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A HISTÓRIA ANTIGA E A FILOSOFIA:

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO GREGO ANTIGO

Lívia Maria Santiago (Graduanda de Filosofia da UERJ)

Alair Figueiredo Duarte (Doutor em História Comparada – UFRJ1)

A temática do Teatro como representação e cidadania, inicia a apresentação do


período histórico em que se dá o processo de sedimentação da Filosofia Ocidental, no
final do Período Arcaico com transição para a Era Clássica (início do século V). Nessa
época há avanço da tecnologia, especialmente na metalurgia e, consequentemente, na
navegação e agricultura, além do surgimento da escrita e do teatro, que “inauguram” um
processo de transformação intelectual (Período do “Milagre Grego”). Quanto ao
pensamento filosófico, não se concebe que os primeiros pensadores gregos sejam
pensadores, sendo estabelecido na história que conhecimentos como a lógica, a ética e a
física só são reconhecidas nas escolas clássicas. São os problemas, concepções e
conceitos de Sócrates, Platão e Aristóteles que servem de modelo para medir o “nível
filosófico” dos gregos de antes e depois segunda metade do século V.

No período Arcaico, o mundo grego, que era limitado à Grécia, Ilhas do Egeu e
ao litoral da Ásia Menor, estende-se para o Oriente e para o Ocidente, surgindo numerosas
colônias no Mar Negro e Mediterrâneo. Havia três tipos de colônias com menor ou maior
autonomia em relação à sua metrópole. A emigração colonizadora propicia novas relações
de conectividade, com ideais de troca e lealdade entre os “colonizados” e suas terras de
origem. Houve grandes transformações na Hélade, como o desenvolvimento da indústria
e construção naval e o surgimento de grupos de artesãos, armadores e comerciantes.
Aponta-se várias causas para o movimento de colonização e, mesmo que as populações

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Trabalho apresentado na disciplina Filosofia Antiga I (gregos e romanos) ministrado pelos professores
Maria Regina Candido, Alair Figueiredo Duarte, Albertino Lima e José Roberto de Paiva Gomes.
não fossem volumosas, o principal seria a falta de terra. As colônias levavam e mantinham
suas origens culturais e religiosas para as novas terras.

As Póleis eram comunidades independentes, definidas por determinadas fronteiras


internas, com uma identidade própria de sua comunidade. Formada pela Acrópole (ponto
de refúgio militar e onde ficavam os templos), Ásty (zona urbana, onde estavam os
prédios administrativos) e Kóra (zona rural, onde se fixava a população agrária). As Pólis
foram uma forma de organização da sociedade que desempenhou um papel singular na
história, matriz do desenvolvimento científico. Sua proximidade com o mar facilitava as
trocas e a sua suficiência, tornando-a autárquica. Ainda no século VI a.C, no Mar Egeu,
encontram-se pequenas cidades com poderes autônomos (repúblicas ou tiranias),
predominantemente constituídas por comerciantes e marinheiros, que tornam o comércio
da região rico. A Jônia é constituída pela parte central da costa da Ásia Menor, junto às
ilhas adjacentes. Jônico era aquele que falava uma variação dialetal do grego. A Liga
Jônica era a reunião de doze cidades, entre elas Mileto, Samos e Éfeso = processo de
koinon (aglutinação por similaridades culturais, entre elas o idioma). A circulação e trocas
culturais entre as Pólis que ocorrem no Mar Egeu possibilitam a propagação de ideias que
tornariam a Grécia o berço da intelectualidade da civilização ocidental. Segundo Pin
(2015), a concepção Pitagórica de mundo e da humanidade muito contribuiu para a
interpretação de teorias de Parmênides e Zenão, bem como foi a gênese da teoria das
ideias platônicas.

As Pólis eram os campos sociais onde os indivíduos assumiam suas identidades,


eram os espaços de ação cidadã onde os gregos passaram a regular a vida pública,
estabelecendo magistraturas e defendendo-se de ataques daqueles que estavam fora
(xenofobia). É dentro do contexto de organização social e de diferenciação cultural em
relação aos estrangeiros que se organizou a participação dos cidadãos nas decisões
coletivas e espaços públicos, consolidando-se a democracia grega. A Ágora era o espaço
público no qual os cidadãos gregos (homens, filhos de gregos e livres) se encontravam
para exercer seus direitos políticos (Duarte, 2008).
Na medida em que os movimentos sociais e espaços comunitários foram se
ampliando, o movimento sofistico ganhou espaço. O grupo que defendia que o
conhecimento poderia ser adquirido, ligado à ala emergente, foi quem buscou o apoio dos
sofistas. Os movimentos políticos sociais deram pragmatismo ao discurso, que deixava
de ser sagrado e passava a ser prático e usual, servindo a determinados interesses e não
mais ao campo conceitual de essência. A técnica de manejo dos imaginários sociais acaba
por desritualizar, ganhar autonomia: “quem domina a palavra detém o poder”. Na
sofistica, dominar a palavra de forma tal a manipular instituições e pessoas a medida da
necessidade. Assim, o imaginário social ganhou contorno instrumental, tendo na
ideologia um papel fundamental, orientando novas técnicas de manipulação do
imaginário. Nos séculos V a IV a. C. ocorre na Hélade um fenômeno cultural de
implicações filosóficas denominado sofismo (Vernant, 2022).
Observamos um processo de colonização e de conectividade: Pesquisadores da
área, de acordo com os estudos do Labeca/USP (2022), indicam que o mar não era o
ambiente natural dos gregos, destacando que estes o temiam, especialmente pelo olhar
mítico da existência de monstros e de que a embarcação poderia cair no nada. Entretanto,
o mar se torna elemento de conexão entre os povos (possibilita a existência de uma
comunidade multiétnica no Mar Mediterrâneo), uma vez que a geografia da Hélade era
aquática. Fenícios constroem os dichontóros, aprimorando técnicas náuticas e, assim,
dominando o comércio no Mediterrâneo. Neste tempo, a organização social se dava em
Cidades-Estados, com sistema de monarquia hereditária, que disputavam entre si o
controle do comércio marítimo, inclusive guardando segredos de suas rotas. Os gregos
sustentavam a ideia de que o Okeanos nascia onde o sol se ergue e que fluía ao redor da
terra. Documentações sugerem a existência de rios subterrâneos, o que não implica na
ideia de rio circundante, concepção esta que pode ter se originado com as sociedades
mesopotâmicas e egípcias, prova de que a ideia de Tales da terra flutuar sobre a água era
provavelmente importada. As mudanças de pensamento que se inauguram possibilitam
que as ideias mitológicas coexistam com evoluções tecnológicas e pensamentos
avançados como os de Tales. Período de grandes migrações, em que os jônios se
estabelecem na região da Ática, fundando Atenas, e possibilitando a criação de uma forte
civilização (gregos), que influenciaria o destino da humanidade.

Assim, utilizar termos como pré-socráticos ou pré-platonistas não possui


significado somente cronológico, mas também axiomático (Leão, 1991, 7-8). É o axioma
da implementação da Filosofia na decadência do pensamento: um marco referencial do
pensamento ocidental desqualifica qualquer outro pensamento que esteja fora desses
parâmetros (como, por exemplo, a filosofia oriental). Seguindo esse raciocínio, Kirk,
Raven e Schoefild (2010, 1) afirmam que certas ideias não são verdadeiramente
filosóficas, sendo mais mitológicas do que racionalistas, significando prelúdios de
tentativas de explicar o mundo, o que se iniciou com Tales. Para a academia, a Filosofia
tem origem grega. Uma vez que o mito estabelece verdades que não são do plano do
“questionamento”, o período Arcaico traz a palavra como possuidora da “sacralidade”
que se materializa.

Platão, Aristóteles e Teofrasto encontram-se no contexto histórico de


sedimentação do processo filosófico. A filosofia destes pensadores buscava explicar a
ação do mágico e das festas religiosas de uma maneira física, dentro de uma
epistemologia, vendo com desconfiança algumas práticas. Mesmo assim, montaram
escolas filosóficas tomando como base os Thiasus Dionisíacos, que eram as iniciações
dentro do culto a Dionísio, nos quais as mulheres eram as protagonistas. Essas seguidoras
de Dionísio eram chamadas de Bacantes e, no final da Era Helenística, podia-se encontrar
também Thiasus masculinos. O professor apresentou alguns aspectos fundamentais da
filosofia de Heráclito, segundo Bornheim, existem: 1) Afirmação da unidade
fundamental; 2) Todas as coisas estão em movimento; 3) O movimento se expressa
através de contrários; 4) O fogo é gerador do processo cósmico; 5) O lógos é entendido
como consciência divina que governa o real; 6) A sabedoria humana liga-se ao logos; e
7) O conhecimento sensível é enganador e deve ser superado pela razão (Bornheim, 2000,
35).

Heráclito, diferente de Pitágoras, estabeleceu uma relação mais racional entre


alma e mundo (mais distanciada da religiosidade), apontando um caminho que foi seguido
por Atomistas e, posteriormente, por Aristóteles. O lógos de Heráclito, essa razão
universal que controla tudo, ocupou o centro da filosofia helenística no estoicismo antigo,
médio e tardio e, depois, teve lugar na teologia cristã, quando se deu o encontro do
cristianismo primitivo com a paidéia grega. Na modernidade, o lógos foi substituído pela
razão científica. A pesquisadora Maria Regina Cândido (2018,80-100), em sua obra
Teatro de Dionísio: topos de mobilização político entre a hetaireia na Atenas Clássica,
explica a relação entre o teatro e as assembleias realizadas dentro da Ágora, que eram as
praças de mercados, pontos de encontro de discursos. Segundo a autora os temas das
dramaturgias das tragédias seriam memórias imersas de grupos políticos, que através
destes temas buscavam defender elementos de seus interesses. Estes grupos formavam
uma hetaireia que visava a defesa de interesses do colegiado ao qual pertencia. Esses
grupos de cidadãos aristocráticos detinham recursos capazes de subsidiar as montagens
teatrais e utilizam o teatro como instrumento de poder, para seus pleitos. Na investigação
de grupos políticos em Atenas, observou-se que os gregos antigos pensavam em termos
de regimes e constituições e falavam como grupos políticos e associações (thiasus, eranus
e phatrias), que possuíam um caráter oligárquico. Não havia discursos individualizados,
somente na coletividade.

Os assuntos, de interesse comum para os cidadãos, tratados no teatro eram depois


debatidos e julgados nas assembleias ou tribunal. No momento histórico de ocorrência
das guerras contra os persas e, em especial, a do Peloponeso, Trabulsi (2001) considera
que as manipulações ideológicas para o alcance do poder eram os preceitos da
mobilização política. A guerra ganha um sistema de pragmatismo, como visto em
cidadãos que se especializaram no combate, mas que eram pobres e começaram a vender
os seus serviços como mercenários, bem como os profissionais do discurso que
preparavam políticos que buscavam se especializar no discurso de modo a aprender a
conduzir o povo, os demagogos. Demagogos x Sofistas: Demagogos eram políticos que
se utilizavam do recurso da sofistica para a manipulação das massas, enquanto os Sofistas
eram aqueles que analisavam os discursos e que possibilitavam discursos divergentes das
tradições ancestrais, trazendo ideias de virtudes, com contornos do pragmatismo que se
apontava (um pensador sobre o discurso, um sistematizador do discurso). Os demagogos
eram os políticos responsáveis por conduzir o Demos, visavam conquistar as “graças” do
povo e preconizavam medidas de interesse das massas. Os sofistas também apresentavam
reflexões voltadas para a ação, sendo a ação um determinante de sua reflexão, de ordem
prática e imediata.

O teatro grego se insere nesse universo da sacralidade. A origem do teatro vai


envolver verdade e sacralidade e permite uma reflexão a respeito do próprio indivíduo e
da sociedade que o cerca. Dionísio é o epicentro do surgimento do teatro, tornando-se um
deus símbolo da atividade teatral, uma vez que é o “Deus que encena e faz encenar”.
Lembrando que a religiosidade, nesse momento, é concreta e materializada. A religião
também possuía caráter cívico e tornou o culto à Dionísio parte da vida social que a cidade
representava, o que significa que as festas à Dionísio não são mantidas no campo, como
esperado para um deus agrário, ganhando status também na cidade. O teatro também
fomenta a democracia, visto que se põe como um espaço de denúncia da violência
institucionalizada.

Nas festas em homenagem à Dionísio, costumava-se recitar poesias, haver


concursos de ditirambo e envolver temas satíricos ou heroicos. Considera-se que, além
de Dionísio, Atenas seja uma das origens do teatro, já que é o lugar das primeiras
encenações de Téspis e, posteriormente, das tragédias e comédias. A origem da tragédia
nasce do culto à Dionísio, havendo duas vertentes de pensamento: Na visão de Juanito de
Souza Brandão (1996) acredita-se que a gênese do trágico é o satírico; e na visão de
Jacqueline de Romilly (1998, 13), tem proximidade com lideranças políticas que
detinham o apoio das massas contra a aristocracia, tendo forte ligação com a tirania. De
fato, a “chegada” de Dionísio à Polis traz uma divindade para o domínio da esfera pública.
Surge as Dionisias rurais (pequenas Dionisias) em oposição às Dionisias urbanas e ganha-
se espaço para a liberdade.

Acredita-se que a tragédia nasça da religião de Dionísio, permanecendo vinculada


ao seu culto, ocorrendo uma evolução do canto ditirambo para o canto corifeu, sendo um
ponto de partida para a poesia dramática. Assim, a associação entre a poesia lírica e o
ritual dionísiaco fornece antecedentes para a tragédia. A tragédia torna-se parte das
principais festividades religiosas que ocorrem anualmente em Atenas, mas cada Cidade-
Estado também tinha seu calendário festivo próprio.

Referências bibliográficas:
BORNHEIM G. Os filósofos pré-socráticos. Ed. Cultrix, 2000.
BRANDÃO, J. Teatro grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poetica. 1996.
CANDIDO, M. R. Teatro de Dionísio: topos de mobilização político entre a hetaireia
na Atenas Clássica. NEARCO: Revista Eletrônica de Antiguidade Volume X,
Número II, 2018, 80-100.
DUARTE, A. F. Paz Negativa na Atenas Clássica: Guerra, Discurso e interesse de
Estado. Monografia UERJ, Filosofia, 2008.
ELIADE M. Mito e realidade. 1972.
KIRK G. S.; RAVEN J. E.; SHOEFILD M. Os Pré-Socráticos. 7. ed. Fundação
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Disponível em: http://labeca.mae.usp.br/pt-br/city/73/ Acesso em: 22.07.2022
LEÃO E. C. Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides e Heráclito.
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PIN V. G. Pitagoras y el pensamento presocratico. Espanha: Bonalletra Alcompas,
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ROMILLY, J. A tragedia grega. Editora da UNB, 1998.
TRABULSI, D. Ensaio sobre a mobilização política na Grécia antiga. Editora da
UFMG, 2001.
VERNANT J P. As origens do pensamento grego. 25ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2022.

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