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RESENHA

O USO DE FONTES EM SALA DE AULA

PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história?


Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos 90: Porto Alegre, v. 15, n. 28, p.
113-128, dez/2008.

O texto O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de


aula, de Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner, discute a utilização de fontes
históricas na sala de aula da escola básica. Nesse sentido, é importante ressaltar
que os autores possuem formação em História, logo conseguem discorrer acerca do
tema das fontes em sala de aula de maneira crítica, uma vez que possuem o olhar
de professor e historiador ao mesmo tempo. Pereira é licenciado em História e
possui mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, exercendo, atualmente, o cargo de professor associado da UFRGS,
da área de Ensino de História e professor do Mestrado Profissional em Ensino de
História da mesma instituição. Seffner possui licenciatura em História, mestrado em
Sociologia e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e atualmente desempenha a função de professor titular da Faculdade de
Educação nesta mesma instituição.
Dessa forma, o artigo estrutura-se em quatro partes que apresentam as
especificidades do ensino de história enquanto disciplina curricular em sala de aula
na educação básica. Assim, a primeira parte é uma breve introdução que aponta os
principais objetivos do artigo. A segunda, intitulada A Revolução documental e a sala
de aula, é onde os autores apresentam reflexões acerca da maneira como a
chamada revolução documental afetou o olhar da História para aspectos da vida
social, bem como alterou o conceito de fonte histórica e o tratamento do discurso
histórico dentro da História e da sala de aula. Na terceira parte, Sobre os objetivos
do ensino de história, Pereira e Seffner discorrem acerca das leis, parâmetros e
decretos que regulamentam o ensino de história na educação básica, os principais
“alvos” do ensino de história na escola, bem como as diferenças e distâncias entre a
sala de aula da escola básica, a pesquisa histórica e a sala de aula dos cursos de
graduação em História. Por último, a parte As fontes na sala de aula, trata das fontes
na produção do conhecimento histórico e seu uso na sala de aula.
Dessa forma, na introdução do artigo, Pereira e Seffner (2008) apontam que o
objetivo do texto é tratar dos efeitos e da incorporação, por parte da sala de aula, de
um dos fenômenos mais importantes da historiografia contemporânea, a chamada
revolução documental. Além disso, a preocupação desses autores gira em torno de
discutir como a história ensinada pode inserir-se na historiografia caracterizada pela
crítica e ampliação das possibilidades da utilização das fontes históricas e como a
utilização destes documentos podem ser pertinentes dentro do ambiente escolar.

Partimos da suposição que o uso de fontes no ensino de história pode ser uma estratégia
adequada e produtiva para ensinar história a indivíduos que não tem como objetivo se tornar
historiadores, mas para os quais o conhecimento da história pode fazer muita diferença na
compreensão do mundo em que vivem e, portanto, na construção de seus projetos de vida.
(PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 114)

Na segunda parte do texto, A revolução documental e a sala de aula, os


autores evidenciam as mudanças pelas quais o conceito de fonte histórica passou
durante o século XX, com a Escola dos Annales. Desde então o conceito de fonte
histórica tem se ampliado e se transformado significativamente. Esse processo é
chamado de revolução documental, que “acabou com o império do documento
escrito, permitindo que o olhar do historiador se desviasse dos documentos oficiais e
das tramas políticas, típicas da história positivista, para uma quantidade indefinível e
enorme de vestígios do passado” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 115). Assim, um
universo de fontes históricas se abriu diante das pesquisas do historiador: filmes,
crônicas, imagens, receitas, relatos de viagens, lembranças e memórias transmitidas
oralmente… enfim, todas essas evidências passaram a ser utilizadas como fonte
para a construção do conhecimento histórico.
Dessa forma, Pereira e Seffner (2008) enfatizam que a revolução documental
dobrou o olhar da disciplina de História para aspectos da vida social, que antes eram
distantes do olhar do historiador, que preocupavam-se apenas com os documentos
oficiais. A partir deste momento, os historiadores passaram a considerar, também, o
imaginário, as mentalidades, o cotidiano e a vida privada na História, possibilitando
“uma trama mais bela da vida e dos tempos passados” (p. 115). No entanto, a
revolução documental, conforme os autores, foi acompanhada por uma forte crítica
ao documento: “o documento se torna monumento, ou seja, ele é rastro deixado pelo
passado, construído intencionalmente pelos homens e pelas circunstâncias
históricas das gerações anteriores” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 115). Isto
significa que o documento deixa de ser considerado como “prova” do que aconteceu
no passado. Nesse sentido, passam a ser vistos como monumentos construídos e
não como vestígios deixados ao acaso de modo acidental. São os historiadores que
fazem o trabalho de selecionar esses vestígios que o tempo deixou e transformá-los
em interpretações históricas: “[...] a história é um discurso que os historiadores
produzem como resultado de um longo trabalho de seleção de fontes, de seleção do
método e de seleção da teoria, mergulhado em importantes conflitos e lutas políticas
do presente.” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 115).
De acordo com os autores, a história é um discurso que busca marcar
lembranças e determinar esquecimentos, de maneira que o discurso histórico é um
conjunto de representações sobre o passado. Quando os alunos de escola básica
são colocados diante de representações que ensinam sobre o passado e produzem
memória, como filmes ou séries que se passam em um determinado período
histórico, aprendem tanto nessas representações quanto nas aulas de História. Daí
a importância de se trabalhar os documentos na sala de aula, dando um sentido
original para o ensino de história na formação da identidade dos alunos.
Na terceira parte do artigo, Sobre os objetivos do ensino de história, Pereira e
Seffner verificam que os processos que determinam o estabelecimento de objetivos
para o ensino de História na escola pública brasileira são bastante diversos
daqueles que regem o ensino superior. O que se ensina na escola não é o mesmo
que se ensina na academia e nem deveria ser, visto que os alunos da educação
básica não se encontram estudando história para ser historiadores. Nesse sentido,
na percepção dos autores, ensinar história na escola significa

permitir aos estudantes abordar a historicidade das suas determinações sócio-culturais,


fundamento de uma compreensão de si mesmos como agentes históricos e das suas
identidades como construções do tempo histórico. (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 119)

Desse modo, o ensino de história nas escolas deve tratar de levar as novas
gerações a conhecerem suas próprias identidades, a construir relações de
pertencimento no presente a um grupo ou luta coletiva. Ainda segundo Pereira e
Seffner na escola, o ensino de história coloca os estudantes diante das
representações que as gerações anteriores criaram deles mesmos e os estimula a
elaborar a crítica das representações que elaboramos sobre nosso próprio passado,
isto é, deve formar cidadãos capazes de historicizar a própria vida. Além disso, é o
professor de história que deve discutir as diferenças entre os diversos discursos que
se propõe a “recriar o passado”, bem como as especificidades de cada uma das
fontes utilizadas para a construção do discurso da história. Nesse sentido, “o alvo
principal do ensino de história na escola é a construção da compreensão de que
estudar esta disciplina é uma ação social que se dá no presente” (PEREIRA;
SEFFNER, 2008, p. 119-120). Assim, a sala de aula de história está mais propícia a
ter discussões sobre a representações do passado vinculados pela grande mídia e é
o professor de história que deve apresentar para os alunos as problemáticas acerca
dessas representações historiográficas.
A quarta e última parte do texto, intitulada As fontes na sala de aula de
História, demonstra o papel das fontes na produção do conhecimento histórico e a
maneira como estas devem ser utilizadas em sala de aula. Dessa forma, os autores
problematizam o uso das fontes em sala de aula, que são, geralmente, utilizadas
como ilustração e prova dos argumentos e descrições da história. Como se o fato
das fontes existirem provassem aquele acontecimento como verdade absoluta. Essa
tendência é marcada por resquícios do positivismo. Quando o professor utiliza as
fontes dessa maneira, ele perde a oportunidade de ensinar aos alunos o papel que
as fontes assumem no interior de cada geração e de cada uso determinado a ela.
Assim, os autores determinam a fonte como uma disposição teórica
pedagógica dos professores, não como uma “obrigação”, visto que de nada adianta
o uso de fontes se não se sabe os fundamentos ou a importância dessa
metodologia. Conforme Pereira e Seffner (2008, p. 125), “a vã tentativa de coincidir
relato e realidade” não pode continuar tendo lugar na produção historiográfica e
muito menos na sala de aula. Ao levar fontes para a sala de aula, é necessário
saber como trabalhá-las com os alunos e não utilizá-las somente como forma de
fundamentar o discurso do professor. Na verdade, eles apontam que o uso de fontes
históricas deve servir para “suspender o caráter de prova que os documentos
assumem desde a história tradicional” (2008, p. 125) e mostrar às gerações a
complexidade da construção do conhecimento histórico. Isto é, o uso das fontes em
sala de aula só se torna produtivo se os estudantes conseguirem compreender os
porquês delas serem importantes para a História. Por isso, “ensinamos os
estudantes a ler o relato histórico e ensinamos a ler as representações sobre o
passado que circulam na sua sociedade” (2008, p. 126). O importante é que os
alunos percebam que os historiadores produzem conhecimento sobre o passado
com base nas fontes disponíveis. O que os autores defendem é que o estudante
seja capaz de reconhecer na História uma ciência, com limites e possibilidades; que
seja capaz de desconfiar do documento e percebê-lo como uma construção de
determinado tempo: “é profícuo, na medida que se apresenta às novas gerações a
complexidade da construção do conhecimento histórico e tira do documento o
caráter da prova, desloca o estudante da noção de verdade que utiliza no cotidiano
e, sobretudo, permite abordar o relato histórico como uma interpretação.” (PEREIRA;
SEFFNER, 2008, p.127).
Ao analisar o texto de Pereira e Seffner é possível perceber que os autores
trazem reflexões bastante pertinentes a respeito da fonte histórica e o seu uso na
sala de aula. Nesse sentido, constata-se que o uso de evidências e vestígios
históricos na educação básica é imprescindível em sala de aula, desde que o
professor tenha uma metodologia definida de como trabalhar com essas fontes e
não utilizá-las apenas para provar seus pontos. Ou seja, é necessário que o aluno
tenha autonomia no manejo das fontes e compreenda que elas são representações
do passado deixadas por indivíduos que viveram nesse passado, não detentoras de
verdade absoluta. As fontes devem ser utilizadas como forma de complementar o
ensino e ajudar aos estudantes a perceber como o conhecimento histórico é
construído, ao mesmo tempo que, nesse processo, devem captar, também, como as
identidades se constroem.

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