• A utilização de fontes históricas nas aulas de História é cada vez mais
recorrente, por isso é preciso discutir os aspectos metodológicos para o uso de tais documentos. • A discussão sobre o uso de fontes históricas em sala de aula não quer excluir o livro didático do ambiente da sala de aula, mas inter- relacioná-lo com outros materiais e recursos metodológicos com a finalidade de produzir práticas pedagógicas que permitam ao aluno no ensino fundamental ler o passado por meio de fontes. • Na base das orientações curriculares a partir de 1990, os objetivos para o ensino de História escolar vinculam-se ao pressuposto de que, embora a escola não se pretenda formar pequenos historiadores, mas formar cidadãos, como afirmam Pereira e Seffner (2008, p.120), tem-se no horizonte, a formação de: • " sujeitos capazes de historicizar a própria vida e de, como conseqüência, promover rupturas e pôr em suas mãos os destinos da sua cidade, da comunidade, da região. O acúmulo de conceitos históricos serve para tornar os estudantes sujeitos capazes de produzir opiniões e de considerar soluções políticas para os problemas do seu tempo". • Os objetivos descritos acima servem para marcar a especificidade da história ensinada na escola. Isso deve levar os professores a refletirem sobre como o trabalho com as fontes pode auxiliar a alcançar os referidos objetivos. • Daí se perguntar: é possível trabalhar com documentos históricos na sala de aula? Como fazer? Na escola, temos um contato mais íntimo com as representações das memórias oficiais. Isso porque os estudantes estão, obviamente, mergulhados nela, quanto ao fato de que os professores, por razões diversas, igualmente, estarem mais suscetíveis a ela do que à pesquisa histórica e às novidades da historiografia. • É preciso considerar, também, que o critério de verdade que, por longo tempo, fora utilizado pela história tradicional – o Positivismo – , ainda é predominante no cotidiano da nossa sociedade e compreende a correspondência entre o relato e o fato como verdade. • Em função disso, vez por outra, os professores de História se vêem compelidos a cair na armadilha da teoria da correspondência, na tentativa de oferecer à História a mesma objetividade que concedem às chamadas ciências naturais. • É nesse contexto de dificuldades teóricas e práticas que se inclui o problema do uso das fontes em sala de aula, via de regra, utilizadas como prova e ilustração dos argumentos e descrições escritas, decorrência de uma ânsia em dar realidade ao relato histórico. • Como isso acontece na aula de História? • Pereira e Seffner (2008, p.122) dão um exemplo disso: • "[...] numa aula de história na qual o professor afirma as punições definidas para a Alemanha como decorrência da derrota na Primeira Guerra Mundial e, em seguida, mostra artigos do Tratado de Versalhes que corroboram suas afirmações. O problema não é o fato de o professor levar o referido documento para a sala de aula, mas utilizar a fonte para confirmar o que mencionou sobre o final da Guerra, procedimento que define o caráter de provado documento e o caráter submisso do relato à fonte. Ao invés disso, o professor poderia problematizar o Tratado de Versalhes, quanto ao papel que desempenhou na época em que foi criado como um monumento". • Outro exemplo referido pelos autores, para além do documento escrito, são os usos que se faz das imagens presentes em livros didáticos: • "[...] exemplo interessante são as imagens dos monges copistas, que servem para mostrar que a Igreja teria conservado, através de um trabalho minucioso e paciente, o conhecimento da civilização clássica. Quando utilizadas como prova para mostrar ações da Igreja na Idade Média, essas imagens simplesmente deixam de ser consideradas como monumentos e a aula de história perdeu uma boa oportunidade de discutir o papel constitutivo das imagens constantes nas publicações didáticas e de perceber o olhar que os livros didáticos direcionam para o medievo quando lançam mão dessas imagens". (p.123) • Ou seja: • Perde-se de ensinar aos alunos o papel que as fontes assumem no interior de cada geração e de cada uso que delas se faz. Neste caso, parece-nos que tais imagens têm servido para, de maneira bastante velada, mostrar, por exemplo, que o período medieval não passou de um intervalo obscuro na civilização e que o seu legado cultural não passou de cópia de tudo o que se produzira no mundo antigo clássico. • Verifica-se que, como afirmou Bloch (2001), o fato de não podermos utilizar as experiências humanas, tal como a Física ou a Química, ou mesmo construir fórmulas lógicas e coerentes como a Matemática, a solução também não é provar o que dizemos apenas na apresentação das fontes. • A construção da cientificidade da História está na narrativa produzida pelo historiador por meio de fontes diversas. Daí se impõe a analisa das fontes e seus cruzamentos com outras. Contribuição dos Annales e seus seguidores
• A partir do surgimento da Escola dos Annales (escola historiográfica), o
entendimento e a compreensão das fontes históricas se desenvolveram bastante. • Isso porque passou-se a utilizar pinturas, fotografias, filmes, móveis, roupas e músicas como fontes históricas. Anteriormente aos Annales, os historiadores utilizavam recorrentemente, em suas pesquisas, as fontes escritas, principalmente os documentos ditos ‘oficiais’ (documentos de governos, administrativos). • Pós-Annales: a noção de documento escrito também se ampliou: passou- se a recorrer às cartas, diários íntimos, jornais, receitas culinárias, entre outros. • A inovação das fontes históricas proposta pela Escola dos Annales ampliou também o universo das pesquisas históricas realizadas pelos historiadores. • Consequentemente, aumentou as possibilidades de o professor trabalhar em sala de aula com variados temas, como, por exemplo: o estudo das doenças, epidemias, a história da alimentação, as festas típicas da cidade, memórias coletivas e de famílias, relatos de pessoas comuns, vestimentas, os lugares de memória da localidade, mulheres, crianças, excluídos, entre os tema já consagrados como as relações de trabalho escravo e trabalho livre, outros. Sobre o uso de fontes históricas nas aulas do ensino fundamental • Ao usar as fontes históricas, deve-se perguntar: para que as usamos? • 1.para comprovar, através dos documentos, as asserções que fazemos? • 2.Para oferecer ao aluno uma prova da existência do passado? • 3.Para instigar o estudante agostar da aula de História? • 4.Para mostrar ao aluno que o seu professor fala a verdade, mas que sua fala somente pode ser reconhecida frente a uma fonte viva do passado? • 5. Para permitir que as crianças e os adolescentes possam entender os caminhos da pesquisa histórica, de modo a se darem conta de como a construção do conhecimento histórico é uma atividade complexa? • 6. Para responder a incômoda pergunta das crianças: como você sabe se isso não é mentira? • O uso de fontes históricas no ensino escolar deve servir para suspender o caráter de prova que os documentos assumem desde a história positivista e mostrar às novas gerações a complexidade da construção do conhecimento histórico atualmente. • O uso de fontes em sala de aula é profícuo na medida em que apresenta às novas gerações os documentos não simplesmente como prova da verdade, mas, quando desloca o estudante da noção de verdade para de fonte; • Ou seja: quando permite abordar o documento como uma fonte de estudo que resulta numa narrativa/texto construído por meio de interpretações do passado sobre determinada realidade social. Como fazer o uso de documentos nas aulas de História no ensino fundamental? • O trabalho com fontes históricas em sala de aula requer cuidados, pois todo documento histórico expressou uma versão de um determinado fato ou momento. Para utilizar boas metodologias, o professor precisa construir um roteiro de análise para os alunos. • Para tanto, será preciso considerar: 1. As temáticas, 2. Os objetivos, 3. Os conteúdos para os anos iniciais. Preparação para a escolha • Antes de utilizar o documento seria necessário que o professor conhecesse o contexto histórico no qual o documento foi produzido. Para isso o professor teria que explicá-lo para os alunos ou solicitar uma pesquisa sobre o autor do documento (o professor solicitaria ou uma pesquisa para casa ou levaria os alunos para o laboratório de informática ou a biblioteca). Se espera que essa pesquisa leve o professor a conhecer as aspirações e visões de mundo do autor do documento para poder trabalhar pedagogicamente com ele. • Após a realização dessa etapa (conhecer o contexto histórico da fonte histórica e do seu autor), o professor pode entregar o documento (cópia) para os alunos (pode ser recortes, ou seja, trechos do documento). Posteriormente, o professor pode seguir um o roteiro de análise, que norteará a compreensão do documento. Para tanto, esse roteiro pode ser dividido, segundo Bittencourt (2008), em três fases: • 1ª) Sobre a existência do documento:
O que vem a ser o documento? Sua tipologia.
O que é capaz de dizer? Como podemos recuperar o sentido do seu dizer? Por que tal documento existe? Quem o fez, em que circunstâncias e para que finalidade foi feito? 2ª) Sobre o significado do documento como objeto:
Como e por quem foi produzido?
Para que e para quem se fez essa produção? Qual é a relação do documento com o seu contexto histórico? Qual a finalidade e o que comanda a sua existência? 3ª) Sobre o significado do documento como sujeito:
Por quem fala tal documento?
De que história particular participou? Que ação e pensamento estão contidos em seu significado? O que fez perdurar? • Realizada a produção do roteiro de perguntas sobre o documento, o professor terá sua interpretação sobre o fato ou contexto histórico estudado. Depois de percorrer esse caminho, o professor irá não somente adquirir conteúdo, mas também elaborar conhecimento sobre a fonte histórica. • Isso lhe permitirá planejar sua intervenção pedagógica nas aulas tendo clareza dos objetivos a serem atingidos. • Nas aulas, ressalta-se a importância de o professor utilizar sempre mais de uma fonte histórica de diferentes autores sobre o mesmo fato ou contexto histórico. Feito isso, os alunos irão compreender que a História é uma interpretação dos historiadores e que não existe uma história ‘verdadeira’, mas interpretações e versões sobre o passado que compõe a realidade social estudada. • O que é relevante, portanto, é que se perceba como conhecer as explicações sobre o passado é importante para uma visão crítica da sociedade em que se vive. Referência Bibliográfica: • CARVALHO, Leandro. Uso de fontes históricas nas aulas de História. Artigo da web. https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/uso-fontes-historicas-nas-aulas -historia.htm. Acesso em: 15/01/2022. • DOMINGUES, Claudio Moreno. O olhar de quem olha: cultura visual, arte e mediação na aula de história – o uso da imagem na construção do conhecimento histórico. São Paulo. 2006. Disponível em: http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto- Artes/claudiodomingues.pdf Acesso em: 20 jul. 2015. • KNAUSS, P. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. • MONTEIRO, Charles. História, Fotografia e Cidade: reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de pesquisa. Métis: História & Cultura, 2006. • PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p.113-128, dez. 2008.