIDA.
Em todos os monastérios, santuários, assim como em grande número das habitações tibetanas, há
uma representação pintada da Roda da Vida. Vamos procurar interpretar este MANDALA, e tomare-
mos por base nessa tarefa, as seguintes obras:
1 - Psicologia e Alquimia16, acima citada;
2 - O Budismo Tibetano15, já citado;
3 - Fundamentos do Misticismo Tibetano2, citado no início deste trabalho; e
4 - Introdução à Psicologia Tibetana17, de Clovis Correia de Souza Filho, ed. Vozes.
5 - Teoria e pratica del mandala24, de Giuseppe Tucci, Astrolabio Ubaldini Editore, Roma, 1969.
6 - A mente incorporada - Ciências cognitivas e experiência humana25, de Francisco J. Varela,
Evan Thompson & Eleanor Rosch, Artmed Editora, Porto Alegre, 2003.
7 - Caminhos para a iluminação26, de Lama Mipham, Editora Dharma, São Paulo e Rio de Janeiro, 2004.
8 - Budismo27, de Georges da Silva e Rita Homenko, Pensamento, São Paulo, edição de 1999.
9 - A essência dos ensinamentos de Buda28, de Thich Nhat Hanh, Rocco, Rio de Janeiro, 2001.
10 - Budismo29, de Richard A. Gard, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1964.
Vamos iniciar a interpretação pelo ponto central, partindo do centro em direção à
periferia. No centro da roda vemos uma ave, uma serpente, e um animal, morden-
do a cauda um do outro, em círculo. A ave representa o desejo passional, a con-
cupiscência, a inveja, a cobiça, a avidez e o apego. A cobra representa o ódio, a
cólera, a aversão, a inimizade. O animal representa a ilusão, a delusão, a ignorân-
cia, os impulsos cegos da personalidade, a inconsciência. Enfim, os três represen-
tam tudo o que nos envenena psiquicamente, coisas que impelem a individualidade
a novos nascimentos e mortes.
9/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
Estes três motivos básicos, ou causas-raízes da existência não-iluminada, constituem o cubo central da
roda dos renascimentos. As três representações, ao morderem a cauda do que está à sua frente, mostran-
do que estão inseparavelmente ligados, revelam que elas se condicionam reciprocamente. São a causa de
todo o sofrimento e insatisfação. Das três raízes, é a ignorância que gera as outras duas, pois é a ignorân-
cia da verdadeira natureza das coisas e de nós mesmos que nos levam a considerar o transitório como per-
manente, e coisas desejáveis irreais, como se fossem reais.
Nos seres mentalmente e espiritualmente subdesenvolvidos, guiados por pulsões cegas e dirigidos pelo incons-
ciente, a carência do verdadeiro conhecimento leva à confusão mental, procurando a felicidade efêmera, a fuga
do sofrimento, o medo de perder o que foi conseguido e a luta pela posse de coisas materiais.
Geralmente vivemos a “nossa” versão da realidade, projetando esta versão no mundo à nossa volta,
até que um dia começamos a indagar se essas projeções existem realmente ou se existe até a entidade
pessoal a que damos o nome de eu. É preciso encontrar uma saída deste tumulto, desta situação com-
plexa, mediante a compreensão das três raízes: ignorância/ilusão, desejo/apego, repulsa/ódio.
A menos que nos relacionemos com elas como parte do caminho, trabalhando com elas, compreen-
dendo-as e as transcendendo, não encontraremos a saída, o objetivo final da existência. A psicologia
budista e transpessoal tibetana nos diz que, se o sofrimento existe, ele deve ser realizado, sua origem
deve ser superada, e por este meio a sua cessação deve ser alcançada.
Ver as coisas como elas realmente “são” é o início do caminho da salvação. A psicologia tântrica e transpes-
soal tibetana acrescenta que as próprias situações existenciais da Roda da Vida, com toda a sua confusão e
ilusão, fornecem os meios possíveis de realizá-las e superá-las. O círculo central, encerrando as três raízes,
mostra a origem do sofrimento. A compreensão da natureza destas três raízes é o tema central da psicologia
tibetana da Roda da Vida, e que nos diz que podemos fazer algo a respeito da qualidade de nossa existência.
Há um plano relativo e um plano absoluto. A não satisfação de um desejo ocasiona frustração e sofri-
mento no plano relativo. No plano absoluto este sofrimento teria origem na não realização da ver-
dadeira natureza do ser humano.
Da mesma forma, há uma terapia relativa e uma terapia absoluta. A terapia relativa ocupa-se do sofri-
mento ocasionado no plano da satisfação imediata dos desejos. A terapia absoluta ocupa-se da satis-
fação de todas as necessidades existenciais, pois se dirige à essência da existência e do ser humano. A
terapia absoluta é a que se ocupa da origem primordial de todos os sofrimentos da existência humana,
e não apenas com os efeitos relativos decorrentes da inadequação do ser humano à existência.
Pela cura da causa, pela cura da origem primordial de todas as frustrações e sofrimentos, curam-se
automaticamente todos os efeitos decorrentes. Mas a simples cura dos efeitos, não promove a cura da
causa, que é a origem primordial dos mesmos, e assim, o mal voltará a se repetir.
Ambas as terapias são válidas nos seus respectivos planos. A terapia absoluta vem alargar as perspec-
tivas da terapia relativa, dando-lhe uma visão mais ampla da realidade e das possibilidades existenciais
do ser humano. Embora a terapia tibetana reconheça o valor da terapia relativa, ela atua mais no plano
absoluto, no sentido da origem primordial das coisas, em vez de lidar só com os efeitos. Resistir ao
sofrimento aumenta a sua intensidade. Realizar a sua origem é o primeiro passo para a sua dissolução.
Em volta do círculo central da Roda da Vida, há um segundo círculo maior. Nele vemos figuras claras
na metade esquerda e figuras escuras na metade direita, simbolizando os altos e baixos da existência
condicionada. Impulsionados pelos aspectos positivos os serem sobem, experimentando sentimentos
de satisfação e felicidade. Impulsionados pelos aspectos negativos, os seres descem, experimentando
sentimentos de insatisfação e sofrimento.
Como a existência dentro deste segundo círculo ainda é condicionada, ela é sempre relativa, e
ninguém consegue gozar de uma satisfação duradoura e permanente. Estes altos e baixos existem,
tanto no plano material e social, quanto no emocional e mental.
11/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
É preciso se subtrair a esta lei da relatividade entre causa e efeito, entre ação e reação. Mas isso só é pos-
sível saindo do plano relativo para o plano absoluto da realização da verdadeira natureza da existência.
A psicologia transpessoal tibetana nos fala sempre em dois planos: o relativo e o absoluto. O absolu-
to lida com a causa, com a origem primordial, e o relativo lida com os efeitos. Ambos coexistem simul-
taneamente na existência humana, de modo que, a qualquer instante, pode-se partir do relativo e atin-
gir o absoluto.
Os altos e baixos vão se repetindo, às vezes no decorrer de um único dia de nossa existência.
Não se trata de querer parar a Roda da Vida, pois o simples fato de existir implica em estar dentro de
uma situação existencial, seja agradável ou desagradável. O que faz a diferença é a maneira de encará-
las, ou através de uma boa perspectiva ou através de uma má perspectiva.
A boa perspectiva é a proposta pela psicologia transpessoal tibetana, de abrir-se à existência e com
ela dançar, mesmo nas situações difíceis, de procurar realizar as causas que determinaram as situações
existenciais em que nos encontramos, de realizar a origem, tanto do sofrimento da insatisfação, quan-
to da alegria da satisfação.
Em vez de “reagir”, criando uma cadeia ininterrupta de ação e reação, simplesmente tentar
“realizar”. Em vez de lidar com os efeitos, lidar com as causas. Pela realização aprende-se a transmu-
tar as situações, em vez de querer evitá-las ou eliminá-las. Esta perspectiva nos dá a chance de sair fora
da roda da existência condicionada.
A má perspectiva seria dentro da dualidade, de querer de um lado apegar-se às situações agradáveis
e, de outro lado, querer afastar-se das situações desagradáveis, em vez de tentar realizar a sua causa,
sua origem primordial. Senão lidamos apenas com os efeitos sem jamais se chegar a uma solução satis-
fatória e duradoura. É uma perspectiva limitada e que não leva muito longe.
O terceiro círculo da Roda da Vida está dividido em seis secções. Elas representam na psicologia
transpessoal tibetana os seis mundos da existência, ou os seis estados psicológicos.
Qual é a natureza deste mundo? De acordo com definição budista, é o que experimentamos como
mundo: o resultado das nossas atividades sensoriais, nossos pensamentos, sentimentos e ações.
Enquanto os pensamentos, sentimentos e ações forem motivados pela ilusão da nossa separatividade,
nós experimentamos um mundo correspondente, limitado, unilateral, e portanto, imperfeito, e no qual
nos esforçamos em vão por manter nossa imaginária personalidade, contra a corrente irresistível das
formas e condições eternamente mutantes.
Assim, o mundo nos aparece como um mundo impermanente, inseguro e amedrontador, porque
ameaça desintegrar a personalidade que teimosamente queremos manter permanente. Cria-se, então,
um medo, um temor, e é este temor que cerca cada ser humano com um muro, separando uns dos
outros, e por via de conseqüência, privando a todos de uma vida mais elevada.
A figura budista do “bodhissatva”, o mestre ascensionado que liberta os seres deste temor, pelo
exemplo da sua intrepidez, devoção e compaixão sem limites, rompe os muros da separação e da dor,
e alarga a visão nas esferas inconcebíveis da liberdade, na qual a solidariedade de todos os seres é reve-
lada e torna-se a base natural da compreensão mútua.
Desta forma, compaixão, boa vontade, amor ao próximo, piedade, etc. não deverão mais ser sentidos
como “virtudes”, mas como atitudes e comportamento natural e espontâneo da liberdade espiritual.
E é por isso que o mestre chinês LAO-TSÉ, em sua obra “Tao Té Ching18” (O Livro do Caminho
Perfeito), ed. Pensamento, nos diz no início do Livro II:
“O verdadeiro virtuoso não é consciente da sua virtude. Os que possuem atributos no mais alto grau
não buscam mostrá-los e, desta forma, os possuem na sua plenitude. O homem de virtude inferior,
entretanto, está constantemente preocupado com sua virtude, e devido a isto não possui virtude ver-
dadeira. 12/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
Os que só a possuem superficialmente empenham-se em não perdê-la e, portanto, não a possuem na
forma mais plena. A virtude verdadeira é espontânea e não se atribui nenhum mérito. Os que possuem vir-
tudes no mais alto grau, nada fazem com um interesse em vista e não têm necessidade de coisa alguma.
A virtude do perfeito sábio não interfere, ela coopera com uma mente aberta e simpática, enquanto
a virtude dos inferiores age com intenção e sob condições e é influenciada pelos desejos. Os que a pos-
suem superficialmente estão sempre agindo sem necessidade.”
Em quase todos os templos tibetanos é possível encontrar claras representações das seis esferas do
mundo condicionado. As seis esferas estão representadas na Roda da Vida como os seis principais tipos
de existência mundana, isto é, existência não-iluminada. A seção central superior nos mostra a músi-
ca, ou a vida despreocupada, dedicada aos prazeres estéticos.
Devido a esta dedicação unilateral aos próprios prazeres, as pessoas se esquecem da verdadeira fina-
lidade da vida, do sofrimento de outros seres, assim como da sua própria transitoriedade. Não sabem
que vivem num estado de harmonia temporária, que terá fim logo que as causas, seus méritos morais,
estejam esgotados.
Vivem, por assim dizer, do capital acumulado das boas ações passadas, sem adicionar novos valores.
Eles estão agraciados com beleza, longevidade, libertos temporariamente da dor, mas logo esta falta
de sofrimento, de obstáculos e de esforços despojam a sua existência de todos os impulsos criativos,
de toda a atividade espiritual e do estímulo para o conhecimento mais profundo.
Assim, eles afundam novamente nos estados mais baixos da existência. É a seção da existência onde
predominam o orgulho, a vaidade, a arrogância, a auto-imagem e a satisfação dos sentidos. Há inten-
sa preocupação com a auto-imagem, com a auto-gratificação, a auto-glorificação, em atitudes auto-
centradas, narcisistas e egoístas.
Mesmo quando essas pessoas se dedicam à vida espiritual e à meditação há uma noção gratificante
de que “eu estou meditando e evoluindo”. A excessiva auto-consciência impede a verdadeira medi-
tação e reforça o sentimento da personalidade e da separatividade. As pessoas podem ter a sensação
de que se é “alguém especial”, obrigando à manutenção de uma determinada situação e isto requer
esforço e reforça a personalidade, mediante o medo do fracasso e o desejo de sucesso, pois quando
há sucesso há amigos e aplausos, e quando há fracassos os amigos fogem e fica-se só.
Os valores profundos são trocados pelos efêmeros, e vale-se mais pelo que se aparenta ser, do que
pelo que se realmente é. Há sempre uma ligação com os interesses mundanos: riqueza, beleza, forma,
consideração do próximo a nós, estética, cirurgias plásticas, etc. A vida torna-se férias constantes, onde
o que vale são as aventuras e as diversões.
Este tipo de existência não é particularmente dolorosa e há uma relativa alegria. A dor só vem com
eventuais desilusões. Como quando se pensa ter atingido um estado permanente de prazer físico, emo-
cional e mental, e algo acontece que desestabiliza este estado, que não pode ser duradouro, porque
baseado em falsos valores.
E aí, pode surgir um processo de condenação de sí mesmo ou de supostos responsáveis pelo término
daquela boa sensação. Ou perde-se “prestígio” e os “amigos” debandam, criticando a quem outrora elo-
giavam. E um outro estado psicológico começa a se desenvolver, e a roda da vida gira, gira sem parar.
Oposta a esta seção da Roda da Vida e da existência, na parte central inferior, vemos outra seção que
representa os sofrimentos infernais, sob a forma de diversas torturas, que são auto-impostas pela
reação inevitável das próprias ações. O sofrimento é o fogo purificador dos seres. É a existência das
emoções mais intensas, onde predominam o ódio, a agressão, é o domínio da psicopatologia, das
reações violentas e até do ódio de si mesmo.

13/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
É uma situação psicológica de contínua tortura mental, e também de alucinações, pensamentos des-
ordenados e distúrbios mentais. Pode começar com o ódio de algo ou de alguém que tentamos destru-
ir, mas o processo pode se tornar auto-destrutivo. Queremos, então, fugir, mas pode ser tarde demais,
pois poderemos nos transformar no próprio ódio e não há mais como fugir de nós mesmos. Esta é uma
seção de autopunição, fruto de más ações passadas.
À direita da seção infernal da Roda da Vida, vemos uma outra seção, com animais. É a seção dos
instintos incontroláveis. O psicólogo Daniel Goleman assim se manifestou sobre ela:
“O mundo animal da besta estúpida significa o nível de comportamento que é totalmente condi-
cionado e que corresponde ao mundo estudado pelo behaviorismo, onde o princípio determinante da
ação e do pensamento é um simples hábito, onde funciona apenas a relação estímulo-resposta.”
Este estado psicológico é caracterizado pela falta de humor e de criatividade; e também por uma pes-
soa fazer-se passar por ignorante quando isto lhe é conveniente. É o estado de certas crenças e estru-
turas religiosas baseadas no medo, que leva as pessoas a procurarem segurança nelas. São pessoas efi-
cientes em trabalhos mecânicos, que não exigem criatividade, nem iniciativa. São pessoas acomodadas,
que preferem ser comandadas e orientadas. Se problemas aparecem, recorrem a todos os tipos de
“profissionais” para que eles os resolvam para elas. Se algum imprevisto acontece, sentem-se
ameaçadas até à paranóia, devido à total falta de autonomia e raciocínio. Se sentem desconfortáveis e
inseguras na presença de pessoas arrojadas ou de estilo de vida diferente. Desconfiam sempre de novas
idéias e situações novas. Tudo deve ser superplanejado e pré-dirigido.
As suas atitudes são mais motivadas pela preguiça do que por embotamento mental. A única preocu-
pação é a sobrevivência e as possibilidades de evolução são reduzidas. São pessoas teimosas, e que
preferem permanecer no erro a fazer o esforço necessário para sair dele. Há uma tendência de se meter
em situações das quais não sabem como sair. Sempre justificam os próprios erros inventando descul-
pas para afirmar que estavam certas. É uma mentalidade que prefere seguir os instintos a ter de
comandá-los. Em vez de ações espontâneas prevalecem as reações impulsivas.
À direita da Roda da Vida, acima da seção animal, e entre esta e a seção superior dos prazeres mun-
danos, fica a seção dos humanos strictu sensu representada por uma pessoa sob uma árvore. É a
existência das atividades com propósitos, de aspiração mais alta, e onde a liberdade de decisões tem
papel essencial, porque as qualidades tornam-se conscientes, e as possibilidades são alcançadas interi-
ormente, e onde é maior a ocorrência da libertação do ciclo de nascimentos e mortes, através da intros-
pecção da verdadeira natureza de si mesmo e de todas as coisas no mundo.
Aqui prevalece a inteligência, o raciocínio, surgem novas invenções, é o mundo das pesquisas, do pro-
gresso científico e tecnológico. O ritmo é alucinante e frenético e se paga elevado preço por isso (stress
físico, emocional e mental). É o mundo da concorrência. A respeito deste mundo, Daniel Goleman nos
diz o seguinte:
“O mundo humano é a terra do karma, porque os seres humanos podem trabalhar as forças kármi-
cas, isto é, a própria fonte de ilimitadas possibilidades. Aqui é possível utilizar o livre arbítrio, e no
momento em que o homem decidir, ele pode dar o rumo certo à sua vida e encontrar o verdadeiro sig-
nificado da existência.”
Um psícologo transpessoal tibetano, Pema Wangyal Rinpoche, em visita aos Estados Unidos, disse:
“Se as pessoas daqui canalizassem a quantidade de energia utilizada em pesquisas e descobertas
científicas e tecnológicas para a realização da verdadeira natureza da mente, elas já seriam iluminadas
há muito tempo.”
Os seres humanos desperdiçam uma enorme quantidade de energia na busca de valores relativos. A
constante busca destes valores e as freqüentes frustrações e desilusões, e o medo de novos fracassos,
criam as condições para neuroses e psicoses.
14/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
Os psicólogos tibetanos não acham que os seres humanos devam ser meros consumidores de bens
perecíveis e de falsos ideais. Para eles a essência do mundo humano é o empenho constante e perse-
verante, a aspiração única do atingimento do mais alto ideal.
Na parte superior esquerda da Roda da Vida e junto à seção central superior dos prazeres, vemos
pessoas cuja tônica psicológica é o ciúme e a inveja. É o mundo dos que tem a paranóia de pensar que
os outros estão cobiçando as suas coisas, pondo o chamado “olho gordo”. É também o mundo dos
que invejam as pessoas e as coisas alheias.
Se queremos ajudar estas pessoas, elas desconfiam de nossas intenções, e pensam que queremos nos
imiscuir em suas vidas. E se não os ajudamos, nos chamam de soberbos e egoístas. Chegam a sofrer
por causa do bem estar alheio, e a felicidade alheia lhes parece uma afronta. Querem se mostrar supe-
riores, mas usam todos os meios torpes, como calúnias, intrigas, difamações, “fofocas”, querendo
jogar uns contra os outros para tirar proveitos pessoais. São arrogantes com os mais fracos e submis-
sos com os mais fortes. Só olham os defeitos e fraquezas dos outros e ignoram as qualidades.
Estão sempre na defensiva e espionando pelas costas. São ardilosos e traiçoeiros. Há uma constante
necessidade de auto-afirmação: “eu sou isso, eu fiz aquilo, sou melhor nisto, etc.” São hipócritas e
“blefam” muito. São mesquinhos, alardeando ou cobrando o que dão, e são ingratos e “esqueci-
dos”quando recebem.
O cansaço das lutas inglórias e das derrotas acaba trazendo o desejo de se levar uma vida sem ten-
sões constantes, e verdadeiramente humana.
Por último, na parte inferior esquerda da Roda da Vida, entre a seção do ciúme e inveja e a seção dos
mundos infernais, vemos várias pessoas quase sem roupas. São as chamadas pessoas “famintas”, sem-
pre insatisfeitas, sempre carentes, atormentadas por desejos sem fim. São pessoas que têm incontáveis
paixões amorosas e que nunca se satisfazem com os parceiros. Parecem fantasmas atormentados num
mundo dos objetos imaginários de seus desejos que não conseguem nunca satisfazer.
Não têm equilíbrio na vida e por isso vivem sempre em desarmonia. Os desejos e as paixões são a
origem do seu sofrimento, e a instabilidade da própria personalidade os impede de se satisfazer, levan-
do a mais apego e a mais confusão. É um estado de intensa avidez no meio de uma contínua pobreza
psicológica.
É a incontrolável vontade de possuir tudo o que se vê, ou no qual se pensa: objetos, pessoas,
posições, poderes, etc. Na realidade, o objetivo não é a posse em si, mas a busca contínua e a luta con-
tínua pela posse. O desejo insaciável de possuir algo que satisfaça o corpo, os sentidos, a personali-
dade, é continua e exige um alto preço pago em “taxas” de desgaste físico, emocional e mental, car-
regando um fardo que acaba sugando todas as energias. E quando elas acabam vem o vazio, o deses-
pero, crises nervosas e emocionais, frustrações, neuroses, ansiedades e depressões.
Observando as seis seções da Roda da Vida, vemos que as pessoas são varridas, catapultadas pela
ignorância espiritual, de existência em existência, de estado em estado, de mundo em mundo, passan-
do alternativamente, dos mundos infernais para o mundo das condições animais, para o mundo dos
“famintos” que se julgam sempre nus, para o mundo dos ciumentos e invejosos, para o mundo dos
prazeres mundanos, custando a viver num mundo verdadeiramente humano, com possibilidade de li-
bertar a individualidade, da Roda da Vida.
Basicamente, os seis estados psicológicos da Roda da Vida devem ser encarados como uma maneira
de lidar com os nossos estados psicológicos na vida diária. O grande valor da psicologia tibetana da
Roda da Vida está em nos ajudar a vermos o nosso mundo exatamente como ele é, e ajudar a resolver-
mos os nossos problemas.
A diferença entre o estado mental iluminado e o estado mental confuso está, no primeiro em conhe-
cer a situação existencial exatamente como ela é, e no segundo, em não conhecê-la.
1521
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
Toda a situação de nossa vida possui um tremendo significado, e por isso mesmo é que a conscien-
tização da nossa vida atual é da maior importância. Os seis estados psicológicos da Roda da Vida que
acabamos de ver nos mostram o lado confuso da nossa mente, mas lado a lado com ele existe o lado
iluminado nirvânico aguardando ser descoberto.
O objetivo da psicologia transpessoal tibetana tântrica é a de estabelecer a ponte de ligação entre os
dois estados mentais. Enquanto não pudermos reencontrar a palavra perdida, aquele espaço mental
que é vazio, vasto e luminoso e que é o espaço mental primordial, continuaremos bloqueados na ati-
tude psicológica dualista do “eu” e do “outro”, ou o que é pior, do “eu” contra o “outro”, o que,
segundo a psicologia tibetana, é um dos maiores obstáculos ao atingimento supremo, porque a luta
entre sujeito e objeto não pára nunca.
A dualidade é o grande problema do estado mental confuso, e por isto os psicólogos tibetanos nos
dizem que a verdadeira realização depende da transcendência da lógica dualista criada pela ignorân-
cia, para o atingimento da intuição direta. Como poderemos reencontrar o espaço mental primordial,
vazio, amplo e luminoso, reencontrar a palavra perdida, o estado de pureza e ingenuidade do Jardim
do Éden antes da queda de Adão, e sair fora do ciclo da Roda da Vida?
Os psicólogos tibetanos nos dizem que é pela realização da verdadeira natureza de nossa mente, e
para que isto aconteça eles sugerem a prática da meditação, o cultivo da mente iluminada e compas-
siva e a transcendência da personalidade. Como um primeiro passo na prática da meditação, façamos
uma pausa, para podermos observar melhor a nossa situação atual.
Tomemos consciência da prisão em que nos encontramos, pois isto é o primeiro passo para a liberdade.
Sentemo-nos e meditemos sobre a nossa situação existencial atual e a nossa ligação com os seis esta-
dos psicológicos da Roda da Vida. Isto nos dará a inspiração para prosseguirmos em nossa busca da
palavra perdida, que é a porta da saída da Roda da Vida, rumo ao espaço mental primordial. E que
cada um de nós siga a sua própria intuição e o TAO, o Caminho da Perfeição..., (que é o título de uma
obra de Santa Tereza de Ávila. )
O quarto círculo mais exterior da Roda da Vida é dividido em doze pequenas seções, que em sân-
scrito são chamadas NIDANAS e que pode ser traduzido por CORRENTE (cadeia formada por elos). É
a cadeia da causalidade ou os elos da corrente causal da mente confusa.
Os doze NIDANAS representam o mecanismo psicológico do processo do KARMA (relação entre
causa e efeito) que atua em todas as situações de nossa existência. É a ligação ou elo de uma situação
existencial para outra. Não se pode escapar às reações causadas pelas nossas ações. O quarto círcu-
lo da Roda da Vida ilustra uma das verdades enunciadas por Buda: não há existência sem sofrimen-
to, motivo porque o sofrimento é o fato mais comum da existência. A compreensão da verdade do
sofrimento, motivado por nossa confusão mental, é o primeiro passo para transcendê-lo.
E para compreendê-lo devemos enfrentá-lo face a face, sem rejeição nem aceitação, apenas sendo
uma testemunha imparcial dele: apenas é o que é, sem adjetivações ou julgamentos, atitudes que, jun-
tamente com a rejeição, impedem a compreensão.
Os doze elos ou NIDANAS constituem o que em sânscrito é chamado "pratityasamutpada".
Pratitya se traduz por dependência ou dependente, e Samutpada por surgimento ou origem. Em
inglês tem sido traduzido por "dependent origination" (patticca-samuppada, em pali).
Em português tem sido traduzido por surgimento ou originação dependente, ou interdependente, ou
codependente. Enquanto as seis seções, ou seis mundos existenciais, ou seis estados psicológicos mundanos,
representam o mundo samsárico sob a influência das energias que emanam do centro da Roda da Vida, a
borda externa com os doze elos mostra a ação das energias interiores na vida individual das pessoas.
Este círculo externo é também chamado Roda do Karma. No budismo o karma é a causalidade psi-
cológica - de como os hábitos se formam e perduram, gerando causas e efeitos.
16/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
O círculo externo pretende mostrar como a causalidade cármica funciona. Seu objetivo é a compreen-
são da causalidade e como esta compreensão pode ser utilizada para romper as cadeias ou elos do
condicionamento mental. A ordem direta e progressiva dos doze elos mantêm o samsara. A ordem
"reversa" conduz para fora do samsara, ou para o Nirvana.
O tratado Abhidharmakosabhasya descreve os doze elos como divididos em três klesa, dois karma
e sete fundamentos. O Khenjug aprofunda a explicação do Abhidharmakosabhasya: os três klesa
são os três venenos, a ignorância, o apego e os desejos ou anseios. Os dois karma são a propensão cár-
mica e o vir-a-ser. E os outros sete são fundamentos dos sofrimentos. De klesa surge o karma, do
karma surgem os sofrimentos.
A ignorância, as propensões cármicas e a consciência são elos projetantes, isto é, elos de existências
passadas que projetaram a presente existência. Os elos nome e forma, sentidos, contato, e sentimen-
tos são projetados resultantes, isto é, elos da existência atual resultantes dos elos projetantes. Os elos
desejo/anseio, apego e vir-a-ser são fundantes, isto é, elos da existência atual que podem fundar a
próxima existência. E nascimento, velhice e morte são elos da próxima existência que são fundados na
presente existência, chamados fundados.
De acordo com os ensinamentos da Originação Dependente, a causa e o efeito surgem juntos e tudo
o que existe é resultado de múltiplas causas e condições. O ovo está na galinha e a galinha está no
ovo, surgem em dependência mútua, nenhum dos dois é independente.
Nos diz Tich Nhat Hanh: "Para que uma mesa exista, precisamos de madeira, de um carpinteiro ou
marceneiro, de tempo, de habilidade e muitas outras causas. E cada uma dessas causas precisa por sua
vez de outras causas para existir. A madeira precisa de solo, da floresta, do sol, da chuva, etc.
O carpinteiro precisou de seus pais, parentes, de aprendizado com outras pessoas, de ar, comida, bebi-
da, etc. E cada uma dessas coisas, por seu lado, surge em função de outras condições. Se continuarmos,
veremos que nada ficará de fora. O cosmos inteiro se uniu para produzir a mesa. Se contemplarmos o sol,
as nuvens, as folhas das árvores, veremos a mesa. A causa e o efeito surgem de maneira interdependente".
Vamos tentar interpretar cada NIDANA, seguindo o movimento de um ponteiro pequeno de um reló-
gio, que marca as horas, começando pela posição da uma hora, e depois, duas, três, etc.
A figura correspondente à primeira hora é a de uma mulher cega, a Ignorância (ego/ ilusão/delusão),
apalpando o caminho com um bastão. Por causa de sua cegueira espiritual, os seres humanos vagueiam
pela vida, criando uma imagem ilusória de si mesmo e do mundo, pelos anseios voltados para coisas irreais,
e seus caráteres são formados por estes anseios que orientam suas vontades. Desconhecem a verdade
sobre a natureza da mente e todas as outras coisas. A ignorância forma a mente iludida/ deludida e só a
clara luz da verdadeira compreensão forma a mente verdadeira. A Ignorância é klesa projetante.
A figura correspondente à segunda hora é a de um oleiro. Simboliza adequadamente a atividade cria-
tiva da forma (samskara). Assim como um oleiro cria a forma dos vasos, nós formamos nosso caráter, nosso
destino, nosso karma, as conseqüências de nossos pensamentos, palavras e obras. Aqui, "samskara" é a
ação volicional, pensamentos, palavras e ações que geram "skandha", agregados ou formações/propensões
cármicas, e constituem os princípios ativos dirigentes da consciência, ou o caráter da consciência.
Por caráter compreende-se a tendência da vontade, formada pelas ações repetidas. Cada ação deixa um ras-
tro, uma pegada, uma trilha formada pelo caminho percorrido, e onde quer que exista um caminho já trilha-
do, logo o encontramos quando uma situação semelhante aparecer, e tomamos o caminho espontanea-
mente. Esta é a lei da ação e reação chamada karma, a lei do movimento na direção da menor resistência e
do menor esforço, do freqüentemente trilhado, do caminho mais fácil, ou a força do hábito. Assim como o
oleiro forma os vasos, nós criamos o caráter de nossa consciência. Nas formações cármicas estão incluídas
todas as ações volitivas e todas as construções mentais, sejam boas, más, ou indiferentes.

17/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
A ação volitiva é também chamada ação intencional da mente iludida/deludida, em contraste com uma grande
aspiração inabalável e perseverante, da clara luz de uma mente verdadeira. "Samskara" é karma projetante.
A figura correspondente à terceira hora é a de um macaco e representa a consciência. Do mesmo
modo que um macaco inquieto pula de galho em galho, assim a consciência vai de um objeto a outro.
A consciência não existe por si mesma. Ela necessita dos objetos dos sentidos, da memória e da imagi-
nação, para existir, acessando uns e outros, criando funções mentais e a dualidade sujeito/objeto. A
consciência é fundamento projetante.
A figura correspondente à quarta hora é a de um barqueiro conduzindo duas pessoas, que repre-
sentam o corpo e a mente, o organismo psicofísico, e a íntima relação entre as funções corporais e
mentais é comparada a duas pessoas num barco, que representam, também o nome e a forma. A
mente é condicionada pelo corpo e vice-versa. A mente percebe através do corpo e o corpo sente
através da mente. É fundamento projetado resultante.
A figura correspondente à quinta hora mostra as janelas e portas das casas, e representam os seis
sentidos budistas: visão, audição, olfato, gustação, tato e pensamento. Estas faculdades são seme-
lhantes às janelas e portas das casas, através das quais percebemos e nos comunicamos com o mundo
exterior. É fundamento projetado resultante.
A figura correspondente à sexta hora nos mostra um casal numa cama, simbolizando o contato dos
sentidos com os objetos. É o contato entre os objetos dos sentidos, os órgãos dos sentidos e a consciência
sensorial. É fundamento projetado resultante.
A figura correspondente à sétima hora nos mostra uma pessoa com um olho perfurado por uma
flecha encaminhando-se para uma queda, simbolizando o predomínio das sensações agradáveis,
desagradáveis e neutras ou indiferentes. Em linguagem fenomenológica diz-se quando somos "lançados"
no mundo. A flechada no olho significa a intensidade dos sentidos e as futuras conseqüências dolorosas
que surpreendem os que se deixam levar apenas por sensações. É fundamento projetado resultante.
A figura correspondente à oitava hora mostra um beberrão sentado, com uma taça e toneis de
bebidas. Simboliza a sede de viver e a sede dos desejos. A forma básica dos desejos é querer o agradá-
vel e ter aversão ao desagradável. A plena atenção ao processo formador de desejos pode determinar
a cessação de seu mecanismo autopropulsor. O processo da evolução biológica preconizado na ciên-
cia, é simplesmente o transporte para a frente, geração após geração, através das eras geológicas, da
vida que é sede de viver, desse instinto de ânsia, que pelos processos biológicos produziu as criaturas
viventes, as formas de vida, desde o protoplasma da célula única até o ser mais complexo, que é o
humano. É o "elan vital" de Henri Bergson em sua obra "A evolução criadora". Sempre procurando o
desconhecido, que será o novo conhecido. A mente no estado de ignorância é dominada pelos dese-
jos, que são causa de sofrimentos. Essa sede é klesa fundante.
A figura correspondente à nona hora nos mostra um macaco apanhando frutos de uma árvore,
simbolizando a fascinação, a cobiça e o apego. O apego caracteriza-se por noções subjetivas da
existência do eu, ou ego, ou "self", de pessoa, personalidade, a idéia de meu e de posses. Apegar-se
a um objeto, a outro ser, a uma ideologia política ou religiosa, considerados como meu e minha.
Subtrair-se aos sofrimentos significa subtrair-se à sensação de um eu, de um ego, aos pensamentos de
meu e minha, em suma, subtrair-se aos apegos. Os apegos nos dão uma falsa sensação de segurança.
Podemos nos apegar a conceitos e opiniões tidos como certos e verdadeiros, sem nunca submetê-los a uma
dúvida ou crítica construtiva. Há também os apegos aos hábitos, normas, regras e rituais. O apego é klesa
fundante.
A figura correspondente à décima hora nos mostra uma mulher alegre por sentir-se grávida, sim-
bolizando o vir-a-ser. O apego desencadeia o vir-a-ser, a formação de uma nova situação futura. A medi-
tação e contemplação com profundidade deve nos esclarecer sobre o nosso processo de vir-a-ser, de nosso
objetivo final. É karma fundante. 18/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
SIDPE KORLO
A figura correspondente à undécima hora nos mostra uma mulher dando à luz uma criança, sim-
bolizando os nascimentos e os renascimentos. Existindo karma, ele deve renascer. O karma não é uma
entidade que vai de vida em vida, como um visitante vai de casa em casa. Ele é a própria energia vida,
o "élan vital", a que se agregam as formações cármicas. É tendência natural das formações cármicas
se agregar a uma nova matéria que lhe dê sustento. O renascimento terá lugar onde as tendências cár-
micas encontrarem as melhores condições de expressão, o solo mais apropriado para deitar raízes e a
atmosfera mais generosa para produzir frutos. É fundamento fundado.
A figura correspondente à duodécima hora nos mostra um homem carregando um cadáver den-
tro de um fardo. Simboliza que tudo o que nasce, envelhece e morre. É fundamento fundado.
Os Mandalas da Roda da Vida mais antigos se encontram nos templos-caverna de "Ajanta", datam
do II século A.C., e seus fragmentos ainda podem ser vistos. Os arqueólogos e antropólogos ocidentais
os consideraram erroneamente como a representação do zodíaco hindu, também dividido em 12
partes, e com o qual a Roda da Vida tem alguma relação. Sarat Chandra Das, em seu Dicionário
Tibetano-Inglês, de 1902(30), no verbete "rten-hbrel-gyi-hkor-lo" menciona a existência de um trata-
do tibetano ilustrado com dezoito diferentes descrições da Roda da Vida. A mais antiga dessas ilus-
trações é atribuída ao mestre Nagarjuna, que viveu na India, no II século da Era Cristã, cerca de sete
séculos após a existência de Buda. No entanto, ela só se popularizou no Tibete. Cada elo da corrente
representa a soma total de todos os outros elos e estão intimamente interligados.
Tôdas as fases dessa corrente são fenômenos da mesma ilusão: a realidade da personalidade Pela
transcedência dessa ilusão, pulamos fora da corrente e compreendemos que a existência individual só
tem sentido em relação ao tôdo, mediante uma vida impessoal.
Vencendo a ilusão da personalidade, entendemos que nada e ninguém, pode existir em si mesmo e
por si mesmo, porem as formas de vida tem o Universo inteiro por base, e que o significado das for-
mas de vida só pode ser entendido na sua relação com a Vida Universal.
No momento em que houver a consciência dessa universalidade, o que também é ecologia, deixare-
mos de nos identificar com os limites de nossa corporalidade temporal, e poderemos ser, então inun-
dados pela plenitude da Vida, atingindo um estado onde a sensação de tempo desaparece, pela não
distinção de passado, presente e futuro, fora da dualidade sujeito/objeto.
Meditando nas vidas passadas, presentes e futuras, como uma só, perdemos o temor dos nascimen-
tos e mortes, e esta é uma feliz mensagem da libertação final dos grilhões do cativeiro cármico.
Encerrando a apreciação da Roda da Vida, vemos que ela é segura por YAMA, o Deus Tibetano da
morte, com a cabeça cingida por cinco crânios, simbolizando os cinco sentidos e os cinco SKANDAS,
ou agregados da existência.
Entre os ocidentais, foi o psicólogo suíço Carl Gustav Jüng quem mais se dedicou à pesquisa, estudo
e interpretação psicológica do MANDALA. Em 1929, êle e o sinólogo alemão Richard Wilhelm, publi-
caram em Munique, na Alemanha, a obra “O Segrêdo da Flôr de Ouro19”, com a tradução de um
velho texto chinês, o TAI I CHING HUA TSUNG TCHI. Richard Wilhelm traduziu o texto para o Alemão
e fêz alguns comentários, cabendo a Jüng fazer interpretações psicológicas.
“O Segrêdo da Flôr de Ouro19”tem uma tradução em Português, publicada pela ed. Vozes, de
Petrópolis, tendo saído a 19ª edição em 1998. Dela extraímos o seguinte:
“A alquimia medieval representa o traço de união entre a gnose do II e III séculos da Era Cristã e os
processo do inconsciente coletivo que observamos nos homens de hoje. O Inconsciente coletivo equi-
vale ao conceito de instinto, como quando se diz que alguém agiu por instinto. É a mera expressão
psiquíca da identidade da estrutura cerebral, independentemente das diferenças raciais. Isto explica a
analogia e às vezes a identidade dos temas mitológicos e dos símbolos, sem falar na possibilidade da
compreensão humana em geral.
19/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
As diversas linhas do desenvolvimento anímico partem de uma base comum, cujas raízes mergulham
no passado mais distante. Sobre um ponto de vista puramente psicológico, trata-se de instintos gerais
de representação, imaginação e ação. Todas a representações e ações conscientes desenvolveram-se à
partir destes protótipos inconscientes e continuam ligadas à eles. A pessoa que depende de um modo
preponderante do inconsciente, e é menos propenso à escolha consciente, tem a tendência para um
acentuado conservadorismo psíquico”.
Observando o sucedido aos grandes místicos da humanidade, me pergunto: o que fizeram tais pes-
soas para levar à cabo o processo libertador? Na medida em que pude percebê-lo elas nada fizeram,
mas deixaram que as coisas acontecessem, de acôrdo com o WU WEI (Ação da Não-ação) preconiza-
do pelo mestre LAO TSÉ quatro séculos antes de Cristo, em seus versos nº 48. Apenas permitiram que
a Luz circulasse de acôrdo com sua própria Lei, sem abandonarem seus afazeres habituais.
O deixar acontecer, na expressão do grande místico e mestre ECKHART, foi para mim uma chave que
abriu a porta para entrar no caminho: “Devemos deixar as coisas acontecerem psiquicamente”. Eis
uma Arte Real que muita gente desconhece. Muitas pessoas parecem querer ajudar corrigindo, sem
permitir que o processo psíquico se cumpra calmamente.
Como ensina o mestre LAO TSÉ: “Quando os afazeres se nos propõe, devemos aceitá-los: quando as
coisas acontecem em nossas vidas, devemos compreendê-las à fundo. Um receberá o que vem de fora. O
Outro o que vem de dentro. Um receberá de fora o que antes nunca recebera. o outro receberá de den-
tro a possibilidade antes excluída. Esta conversação do próprio Ser, significa ampliação, elevação e enrique-
cimento da individualidade. O caminho não é isento de perigos. Tudo que é bom é difícil, e o desenvolvi-
mento da individualidade é uma das tarefas mais árduas. Trata-se de dizer sim a si mesmo, de se tomar
como a mais séria das tarefas, tornando-se consciente daquilo que faz. Quer receba seu destino de fora ou
de dentro, as vivências e os acontecimentos do caminho, do TAO, são os mesmos.”
Se compreendermos o TAO, como método, ou caminho consciente, que deve unir o separado, estare-
mos bem próximos do conteúdo psicológico do conceito. A meta da Unificação entre a nossa vida de todo
o dia e a consciência é a obtenção da vida Consciente, ou como dizem os Chineses, a realização do TAO.
A União dos opostos num nível mais alto da consciência não é uma questão de raciocínio, e muito
menos de vontade, mas um processo de desenvolvimento psíquico, que se exprime em símbolos.
“Historicamente, este processo sempre foi representado através de símbolos e ainda hoje o desenvolvi-
mento da individualidade é figurado mediante imagens simbólicas. Se as fantasias de nossa imaginação
forem desenhadas, comparecem símbolos que pertencem principalmente ao tipo do MANDALA, que sig-
nifica círculo e primordialmente círculo mágico.
Os MANDALAS não se difundiram somente através do Oriente, mas a Idade Média ocidental é rica
de MANDALAS cristãos. Em geral o Cristo é figurado no centro e os quatro evangelistas ou seus sím-
bolos são colocados nos pontos cardeais.
Encontramos um interessante MANDALA em Jacob Boheme, em seu livro sobre a alma. É o olho
filosófico, o olho que tudo vê, ou o espelho da sabedoria, denominações que mostram claramente
tratar-se de uma summa de sabedoria secreta. A maioria dos MANDALAS tendem para o quaternário,
o que lembra a TETRAKTYS pitagórica. Entre os índios pueblo os MANDALAS são desenhados na
areia, para uso de rituais.
Mas os MANDALAS mais belos são, de modo indiscutível, os do budismo tibetano tântrico.
Encontrei desenhos mandálicos entre doentes mentais, pessoas que não tinham qualquer idéia das
conexões aqui mencionadas. Algumas de minhas pacientes do sexo feminino não desenhavam, mas
dançavam MANDALAS. Na India existe a dança mandálica, onde as figurações da dança têm o mesmo
sentido que as dos desenhos. Pacientes que nada podem dizer acerca do sentido simbólico dos MAN-
DALAS, se sentem fascinados por eles e reconhecem que exprimem algo que atua sobre o seu estado
anímico.” (Jüng, ref. : 19) 20/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS
Em julho de 1998, monges tibetanos budistas exibiram danças rituais que visavam reduzir os sentimen-
tos negativos e minimizar a personalidade, no Teatro SESC da Vila Mariana, na rua Pelotas, em São Paulo.
Eram danças sagradas do mosteiro SHETCHEN, em que os monges dançarinos e o público compartilharam
um momento de espiritualidade. O significado da dança era o de dissolver o apego a nós mesmos e nos
conduzir ao amor e compaixão. O mosteiro de SHETCHEN foi fundado em 1735, no Tibete, e destruído
durante a invasão chinesa. Foi reconstruído no Nepal, onde hoje funciona. Também se exibiram em São
Paulo os dervixes sufistas islâmicos, que dançam girando e rodopiando com a finalidade de parar o pensa-
mento e atingirem uma experiência culminante. Os dervixes pertencem à ordem fundada por RUMI
(Jalaluddin Rumi ou Djalal ad-din Rumi), o grande místico sufi, que nasceu em Balkh, Khorasan, na Pérsia
(hoje em dia no norte do Afeganistão) no dia 6 de RabiI do ano 604 da Era Muçulmana (30 de setembro
de 1207) e morreu em Konya, na Turquia, em 12 de dezembro de 1273. Foi quando chegou e se estabe-
leceu em Konya que Rumi ali fundou a ordem MEVLEV ou a Ordem dos Dervixes Dançantes. Existem
duas obras de Rumi em português, “Masnavi” e “Fihi-Ma-Fihi”, ambas publicadas por Edições Dervish.
Na obra “Psicologia a Alquimia16”, no capítulo “Símbolos Oníricos do Processo de Individualização”,
Jüng dedica uma parte: “Simbolismo do Mandala”, a interpretação de 56 sonhos de pacientes seus, tôdos
de conteúdo mandálico.
Encerrando este trabalho, não podemos deixar de mencionar a obra de Rüdiger Dahlke, MAN-
DALAS20, da ed. Pensamento, é um livro de cerca de 350 páginas e que traz perto de 140 símbolos,
Iantras e Mandalas, que podem ser coloridos pelo leitor. Alem disso, cada símbolo, tem um comentário
ou observações, relacionando a figura com conhecimentos ocultistas, esotéricos e psicológicos.
São Paulo
Ir:. Adriano Salles Toledo de Carvalho, M:. M:.
Bibliografia relacionada no texto:
1 - Grande Enciclopédia Larrouse Cultural;
2 - Fundamentos do Misticismo Tibetano, Lama Anagarika Govinda, ed. Pensamento;
3 - Dicionário da Lingua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, por Antenor Nascentes;
4 - Vocabulário da Psicanálise, de Laclanché e Pontalis, ed. Martins Fontes;
5 - Introdução a Psicologia Junghiana, de Calvin S. Hall e Vernon J. Nordby, ed. Cultrix;
6 - A Busca do Símbolo, de Edward C. Whitmont, ed. Cultrix;
7 - Jüng, de Nise da Silveira, ed. Paz e Terra;
8 - O Homem e seus Símbolos, de Carl Gustav Jüng, ed. Nova Fronteira;
9 - A Vida Simbólica, de Carl Gustav Jüng, ed. Vozes;
10 - Psicossíntese, de Roberto Assagioli, ed. Cultrix;
11 - The Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion, Shambala Publications Inc., Boston, USA;
12 - Dicionário de Maçonaria, de Joaquim Gervásio de Figueiredo, ed. Pensamento;
13 - O Tantrismo, de Jean-Michel Varenne, ed. Martins Fontes;
14 - Sakti y Sakta, Arthur Avalon (Sir John Woodroffe), ed. Kier, Buenos Aires, Argentina;
15 - O Budismo Tibetano, de Jean-Michel Varenne, ed. Martins Fontes;
16 - Psicologia e Alquimia, de Carl Gustav Jüng, ed. Vozes;
17 - Introdução à Psicologia Tibetana, de Clóvis Correa de Souza Filho, ed. Vozes;
18 - Tao Té Ching, de Lao Tsé, ed. Pensamento;
19 - O Segredo da Flôr de Ouro, de Carl Gustav Jüng e Richard Wilhelm, ed. Vozes;
20 - Mandalas, de Rudiger Dahlke, ed. Pensamento.
21 - Tantra - de Georg Feuerstein, Nova Era, Rio de Janeiro, 2004;
22 - The Tantra - de Victor M. Fic, Abhinav Publications, Nova Delhi, India, 2003;
23 - Kaula Tantra - de Tarananda Sati (Osvaldo Luiz Marmo), Madras Editora, São Paulo, 2006;
24 - A Mente Incorporada - Ciências cognitivas e experiência humana - de Francisco J. Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch, Artmed Editora, Porto Alegre, 2003;
25 - Caminhos Para A Iluminação - Lama Mipham, Editora Dharma, São Paulo e Rio de Janeiro, 2004;
26 - Budismo - de Georges da Silva e Rita Homenko, Pensamento, São Paulo, edição de 1999;
27 - A Essência Dos Ensinamentos De Buda - de Tich Nhat Hanh, Rocco, Rio de Janeiro, 2001;
28 - Budismo - de Richard A. Gard, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1964;
29 - Budismo - Significados Profundos - de Hsing Yün, Cultura, 2003;
30 - Dicionário Tibetano-Inglês, de Sarat Chandra Das, Book Faith India, Delhi, 1902, reimpressão de 1998.
21/21

Você também pode gostar