Você está na página 1de 252

Historiografia e ensino de história:

a sala de aula em questão

Ernesto Padovani Netto


Organizador

Bruno Amorim Pantoja Francivaldo Alves Nunes


Carlos Eduardo Miranda Helison Geraldo F. Cavalcante
Conceição Maria R. de Almeida Luiz Antônio da Silva
Daniel Rodrigues Tavares Neles Maia da Silva
Edgar Cabral Viegas B. da Cruz Rafael P. Albarelli de Castro
Ernesto Padovani Netto Rafael Elias de Queiroz Ferreira
William Fonseca Freire

1
Direitos reservados aos autores.
O conteúdo desta obra é de exclusiva responsabilidade dos autores.

Conselho editorial:
Dr. Carlos Leandro Esteves
Drª. Eliana Ramos Ferreira
Dr. Carlos Augusto Bastos.
Drª. Edilza Joana Oliveira Fontes
Dr. José do Espírito Santo Dias Júnior
Dr. Wesley Garcia Ribeiro Silva
Dr. Wesley Oliveira Kettle

Revisão: Ernesto Padovani Netto e Bruna Fernanda de Lima


Padovani;
Imagens: Estação das Docas (Capa) e Mercado de Peixe (Miolo
do livro), por Bruno Amorim Pantoja;
Editora Amazônica Bookshelf
Conj. Médici 2, rua Benfica, 34.
Belém-PA, Amazônia – Brasil
www.amazonicabookshelf.com
contato@amazonicabookshelf.com

ISBN: 978-85-69642-07-7

2
Sumário

Prefácio ............................................................................................. 06
Edilza Joana Oliveira Fontes.

Parte I - Linguagens e documentos no ensino de História: Possibilidades


e desafios em sala de aula.
O ensino de História no contexto de uma escola inclusiva: entre o
tradicional e as possibilidades de acessibilidade. .............................. 15
Prof. Esp. Ernesto Padovani Netto.

História e Imagem: reflexões sobre as charges e o ensino de História.


........................................................................................................... 35
Prof. Neles Maia da Silva.

As tecnologias de Informação e comunicação e o ensino de História.


............................................................................................................ 55
Prof. Esp. Bruno Amorim Pantoja.

Fontes na pedra: O uso da pintura no sexto ano do ensino


fundamental. ..................................................................................... 73
Prof. Esp. Rafael Printes Albarelli de Castro.

3
Narrativa RAP e Consciência histórica: Um breve debate entre as
rimas de Pelé do Manifesto e a Teoria de Jörn Rüsen. .................... 89
Prof. Esp. Rafael Elias de Queiroz Ferreira.

Parte II - Temas e abordagens dentro do livro didático de História.


O Nazismo nos livros didáticos de História brasileiros: contribuições
para uma história do tempo presente. ............................................. 109
Prof. Esp. Carlos Eduardo Miranda.

A História da Amazônia e os livros didáticos do Ensino Médio. .... 131


Prof. Esp. William Fonseca Freire.

Superando o fardo: Hayden White e o ensino História. ................. 147


Prof. Esp. Helison Geraldo Ferreira Cavalcante.

Parte III - Da educação básica a universidade: Uma reflexão sobre a


prática pedagógica nos cursos de História.
As origens e o ensino da disciplina História: entre cientificidade,
políticas educacionais, historicidade e estruturas conjunturais. ... 165
Prof. Esp. Luiz Antônio da Silva.

4
Ensino de História, pesquisa e o relato de uma experiência de
educação patrimonial em Mosqueiro. ............................................. 181
Prof. Esp. Daniel Rodrigues Tavares.

Anacronismo: Agente facilitador ou obstáculo à prática docente? 203


Prof. Edgar Cabral Viegas Borges da Cruz.

“Por um ensino História libertador e democrático ...” (A prática


curricular continuada e o ensino de História do 2º ano 5º ano:
Experiências vivenciadas em escolas públicas de Belém do Pará em
2014). ............................................................................................... 213
Profa. Dra. Conceição Maria Rocha de Almeida.

Entre à docência e a investigação: A formação de professores na


UFPA – campus de Ananindeua. .................................................... 233
Prof. Dr. Francivaldo Alves Nunes.

5
Prefácio

O ensino de História é um campo de estudos que apresentou no


início deste século um crescimento, como objeto de pesquisa nos
diversos cursos de licenciaturas no país, o exemplo disto foi a criação
de programas institucionais, como o Pibid e o ProfHistória para
problematizarem o conhecimento histórico em consonância com a
historiografia e a aprendizagem histórica no início do século XXI.

A coletânea de textos apresentada pelo Mestrado Profissional


em Ensino de História da Universidade Federal do Pará
(ProfHistória/Ananindeua) é composta por 13 textos elaborados por
alguns professores e discentes deste programa de mestrado profissional
da turma de 2016. A coletânea apresenta uma breve síntese das
pesquisas desenvolvidas pelos alunos do nosso programa de mestrado,
bem como algumas reflexões dos docentes acerca do ensino de História
desenvolvidos no distrito de Mosqueiro, na cidade de Ananindeua e na
cidade de Belém.

Os textos apresentados podem ser agrupados dentro de 3 grupos


de pesquisa, que são: (1) Linguagens e documentos no ensino de
História: Possibilidades e desafios em sala de aula; (2) Temas e
abordagens dentro do livro didático de História; (3) Da educação básica
a universidade: Uma reflexão sobre a prática pedagógica nos cursos de
História. Os textos que compõem este livro são:

1 – O texto “O ensino de História no contexto de uma escola


inclusiva: entre o tradicional e as possibilidades de acessibilidade”, de
autoria do mestrando Ernesto Padovani Netto tem como objetivo
apresentar as limitações durante o processo de ensino-aprendizagem de
alunos surdos, a partir de suas experiências com alunos de uma escola

6
pública na cidade de Ananindeua. O autor destaca a importância do
recurso imagético como opção metodológica que auxilia os alunos não-
ouvintes a compreenderem os conteúdos históricos. O texto aponta
possibilidades sobre o uso de maquetes e vídeos como recursos
didáticos no processo de ensino-aprendizagem para este público
escolar, afim de que não se sintam à margem do processo educacional,
bem como a relevância que a educação histórica possui para o debate
em questão, ele abre possibilidades para a discussão da memória como
objeto e fonte de pesquisa histórica em sala de aula.

2 – O texto “História e Imagem: reflexões sobre as charges e


o ensino de História” de autoria do mestrando Neles Maia da Silva
apresenta o uso de charges como recurso didático interessante para o
ensino de História, a fim de que o professor possa fazer uma intervenção
no espaço escolar que saia da dicotomia livro didático e lousa durante
as aulas de História. O texto apresenta um debate teórico-metodológico
como os historiadores que problematizam a relação História e imagens,
bem como a sua perspectiva de aproximar a ciência História da
educação histórica. O autor mobiliza os conhecimentos prévios dos
alunos, o conceito de experiência no que se refere ao uso de charges em
sala aula. O texto aponta possibilidades para dialogar com o uso de
charges no processo de ensino-aprendizagem, a partir de uma
intervenção na educação básica.

3 – O texto “As tecnologias de Informação e comunicação e o


ensino de História” de autoria do mestrando Bruno Amorim Pantoja
apresenta as novas abordagens como redimensionamento do olhar
dentro do ensino de História, pois, tanto os alunos como os professores
constroem o currículo escolar durante o processo de ensino-
aprendizagem, ele destaca que a utilização de determinado recurso
tecnológico nas aulas de História auxilia o aluno a compreender

7
determinado conhecimento histórico, que este não fique limitado ao uso
do livro didático. O uso de ferramentas disponibilizadas na web como
o blog, sites e redes sociais proporcionam uma variedade de fontes
históricas para uso em sala de aula quando problematizadas pelo
professor de História. O texto apresenta possibilidades para apresentar
uma intervenção no espaço escolar quanto ao uso de determinada
tecnologia no processo de ensino-aprendizagem.

4 – O texto “Fontes na pedra: O uso da pintura no sexto ano


do ensino fundamental” de autoria do mestrando Rafael Albarelli de
Castro tenta problematizar o uso de pinturas rupestres durante as aulas
de História, pois, segundo a prática docente de Rafael Castro os alunos
tinham certo preconceito quanto ao período histórico conhecido como
Pré-História. O trabalho com fontes históricas dentro da disciplina
História redimensionou o olhar para a prática pedagógica, ele destaca a
importância da Arqueologia para estudar as sociedades sem o domínio
da escrita. Apresenta o uso da linha do tempo como um instrumento
facilitador do processo de ensino e aprendizagem e que está presente
nos livros didáticos de História. O texto abre possibilidades para
aprofundar a relação documento/monumento, bem como problematizar
que o homem e o tempo são os objetos de estuda ciência História e por
fim, compreender a percepção dos estudantes acerca das pinturas
rupestres como uma evidência histórica.

5 – O texto “Narrativa RAP e Consciência histórica: Um


breve debate entre as rimas de Pelé do Manifesto e a Teoria de Jörn
Rüsen” de autoria do mestrando Rafael Elias de Queiroz Ferreira
apresenta o Rap como espaço de diálogo sobre a juventude negra, como
forma de consciência crítica sobre a inserção do negro na periferia da
cidade de Belém a partir das rimas de Pelé do Manifesto. O texto
apresentado é o que melhor dialoga com os objetivos do mestrado

8
profissional do Ensino de História, ele consegue mobilizar os
conhecimentos históricos para uso em sala de aula. Apresenta as bases
teóricas e metodológicas do historiador alemão Jörn Rüsen para fazer
um estudo de caso da música “Sou Neguinho” a partir de dois conceitos
apresentados por Rüsen que são a narrativa histórica e a consciência
histórica destacando especificamente sua categoria crítica, a relação
passado-presente e sua perspectiva para a escrita da História, e por fim,
ressalta a identidade negra construída por meio desta música de
periferia. O texto abre possibilidades para fazer uma intervenção no
espaço escolar sobre a relação Ensino de História, Música e identidades
negras na periferia de Belém.

6 - O texto “O Nazismo nos livros didáticos de História


brasileiros: contribuições para uma história do tempo presente” de
autoria do mestrando Carlos Eduardo Miranda apresenta como análise
de investigação autores de obras didáticas lançada pelo PNLD de 2015,
para saber se a questão do antissemitismo está sendo aborda de forma
diferenciada ao se trabalhar o tema da Segunda Guerra Mundial em sala
de aula. Ele destaca que o conceito de Antissemitismo é apontado como
parte da doutrina nazista, sem, no entanto, ser considerado uma política
de Estado. O autor aborda a ideia de presentismo, a função social do
livro didático, a consciência histórica, o conceito de Nazismo e de
antissemitismo. Apresenta um diálogo com a História do Tempo
Presente. O texto apresenta possibilidades para debater as impressões
dos alunos sobre a temática dos neonazistas no Brasil, bem como a
crescente onda conservadora em nosso país no início do século XXI.

7 - O texto “A História da Amazônia e os livros didáticos do


Ensino Médio” de autoria do mestrando William Fonseca Freire
apresenta o silêncio e a marginalidade que a História da Amazônia tem
dentro dos livros didáticos de História do Ensino Médio, tendo como

9
perspectiva a noção de Amazônia dentro de uma abordagem da história
cultural. O autor apresenta o papel que os livros didáticos exercem
como mediador do processo de ensino e aprendizagem, bem como a sua
apropriação no espaço escolar por alunos e professores. O texto abre
diálogos para fazer um debate aprofundado sobre como os alunos e
professores de História aprendem os temas de História da Amazônia no
Ensino Médio, podendo explorar os trabalhos existentes no estado do
Pará sobre a disciplina Estudos Amazônicos, a sua função e prática
pedagógica no espaço escolar para que não se limite a “historiografia
da falta” sobre a Amazônia nos livros didáticos de História, bem como
apresentar uma intervenção por meio deste produto cultural em uma
escola no estado do Pará.

8 – O texto “Superando o fardo: Hayden White e o ensino


História” de autoria do mestrando Helison Ferreira Cavalcante tem
como objetivo fazer uma aproximação da Teoria da História com o
saber histórico escolar. O autor apresenta o pensamento deste
historiador americano a partir da aproximação que ele faz da História
com a Literatura. O texto infere que o texto histórico a ser produzido
pelos alunos possa construir um caminho para repensar as práticas
docentes e tornem o ensino de história mais atraente para os alunos e
professores. O texto aponta para discussões sobre o uso de fontes
históricas em sala de aula, a relação documento/monumento e a
possibilidade de uma interferência no espaço escolar por meio da
abordagem interdisciplinar História e Literatura.

9 – O texto “As origens e o ensino da disciplina História: entre


cientificidade, políticas educacionais, historicidade e estruturas
conjunturais” de autoria do mestrando Luiz Antônio da Silva apresenta
um balanço historiográfico da disciplina História desde o final do
século XIX até o século XX a fim de compreender as origens e

10
estruturas conjunturais desta disciplina escolar para repensar o ensino
de História e a importância do conhecimento histórico para a formação
da cidadania. O texto abre possibilidades para que se aprofundem as
experiências e os sentidos do saber histórico dentro de um determinado
contexto no Brasil, bem como analisar as mudanças e permanências no
espaço escolar mediante uma observação direta neste espaço.

10 – O texto “Ensino de História, pesquisa e o relato de uma


experiência de educação patrimonial em Mosqueiro” de autoria do
mestrando Daniel Rodrigues Tavares tem como objetivo a apresentar
um relato da experiência dentro da prática de educação patrimonial com
alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública, em umas das
ilhas que compõem a região metropolitana de Belém. O autor faz um
balanço historiográfico da História do ensino de História destacando a
função social de formação para a cidadania como característica deste
ensino no Brasil, bem como a tendência de superar a dicotomia
existente entre ensino e pesquisa. O autor faz uso da técnica da História
Oral para perceber como os conceitos História, patrimônio cultural e
bens culturais são entendidos pelos estudantes. A partir do tema a
economia da Borracha em Belém o professor pode problematizar a
questão do patrimônio cultural. O texto aponta possibilidades para
pensar a história local e sua importância para redimensionar o
conhecimento histórico escolar.

11 – O texto Anacronismo: Agente facilitador ou obstáculo à


prática docente? de autoria do mestrando Edgar Cabral Viegas da Cruz
tem como objetivo discutir a utilização de práticas do anacronismo
como ferramenta didática e o seu papel enquanto um agente facilitar
para a prática do professor de História. O texto destaca a analogia como
uma ferramenta importante para o processo de construção do
conhecimento histórico por meio dos livros didáticos. O texto abre

11
possibilidades para dialogar com os teóricos que trabalham o conceito
saber escolar, bem como apresentar uma intervenção a esta proposta de
ensinar determinados conteúdos históricos.

12 – A professora doutora Conceição Maria Rocha de Almeida


apresenta o texto “Por um ensino História libertador e democrático
...” (A prática curricular continuada e o ensino de História do 2º ano
5º ano: Experiências vivenciadas em escolas públicas de Belém do
Pará em 2014), que tem como objetivo problematizar o ensino de
História para esta etapa de ensino dentro da prática curricular do curso
de História da UFPA. Foi realizado entrevistas com professores e
coordenadores de 3 escolas públicas. Relata que houve um
estranhamento por parte dos docentes da escola ao compreender a
determinada prática curricular para os discentes do curso de História,
uma vez que tal prática era algo especifica para alunos do curso de
Pedagogia e não de licenciaturas específicas. Destaca a importância do
capital cultural a ser desenvolvido dentro desta etapa de ensino e não
especificamente sobre o processo de formação docente em História. A
vivência dos alunos de graduação nesta prática curricular possibilitou
um enriquecimento em suas formações acadêmicas, bem como para a
proposição de projetos futuros que contribuam para um ensino de
história democrático e libertador.

13 – O texto “Entre à docência e a investigação: A formação


de professores na UFPA – campus de Ananindeua” do professor
doutor Francivaldo Alves Nunes apresenta a partir do Projeto
Pedagógico do curso de História do campus de Ananindeua os seus
fundamentos epistemológicos, éticos e didático-pedagógicos, bem
como seus objetivos, perfil do egresso e os procedimentos a serem
adotados para a formação profissional a que se propõe o curso de
História na região metropolitana de Belém. O autor dialoga com a

12
legislação vigente desde a LDB publicada em 1996 e suas alterações ao
logo no início do século XXI, bem como os pressupostos direcionados
para o conhecimento histórico e para o saber histórico escolar. O texto
abre portas para debater a formação de professores de História e a
perspectiva que o curso de História deste campus universitário pode
apresentar a partir da Base Nacional Curricular Comum (BNCC)
lançada em dezembro de 2017.

O livro pode ser visto como um instrumento de trabalho e uma


referência para as discussões que foram desenvolvidas por esta primeira
turma de mestrado profissional em Ensino de História no Pará, e não
como resposta final aos temas desenvolvidos pelos docentes e
discentes. Ensinar História no século XXI requer problematizar a sua
prática no campo dos historiadores, mas também colocar em evidência
alunos e professores dentro dos nossos cursos de licenciatura e pós-
graduações em História.

Ananindeua, 19 de fevereiro de 2018.


Profa. Dra. Edilza Fontes
Coordenadora do ProfHistória
PPHIST-Faculdade de História/UFPA.

13
14
O ENSINO DE HISTÓRIA NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA
INCLUSIVA: ENTRE O TRADICIONAL E AS
POSSIBILIDADES DE ACESSIBILIDADE

Ernesto Padovani Netto1

Introdução

Nas últimas décadas, o Brasil tem sido palco de um acirrado


debate acerca da inclusão de alunos surdos na chamada rede regular de
ensino, promovendo desta forma, o convívio de estudantes ouvintes
com estudantes surdos. Prova disso é o conjunto de leis aprovadas a
partir da Constituição Federal de 1988 que dissertam sobre esta
realidade. Tal iniciativa é vista por seus seguidores como uma forma de
retirar a pessoa surda de seus “guetos” e trazê-la a convivência, e ainda
construir e concretizar o aprendizado, junto às pessoas ouvintes. Diante
disso, os alunos surdos devem dar conta do currículo comum a todos os
estudantes, dentro do conjunto das disciplinas, tais como: História,
Geografia, Matemática, etc.
Porém, há uma série de desafios para garantir a permanência
destes estudantes no ambiente escolar, dentre os quais se destaca o
reconhecimento deles enquanto um grupo que possui uma cultura, e
dentro desta, uma língua própria, a saber, a Língua Brasileira de Sinais
(Libras). A Libras é a primeira língua da comunidade surda no Brasil,

Licenciado e Bacharel em História pela Universidade Federal do Pará


(UFPA-2006). Concursado como docente da Secretaria Executiva de Estado
de Educação (SEDUC), atuando, na modalidade Educação Especial do Estado
do Pará no ensino de História para alunos surdos. É especialista em Educação
especial com ênfase em inclusão pela Faculdade Ipiranga (2013), e atualmente
é discente do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História
(PROFHIST), polo da UFPA, - Campus Ananindeua. Email:
ntpadovani@gmail.com

15
sua utilização no ambiente escolar é importante para que seja
estabelecida uma relação de alteridade, onde ocorram trocas e
valorização dos diferentes saberes presentes na escola, e em especial
nas aulas de História, a qual se caracteriza por ser uma disciplina que
interpreta as ações dos homens a partir das mais diferentes narrativas
no tempo histórico. Trata-se, portanto, de uma área do saber de
fundamental importância para construção de identidades, e também
para a compreensão das relações entre os diferentes grupos que
interagem na sociedade, e consequentemente, na comunidade escolar.
Este cenário nos convida a refletir sobre o direito de acesso que
os diferentes grupos do interior da sociedade têm em relação ao ensino
de História, e ainda mais, o direito de se reconhecerem como sujeitos
que interagem e influenciam no processo histórico através de lutas
efetivadas por grupos de identidade que não se reconheciam nos
conhecimentos propagados nas salas de aula. Assim, é importante
superar a questão da surdez apenas como deficiência que deve ser
tratada do ponto de vista médico, no sentido de buscar igualar grupos
desiguais, o que se coloca agora é a ampliação dessa discussão para a
questão das identidades, das culturas, das etnias, dos gêneros, das
políticas. Se os surdos têm que ser “incluídos” em algum lugar, devem
sê-lo no lugar e no espaço dos debates (SÁ, 2010, p. 25).
O fato destes alunos estarem inseridos em ambientes escolares
que pouco reconhecem suas necessidades educacionais especiais, nos
leva a indagar, como é a experiência de estar em uma sala de aula, não
poder ouvir o que os professores falam e posteriormente ser cobrado
pelo aprendizado dos conteúdos em atividades e provas? A proposta de
nosso trabalho é refletir sobre essa vivência que acompanha a pessoa
com surdez por toda sua trajetória escolar. Desta forma, daremos ênfase
ao espaço escolar enquanto uma construção social onde as relações e
práticas sociais se estabelecem no campo das experiências vividas,
destacando aqui o alunado surdo.
Diante de uma barreira que inviabiliza a concretização do
processo ensino/aprendizagem: a da comunicação, pretendemos

16
apontar estratégias facilitadoras referentes ao ensino de História para
educandos com surdez. Para isso, pretendemos utilizar reflexões que
tem orientado práticas pedagógicas em uma unidade escolar do ensino
regular, onde atuo como professor itinerante e professor da sala de
recursos, no Atendimento Educacional Especializado (AEE), desde
2015. Serão trabalhadas turmas de Ensino Médio que possuam surdos
matriculados, da Escola Estadual Luiz Nunes Direito (LND), a qual foi
fundada em 1980 no bairro do Coqueiro, no conjunto habitacional
Cidade Nova IV, na cidade de Ananindeua-Pará, município pertencente
a região metropolitana de Belém, pelo então governador Tenente
Coronel Alacid da Silva Nunes. A escola, que atualmente está inserida
em um espaço considerado da chamada classe média, recebe alunos de
várias comunidades adjacentes, como por exemplo: 40 horas, Icuí-
Guajará, Icuí-Laranjeira e Paar2. Ao longo dos anos esta instituição
passou a absorver a maior parte dos educandos com necessidades
educacionais especiais da região, sendo muito comum ouvirmos de
membros da comunidade escolar que se trata de uma “escola de
referência” em inclusão, sobre tudo em relação à alunos com surdez,
tendo 19 surdos matriculados em 2015, 20 em 2016 e 28 no ano letivo
de 2017.3 Sendo que a pesquisa teve como foco o turno da manhã, pois
este concentra 27 dos atuais 28 surdos matriculados.4

Informações retiradas do Projeto Político Pedagógico (PPP), da


referida unidade escolar.
3

Dados obtidos na secretaria da escola.


4

No início do ano letivo de 2017 eram 27 surdos matriculados no turno


da manhã, porém no final do primeiro semestre um aluno pediu transferência
para outra escola, totalizando agora 26 alunos surdos.

17
Este texto é parte de uma pesquisa maior, sobre ensino de
História para alunos surdos que está sendo desenvolvida no âmbito do
mestrado profissional em ensino de História – PROFHIST, no polo da
UFPA, campus Ananindeua.
Para a dissertação entrevistamos pais, gestores, alunos e ex-
alunos surdos da escola LND. Para este trabalho, apresentamos alguns
recortes desta pesquisa, destacando aqui algumas entrevistas,
caracterizamos o ensino nas salas regulares e apontamos uma das
propostas metodológicas que utilizamos no ensino de História para
surdos.
O historiador François Furet afirma que a História para existir
como disciplina escolar, teve que sofrer várias mutações, de modo a
constituir um campo do saber ao mesmo tempo intelectualmente
autônomo, socialmente necessário e tecnicamente ensinável (FURET,
s.d., p.134). A preocupação de Furet em relação ao conhecimento
histórico precisar ser tecnicamente ensinável, nos convida a refletir
acerca da realidade dos alunos surdos na escola brasileira, pois a estes
é colocado o desafio de aprender a disciplina, que é essencialmente
ensinada pelos professores através da oralidade, o que já os exclui por
sua própria condição de pessoa surda, e que ainda é explicada em uma
língua que não é a sua, além do predomínio da Língua Portuguesa,
através de textos escritos, práticas tradicionais que pouco geram
interesse nos alunos.

As experiências dos alunos surdos nas salas regulares

Algo que marcou as entrevistas feitas com todos os alunos e ex-


alunos surdos, foi o fato de sempre demarcarem que as aulas de História
são/eram ministradas baseadas na oralidade, logo, incompreendidas por
eles.

18
Nesse sentido, vejamos os depoimentos de Augusto e Ana5,
respectivamente:
Antes, no primeiro e segundo ano, eu lembro que
não tinha interpretes, era difícil estudar porque os
professores ensinavam falando, e os surdos não
entendem, só veem a boca se mexendo, travava
tudo. Alguns professores tinham paciência com a
gente, o professor de química era muito legal, ele
ensinava primeiro os ouvintes, mas depois
ensinava só para os surdos. Ele não tinha um
conhecimento profundo de Libras, só uma base,
mas se esforçava para ensinar. No terceiro ano eu
passei no vestibular, na Uepa, vieram os
professores do Astério de Campos, mas no outro
ano eu já sai.6

Estudar na sala regular é complicado, os


professores falam e eu não entendo, eu fico
olhando os professores explicarem, mas não
entendo, eu olho, mas é difícil, porque no Luiz
Nunes tem surdos e tem ouvintes, os ouvintes
sabem, mas eu não ouço nada. Eu estudo, tento
ler, mas não entendo, eu pergunto, como explicar
para o surdo? Mas os professores não sabem.

Além da angústia de não compreenderem as aulas por serem


oralizadas, é importante destacar a ausência de interpretes, também
lembrada bastante pelos entrevistados surdos, e pontuada por Augusto,

Todos os entrevistados (profissionais, pais de alunos, alunos e ex-


alunos) serão identificados por seus cargos/funções ou por nomes fictícios.
6

Entrevista realizada em julho de 2017.

19
que destaca ainda a atuação do professor de Química pelo esforço em
estabelecer comunicação em LSB. No depoimento de Ana, podemos
observar a inquietação em relação às metodologias utilizadas para
efetivar aprendizagem junto aos surdos: “eu me pergunto, como
explicar para os surdos?” Essa reposta precisa ser dada à esta aluna
pelos órgãos e profissionais da educação, por hora, a certeza que ela
tem é apenas que “os professores não sabem”.
De forma geral, e especificamente nas aulas de História, é
perceptível que as aulas na escola LND são ministradas
supervalorizando os conteúdos, basicamente através das aulas
expositivas orais e buscam respostas-padrão de todos os alunos, nas
atividades propostas. Ao se referir a este modelo escolar, Maria Tereza
Mantoan afirma que se tratam de escolas em que seus métodos e
práticas preconizam a exposição oral, a repetição, a memorização, os
treinamentos, o livresco, a negação do valor do erro. São escolas que
estão sempre preparando os alunos para o futuro: seja a próxima série a
ser cursada, o nível de escolaridade posterior, ou o exame vestibular
(MANTOAN, 2013, p. 60).
Diante das dificuldades de comunicação com os professores, e
mesmo pelo menor período de tempo em que professores e alunos estão
juntos em sala de aula, os alunos ouvintes acabam ganhando um grande
protagonismo no sentido de facilitar o desenvolvimento das atividades
dos surdos. Não é incomum os alunos ouvintes procurarem os
profissionais do AEE para informar sobre trabalhos, dando maiores
esclarecimentos acerca do que o professor falou sobre alguma atividade
em sala. Alguns ouvintes desenvolvem grande interesse pelos surdos e
pela Libras, buscando estar sempre próximos para aprenderem a Língua
de Sinais, e nos procuram também nesse sentido, de tentar obter
conhecimentos sobre como se comunicar com os surdos.
É importante ressaltar que muitas vezes são estabelecidas
relações de amizade entre alunos surdos e alunos ouvintes, que mesmo
sem dominar a Libras, buscam estratégias de comunicação para
viabilizar a comunicação, seja através da escrita, de mímica, mostrando

20
imagens, etc.7 Essas relações de proximidade costumam ocorrer com
mais frequência entre ouvintes e surdos oralizados, pois o elemento
“fala”, acaba sendo determinante para aproximá-los. Se pegarmos como
referência as duas alunas surdas entrevistadas para a dissertação, Clara
é oralizada, enquanto que Ana não é, além de constatar pela observação
que Clara possuía relações de amizade com alunas ouvintes, fato que
não se repete com Ana, a qual é a única menina entre os surdos dos dois
segundos anos, e no cotidiano observamos ela apenas em contato com
os meninos surdos, podemos observar esta questão também nas
entrevistas, pois Ana em nenhum momento citou os (as) alunos (as)
ouvintes em suas respostas, enquanto que Clara fez menção à eles/elas
em vários momentos.
Ao ser perguntada sobre a experiência de ser surda e ter
estudado em uma escola inclusiva, Clara destacou em dado momento
de sua resposta:

Minhas amigas ouvintes me ajudavam muito, me


mostravam as páginas dos livros que tinham
exercícios para fazer, havia uma troca entre a
gente, os professores não, quer dizer...me
ajudavam as vezes, um pouco..., mandavam mais
fazer os exercícios.8

Isto também ocorre com os demais profissionais que atuam na escola,


que em situações de diálogos mais breves, utilizam destes recursos, porém para
situações que exigem uma conversa mais prolongada, os profissionais
itinerantes costumam ser chamados para intermediar.
8

Entrevista realizada em julho de 2017.

21
Em relação às aulas de História, a entrevistada frisa novamente
a relação com as ouvintes, dizendo “os professores faziam muitos
exercícios em grupo, aí as ouvintes me ajudavam”.

Os alunos ouvintes acabam se tornando também, grandes


parceiros dos professores da sala de recursos, pois nas disciplinas em
que há resistência dos professores em relação ao diálogo com os
profissionais itinerantes, os ouvintes acabam auxiliando, pois nos
repassam as informações dadas em sala de aula, as quais por vezes os
surdos não tiveram acesso.

O que temos observado é que, ainda, existem grandes entraves


para que ocorra a efetiva inclusão dos alunos surdos nas aulas de
História na escola LND, seja por omissão do Estado ou dos
profissionais envolvidos mais diretamente no espaço escolar, porém, é
importante destacarmos que a partir do funcionamento da sala de
recursos na escola, conquistada pela luta de pais e alunos, algumas
iniciativas têm apontado no sentido de construir uma melhor
participação destes educandos nas aulas, procurando garantir, ainda que
havendo muitos percalços, o acesso e a aprendizagem dos alunos surdos
ao que concerne às reflexões propostas dentro dos conteúdos
trabalhados através do ensino de História.

É importante ressaltar que por opção metodológica, os dois


professores não fazem uso dos livros didáticos em sala de aula. Os
alunos recebem os livros, e são orientados a utilizá-los como fonte de
pesquisa em casa, nas aulas são usados textos copiados no quadro e
apostilas produzidas pelos professores, que os alunos adquirem na
reprografia da escola. Ainda que haja a dificuldade dos alunos na
compreensão dos textos, o livro didático seria de grande importância
para os alunos surdos no uso diário em sala de aula, pois os recursos
imagéticos presente nas obras, ajudam os alunos a melhor compreender
sobre qual assunto está sendo tratado.

22
Devido à ausência de interpretes e a má formação dos
professores, no sentido de melhor compreender as possibilidades
metodológicas que podem contemplar os surdos, o dia a dia das aulas
acabam por se restringir as aulas expositivas orais, com os conteúdos
sendo explorados, normalmente, através de textos copiados no quadro.
Rafael se reporta a esta questão, quando perguntado sobre sua
experiência nas aulas de História, ele nos diz: “O professor de História
chega e escreve muitas palavras no quadro, depois começa a falar...eu
não entendo. Falta interprete de Libras, faltam imagens, aí os surdos
iriam aprender”.

Outra questão importante é que como os alunos surdos


costumam copiar letra por letra, pois na maioria das vezes, ainda não
possuem familiaridade com as palavras para gravarem uma frase inteira
e copiarem para os cadernos, haja vista que ao não ouvirem os fonemas,
as palavras tornam-se apenas um emaranhado de símbolos, aos quais os
surdos tentam memorizar e construir sentidos, desta forma, em muitos
momentos, acabam utilizando seus aparelhos de celular para tirarem
fotos dos textos apresentados na lousa, o que os prejudica, pois, as fotos
acabam por ficarem esquecidas na memória do celular, sendo acessadas
apenas no AEE para mostrar os conteúdos ao professor da sala de
recursos. Esta realidade acaba por demonstrar os graves problemas
existentes na alfabetização de alunos surdos, o que coloca em xeque não
apenas a escola inclusiva, mas também o trabalho desenvolvido nas
escolas especializadas.

Evidente que não podemos cair no erro de criar generalizações,


em que pese observarmos que a maioria dos surdos parecem ter certos
traumas de incompreensão na relação com a Língua Portuguesa, há
surdos que desenvolvem um bom aprendizado em relação ao Português,
e se utilizam dele para entender os conteúdos veiculados nas aulas,
como destaca Humberto ao ser perguntado sobre como era sua
experiência nas aulas de História na sala regular: “Eu fico sentado e
olhando, a professora começa a explicar e escrever o texto no quadro,

23
eu entendo um pouco as palavras, mas quando ela fala, fica confuso, é
muito difícil. Escrito fica mais claro para mim”.9

Fig. 1: Fotos do conteúdo de História na sala regular da escola LND 10

Entrevista realizada em setembro de 2017.


10

Registros fotográficos do aluno Humberto em setembro de 2017.

24
Provas escritas

Uma situação que gera grande discussão entre alunos, pais e


professores (do AEE e do ensino regular) são as provas avaliativas as
quais os surdos são submetidos. Para alguns professores os surdos
devem ser avaliados através dos mesmos métodos que os ouvintes,
argumentam que o ENEM é igual para todos e que inclusão é avaliar
todos com igualdade.11 Essa noção de igualdade vai de encontro o que
Boaventura Santos nos diz ao afirmar que “temos o direito à igualdade,
quando a diferença nos inferioriza, e direito à diferença, quando a
igualdade nos descaracteriza!” (SANTOS apud MANTOAN, 2013, p.
31).
Em relação especificamente as avaliações de História, o que
tínhamos era o uso exclusivo de provas escritas para os alunos surdos,
quando haviam seminários, eles não participavam. Não somos
contrários a utilização de provas escritas, seja de múltipla escolha ou
dissertativa, porém o que defendemos é que estas provas devam ser
produzidas dentro de padrões acessíveis aos surdos, com utilização de
imagens e presença de interpretes, e que de forma alguma devem ser a
única forma de avaliação dos alunos.
Por não haver um espaço dentro da carga horária dos
professores para o planejamento das ações pedagógicas a serem
implementadas, infelizmente os encontros entre professores da sala
regular e professores itinerantes costumam ocorrer em breves diálogos
em encontros pelos corredores da escola, dando um caráter informal
que não é adequado para a construção pedagógica a ser projetada. As

11

A conquista da comunidade surda de ter a prova do ENEM toda


filmada em Libras foi fundamental para os profissionais do AEE contra
argumentarem com os professores do ensino regular. Em relação igualdade
avaliativa, procuramos ponderar que a igualdade também deveria se dar no que
concerne ao acesso aos conteúdos, algo que não ocorre.

25
exceções são em momentos de formação ministradas pelos professores
itinerantes, porém, estes espaços são raros ao longo do ano letivo, além
de que nem sempre é possível reunir todos os professores de História
no mesmo dia e horário no espaço escolar para participarem da
atividade proposta.
As avaliações escritas costumam ser extensas, se analisarmos
que há apenas um professor de História no AEE para colaborar com a
interpretação das provas, levando em consideração que são diversas
provas, de várias turmas com surdos, torna-se um trabalho de extrema
dificuldade, pois nos dias de avaliação, devido a necessidade de
interpretação, os surdos se juntam todos no auditório da escola, é feita
uma separação por turmas e séries, o professor que está interpretando a
prova passa a dividir sua atenção para cada turma, sendo necessário
umas aguardarem enquanto outras são contempladas. Neste sentido,
provas com textos muito longos e sem apelo visual levam os alunos e o
interprete a um alto grau de stress e ansiedade, pois a espera dos alunos
torna-se prolongada e o tempo estimado para conclusão da avaliação
costuma ser extrapolado.
Normalmente, as avaliações de todas as disciplinas, costumam
ser aplicadas através de provas escritas, de modo geral, nos parece que
os professores ainda possuem grandes dificuldades em se desatrelarem
deste modelo mais tradicional e consolidado na escola brasileira. Ao
refletir acerca dos exames aplicados nas universidades francesas, mas
que por analogia, nos serve para pensar a escola brasileira, em particular
a escola LND, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, nos mostram
que eles não são apenas as representações e as práticas dos agentes, mas
também da organização e do funcionamento das instituições.
Destacando o que o autor chamou de angústia ante os vereditos totais,
brutais e parcialmente imprevisíveis das provas tradicionais. Dentro da
lógica da manutenção de um modelo que se pretende hegemônico,
temos sua reprodução, a qual impõe o exame não somente como a
expressão mais legível dos valores escolares e das escolhas implícitas
do sistema de ensino, já que ele acaba por impor uma definição social

26
do conhecimento e da maneira como deve ser manifestado, mas oferece
ainda, um de seus instrumentos mais eficazes ao empreendimento de
inculcação da cultura dominante e do valor dessa cultura (BOURDIEU;
PASSERON, 1992, p. 153).

Seminários

Os dois profissionais de História que participaram desta


pesquisa, denominados aqui de professora A e Professor B, sempre
foram acessíveis ao diálogo e de maneira alguma estão entre os
professores que tentam se manter afastados das orientações dos
professores itinerantes, porém, a professora A, demorou mais para
implementar elementos diferenciados nas avaliações dos surdos,
construindo parcerias para o ensino e avaliação dos surdos apenas no
terceiro ano de funcionamento da sala de recursos, já em 2017,
enquanto que o professor B, desde o primeiro ano de funcionamento do
referido espaço, passou a pensar em atividades diferenciadas para os
alunos em atividades de parcerias, ainda em 2015.
Os seminários são organizados pelos professores em sala de
aula, onde são formados grupos, normalmente de quatro a cinco alunos,
e são distribuídos os temas para cada equipe. Na maioria das vezes os
surdos ficam em uma única equipe, mas já ocorreu a formação de
grupos com surdos e ouvintes juntos, sendo que a orientação dos grupos
em que existam surdos ficam em minha responsabilidade.
O primeiro passo é ministrar uma aula no AEE para os alunos,
acerca do tema do seminário, em que busco perceber qual o grau de
familiaridade eles têm com a temática. Em seguida organizamos uma
pesquisa por imagens e vídeos da internet, para compor os slides da
apresentação, assim como uma pesquisa bibliográfica, para construção
de pequenos textos escritos que estarão presentes ao lado dos recursos
imagéticos durante a apresentação, e que serão explicados em LSB
pelos alunos.

27
Neste momento é muito comum os alunos desconhecerem
algumas palavras e seus respectivos sinais, todos costumam colaborar
e passam a ensinar os sinais uns para os outros, o professor do AEE
também intervém para ensinar palavras e sinais desconhecidos dos
alunos, assim como não é incomum o professor desconhecer um sinal e
os alunos o ensinarem, o que demonstra a complexidade do ato de
ensinar e aprender, pautando o conhecimento em um compartilhamento
de experiências onde “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender”(FREIRE, 1997. p.25). Quando nenhum presente
conhece um dado sinal, o mais usual é recorrer a aplicativos de celular
ou dicionários online que possam fornecer a informação necessária,
caso a dúvida persista, buscamos o auxílio de interpretes e outros surdos
que possam colaborar conosco.
Quando uma expressão não possui o sinal correspondente, os
alunos são orientados a utilizarem o recurso da datilologia, ou seja,
soletrar a palavra com as mãos através do alfabeto manual, conforme o
exemplo abaixo, onde utilizamos a palavra “colonos”:

Fig. 2: Palavra “colonos” em Língua Portuguesa e em datilologia em Libras.


Fonte: site www.ideiacriativa.org12
A partir de então, montamos através de um programa de
computador o seminário a ser apresentado pelos alunos, os quais ficam

12

http://www.ideiacriativa.org/2014/03/alfabeto-de-parede-em-
libras-para.html. Acesso em 20 jul. 2017.

28
responsáveis por explicar partes do conteúdo, que abrangem seus
respectivos textos, imagens e/ou vídeos.
Esta atividade ocorre no auditório da escola ou na sala de
recursos, em dias agendados pelo professor. Há um esforço no sentido
do professor do AEE estar presente nas apresentações dos grupos
formados por ouvintes, para interpretar a apresentação para os surdos,
porém, por incompatibilidade de horário de trabalho, nem sempre isso
é possível, o que ocasiona uma perda significativa na aprendizagem aos
alunos.
No dia marcado para a apresentação dos surdos, é necessário a
presença dos professores, os quais fazem perguntas, comentários e a
avaliação com base nas apresentações, o professor do AEE, que nesse
momento, atua como interprete, tanto da Libras para o Português, como
do Português para a Libras, e os demais alunos, que além de assistirem,
podem fazer intervenções ao fim de cada seminário.

Outra possibilidade de intervenção pedagógica direcionada para


os alunos surdos

Na educação de surdos, é fundamental o uso de recursos


imagéticos, porém, para além do uso das imagens, é necessário que os
alunos estabeleçam uma relação com o que está sendo visualizado,
nesse sentido é possível combinarmos outras estratégias de ensino em
que o próprio elemento visual seja construído e explorado pelos
educandos, para tanto exemplifico este raciocínio com a construção de
maquetes.
Em dezembro de 2017, o professor de História das turmas de
primeiro e terceiro ano do Ensino Médio, daqui por diante denominado
professor B, trabalhou o tema “Belle Époque na Amazônia” nas turmas
do terceiro ano, em uma destas turmas havia cinco alunos surdos. A
aula havia sido ministrada da forma tradicional: Exposição oral, sem
apoio de nenhum recurso didático: Livros, apostilas, slides, etc. logo,
os alunos surdos não compreenderam o assunto tratado. O professor B

29
dividiu a turma em grupos para que cada um entregasse um trabalho
destacando um aspecto da Belle Époque, para os surdos o professor
solicitou que pesquisassem sobre o cinema Olympia.13
Começamos por explicar para os surdos o que foi a chamada
Belle Époque, para isso utilizamos livros didáticos, paradidáticos e sites
da internet. Em seguida apresentamos um vídeo hospedado no site You
Tube, este, com duração de cerca de 11 minutos, foi produzido com fins
didáticos em 2012, por Katiuscia de Sá, que integrava o grupo de
produção audiovisual Igara,14 para as comemorações de 100 anos do
cinema, e destaca desde sua fundação, destacando o público para o qual
foi pensado, o cinema mudo, as inovações técnicas, os diferentes grupos
empresariais ao qual pertenceu, até passar para a responsabilidade do
poder público municipal, o qual desenvolve projetos para que alunos da
rede pública tenham acesso ao cinema.15 O vídeo foi explicado em
Libras e pausado em vários momentos para ser melhor explicado, ou
para dar espaço às intervenções dos alunos.
A partir da construção desta base de conhecimento, propomos
a construção de maquetes do cinema. Os alunos sugeriram que fossem
feitas três maquetes: uma da fundação, outra dos anos de 1980/1990 e
ainda outra atual. Os surdos praticamente desconheciam o cinema, pois
costumam frequentar os cinemas nos shoppings da cidade e nenhum

13

Foi fundado em 1912 no centro de Belém para diversão das elites da


época, trata-se do cinema mais antigo em funcionamento no Brasil.
14

Blog do grupo Igara disponível em:


http://studioigaradeanimadores.blogspot.com.br/. Acesso em 18 dez. 2017.
15

Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=CNWYp8WLwIE&t=307s. Acesso
em: 02 dez. 2017.

30
soube informar se o cine Olympia possuía um sinal em Libras.
Resolvemos estabelecer que todos, alunos e professor, iriam pesquisar
junto à surdos mais velhos o sinal do cinema. Nenhum surdo consultado
soube informar o sinal do cinema, e por tanto foi utilizado o recurso da
datilologia.

Fig. 3: Maquetes do cinema Olympia.

Fig 4: Documentário sobre o cinema Olympia.

Para a construção das maquetes foram utilizados basicamente:


isopor, papel, tinta guache, computador e impressora. Durante a
apresentação, os alunos expuseram em Língua de Sinais o que
aprenderam sobre o contexto que envolve o clico da borrada e da Belle
Époque na Amazônia, e destacaram a partir das maquetes as

31
transformações arquitetônicas sofridas pelo cinema nesses mais de 100
anos, o que foi importante no sentido da compreensão das diferentes
temporalidades, assim como os diferentes usos do cinema, e ainda ao
final, reproduziram o documentário que serviu de base para a pesquisa,
neste momento atuei como interprete para mediar a comunicação entre
surdos e ouvintes ali presentes.

Conclusão

Em nossa avaliação, a escola LND, apesar de alunos surdos


estudando estarem estudando na instituição há mais de uma década e
meia, ainda se encontra em um estágio inicial de interiorização da
presença desses alunos, o que percebemos é uma grande
incompreensão, desconhecimento, e até mesmo resistência por parte de
grande parte dos profissionais que atuam na escola, em relação às
possibilidades de incluir os surdos nas atividades diárias da escola. Os
surdos vêm de uma realidade de silêncio e invisibilidade no interior das
escolas inclusivas, onde os habitus construídos não levam em conta
suas demandas, e são tão resistentes, que se torna imperativo a
construção de novos comportamentos que estejam vinculados à uma
cultura escolar verdadeiramente inclusiva, demonstrando assim que
existe uma riqueza de possibilidades metodológicas para serem
exploradas no ensino de surdos, sendo necessário implantar
intervenções pedagógicas diferenciadas, as quais escapam dos modelos
tradicionais tão arraigados às escolas brasileiras.

Referências

BOURDIEU, P. & PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3ªed. Rio


de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. 6º ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

32
FURET, François. A Oficina da história. Lisboa: Gradiva, s.d.

MANTOAN. Maria Teresa Eglér. Ensinando a turma toda: as


diferenças na escola. In: O desafio das diferenças nas escolas. 5º ed.
Petrópolis: Vozes, 2013.

____________________________. Inclusão escolar: caminhos,


descaminhos, desafios, perspectivas. In: O desafio das diferenças nas
escolas. 5º ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 2º


ed. São Paulo: Paulinas, 2010.

Sites 

https://www.youtube.com/watch?v=CNWYp8WLwIE&t=307s.
Acesso em: 02 dez. 2017.
 http://studioigaradeanimadores.blogspot.com.br/. Acesso em 18
dez. 2017.
http://www.ideiacriativa.org/2014/03/alfabeto-de-parede-em-libras-
para.html











33

34
HISTÓRIA E IMAGEM: REFLEXÕES SOBRE AS CHARGES
E O ENSINO DE HISTÓRIA

Neles Maia da Silva1

O conceito de imagem e de charge


Uma imagem vale mais que mil palavras

(TUCHOLSKY apud BURKE, 2006, p. 10).

Talvez a mente criadora dessa expressão acima, tão recorrente


no senso comum, não pretendesse refletir de forma profunda sobre a
importância da imagem para o ser humano, embora esteja nítida que a
mensagem principal seja a da existência de um poder e força da imagem
em detrimento das palavras. Ou seja, que a imagem é marcante e diz
mais do que milhares de palavras. Entretanto, nossa intenção neste
artigo é pensar essa discussão em torno da imagem e sua relação com a
história, de modo geral, e com o ensino de história, de modo específico.
Nosso mundo é imagético. Vivemos rodeados por imagens,
sejam estáticas ou em movimento. Diferentes formas de linguagem
visual nos chegam cotidianamente para nos trazer mensagens diversas.
Seja nas mídias televisivas, seja nas digitais ou ainda nas impressas em
quaisquer suportes, as imagens nos chamam atenção e preenchem
nossos olhos com uma infinidade de informações, discursos e
interesses. Desde um jornal até um quadrinho usado em sala de aula,
nosso mundo faz usos da imagem de forma permanente. E isto não é

Graduação em História (2016), Universidade Federal do Pará


(UFPA), Campus de Bragança, PA. Mestrando do Programa de Pós-graduação
em Ensino de História (PROFHISTÓRIA), Campus de Ananindeua, PA.
Professor substituto de História Antiga e Medieval na Universidade Federal do
Pará, Campus de Bragança, PA. Professor de história do Ensino Fundamental
II (6º ao 9º ano), na cidade de São João de Pirabas, PA.

35
uma característica exclusiva da contemporaneidade. A imagem está no
cotidiano das sociedades humanas anteriormente à escrita, tornando-se
uma das formas mais antigas de comunicação. Seus usos e objetivos
foram variáveis na história e as intencionalidades apontam para o poder
que ela tem em seus múltiplos interesses (PAIVA, 2006).
As reflexões sobre história e imagem são pertinentes para a
historiografia e também para o ensino de história, na medida em que a
presença das imagens na vida humana tem sido recorrente ao longo do
tempo. Esse campo de estudos e os usos da imagem tem se tornado cada
vez mais próximo dos historiadores e professores de história, uma vez
que as discussões específicas e interdisciplinares possibilitam retornos
de pesquisa e de ensino que são muito proveitosos. É necessário,
portanto, problematizar essa relação da história com a imagem para que
se possa refletir teórica e metodologicamente sobre seus usos pela
historiografia e mais especificamente pelo conhecimento histórico no
espaço escolar.
Para tanto, inicialmente é preciso refletir sobre o que é imagem.
Qual o conceito de imagem? O que caracteriza uma imagem? Talvez
pareça desnecessário refletir sobre o conceito de imagem, já que
facilmente conseguimos nos relacionar com a ideia da linguagem
visual. Mas é exatamente sua naturalização que torna necessária
problematizar. A pesquisadora Leonor Amaral aponta que essa
discussão sobre imagem não é nova, pois remonta a antiguidade e a
filosofia grega com Platão ao retratar o mito da caverna, onde há relação
do mundo real e o mundo das sombras e reflexos. Nesse sentido
platônico, a imagem seria entendida como espelho do real (AREAL,
2003, p. 59). Essa compreensão abstrata da imagem leva à múltiplos
questionamentos: imagem é a verdade mais valiosa do que as palavras?
É um espelho do real? É uma representação? Essas são algumas
reflexões pertinentes para iniciar esse debate teórico.
A palavra imagem tem origem no latim, imago e significa
semelhança, representação, retrato (PIETROFORTE, 2017, p. 34). Há
autores que apontam sua origem etimológica como eidolon,

36
significando “fantasma dos mortos”, “espectro” e somente depois passa
a ser representação, retrato (DEBRAY apud MONTEIRO, 2013, p. 4).
Antonio Pietroforte afirma que a palavra imagem é polissêmica, pois
em seu diálogo com os campos de estudo da semiótica2 pode referir-se
à imagem na fotografia, no cinema, na pintura entre outras inúmeras
formas de linguagem visual, mas também ao texto escrito, já que antes
de se ler, qualquer que seja a escrita, é visual (PIETROFORTE, op. cit.
p. 33). Nesse sentido, a imagem não possui uma única definição e não
está relacionada apenas a iconografia. Sendo assim, ele afirma que
podemos definir, de forma geral, que a imagem está ligada a
“representação e pode referir-se ao que se vê, ouve-se ou se imagina”
(Idem, Ibidem, p. 34). A ideia de imagem está relacionada a uma
diversidade de tipos imagéticos: imagem ótica, mental, sonora, literária
entre outras (AREAL, op. cit. p. 59-80). É o sentido mais abrangente
do conceito de imagem. Essa definição conceitual parte da perspectiva
etimológica e linguística e se relaciona com os campos de discussão da
semiótica de forma mais geral. No entanto, como essa linha de
pensamento abarca os elementos mais amplos e detalhados da estrutura
e dos significados plásticos, linguísticos e estilísticos da imagem,
inclusive abarcando a questão textual e mental, ou seja, a imagem é tudo
que se visualiza (materializado ou não, iconográfico ou não) não nos
serviremos dessa base teórica, embora seja importante explicitá-la e
também dialoguemos com a mesma quando for pertinente.
Em contrapartida a essa visão mais ampla sobre a imagem, há
uma perspectiva que aponta para a imagem, enquanto elemento icônico,
enfatizando o aspecto da iconografia no sentido visual como
proeminente3. Essa forma de entender a imagem parte do princípio da

A semiótica é a área do conhecimento que estuda os símbolos e signos


(SANTAELLA, 1990; GREIMAS & COURTÉS, 2016).
3

Cabe salientar que embora a proeminência do aspecto icônico seja

37
especificidade da linguagem visual em detrimento do imaginário, e é
compreendida como uma construção social e cultural, considerada
como fonte histórica de um dado tempo e como tal, deve ser pensada e
analisada pelo historiador.
Enquanto há uma linha de pensamento que supervaloriza a
imagem (como na epígrafe do artigo), defendendo que a imagem é
superior à escrita ou a oralidade, Burke afirma que “[...] as imagens são
feitas para comunicar. Num outro sentido, elas nada nos revelam.
Imagens são irremediavelmente mudas” (BURKE, op. cit. p. 43). O
historiador, nesse sentido, não pode esperar que a imagem “fale” por si
só. Tal como as demais fontes históricas, a imagem deve ser
interrogada, problematizada, criticada, já que as mesmas possuem
prerrogativas de documento para a produção da pesquisa histórica.
Além do aspecto da consideração da imagem como produção
cultural e social de uma dada sociedade no tempo e de ser uma fonte
histórica, a imagem, quando relacionada ao ensino de história e/ou ao
espaço da sala de aula em geral, é considerada como um recurso
didático, que contribui com a relação de ensino e aprendizagem. Esses
três aspectos dizem muito sobre o conceito de imagem que se propõe
aqui. Outro aspecto teórico é apontado por Martine Joly, pois afirma
que a imagem é sempre passível do sujeito para produzi-la ou
reconhece-la, pois é uma construção (JOLY, 1994, p. 13). Esse dado é
fundamental, pois as imagens em geral são tratadas como o recorte do
real, inerte em uma fotografia ou mesmo a imitação, cópia ou
representação de um evento ou fato histórico, personagem ou qualquer
que seja materializado em suportes.
Atrelado a essa discussão sobre o aspecto da imagem como
elemento construído pelo sujeito, Joly aponta mais um elemento
interessante em relação ao debate teórico sobre imagem. Ou seja, a

preponderante, há imagens em que a presença textual é recorrente, sobretudo


nas imagens que mais se aproximam do tipo charge, quadrinho, tirinhas e
cartuns. Mas discutiremos sobre essas diferenciações mais adiante.

38
imagem sempre necessita de outro elemento real, pois a mesma se
caracteriza como uma representação, um espelho construído. Não
haveria imagem sem haver um elemento real, pois a primeira é reflexo
ou representação do segundo. Maria Lúcia Kern concorda com essa
premissa ao afirmar que: “desde o princípio, a imagem esteve
relacionada à representação e à imitação do real” (KERN apud
MONTEIRO, op. cit. p. 4). Esse debate sobre a imagem abrange áreas
distintas do conhecimento desde a linguística e semiótica até a arte e a
história. Os posicionamentos se dão, portanto, de acordo com as
especificidades das destas áreas, embora não seja possível aprofundar a
discussão sem que haja essa reflexão entre esses diversos campos de
saber. Por exemplo, Joly afirma que:
No domínio da arte, com efeito, a noção de
imagem está ligada essencialmente à
representação visual: frescos e pinturas, mas
também iluminuras, ilustrações decorativas,
desenho, gravura, filmes, vídeo, fotografia e
mesmo imagens compostas. A estuária (sic) é
mais raramente considerada como imagem
(JOLY, op. cit. p. 19).

Essa definição da imagem no campo das artes dialoga bastante


com o posicionamento teórico que tomamos, pois está de acordo com o
aspecto iconográfico como sendo proeminente, em detrimento do texto
e do imaginário. Vale ressaltar que este último elemento não será
descartado, mas que o ícone como elemento imagético e sua relação
textual serão pensados com maior profundidade. A especificidade da
história no que tange ao debate sobre a imagem está para além da
consideração da mesma como elemento cultural com funções sociais,
mas também na relação desta com a fonte histórica, ou seja, sendo ela
própria considerada “matéria-prima” para o trabalho do historiador. E
ainda sua consideração como recurso didático no ensino de história. A
imagem deve, portanto, ser pensada como fonte e recurso didático com

39
seus desdobramentos teórico-metodológicos, como veremos mais
adiante.
Dialogando com Ralf Bohnsack, Vinicius Liebel afirma que os
estudos relacionados à imagem podem partir de duas perspectivas. Uma
seria a compreensão “sobre a imagem” e outra “através da imagem”
(LIEBEL, 2011, p. 173). Isto significa que a primeira reflete sobre a
imagem a partir de si própria, com os elementos de composição da
mesma, considerando a obra de forma interna. A segunda aponta para a
compreensão para além da imagem, ou seja, do próprio contexto
histórico na qual foi produzida e que está presente na imagem produzida
por alguém inserido nesse contexto. Essa discussão de Bohnsack é
pertinente, pois alia duas perspectivas que não podem ser deixadas de
lado pelos historiadores: a análise da fonte em si, mas também sua
relação com o contexto. O cruzamento metodológico desses aspectos é
capaz de construir interpretações mais complexas e completas de um
dado tempo. É algo semelhante a chamada análise do discurso4, na qual
um texto só é passível de compreensão e interpretação se analisado de
forma contextualizada, extrapolando o aspecto hermenêutico do
mesmo.
Nesse sentido, a ideia de imagem que se pensa neste artigo é
compreendida como uma construção social e cultural, fonte histórica e
recurso didático e está relacionada à imagem estática, com ou sem
acompanhamento textual, em formato iconográfico com predominância
não verbal em diálogo com o texto, pois quando tratamos das charges,
especificamente, esse sentido apresentado por Pietroforte será retomado
em alguns momentos.
Para especificar um pouco essa discussão generalizada sobre o
conceito de imagem, discutiremos sobre as iconografias que mais nos

Esse conceito se refere tanto a um campo de estudos da linguística


como também a metodologias usadas pelas ciências humanas, dentre ela a
história (ORLANDI, 2009).

40
interessa nesse trabalho – as charges. Dentre os tipos de imagens mais
comuns que existem em nosso cotidiano atualmente, estão as charges.
Elas estão presentes nos jornais televisivos ou impressos, nas redes
sociais, nos livros e revistas, enfim, em diferentes lugares e suportes,
que se tornam acessíveis a qualquer pessoa. Entretanto, inicialmente é
necessário um debate sobre o conceito de charge. A charge é um gênero
que pode ser caracterizado como uma linguagem e um instrumento
didático bastante interessante para a aprendizagem da história por
conseguir aliar uma série de elementos intrínsecos ao gênero e outros
específicos de cada charge em si. Apesar de haver um uso do termo
charge atrelado à ideia de caricatura como se ambos fossem o mesmo,
existem diferenças importantes como aponta Marcelo Romero em seu
artigo Charge: História e Conceito, ao buscar analisar as
transformações no conceito de charge desde sua origem. Para o autor
apesar de hoje haver uma forte conexão entre charge e caricatura, essa
associação se deu a posteriore.
Etimologicamente a palavra charge advém do francês (mas
também pode ter sua origem no italiano caricari, com o mesmo
significado) e tem o sentido de carga, de carregar em exagero e/ou
distorção de uma representação de alguém. Essa prática remonta ao
século XVII com os irmãos Agostinho e Annibale Carracci (ROMERO,
2014, p. 18). As nomenclaturas podem ter o mesmo significado,
entretanto, carregar era a intenção e caricari era a técnica usada para
alcançar o objetivo de carregar.
A questão do exagero na construção de uma representação de
alguém não era a única intencionalidade das primeiras charges. E o
exagero não era no sentindo cômico como se faz atualmente, ou seja, se
usa os traços exagerados para dar o tom engraçado, mas Romero aponta
que esse exagero era com a intenção de destacar um traço de
deformidade no caráter (revelar o verdadeiro caráter) ou um aspecto
grandioso de um determinado personagem. O historiador Ernest
Gombrich afirmava que tal como o pintor desejava revelar o caráter da

41
sua tela, também “o caricaturista tem um objetivo correspondente”
(GOMBRICH apud ROMERO, p. 19).
Nesse sentido, podemos interpretar que essas charges não
tinham apenas o caráter cômico seja na intenção ou na arte em si, pois
a conotação cômica fora sendo incorporada ao longo do tempo nesse
tipo de imagem. Sendo assim, havia não apenas um elemento e objetivo,
mas vários outros tais como: exagero não cômico dos traços marcantes,
revelação dos defeitos do caráter e a mostra da grandiosidade de um
personagem. Com o tempo o elemento da caricatura é desvencilhado da
charge e esta última ganha contornos próprios, associados ao cartum,
que não estivessem necessariamente ligados a deformação do
personagem (Idem, ibidem, p. 21). Nesse sentido Romero afirma que:

Pode-se afirmar, assim, que a charge diferia da


caricatura por ter sua origem ligada,
essencialmente, à crítica política. Produzida como
peça gráfica de propaganda panfletária acerca de
disputas e conflitos políticos, depreende-se que
outro dos seus objetivos fosse a sua difusão
pública, posto que relacionada ao gênero
jornalístico. Mais um aspecto distintivo, nesse
período, reside em não se ocupar da
caracterização exagerada e intencionalmente
deformante e, menos ainda, da caracterização
altiva, ambas próprias da caricatura (Idem,
ibidem, p. 22).

Um ponto importante a ser destacado nessa reflexão é a forte


ligação entre a charge e a política, pois desde a difusão desse tipo de
imagem pela Europa no século XVII e XVIII, as campanhas e
propagandas que se utilizavam dos desenhos humorísticos foram muito
comuns. Ainda hoje o termo charge é empregado para os desenhos
humorísticos relacionados a uma crítica política ou social de uma
situação atual. Os conceitos de charge, cartum e caricatura são usados

42
por muitos artistas e estudiosos como sinônimos, devido a essa
proximidade histórica que as etimologias e os termos possuem. Embora
cada um tenha uma especificidade, há quem trabalhe com caricatura e
charge como sendo a mesma coisa (MOTTA, 2006).

O uso das charges no ensino de história: a consciência histórica

Apesar da discussão histórico-conceitual, feita anteriormente, é


necessário ainda pensar nos elementos teóricos da charge e sua relação
com o processo de ensino e aprendizagem, sobretudo, para pensar o
ensino de história e a consciência histórica5. Esse tipo de iconografia
apresenta algumas características interessantes para uso nas aulas de
história. Vamos refletir sobre algumas delas.
O primeiro aspecto a ser destacado é o caráter icônico. Só o
fato de se tratar de uma imagem é um aspecto que desperta a curiosidade
dos alunos. A iconografia é um elemento que se coaduna com o texto
e/ou a explicação e sua capacidade de interessar aos alunos é bem maior
do que um texto escrito que não traz imagens, por exemplo. Não é a toa
que a composição de um livro didático é repleta desse tipo de recurso.
Leandro Karnal afirma que:

O texto é muito importante, nunca deve ser


abandonado, mas o objetivo é fazer pensar, e,
assim, o texto é um instrumento deste objetivo
maior. Lembre-se de que há outros instrumentos.
A sedução das imagens deve ser uma alavanca a
nosso favor, nunca contra nós. Usar filmes,

O conceito de consciência histórica é bastante complexo e possui


diversos sentidos para os historiadores que o usam. Neste trabalho a
consciência histórica é pensada na perspectiva do historiador alemão Jörn
Rüsen. Ver: SCHMIDT; MARTINS; BARCA. Jörn Rüsen e o ensino de
história (2011).

43
propagandas, charges, desenhos, mapas: tudo
pode servir ao único grande objetivo da escola:
ajudar a ler o mundo, não apenas a ler letras
(KARNAL, 2010, p. 20).

Karnal defende que os variados recursos didáticos possibilitam,


não apenas o desenvolvimento de habilidades e competências próprias
de uma dada disciplina ou conteúdo, como “ler as letras”, mas também
a leitura de mundo, a capacidade de compreender a sociedade na qual
se está inserido, o entendimento dos fatos, dos interesses e dos
discursos. É necessário ressaltar que no ensino (formal, informal ou não
formal), o uso das imagens é bastante recorrente e tão antigo quanto a
existência do homem6.
O elemento icônico da charge é importante, pois na construção
do diálogo com a consciência história, a imagem é entendida como uma
produção narrativa capaz de trazer aspectos importantes das operações
mentais dos alunos, tais como a experiência, a interpretação e a
orientação (RÜSEN, 2011, p. 72-92). Essas três operações mobilizadas
por quem visualiza e ler uma charge, podem ser ligadas aos conteúdos
históricos e experiências/conhecimentos prévios, as carências de
orientação e a efetiva interpretação buscando suprir tais necessidades
de se orientar no tempo.

As civilizações do período da Antiguidade Oriental, Africana e


Ocidental, por exemplo, também se valeram das imagens para diversos fins,
desde os hieróglifos egípcios, que são caracterizados como escrita pictográfica
até as pinturas romanas no período imperial. Burke afirma que a cultura e a
história do Egito sem a imagem seria “imensuravelmente mais pobre”. O uso
da imagem na antiguidade pode está relacionado a alguns aspectos além da
mera transmissão de mensagens. Além disso, havia uma diversidade dessas
imagens como as pictográficas que eram usadas na escrita hieróglifa dos
egípcios e nesse sentido a imagem estava circunscrita as intencionalidades de
comunicação textual. Ver: Burke (2004, p. 11-24).

44
Outro aspecto importante é a mensagem diferenciada de outros
tipos de imagens como a pintura ou a fotografia. A charge traz o aspecto
do cômico e da sátira, como elemento fundamental de sua composição
e que talvez seja um dos que mais chame a atenção não apenas dos
alunos, mas de qualquer leitor. As charges provocam o riso, pois tornam
uma situação que é crítica e complicada em compreensiva através da
comicidade. O riso é um elemento importante nesse sentido. Fruto de
estudos profundos (MINOIS, 2003), ele é capaz de gerar interesse nos
alunos e “prender sua atenção”.
Georges Minois faz um estudo importante sobre a temática do
riso (e do escárnio) e traz algumas contribuições para esse debate.
Utilizando o termo de Gilles Lipovetsky, Minois afirma que estamos
imersos em uma “sociedade humorística” (MINOIS, Idem, ibidem, p.
15). O humor é um elemento interessante para uso na sala de aula
(SALIBA, 2002). As demandas dos alunos perpassam por essa questão
também. É comum encontrar alunos que reclamam de professores
carrancudos e embora não seja uma exigência profissional, podemos
afirmar que entre uma aula sisuda e uma que faz uso de estratégias
humorísticas os discentes têm mais possibilidades de aprender. Embora
isto seja uma generalização que deva ser feita com os devidos cuidados,
é inegável que muitos alunos mobilizem a memória de algo engraçado
que o professor disse, do que o conteúdo propriamente dito.
Quando os alunos têm contato com uma charge nas aulas, após
uma leitura rápida da imagem (“abreviação narrativa” para Rüsen), o
riso é o resultado de uma interpretação da mensagem que a charge
trouxe. Mas não é apenas o entendimento da ideia que traz o riso, pois
existem charges que criticam, ironizam e satirizam o tema, mas o que
traz as gargalhadas são os aspectos disformes dos personagens, ou as
expressões ou ainda os traços dos desenhos. Isto significa que o riso é
um aspecto mobilizador de sentidos e significados que os leitores (no
caso os alunos) que aliam o cômico as operações mentais da consciência
histórica da experiência e da interpretação, pois a primeira está ligada
aos conhecimentos prévios e aos saberes individuais e coletivos que

45
cada pessoa tem e a segunda ao contato desse arcabouço anterior com
novos temas, discussões e problemas trazidos na sala de aula. O
encontro da experiência existente com novas problemáticas e
perspectivas trazidas pelo professor geram interpretações e
ressignificações desses conhecimentos.
O aspecto da ironia, da metáfora e da ambiguidade, ou seja,
elementos que aguçam a capacidade interpretativa, a percepção e
compreensão crítica de uma discussão sobre um dado tema, também são
essenciais7. É possível através da charge ri, mas ao mesmo tempo
refletir, questionar, criticar e entender os discursos e interesses.
É lugar comum entre os historiadores do campo do ensino de
história que a formação dos alunos da educação básica deva
necessariamente perpassar pelo desenvolvimento de capacidades de
compreender, analisar, comparar, criticar, refletir. Tornou-se até um
“jargão”, que um dos objetivos do ensino de história seja a formação de
um aluno que pense e que seja crítico. Entretanto, as práticas de aulas
em forma de monólogos ou mesmo de uso tradicional dos livros
didáticos acabam por efetivar formações de alunos que tenham muitas
dificuldades com essas competências.
As charges, com seus elementos intrínsecos, instigam os alunos
a desenvolverem esse tipo de práticas. Observação, atenção, capacidade
de relacionar, de comparar, aumento da percepção dos sentidos e dos
significados dos elementos de uma charge, todos esses aspectos são
possibilitados pela charge. Se queremos que as imagens, e no nosso
caso, as charges sejam interpretadas de forma efetiva por nossos alunos

Os elementos de argúcia são bastante trabalhados na disciplina de


língua portuguesa nas escolas, sobretudo, nos debates das figuras de linguagem
e da semântica de forma geral. Eles desenvolvem capacidades de analisar,
refletir, identificar, comparar, interpretar, aguçar a atenção, compreender
discursos e contradições. Todos esses aspectos são muito caros para o ensino
de história e a aprendizagem (OLIVEIRA, 2014).

46
é necessário que mudemos nossa postura no tratamento das mesmas. A
ironia, o duplo sentido e a metáfora, elementos usuais em uma charge,
estão atreladas à dimensão da interpretação mobilizada pela consciência
histórica.
Por exemplo, a interpretação possibilitada por um tipo de
consciência histórica tradicional é diferente de uma compreensão da
consciência histórica crítica. Os elementos analisados em uma imagem
dependem da percepção de cada um, considerando o aspecto cognitivo,
mas as interpretações e a maneira de enxergar essas mensagens das
charges se diferenciam, dependendo da tipologia de consciência
histórica predominante.
Mais um ponto interessante sobre as charges é a mobilização
de conhecimentos prévios8, atualizados ou passados. Essa “exigência”
das charges contribui para aumentar o interesse dos alunos em relação
aos temas que são próprios do seu arcabouço de conhecimentos, pois
estão ligados às suas realidades. Essa mobilização se dá a partir da
memória, dos signos, dos símbolos para poder relacionar à mensagem
das charges.
Conhecimentos prévios fazem parte da primeira dimensão da
consciência histórica ruseniana, ou seja, a experiência. Esse aspecto é
pensado por Rüsen com as bases de discussões propostas por Reinhart
Koselleck e o conceito de “espaço de experiência” (KOSELLECK,
2006, p. 305-327). Os conhecimentos que os alunos já trazem consigo
são mobilizados, sejam eles advindos do senso comum, da história

Se há um consenso entre os educadores das mais diversas áreas de


conhecimento atualmente, certamente a mobilização de conhecimentos prévios
no processo de ensino e aprendizagem é este o ponto pacífico. É
importantíssimo que os professores levem em consideração as realidades dos
alunos (BITTENCOURT, 2011).

47
ensinada ou mesmo das “narrativas concorrentes”9 para a leitura e
interpretação das charges.
Nepotismo

Figura 1: Cartunista Glauco, publicada em 2009. Fonte:


http://greveservidorescampinas2009.blogspot.com.br/2009/06/por-
glauco.html.

Esta charge produzida pelo cartunista Glauco, por exemplo,


necessita de alguns conhecimentos prévios sobre práticas políticas de
nepotismo. Embora os alunos possam não ter familiaridade com o
conceito, eles conseguiram interpretar que as pessoas atrás do político
que está sendo entrevistado, são parentes ou apadrinhados. Os alunos
citaram até mesmo casos específicos da cidade, onde algum parente de
político recebe benefícios públicos. Ou seja, experiências prévias que
são mobilizadas para refletir sobre a charge em questão.

As chamadas narrativas concorrentes são aquelas produzidas


pelos distintos setores da sociedade tais como jornais, revistas e filmes
que não necessariamente possuem bases científicas do conhecimento
histórico como aqueles que são frutos de pesquisa na academia e na sala
de aula. Rüsen as considera importantes, pois elas estão presentes na
vida prática dos alunos e não podem ser desconsideradas pelos
historiadores e professores (SCHMIDT, 2011, p. 93-108).

48
A capacidade de síntese de uma discussão maior e mais
complexa também é outro elemento importante das charges. Em uma
única imagem, a riqueza e a sutileza acabam por dar margem a reflexões
mais profundas e compreensões de temas complexos. Esse ponto se
relaciona com o debate feito sobre a ideia de que, para Rüsen, as
imagens são “abreviações narrativas” (FRONZA, 2014, p. 176), tão
importantes quanto as narrativas escritas. Isto significa que a charge
carrega um poder de sintetizar uma discussão política, uma crítica social
ou qualquer tipo de tema, sem precisar de muitas palavras ou muitas
imagens.
Bem-vindo 2017

Figura 2: Charges de Neles Maia, não publicada, produzida em 2016.

Esta charge autoral fora produzida no final do ano de 2016 e foi


levada para que os alunos de uma turma do 9º ano do Ensino
Fundamental refletissem sobre a mesma. Os discentes foram capazes de
identificar de forma sintética a mensagem – o ano de 2016 está
representado em uma pessoa maltrapilha, que passara por situações
difíceis (pode ser deduzido pelas roupas rasgadas, como se tivesse
apanhado) e deseja boa sorte ao próximo ano ao sair do congresso. O

49
personagem que representa 2017 está a olhar assustado para o ano que
está encerrando.
A síntese de um ano difícil na política brasileira, marcada pela
corrupção e pelos escândalos, noticiados no Brasil e no mundo
chegaram aos nossos alunos, que conseguiram relacionar tal charge
com esses problemas. A metodologia de reflexão foi um debate com os
alunos que puderam expor suas posições sobre a política, citando: a
lava-jato, o impeachment, os desvios de dinheiro públicos, as prisões
de políticos entre outras questões. Essas reflexões foram importantes
para pensar na capacidade de síntese que uma charge pode ter e ao
mesmo tempo nas possibilidades dessas charges gerarem discussões
amplas e complexas.
A dimensão temporal também pode e deve ser trabalhada em
relação às charges, pois é um aspecto importantíssimo para a história,
seu ensino e para a consciência histórica. Pensar no “quando” a
iconografia humorística foi produzida nos diz muito sobre o contexto
de uma época. Esse aspecto está intimamente relacionado com a
concepção de imagem como fonte histórica, pois uma charge pode ser
produzida “no” ou “sobre” um contexto histórico.
O tipo de consciência histórica genética, construído por Rüsen,
apresenta uma característica interessante e fundamental para o ensino
de história e para a aprendizagem histórica10. É o aspecto da noção de
historicidade. Esse elemento é muito caro para a história e para seu

10

Para Rüsen, a aprendizagem histórica se dá a partir de três elementos:


a experiência, a interpretação e a orientação. Isto significa que as operações
mentais da consciência histórica estão relacionadas a conhecer o passado, lê-
lo e interpretá-lo e por fim, usá-lo como referência de orientação temporal e de
compreensão das rupturas, permanências, transformações que permeiam o
pensamento histórico. Ver: Schmidt; Martins; Barca. Jörn Rüsen e o ensino de
história (2011).

50
ensino. Essa possibilidade de compreensão das características do tempo
pelos alunos, a partir da consciência histórica, contribui de forma
significativa para o processo de ensino e aprendizagem.

Conclusão

Todos esses elementos contribuem de forma significativa para


refletir sobre os usos das charges nas aulas de história. É preciso
compreender que esse tipo de recurso didático carrega níveis de
compreensão, de entendimento e de interpretação que variam de uma
charge para outra, adequado a públicos distintos e com capacidades
cognitivas diferentes. Nesse sentido, apesar da presença das charges ser
recorrente na sala de aula, existe pouca reflexão sobre seus usos, os
cuidados e problemáticas por parte dos professores. Questões como:
quem produziu? Em que contexto o autor estava? Como produzira?
Quais as intencionalidades? A quem fora direcionada? São apenas
algumas das perguntas que devemos fazer. Portanto, nossa pesquisa se
pautou na perspectiva de aproximar os alunos do ensino fundamental
da Educação Básica, de algumas reflexões importantes sobre história e
imagem, sobretudo as iconografias do tipo charges, que possibilitarão
reflexão, entretenimento, criticidade, que são fundamentais para a
consciência histórica.

Referências

AREAL, Leonor. O que é uma imagem? Cadernos PAR, Pensar A


Representação (ESAD. CR), 2003, nº 5.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: Fundamentos e métodos.


4ª ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Cortez, 2011.

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou o ofício do


historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahah, 2001.

51
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e imagem. Bauru, SP:
EDUSC, 2004.

FRONZA, Marcelo. A mobilização das operações mentais da


consciência histórica de jovens estudantes a partir dos nomes próprios
nas narrativas gráficas. Cadernos de Pesquisa: Pensamento
Educacional, Curitiba, v. 9, n. 21, p.175-194 ja n./abr. 2014.
GREIMAS, A J. e COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. 2ª ed. 3ª
reimpressão. São Paulo: Contexto, 2016.

CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História.


Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008.

CERRI, Luís Fernando. A Didática da História para Jörn Rüsen: uma


ampliação do campo de pesquisa. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.

COMENIUS. Didática Magna. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

CORDEIRO, Jaime. Didática. São Paulo: Contexto, 2007.


HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Editora 70,


1994.
KARNAL, Leandro. Da acrópole à agora. In: CORSETTI, Berenice et
al. (Orgs.). Ensino de História: formação de professores e cotidiano
escolar. Porto Alegre: EST, 2002.
LIBANÊO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

52
LIEBEL, Vinicius. Entre sentidos e interpretações: apontamentos
sobre análise documentária de imagens. ETD (Educação Temática
Digital), Campinas, v. 12, n. 2, jan.-jun., 2011, p. 173.
MARTINS, Estevão Rezende. Historicidade e consciência histórica. In:
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora et al. (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de
história. Curitiba: Editora UFPR, 2011.
MINOIS, Georges. A história do riso e do escárnio. São Paulo: Editora
Unesp, 2003.
MONTEIRO, Charles. Pensando sobre história, imagem e cultura
visual. Revista Patrimônio e Memória. São Paulo, Unesp, v. 9, n.2, p.
3-16, julho-dezembro, 2013.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
OLIVEIRA, Arineia Olga de. O uso de tiras, cartuns e charges nas
aulas de língua portuguesa do ensino médio. Cadernos PDE –
Produções didático-pedagógicas. Os desafios da escola pública
paranaense na perspectiva do professor pde. V. 2, Londrina, 2014.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios &
procedimentos. 8ª ed. Campinas: Pontes, 2009.
PAIVA, Eduardo França. História e Imagem. 2ª ed. reimpressão. Belo
Horizonte, MG: Autêntica, 2006.
PIETROFORTE, Antônio Vicente. Análise do texto visual. A
construção da imagem. 2ª ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto,
2017.
ROMERO, Marcelo. Charge: história e conceito. CES Revista, Juiz de
Fora, v. 28, n. 1, jan./dez. 2014.

53
RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a
partir do caso alemão. Práxis Educativa, Ponta Grossa-PR, v. 1, n. 1,
15 de jul.-dez., 2006.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? São Paulo: Brasiliense, 1990.

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso: A representação humorística


na história brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor e o cotidiano


da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico
na sala de aula. 12ª Ed. São Paulo: Contexto, 2015.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de
Rezende (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR,
2011.
SCHMITZ, Egídio. Fundamentos da Didática. São Leopoldo: Editora
Unisinos, 1993.

54
AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E
O ENSINO DE HISTÓRIA

Bruno Amorim Pantoja1

Introdução

Discutir a relação entre o ensino de história e as novas


tecnologias de informação e comunicação (NTIC’s) é altamente
relevante, já que é uma realidade a disseminação das tecnologias na
chamada sociedade da informação, onde a internet, e, sobretudo as
redes sociais, assim como as “antigas” tecnologias como a TV e o rádio,
geram um bombardeamento de informações e com a interlocução dos
professores, essas tecnologias podem ser aliados no processo de ensino
e aprendizagem, gerando uma interação nas aulas e um interesse em
relação aos conteúdos ministrados.
As novas abordagens históricas proporcionam um trabalho
pedagógico com várias possibilidades, utilizando uma infinidade de
fontes históricas, não apenas o documento escrito, sendo possível valer-
se de imagens, vídeos e jogos que possam estar contidos em ferramentas
como blogs, sites, repositórios, e redes sociais. Fazer o uso das NTIC’s
pode ser importante no ensino de História e saber utiliza-las como
ferramentas pedagógicas é muito mais importante.
Se comunicar sempre foi uma necessidade, e isso desde a Pré-
História, pois mesmo antes do advento da escrita, os seres humanos
utilizavam mecanismos de informação e comunicação, como as
pinturas rupestres ou sinais de fumaça, por exemplo. Quando pensamos
na palavra tecnologia, geralmente o que nos vem em mente são objetos

Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Estadual do


Maranhão (2009), Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
História da Universidade Federal do Pará.

55
modernos, de última geração, que facilitam nossas vidas ou que estejam
ligados à área de entretenimento como nos jogos de vídeo game,
aplicativos para celulares e a informática em geral. Mas tecnologia não
é somente isso, é muito mais, abrangendo inúmeras outras coisas que,
de tão obvias, acabam passando despercebidas aos olhos das pessoas.
Para Lemos (2002) o homem é um ser técnico por definição, e
essa técnica se situa como uma evolução zoológica da espécie humana
na sua confrontação com a natureza, portanto, segundo ele, a
tecnicidade humana aparece como uma tendência universal e
hegemônica, sendo a primeira característica do fenômeno humano.
Kneller (1978), diz que as palavras tecnologia e técnica tem
origem na Grécia, techné em grego, tendo um sentido em se alterar o
mundo de forma prática. A palavra tecnologia provém de uma junção
do termo tecno, do grego tchné, que é saber fazer, e logia, do grego
logus, que significa razão. Assim, tecnologia significa a razão do saber
fazer (RODRIGUES, 2001).
Segundo Mendes (2011), no século XXI se constata que a
sociedade produz e acolhe inovações tecnológicas em ritmo acelerado,
como computadores, smartphones, notebooks, jogos eletrônicos,
somados aos antigos meios de comunicação de massa, como o rádio, a
TV, o cinema e dentre outros que geram um bombardeio de
informações para as pessoas, configurando a chamada sociedade da
informação, fazendo com que tenhamos mais informações diárias do
que as pessoas de séculos anteriores tinham em sua vida inteira.
As novas gerações do século XXI são chamadas de Nativos
Digitais2, pois nasceram e cresceram convivendo com o mundo digital,

Esse termo foi cunhado pelo educador americano Marc Prensky. Ver
mais em PRENSKY, M.: Digital Natives Digital Immigrants. In: PRENSKY,
Marc. On the Horizon. NCB University Press, Vol. 9 No. 5, Outubro, 2001.
Disponível em: https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-

56
estão frequentemente conectadas à internet, interagem com amigos
reais e virtuais, se informam e se divertem através das redes sociais, ou
seja, fazem parte de um grupo que tem nas Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC’s), quase que uma extensão do seu corpo.
Nesse ponto se observa que essas inovações tecnológicas
provocam marcas profundas na sociedade, contribuindo para
transformações no âmbito social, cultural, político, econômico,
filosófico ou institucional. Dando segmento a essa ideia, Moran (2000)
comenta que, assim como ocorrem mudanças na sociedade, seja nas
formas de organização, de produção de bens, de como as pessoas se
divertem ou comercializam, o campo da educação está muito
pressionado para mudar também, por isso os educadores e mais
especificamente os professores de história devem ficar atentos a tais
mudanças e adequarem as suas metodologias de ensino ou
desenvolverem outras para que possam estar inseridos com mais
intensidade nessa nova sociedade de informação.
Para Ginzburg (2010), a nossa existência é altamente
modificada pela chamada revolução tecnológica, mas a partir do século
XX, com a revolução digital3 é que as mudanças tiveram um ritmo mais
acelerado. Essas modificações podem ser facilmente observadas,
inclusive em relação à leitura, onde Chartier (2009), diz que isso fez
com que a própria maneira de se ler fosse alterada, não somente pelo
surgimento do livro eletrônico, mas também pela forma com que os
textos são reproduzidos e de como e onde se lê.

%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf.
Acesso em 22/08/2017.
3

Ver mais em SANTOS, Humberto de Faria. Revoluções Tecnológicas


e Sociedade. Academos – Revista Eletrônica da FIA. Vol. II, N. 2 Jul – Dez /
2006 pp. 57-69.

57
Cecília Tavares (2012), explica que “desde a década de 1960,
os historiadores que trabalham com longas séries de informações
geradas por fontes demográficas e econômicas começaram a usar
computadores”, isso aconteceu, sobretudo por conta da capacidade de
armazenamento desses equipamentos, mas, além disso, podemos
destacar também a nova possibilidade de se trabalhar com programas
que continham modelos matemáticos e estatísticos proporcionando
certa segurança nas análises de registros em seu conjunto.
O impacto que a internet, por exemplo, teve para os
historiadores está relacionado inicialmente a formação de grupos de
discussão, que foi importante dentro das possibilidades de formação de
bancos de dados, onde documentos estariam protegidos de forma
digital, somando-se a isso, a possibilidade de acesso a textos em revistas
digitais (POIRRIER, 2010), e logicamente, que se insere neste contexto,
a divulgação do conhecimento histórico, que se modificou com a
criação de novas plataformas tecnológicas, inclusive digitais.

Mudanças e permanências no Ensino de História

Umas das questões mais frequentes em conversas na sala dos


professores que eu tive oportunidade de participar abordavam a questão
do desinteresse que os estudantes tinham em relação aos conteúdos
ministrados pelos professores em sala de aula, sobretudo aqueles que
trabalhavam a disciplina História.
Várias pesquisas explicitaram acerca do desinteresse dos
alunos em relação à disciplina História, e uma dessas foi a pesquisa de
Elza Nadai (1993), a qual afirma que existia certo “ódio” por parte dos
alunos em relação à disciplina História, e uma das questões apontadas
por ela seria a prática de decorar os assuntos ministrados pelos
professores. Vale dizer que essa pesquisa foi feita no início dos anos
90, e desde o momento de sua concepção até nossa chamada Era Digital
muita coisa mudou, inclusive o documento que versa sobre a disciplina
História nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que

58
propõem o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas,
tais como: estabelecer relações históricas entre o passado e o tempo
presente, valorizar o patrimônio sociocultural e o direito à cidadania,
respeitando a diversidade social, étnica e cultural dos povos.
Um dos desdobramentos referentes a esses debates foi pensar o
ato de ensinar, mais especificamente ensinar História, como algo que
requer um diálogo permanente com diferentes saberes, produzidos em
diferentes níveis e espaços (QUEIROZ, 2002), tornando obsoletos os
propósitos da escola tradicional4 relatada por Nadai (1993), onde a
disciplina História seria engessada nas questões de ordenação mecânica
de fatos, com uma visão eurocêntrica, como se não houvesse história
sem a presença dos europeus, exaltando as tidas “grandes figuras”,
como reis imperadores e presidentes e focando em decorar datas.
Ferreira (1999) aponta alguns pontos interessantes que são
relevantes para o entendimento do desinteresse dos alunos:

O ensino de História ainda é predominantemente


factual, trabalhando com as tendências narrativas
e positivistas, tornando-se, dessa forma, para os
alunos um ensino desinteressante, confuso,
anacrônico, burocratizado e repetitivo
(FERREIRA, 1999, p. 140).

Mesmo com as novas propostas educacionais, a problemática


apontada anteriormente não foi totalmente superada. Horn (2006), por
exemplo, comenta que pesquisas mais recentes sobre o currículo ainda
apontam para a reprodução do conhecimento nas instituições

O sentido da palavra tradicional, quando colocada no decorrer


do texto, fará referência à metodologia em que o professor seria
apenas um transmissor de conhecimento, sendo assim, considerado o
detentor do saber.

59
educacionais, ou seja, a permanência de uma escola tradicional que se
sustenta ainda na aquisição cumulativa de informações. Logicamente,
que houve mudanças para os tempos atuais (século XXI), mesmo que
ainda existam permanências citadas anteriormente, e uma delas é o
trabalho da história de forma crítica, colocando os alunos, assim como
os professores, como protagonistas, concebendo o currículo como uma
construção e valorizando a pluralidade cultural.
Nesse sentido, são importantes as novas abordagens no ensino
de História para que o processo de ensino e de aprendizagem seja
proveitoso tanto para os professores, quanto para os alunos, e essas
novas abordagens e novas linguagens também devem estar interligadas
ao contexto em que os alunos se inserem, na chamada Era Digital,
sempre tendo cautela. Karnal (2007) explica que as aulas podem ser
extremamente conservadoras e ultrapassadas (seguindo a ideia de
tradicional frisado anteriormente), mesmo contando com todos os mais
modernos meios audiovisuais, como smartv e datashow, por exemplo.
Complementando essa ideia, Anita Lucchesi e Bruno Carvalho (2016)
fazem também uma crítica ao pensamento de redenção da história por
meio das tecnologias, já que segundo eles não existe “solucionismo”
tecnológico.
Portanto, utilizar as tecnologias no ensino de história pode ser
benéfico, mas:

Inserir- se na sociedade da informação não quer


dizer apenas ter acesso à tecnologia de informação
e comunicação (TIC), mas principalmente saber
utilizar essa tecnologia para a busca e a seleção de
informações que permitam a cada pessoa resolver
os problemas do cotidiano, compreender o mundo
e atuar na transformação de seu contexto
(ALMEIDA, 2001, p.71).

60
Levando em consideração essa informação, Sonia Miranda
(2012) diz que um dos desafios que a aprendizagem histórica tem nos
dias de hoje é exatamente fazer a interlocução entre o nosso campo de
saber e os novos tipos de processos educativos. No tocante a educação,
a busca por melhoria deve ser constante, mas para que isso aconteça:
A qualidade da educação envolve dimensões extra
e intraescolares e, nessa ótica, devem se
considerar os diferentes atores, a dinâmica
pedagógica, ou seja, os processos de ensino-
aprendizagem, os currículos, as expectativas de
aprendizagem, bem como os diferentes fatores
extraescolares (...) (DOURADO; OLIVEIRA,
2009, p. 205).

É exatamente nesse mote, ou seja, fazer a interlocução do nosso


campo de saber e os novos processos educativos, que trabalhar as TIC’s
ou NTIC’s como ferramentas pedagógicas no ensino de História
possibilita (teoricamente) que a chamada geração de nativos digitais
tenha, segundo Miranda, uma modalidade de conhecimento mediada
pela web, além disso, Alexandra Maiato (2013) afirma que as atividades
práticas despertam a curiosidade dos alunos e, com base neste interesse,
geram a construção do conhecimento histórico. Isso, nada mais é do que
despertar a criticidade por meio das tecnologias que são próprias de seu
cotidiano, ou seja, novas abordagens no processo de se ensinar, mas
especificamente se ensinar história.

As novas abordagens no ensino de história com as tecnologias de


informação e comunicação

As novas abordagens históricas proporcionam um trabalho


pedagógico com várias possibilidades, utilizando uma infinidade de
fontes históricas, não apenas o documento escrito, sendo possível valer-
se de imagens, vídeos e jogos que possam estar contidos em ferramentas
como blogs, sites e redes sociais para que se trabalhe a disciplina

61
História. Somando-se a isso, Flávia Caimi (2006) acrescenta que
somente terá o efeito esperado (o processo de ensino), no momento em
que o professor perceber que não basta se apropriar do conhecimento
histórico, como também preocupar-se com o estudo da aprendizagem
para assim, tentar compreender como pensa o jovem, ou seja, é
interessante o conhecimento das orientações e diretrizes educacionais,
como também da capacidade de se atualizar frente à demanda
tecnológica e estudantil que se apresenta no século XXI.
Fazer o uso das TIC’s é importante no ensino de História e saber
utilizá-las como ferramentas pedagógicas é muito importante, já que
essas novas tecnologias representam, evidentemente, novos desafios
para a mídia-educação, que deve aprender a lidar com uma cultura
midiática muito mais interativa e participativa entre os jovens.
O professor deve conhecer as particularidades do ambiente
onde se vai trabalhar e observar o espaço escolar, pois é sabido que em
muitas escolas não se encontra tais ferramentas ou estas estão em
péssimas condições de utilização, fazendo com que não ocorra uma
adequação com a proposta de ensino, e assim utilizar o chamado “plano
B”, como o uso do smartphone do professor para demonstrações de
imagens, por exemplo. Dentro dessas novas tecnologias, a internet sem
sombra de dúvidas é uma das principais ferramentas digitais que
possibilita diversas formas de comunicação e proporcionam a
interdisciplinaridade5 da educação (MERCADO, 2002).
Os professores devem se atualizar e se capacitar para atender as
demandas que pululam o meio escolar, uma vez que estão cheios de
jovens e crianças que tem as tecnologias como parte de seu cotidiano,
por isso é interessante perceber que:

Interdisciplinaridade é o processo que “une” duas ou mais disciplinas,


mas no sentido de se desenvolver um trabalho de integração de uma disciplina
com outras áreas do conhecimento, buscando fazer relações entre elas.

62
(...) a tecnologia tende a apresentar novidades a
cada dia e assim aumenta a demanda por uma
educação que privilegie o uso das linguagens das
tecnologias, aumentando também a demanda por
professores que as utilizem em processos
significativos de aprendizagem. Com essas novas
demandas, muitos professores estão buscando
novos caminhos, mas são poucos os que
encontram caminhos que sejam diferentes de uma
educação tradicional, centrada na informação
(SCHERER, 2003, p. 270).

Sabemos que a internet nos proporciona infinitas


possibilidades, como o acesso a vídeos, imagens, textos e músicas e “a
força da linguagem audiovisual está no fato de ela conseguir dizer muito
mais do que captamos” (BEZERRA; LOPES, 2002, p.58).
Utilizar essas ferramentas como a internet, para fins
educacionais e pedagógicos, se constitui uma excelente ideia. Moran
(1997) comenta que a internet divulga, ensina, comunica e gera
pesquisa. Além disso, essa ferramenta possui um alcance bastante
amplo, sem falar na linguagem tecnológica veiculada nesses ambientes,
que pode auxiliar a educação de forma mais descontraída, ocasionando
um processo de ensino e aprendizagem menos formal e atrair a atenção
de alunos em geral, já que navegar na Internet e estar conectado em
redes sociais virtuais é algo que faz parte de sua rotina (FETTERMAN,
2012).
Dentre as várias possibilidades que as novas tecnologias podem
nos proporcionar, existe os acervos ou repositórios digitais, nos quais é
disponibilizada uma diversidade de documentos históricos, além de
museus que digitalizam seu acervo e disponibilizam ao público em
geral e são de grande valia na prática do ensino de História. Em vista
disso, Michele Rosa (2011) comenta que:

63
Ao mesmo tempo em que se ampliou a pesquisa
histórica nas últimas décadas, expandiu-se a
infraestrutura e popularizou-se o uso da
informática, resultando num amplo esforço de
digitalização e publicação de fontes históricas, por
meio de sofisticadas plataformas virtuais ligadas a
museus, bibliotecas, arquivos e empresas
jornalísticas, vistas também como uma
modernização praticamente obrigatória,
incentivada por políticas públicas. (ROSA, 2011,
p.14)

As NTIC’s devem ser empregadas como ferramentas para o


ensino de história, e não serem utilizadas como muletas, apenas
substituindo o antigo quadro de giz. As NTIC’s devem ser trabalhadas
como recursos pedagógicos proporcionando mais interesse nos alunos,
como dito anteriormente, modificando aquele tipo de aula que se
baseava na racionalidade técnica de origem positivista, valorizando a
transmissão de conhecimento, onde o professor detém o conhecimento
e os alunos são meros receptores. Afinal de contas, como também foi
destacado antes, vivemos numa sociedade da informação, onde
frequentemente fazemos o uso das tecnologias para nos auxiliar.
Inserir- se na sociedade da informação não quer
dizer apenas ter acesso à tecnologia de informação
e comunicação (TIC), mas principalmente saber
utilizar essa tecnologia para a busca e a seleção de
informações que permitam a cada pessoa resolver
os problemas do cotidiano, compreender o mundo
e atuar na transformação de seu contexto
(ALMEIDA, 2001, p.71).

Para Scherer (2003. p. 270), por exemplo, “a tecnologia tende


a apresentar novidades a cada dia e assim aumenta a demanda por uma
educação que privilegie o uso das linguagens das tecnologias”. Isso faz,

64
segundo o autor, com que aumente também a demanda por professores
que as utilizem em processos significativos de aprendizagem.
O uso da internet tem crescido muito entre crianças e
adolescentes e isso pode ser facilmente observado, basta olharmos em
nosso cotidiano ou mesmo na escola para comprovar tal afirmação.
Sustentando essa ideia, a pesquisa Kids Online 2015, feita pelo Centro
de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação do
Comitê Gestor da Internet no Brasil (2016), apontou que 79% das
crianças e adolescentes no Brasil de 9 a 17 anos são usuários de internet,
isso representa mais de 23 milhões de pessoas nessa faixa etária. A
pesquisa, ainda, aponta que o objeto mais utilizado para acessar a
internet é o celular, seguido pelo computador de mesa, notebooks, etc.
Esse tipo de tecnologia também pode ser utilizado como
ferramenta pedagógica nas aulas de história, pois existem jogos com
temas históricos, aplicativos específicos para a disciplina História, além
de pesquisas que podem ser feitas no aparelho, buscando imagens,
vídeos e textos que possam tornar a aula mais dinâmica e interessante.
O papel do professor é importante, pois pode direcionar a
pesquisa ou mesmo deixá-la livre, se preferir, para depois debater com
os alunos acerca do que foi encontrado, observando as diversas visões
dos alunos, referentes aos temas propostos em sala de aula, como “a
segunda guerra mundial”, por exemplo, fazendo os alunos pesquisarem
a batalha de Stalingrado.
Não se pode hoje em dia, em qualquer profissão, se eximir de
trabalhar com as tecnologias existentes, e para os professores a
realidade não é diferente, haja vista que vivemos na chamada Era
Digital, onde os tablets, notebooks e smartphones fazem parte do
cotidiano das pessoas, inclusive dos estudantes, e é fundamental a
utilização das novas linguagens aplicadas no ensino de História, mas
sem a substituição dos conteúdos da disciplina propriamente dita, e sim
fazendo um diálogo ou uma incorporação dessas ferramentas para a
educação.

65
Gerar o interesse nos alunos para o estudo da História é um dos
maiores desafios para os professores, e por isso “levar em conta o
universo da criança ou do adolescente não é, pois, abdicar do rigor
intelectual ou do valor do conhecimento histórico, mas garantir que a
apropriação deste conhecimento ocorra permeada de sentido e
significação (...)” (CAIMI, 2006). As diversas possibilidades
proporcionadas pela internet e, dentro disso, as redes sociais como o
Facebook, nos dão uma infinidade de ferramentas, que sabendo
trabalhá-las podem gerar profícuos trabalhos. Para Lucia Santaella
(2007)

A integração do texto, das imagens dos mais


diversos tipos, fixas e em movimento, e do som,
música e ruído, em uma nova linguagem híbrida,
mestiça, complexa, que é chamada de hipermídia,
trouxe mudanças para o modo como não só o
texto, mas também a imagem e o som
costumavam serem entendidos (SANTAELLA,
2007, p. 84).

Essas novas linguagens modificam a maneira como os alunos


se relacionam com a leitura. Ao que parece, estamos diante de um novo
desenho educacional e de informação, reestruturando o modo de
transmissão da memória e do passado produzindo um novo tipo de
sociabilização e de interação com os tradicionais “lugares de memória”
(CASADEI, 2009).
Frequentemente tenho usado no texto a palavra “ferramenta”
para sustentar a ideia de recurso pedagógico no emprego das TIC’s, e
isso, evidentemente não foi um lapso, mas uma forma de valorizar o
uso desses recursos de forma consciente pelos profissionais da
educação, mais especificamente o professor de História, para que esses
profissionais utilizem as tecnologias de forma mais racional, não
tornando a sala de aula um cabide para aparatos tecnológicos. As
ferramentas são um conjunto de elementos físicos ou intelectuais, que

66
os trabalhadores se valem para executar uma tarefa, nesse sentido, as
tecnologias podem ser usadas como ferramentas pedagógicas com o
intuito de fornecer aos alunos, dentro e fora da sala de aula, uma nova
experiência, com troca de conteúdos didáticos que facilitem o ensino e
o aprendizado.
Michel de Certeau (1998) já dizia que cada sociedade se pensa
“historicamente” com os instrumentos que lhe são próprios, no nosso
caso, que estamos inseridos na sociedade da informação, temos como
instrumentos, as novas tecnologias de informação e comunicação
(NTIC), como os smartphones, tablets, vídeo games, smartvs e dentre
outros, que estão conosco quase que o tempo todo, como uma extensão
do nosso corpo.

Conclusão

A escola, fundamentalmente, é um espaço para aprender e junto


às mudanças da sociedade, surgem demandas que buscam novas formas
de aprender, sendo largamente incentivadas pela introdução das TIC’s
na vida das pessoas, suscitando consequências no espaço escolar. O
ensino e a aprendizagem estão cada vez mais estimulados a fazer com
que os alunos sejam mais críticos, reflexivos, autônomos, observadores
e analíticos (pelo menos na teoria), além do que, muitos deles se sentem
à vontade com as novas tecnologias, sabendo manuseá-las muito
melhor que os professores, muita das vezes, ou seja, incorporar tais
tecnologias à escola, mas de forma pensada, organizada e estruturada é
fomentar uma escola cidadã e inserida na sociedade da informação.

Referências

ALMEIDA, Fernando. J. Proinfo: informática e formação de


professores. Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de
Educação à Distância, 2001.

67
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História / Secretaria de Educação
Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.

BEZERRA, Esvertilana Bonfim; LOPES, Maria aparecida Toledo de


Melo. A Importância do professor na sociedade atual: desafios e
perspectivas. 2002.

CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História?


Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de
História. Tempo (online), 2006, v. 11, n. 21, p.17-32.

CASADEI, Eliza B. Os novos lugares de memória na internet: as


práticas representacionais do passado em um ambiente on-line.
Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, 2009. Disponível em:
<http://www.bocc.ubi.pt/pag/Casadei_memoria_Internet.pdf>. Acesso
em 08/06/2017.

CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In: NORA, Pierre & LE


GOFF, Jacques (Org.). Historia: novos problemas. Rio de Janeiro: F.
Alves, 1988.

CGI.BR. TIC Kids Online Brasil 2015 - Pesquisa sobre o uso da


Internet por crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo. 2016.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São


Paulo: Editora UNESP, 2009.

DOURADO, Luiz Fernandes; OLIVEIRA, João Ferreira de. A


qualidade da educação: Perspectivas e desafios. 201Cad. Cedes,
Campinas vol. 29, n. 78, p. 201-215, maio/ago. 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v29n78/v29n78a04.pdf. Acesso:
07/10/20017

68
FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Ensino de História e a
incorporação das novas tecnologias da informação e comunicação:
uma reflexão. In: Revista de História Regional. Ponta Grossa:
Departamento de História: Universidade Estadual de Ponta Grossa,
1999, Vol. 4 – nº 2, p. 139/156.

FETTERMANN, Joyce Vieira. Os entornos da rede social My English


Club e suas intervenções nos ambientes presenciais de aprendizagem
da Língua Inglesa. UENF, 2012, p. 143Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Cognição em Linguagem do Centro de
Ciências do Homem, da Universidade Estadual do Norte Fluminense,
Campos dos Goytacazes, 2012.

GINZBURG, Carlo. Conferência na Universidade Federal do Rio


Grande do Sul. Porto Alegre, Nov. 2010. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wSSHNqAbd7E. Visualização
em: 15/09/2017.

HORN, Geraldo Balduíno; GERMINARI, Geyso Dongley. O ensino de


História e seu currículo: teoria e método. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

KARNAL, Jaime (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas


e propostas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

KNELLER, George. F. Arte e Ciência da Criatividade. 5. ed. São


Paulo: Ibrasa, 1978.

LEMOS, André. Cibercultura – tecnologia e vida social na cultura


contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LUCCHESI, Anita, CARVALHO. Bruno Leal Pastor de. “História


digital: Reflexões, experiências e perspectivas”. In: Mauad, Ana Maria,
Almeida, Juniele Rabêlo de, Santiago, Ricardo (org.). História Pública
no Brasil: Letra e Voz, 2016.

69
MAIATO, Alexandra Moraes. Neurociências e aprendizagem: O papel
da experimentação no ensino de ciências. 2013. 81 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Educação em
Ciências, Universidade Federal do Rio Grande - Furg, Rio Grande,
2013.

MENDES, João. Tecnologias da Informação e Comunicação


Educativa. Curitiba: UFP, 2011.

MERCADO, Luís Paulo Leopoldo Mercado. A Internet como Ambiente


Auxiliar do Professor no Processo Ensino-Aprendizagem. In: VI
Congresso Iberoamericano de Informática Educativa. Anais 2002.
Vigo/Espanha, Rede Iberoamericana de Informática Educativa, 2002.

MIRANDA, S. R. Aprender e ensinar o tempo histórico em tempos de


incertezas: reflexões e desafios para o professor de história. In:
GONÇALVES et al. (Orgs.). Qual o valor da história hoje? Rio de
Janeiro, Editora FGV, 2012.

MORAN, José Manuel. Como utilizar a Internet na educação. Ciência


da Informação, Brasília: v.26, n2, 1997.

_____________. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias


audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M; MASETTO, M. M. T.;
BEHRENS, M. A. Novas Tecnologias e mediação pedagógica. 8ª Ed.
Campinas, SP: Papirus, 2000.

NADAI, Elza. O Ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva.


Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 143-162,
set. 1992/ago. 1993.

POIRRIER, Philippe. Internet et les historiens. In: DELACROIX


Christian, DOSSE François, GARCIA Patrick et OFFENSTADT

70
Nicolas (Dir.). Historiographies. concepts et débats. Paris: Gallimard,
2010.

QUEIROZ, Paulo P. “A pesquisa e o ensino de História:


espaços/processos de construção da identidade profissional” in:
NIKITIUK, Sônia. Repensando o ensino de História. 8ª Edição. São
Paulo: Cortez Editora, 2012.

RODRIGUES, A. M. M. Por uma filosofia da tecnologia. In: Grinspun,


M.P.S.Z. (org.). Educação Tecnológica - Desafios e Perspectivas. São
Paulo: Cortez, 2001.

ROSA, Michele Rossoni. Educação Histórica, Fontes Históricas e


Novas Tecnologias: Descompassos e Possibilidades. Revista Àgora,
Porto Alegre, 2011.

SANTAELLA, Lucia. “As linguagens como antídotos ao


midiacentrismo”. Matrizes. São Paulo, ano 1, número 1 (julho-
dezembro de 2007), p. 75-97.

SCHERER, Suely. O papel do professor nos ambientes virtuais de


aprendizagem. In: CONGRESSO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA –
MERCOSUL, 7, 2003, Florianópolis. Anais. Florianópolis-SC: CTAI-
Senai, 2003. p. 270-274.

TAVARES, Cecília. C. S.. História e Informática. In: Ciro Flamarion


Cardoso; Ronaldo Vainfas (Orgs.). Novos Domínios da História. 1ed.
Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2012.

71
72
FONTES NA PEDRA: O USO DA PINTURA RUPESTRE NO
SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Rafael Printes Albarelli de Castro1

Iniciar um trabalho no ensino fundamental, mais


especificamente na disciplina História, requer uma série de cuidados
por parte do professor. Dentre esses cuidados, sem dúvidas, está a
preparação para que os estudantes consigam trabalhar, claro que dentro
de suas limitações, com as mais variadas fontes históricas. Daí o fato de
se tornar extremamente interessante que o professor faça uma rápida
diagnose para identificar o conceito que os discentes têm de fonte
histórica. Na maioria das situações, o conceito de fonte histórica, para
esses estudantes, se materializa no documento escrito. Tal situação
colabora bastante para que conceitos, que já estão fortemente
cristalizados dentro e fora do que se considera ambiente escolar,
reforcem preconceitos marcantes no que tange ao período
classicamente denominado de “pré-histórico”. O entendimento de tal
período como algo a parte do que se convencionou entender como
história (tendo como marco inicial o surgimento da escrita) reforça,
ainda mais, o sentimento de que algumas comunidades humanas

Graduado em História (Bacharelado e Licenciatura) pela


Universidade Federal do Pará (2006). Especialista em Docência do Ensino
Básico e Superior / Gestão Escolar pela Faculdade da Amazônia (2011).
Atualmente cursando o Mestrado Profissional em Ensino de História
(PROFHISTÓRIA), pela UFPA, no Campus de Ananindeua. Professor da rede
pública de ensino, pela Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC).
Professor da rede particular em Ananindeua – PA.

73
merecem até mesmo mais atenção de estudiosos em detrimento de
outras2.
Ao sentir esta necessidade de problematizar com os alunos
sobre este preconceito com relação ao período “pré-histórico”, escolhi
como referência a pintura rupestre. Ela se configura como uma fonte
histórica, que mesmo sendo evidenciada nos manuais didáticos de
ensino fundamental, pouco se explora nos capítulos destinados ao
entendimento do trabalho desempenhado pelos historiadores, ou para as
fontes históricas em específico. Fazer uso deste vestígio, que muito se
relaciona no imaginário dos estudantes a um período de “pouco
desenvolvimento”, é de suma importância para que se possa promover
um melhor entendimento deste período da existência humana que é
tradicionalmente estigmatizado.
Apesar de seus problemas, não podemos nos abster do uso dos
livros didáticos em nossa prática em sala de aula, uma vez que ele se
constitui, em especial para os alunos, como uma das suas fontes de
informação. Ao analisar alguns manuais didáticos fornecidos na rede
estadual de ensino no estado do Pará (em especial os que constituem o
Plano Nacional de Livro Didático (PNLD 2017, 2018 e 2019), são raras
as referências à pintura rupestre no capítulo que trata especificamente
do trabalho com as fontes históricas. Vários foram os manuais didáticos
que foram disponibilizados para a análise aos professores de História
da EEEFM Professor Waldemar Ribeiro, também para docentes de
várias escolas da rede estadual. O livro escolhido para as turmas de
sexto ano foi o da Patrícia Ramos Braick, “Ensinar história: das origens
do homem à era digital”.

Em minha experiência com turmas de ensino fundamental, em


especial com as de sexto ano, consegui identificar que é muito comum os
estudantes emitirem o pensamento de que não entendem o motivo de estudar
comunidades que não tinham a escrita.

74
Este artigo busca explicitar uma prática de ensino que toma
como ponto de partida a aplicação de um questionário em sala de aula.
Os estudantes serão questionados sobre seu entendimento no que diz
respeito ao registro rupestre (com a apresentação de uma pintura
rupestre) e sobre quem teria produzido tais vestígios. Após a
identificação dos conceitos que serão expostos nas respostas dos
estudantes, eles serão estimulados a refletir sobre a supervalorização
dos registros escritos e a marginalização dos registros não escritos (em
especial a pintura rupestre).
A atividade foi aplicada na Escola Estadual de Ensino Médio e
Fundamental Professor Waldemar Ribeiro (escola que estou lotado no
município de Belém). Vale a pena destacar que se trata de uma escola
que conta com algumas condições básicas para que o processo ensino-
aprendizagem ocorra de maneira satisfatória (destaque para as salas de
aula que contam com condicionadores de ar, que mesmo apresentando
problemas, amenizam o forte calor característico de nossa região). Foi
aplicada a estratégia de ensino na turma do sexto ano do período
matutino (vale ressaltar que esta é a única turma de sexto ano do ensino
fundamental que se encontra em minha lotação de 2017).
Sem dúvida que uma das formas mais recorrentes de
representação de tempo nos manuais didáticos, em especial nos
destinados ao sexto ano do ensino fundamental, são as linhas do tempo.
Sônia Regina Miranda discorre da seguinte forma sobre as linhas do
tempo presentes nos livros didáticos do PNLD de 2005 e 2011:

[...] nas linhas do tempo, por sua vez, os


referenciais históricos normalmente prescindem
da condição de inferência com base no que produz
sentido para a criança porque, via de regra, as
linhas do tempo são apresentadas com dados que
aludem a um passado abstrato, cujas informações
nem sempre produzem um sentido a priori, sob
um escopo gráfico constituído de modo
subordinado a ideias como progresso e tempo -

75
entendido como algo que se desenrola em função
de um sentido de sequência e de uma perspectiva
genético-evolutiva (MIRANDA, 2012, p. 252).

O livro didático adotado pelos professores do sexto ano da


Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental Professor Waldemar
Ribeiro, que faz parte do PNLD 2017, exibe nas páginas 40 e 41 (as
expressões destacadas) um discurso que valoriza a ideia de evolução
como também o conceito de “Pré-História”. Observe a imagem 1:

Imagem 1

Muitos manuais didáticos de ensino fundamental apresentam


capítulos que tratam especificamente das chamadas fontes históricas.
Sua variedade é bastante ressaltada com os mais variados exemplos,
que vão desde documentos ditos oficiais até o que se costuma chamar
de patrimônio imaterial. Dois aspectos importantes são deixados

76
praticamente de lado nos manuais didáticos que tive contato ao longo
de minha experiência como professor do ensino básico:

I. a caracterização da “Pré-História” como algo a parte do que se


convencionou caracterizar como História.
II. a pouca utilização do vestígio conhecido como pintura rupestre
no capítulo que se destina a elucidar as fontes históricas.

Ao se lançar um olhar sobre os Parâmetros Curriculares


Nacionais, pode-se perceber uma proposta que visava promover a
valorização da utilização de vários vestígios (fontes históricas)
considerando o seu contexto histórico.
É tarefa do professor criar situações de ensino
para os alunos estabelecerem relações entre o
presente e o passado, o particular e o geral, as
ações individuais e coletivas, os interesses
específicos de grupos e as articulações sociais.
Podem ser privilegiadas as seguintes situações
didáticas:
• questionar os alunos sobre o que sabem,
quais suas ideias, opiniões, dúvidas e/ou hipóteses
sobre o tema em debate e valorizar seus
conhecimentos;
• trabalhar com documentos variados como
sítios arqueológicos, edificações, plantas urbanas,
mapas, instrumentos de trabalho, objetos
cerimoniais e rituais, adornos, meios de
comunicação, vestimentas, textos, imagens e
filmes (BRASIL, p. 77).

Promover estratégias que envolvam outras disciplinas (como


ocorrerá nesta pesquisa com a oficina de pintura rupestre que
realizaremos em conjunto com a professora de Artes da Escola Estadual

77
de Ensino Médio e Fundamental Professor Waldemar Ribeiro) também
se configura como proposta nos PCNs:

• propor novos questionamentos, fornece


novas informações, estimular a troca de
informações, promover trabalhos
interdisciplinares (Brasil. Secretaria de Educação
Fundamental, p. 77).

Tomando como referencial a minha experiência em sala de


aula, é muito comum identificar que os estudantes estão amplamente
influenciados por uma visão de fonte histórica que caracterizava o
século XIX, momento que marca a profissionalização do historiador,
como destaca Durval Muniz de Albuquerque Júnior:

Em 1810, é criada na Universidade de Berlim a


primeira cátedra de história, entregue a Leopold
Von Ranke. Assim, inicia-se a profissionalização
do ensino e da escrita de história, tornando-a um
saber universitário, com aspirações à
cientificidade e a serviço de objetivos e funções
que serão traçados pelo Estado que promove,
avalia e fiscaliza a docência e produção na área
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p. 23).

Vale a pena salientar que não são novas as críticas à


utilização/valorização das fontes escritas como algo dotado de
confiabilidade pela autenticidade. O historiador Lucien Febvre (um dos
fundadores da famosa Escola dos Annales) evidencia em sua obra que
a história também pode ser escrita sem necessariamente contar com
fontes escritas:

A história faz-se com documentos escritos, sem


dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se,
deve fazer-se sem documentos escritos, quando

78
não existem. Com tudo o que a habilidade do
historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu
mel, na falta das flores habituais. Logo, com
palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as
formas do campo e das ervas daninhas. [...] Numa
palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem,
depende do homem, serve o homem, exprime o
homem, demonstra a presença, a atividade, os
gostos e as maneiras de ser do homem (FEBVRE
apud LE GOFF, 1998, p. 530).

A utilização/valorização da pintura rupestre como fonte


histórica, também visa contribuir para que os discentes sejam
estimulados a pensar em lançar um novo olhar ao período caracterizado
de “pré-histórico”. Apesar dos manuais didáticos serem compostos de
propostas que visam demonstrar a importância de conquistas como a
agricultura e o domínio da produção de fogo, é extremamente
interessante observar (e isto consegui perceber em minha prática em
sala de aula) que os estudantes, em grande maioria, consideram que a
grande conquista da humanidade foi a escrita. Sem dúvida que isto
também recebe a influência da própria organização do livro didático,
que dá grande destaque para o momento em que se inicia o que se
convencionou chamar de história (com suas periodizações tradicionais).
O estabelecimento nos manuais do ensino fundamental de um tempo de
dimensão cronológica colabora, indubitavelmente, para que os alunos
elaborem olhares sobre o passado em que as sociedades que existiram
antes de “nossa época” estariam marcadas pelo “atraso”:

“O exemplo clássico de organização dos


conteúdos é o que se constitui a partir das
temporalidades. Preponderante ainda na maioria
das escolas brasileiras, o tempo, considerado em
uma dimensão cronológica, continua sendo a
medida utilizada para explicar a trajetória da
humanidade. A periodização que se impôs desde

79
o século XIX – História Antiga, Medieval,
Moderna e Contemporânea – está presente em
grande parte dos livros didáticos: retrocede-se às
origens estabelecendo-se trajetórias homogêneas
do passado ao presente, e a organização dos
acontecimentos é feita com base na perspectiva de
evolução” (BEZERRA, 2003, p. 37-49).

Vamos trabalhar com um conceito de pintura rupestre


elaborada por André Prous:

todas as inscrições, pinturas ou gravuras deixadas


pelos humanos em suportes fixos de pedra, ou
seja, em rochas. O termo rupestre vem do latim
rupes-is, que significa rochedo. Elas são obras
imobiliárias, não podendo ser removidas do local
onde foram feitas (PROUS, 1991, p. 192).

Não apenas a pouca utilização se configura como um problema,


mas também a continuidade de discursos que são bastante
depreciadores no que tange ao ser humano que viveu no que se
convencionou denominar (em especial nos manuais didáticos
analisados nessa pesquisa) como “Pré-História”3. Pedro Paulo Funari e
Francisco Silva Noelli assim define este período:

“A Pré-História trata dos últimos 100 a 200 mil


anos, período que existe a espécie humana, o
Homo sapiens sapiens, e também dos milhões de
anos anteriores, em que existiram os hominídeos,

Nos manuais didáticos analisados nessa pesquisa (que fazem parte


do PNLD 2017, 2018 e 2019) se convencionou chamar de “Pré-história” o
período compreendido entre o surgimento dos hominídeos e o aparecimento
dos registros escritos.

80
espécies que antecederam à nossa: 99,9% do
passado, portanto. Apenas 0,1% do tempo da
existência do homem e dos seus ancestrais na
cadeia evolucionária corresponde ao período em
que existe a escrita” (FUNARI & NOELLI, 2006,
p. 13).

Quando um historiador/professor se propõe a trabalhar com as


fontes históricas que são muito características da chamada “Pré-
História”, como é o caso das chamadas pinturas rupestres, se torna
inevitável a sua aproximação com outras áreas das ciências sociais. No
caso desta pesquisa, a Arqueologia se configura como a ciência que será
visitada em várias oportunidades. Aproximação esta que não pode ser
vista como novidade pelo historiador profissional. Tomo aqui a
liberdade de ressaltar que a minha experiência na graduação foi
amplamente influenciada por historiadores da famosa “Escola dos
Annales”. Justamente essa corrente de historiadores (que está muito
distante de um conceito de homogeneidade) que buscou a proximidade
com a Arqueologia.
Uma das características mais interessantes da renomada Escola
dos Annales, no que tange aos objetivos desta pesquisa, está ancorada
na sua busca pela interdisciplinaridade com outras áreas das ciências
sociais. A ciência histórica passa a se municiar cada vez mais de novas
possibilidades (em especial no que diz respeito à ampliação do que se
considera fonte histórica). Tornando cada vez mais proveitosa a sua
relação com a antropologia, a sociologia, a arqueologia, a estatística, a
demografia, a psicanálise e a linguística. Peter Burke, em sua célebre
obra “A Escola dos Annales (1929-1989) – A Revolução Francesa da
historiografia”, assim estabelece esta relação e sua importância:

A história dos Annales pode assim ser interpretada


em termos da existência de três gerações, mas
serve também para ilustrar o processo cíclico
comum segundo o qual os rebeldes de hoje serão

81
o establishement de amanhã, transformando-se,
por sua vez, no alvo dos novos rebeldes. Mesmo
assim, algumas de suas preocupações básicas
permanecem, pois a revista e os indivíduos a ela
associados oferecem o mais sistemático exemplo,
neste século, de uma interação fecunda entre a
história e as ciências sociais (BURKE, 1997, p.
13).

Cabe neste momento estabelecer um breve histórico da ciência


denominada Arqueologia para que fique clara a tendência arqueológica
que esta pesquisa visa se aproximar. Tomando como base a obra
Arqueologia, de Pedro Paulo Funari, pode-se definir a arqueologia
passando basicamente três momentos:
1º Momento – no contexto do Neocolonialismo europeu (século
XIX), sendo caracterizada como aventureira e sem grandes
preocupações com uma vida acadêmica.
2º Momento – até meados de 1960, desempenhando que o
Funari chama de “trabalho braçal”, colhendo vestígios arqueológicos
que serão tratados de forma científica pela História ou Antropologia. A
Arqueologia, nessa concepção, como uma “disciplina auxiliar”.

“É comum, lendo-se textos de historiadores,


deparar-se com expressões como “contando-se
apenas com informações arqueológicas, muito
pouco podemos saber sobre...” ou afirmações do
tipo “quando se tem em mãos registros escritos ou
orais não há o que acrescentar de significativo
com a pesquisa dos elementos materiais...”
(FUNARI, 2015. p. 15- 6).

3º Momento – a partir de 1960, o que se convencionou chamar


de “Nova Arqueologia”, se propunha estabelecer “o estudo da cultura
material que busca compreender as relações sociais e as transformações
na sociedade” (FUNARI, 2015).

82
Há aqui a pretensão de fazer com que os estudantes entrem em
contato visual, através de material impresso, com as pinturas rupestres
que foram encontradas na região amazônica (em especial as que foram
objeto de estudo da arqueóloga Edithe Pereira, que se encontram na
região de Monte Alegre – PA). Quando se fala deste largo período
anterior ao que se convencionou chamar de História, existe no Brasil
uma tradição que acabou por promover uma forte valorização de
pinturas rupestres de determinadas áreas: europeias e nordestinas.
Quando os manuais didáticos tratam de pinturas rupestres
encontradas no que hoje conhecemos como Brasil, se configura quase
que uma “regra” a utilização de imagens e textos que se relacionam com
o Parque da Serra da Capivara (PI), em detrimento de manifestações
rupestres de outras regiões. No caso do livro didático utilizado na
Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental Professor Waldemar
Ribeiro, foram identificadas referências à pintura rupestre nas páginas
47, 69, 70 e 77:

Imagem 2

83
Imagem 3

Imagem 4

Sobre esta negligência com as manifestações rupestres da


região amazônica, a arqueóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi,
Edithe Pereira, discorre da seguinte forma:

84
No Brasil, essa forma de expressão cultural dos
povos pré-históricos existe de Norte a Sul. No
entanto, as pesquisas arqueológicas que
dedicaram atenção a essas figuras rupestres
concentraram-se nas regiões Sul, Sudeste,
Nordeste e Centro-Oeste do país. Na Amazônia,
as pinturas e gravuras rupestres, conhecidas há
séculos, foram objeto mais de curiosidade do que
de estudos. Sua existência na região, apesar de ser
um fato, não foi considerada no registro
arqueológico das pesquisas desenvolvidas na
região a partir da década de 1950. A explicação
para essa omissão pode ser encontrada na base
teórica das pesquisas realizadas nesse período.
Assentadas em dois postulados básicos, o
determinismo ambiental e o difusionismo, as
pesquisas arqueológicas desenvolvidas na
Amazônia, por quase quatro décadas, tiveram seus
interesses voltados, principalmente, para a
procura e análise de vestígios cerâmicos
(PEREIRA. 2003, p. 13).

Vale ressaltar que as mais variadas fontes de informações, que


vão muito além do manual didático, colaboram de forma decisiva para
que as referências ao que classicamente se convencionou chamar de
Pré-História, em especial na região amazônica, onde durante muito
tempo foi evidenciada quase que exclusivamente com os achados em
cerâmica. Inclusive muitas capas de livros trazem geralmente imagens
que estão relacionadas com a produção de cerâmica. Evidenciar para os
estudantes os mais variados tipos de fontes históricas é de suma
importância para que ele compreenda o trabalho que o historiador
desenvolve. Não se pode esquecer que não se trata de formar o
“pequeno historiador”, por sinal isso se trata de um cuidado, de uma
prudência que deve acompanhar o professor.

85
Buscando mudanças para que as aulas de História se tornem
mais atraentes aos olhos curiosos dos alunos do sexto ano do ensino
fundamental, será estabelecida como estratégia de ensino fazer com que
a aula vá além da exposição de acontecimentos históricos que estão
cristalizados com programas curriculares e nos manuais didáticos.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas


memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In:
GONÇALVES, Márcia de Almeida et. al. Qual o valor da história hoje?
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: Ensino de História:


conteúdos e conceitos básicos. In: Karnal, Leandro (Org.). História na
sala de aula: práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.

BRAICK, Patrícia Ramos. Ensinar história: das origens do homem à


era digital. São Paulo: Moderna, 2015.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos.


São Paulo: Cortez, 2009.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: História Secretaria de Educação
Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução


Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1997.

FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Ática, 3ª ed. 2ª


reimpressão - São Paulo: Contexto, 2015.

86
FUNARI, Pedro Paulo & NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do
Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e Memória; tradução Bernardo Leitão...


[et al.]. 5ª ed. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

MIRANDA, S. R. Aprender e ensinar o tempo histórico em tempos de


incertezas: reflexões e desafios para o professor de história. In:
GONÇALVES et al. (Orgs.). Qual o valor da história hoje?. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2012.

PEREIRA, Edithe. Arte rupestre na Amazônia - notas sobre um


manuscrito. Revista CLIO. Série Arqueológica. Recife, 1992, v. 1 nº 8.

PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: UnB, 1991.

87
88
NARRATIVA RAP E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: UM
BREVE DEBATE ENTRE AS RIMAS DE PELÉ DO
MANIFESTO E A TEORIA DE JÖRN RÜSEN

Rafael Elias de Queiroz Ferreira1

Rap: a voz que narra a periferia

O estilo musical Rap pode ser descrito como uma modalidade


narrativa das questões pertinentes à contemporaneidade e vincula-se
diretamente ao Movimento Hip Hop por meio de seu discurso. O Rap
estrutura-se através de narrativas, possuindo como ponto de partida as
múltiplas vivências e experiências do cotidiano, no que concerne a
juventude urbana, periférica, e, no geral, negra. Nesse sentido, podemos
considerar os rappr’s ou mc’s, como verdadeiros narradores do
cotidiano. Eles produzem suas mensagens através das múltiplas
representações simbólicas e históricas do cotidiano periférico, em uma
linguagem própria e acessível a uma juventude socialmente excluída,
tornando-se, desta forma, uma poética da exclusão2 (FERNANDES,
2000).

Licenciado Pleno e Bacharel em História (UFPA-2009); Especialista


em Educação Para as Relações Étnicorraciais (IFPA-2011); Mestrando em
Ensino de História (UFPA).
2

Poética da exclusão é um termo utilizado por Fernandes (2000), que


busca evidenciar o potencia narrativo do gênero musical Rap, bem como o
caráter de crítica social inerente a esse estilo musical. Para um maior
detalhamento.

89
A juventude periférica se apropria das rimas do Rap, que narra
os acontecimentos vivenciados nas áreas de periferia, nos morros, vielas
e favelas, na rua, na escola, na cidade, nos confrontos com a polícia.
Em resumo, o Rap acaba por transformar-se para essa juventude como
uma ferramenta que narra sua existência. Desta feita, podemos
compreender o gênero musical Rap como um meio de comunicação dos
jovens através do qual falam tudo o que veem, sabem, sentem e escutam
sobre o seu lugar. Lair Aparecida Delphino Neves (1999) revela-nos o
potencial, bem como o conteúdo da música Rap. Para ela,

(...) em termos de conteúdo, o Rap fornece


material para um rico trabalho com temas
transversais, como pluralidade cultural,
étnica e saúde (drogas). A linguagem
marcada por vocabulários e símbolos que
buscam o resgate de uma memória negra,
transmitem o modo “negro” de ver e sentir
o mundo (NEVES, 1999, p. 162).

A juventude se expressa com uma linguagem própria por meio


do Rap, construindo um relato da vida cotidiana com a finalidade de
engendrar um discurso em forma de rima que conscientize, politize,
combata o racismo, o preconceito e a discriminação, além de apontar
novas perspectivas para a juventude. O rapper paraense Allan
Roosevelt, mais conhecido no cenário do Hip Hop local como Pelé do
Manifesto, em entrevista para a TV Cultura revela que:

Morar numa fronteira, que é a fronteira


Cremação-Jurunas é o ponto principal na
minha maneira de compor. Porque eu tento
escrever pra essas pessoas que moram
nessa periferia junto comigo. Eu tento

90
meio que mostrar a luz, porque o que eu
vivo é o que aquelas pessoas que moram lá
vivem. Então, quando eu falo de racismo
na música “Sou Neguinho” eu quero
atingir aquelas pessoas principalmente. Eu
tento levar um pouco do meu
conhecimento, das minhas experiências e
vivências, do meu ponto de vista pra quelas
pessoas que moram ali, naquela periferia.3

A fronteira-periferia na compreensão da juventude envolvida


com o Movimento Hip Hop e expressada pelas composições musicais
por meio do Rap, é o lugar social onde vive essa juventude – o bairro,
a vila, a favela, a quebrada, ou seja, o lugar onde moram – a partir do
qual eles forjam suas existências, temporalidades e subjetividades
(CASTORIADIS, 1982). Na composição Rap, o cenário da periferia é
descrito com frequências a partir das seguintes imagens mentais:
violência, pobreza, racismo, preconceito, conflitos familiares, crime,
drogas, falta de saneamento básico, precariedade da saúde e da
educação. Essa visão acerca da periferia é o que se constitui como sendo
um espaço social inglório (AZEVEDO, 2000).

Esse espaço periférico da cidade, de onde emerge a produção


musical Rap, Raquel Rolnik (1996; 1997) conceitua como a não-cidade
ou não-lugar, que historicamente ocupam na espacialidade urbana dos
municípios um lugar de marginalidade, territórios estes que se originam
de “um modelo de urbanização sem urbanidade que destinou para os
pobres uma não-cidade, longínqua, desequipada como espaço e como

Trecho da entrevista de Pelé do Manifesto ao Projeto Galeria:


ilustração e memória, uma produção da FUNTELPA (Fundação de
Telecomunicações do Pará), por meio da TV Cultura. Transcrito da entrevista
na forma original a partir da narrativa do rapper.

91
lugar” (ROLNIK, 1996, p. 32), as regiões periféricas dos grandes
centros urbanos, decorrentes de um processo de favelização.

É esse cenário urbano e periférico – que enfrenta uma série de


problemas cotidianos – que é narrado pelas rimas do Rap. Nesse
sentido, chegamos ao ponto central das discussões metodológicas que
pretendemos: o entendimento do gênero musical Rap como uma
narrativa que acaba por constituir uma consciência histórica junto aos
envolvidos a esse gênero musical.

Em geral, a música Rap é construída por meio de um modelo


narrativo, onde vivências cotidianas são apresentadas a partir de um
entendimento histórico, de uma consciência previa. Para Jörn Rüsen,
narrar é uma prática cultural de interpretação do tempo,
antropologicamente universal (RÜSEN, 2001, p. 149). O Rap apresenta
em suas narrativas a descrição de vivências e experiências cotidianas.
É uma forma ou uma ferramenta, como os integrantes do Movimento
Hip Hop dizem, de contar suas histórias de uma forma que possam
construir sentidos. Sobre a questão dos sentidos na narrativa, Jörn
Rüsen afirma que é fundamental para a narrativa histórica que “sua
constituição de sentido se vincule à experiência do tempo de maneira
que passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação
da vida prática contemporânea. Ao tornar-se presente, o passado
adquire o estatuto de ‘história’” (RÜSEN, 2001, p. 115).

Dessa forma, os sentidos construídos pela narrativa acabam


por construir uma identidade histórica, resultado de uma autopercepção
positiva do discurso narrativo, que por sua vez engendram a consciência
histórica (RÜSEN, 2001). Essa assertiva proposta por Jörn Rüsen pode
ser relacionada com o discurso narrativo da música Rap. Nesse sentido,
o Rap como narrativa histórica e como agente produtor de consciência
histórica junto à juventude negra e periférica é o epicentro das
discussões propostas nesse texto.

92
Narrativa rap e consciência histórica nas rimas de Pelé do
Manifesto

Sou MC Pelé do Manifesto / Sou morador


da Cremação / O Rap pra mim é minha arte
/ O Rap pra mim é minha forma de
expressão / O Rap pra mim é minha vida4

Allan Roosevelt é um rapper negro de 26 anos, morador do


bairro da Cremação, periferia da cidade de Belém, capital do Estado do
Pará. É militante do Movimento Hip Hop e compõe músicas do gênero
Rap tendo como temática principal a questão da denuncia e do combate
ao racismo, bem como a construção de um discurso que fortaleça uma
identidade afrocentrada. Como nome artístico, Allan usa Pelé do
Manifesto, e já representa uma realidade no Rap local e cada vez mais
vem se consolidando no cenário nacional, gravando inclusive com
vários grupos de Rap que já trilharam um longo caminho dentro da
Cultura Hip Hop. É especificamente deste jovem, negro e periférico
rapper paraense que trataremos neste ponto do texto:

O Rap é a principal voz da periferia e hoje


eu tenho muita voz onde eu moro.
Antigamente as pessoas não me viam
como Pelé. Eu era o Allan, eu era o
Roosevelt, eu era um moleque que rimava.
A partir do momento que saí de Belém, fui
pra São Paulo e comecei a fazer shows com
a galera importante do Rap, a periferia de

Trecho da entrevista de Pelé do Manifesto ao Projeto Galeria:


ilustração e memória, uma produção da FUNTELPA (Fundação de
Telecomunicações do Pará), por meio da TV Cultura. Transcrito da entrevista
na forma original a partir da narrativa do rapper.

93
Belém que curtia a galera de fora começou
a me ver diferente, entendeu? Pô é o Pelé,
não é mais o Allan, é o Pelé. Ele já é um
MC. Então a galera começou a me ouvir de
fato e começou a prestar atenção naquilo
que eu falava nas letras.5

Nossas atenções estarão voltadas a uma música específica desse


compositor chamada “Sou Neguinho”. Nosso objetivo é, em linhas
gerais, identificar narrativas históricas nessa composição e como elas
constroem sentidos históricos junto à juventude negra e periférica de
Belém. Para tanto, tomaremos o historiador alemão Jörn Rüsen como
fundamentação teórica, mais especificamente seus conceitos de
narrativa histórica e consciência histórica.

As rimas de Pelé do Manifesto na composição musical “Sou


Neguinho” constroem uma narrativa das experiências e vivências pela
qual ele e seus pares passaram na periferia de Belém. Narra as
dificuldades e os desafios cotidianos dessa parcela da população. Suas
rimas constroem sentidos para ele e para os que vivem nas regiões
periféricas de Belém.

Quando eu vou fazer uma música, eu não


penso apenas em mim, no que eu vou
sentir. Eu penso no que o ouvinte vai
sentir, no que ele vai ver, o que ele vai
pensar. Quando eu vou cantar em alguns

Trecho da entrevista de Pelé do Manifesto ao Projeto Galeria:


ilustração e memória, uma produção da FUNTELPA (Fundação de
Telecomunicações do Pará), por meio da TV Cultura. Transcrito da entrevista
na forma original a partir da narrativa do rapper.

94
lugares assim, a maioria das vezes as
pessoas querem subir no palco e me
abraçar. Porque aquilo que eu canto, a
maioria das vezes é o que elas vivem. É
como se fosse uma troca de experiências.
Eu falo aquilo que tá na alma deles e é o
que tá na minha também. A gente percebe
o brilho no olhar de cada pessoa que tá ali
assistindo a gente, sabe que aquilo é
verdadeiro. Então isso pra mim é a melhor
coisa que existe.6

A narrativa Rap de Pelé do Manifesto acaba por construir


sentidos aos que são atingidos por suas rimas. Jörn Rüsen afirma que
“para entender o que a narrativa realiza, é necessário [entender] a
categoria de sentido” (RÜSEN, 2001, p. 155.). A ideia de sentido a que
Jörn Rüsen se refere, acaba por articular percepção, interpretação,
orientação e movimentação, onde a relação do homem consigo mesmo
e com o mundo prático possa ser pensada e realizada na perspectiva do
tempo. Nesse caso,

Sentido histórico na relação com o mundo


significa uma percepção da evolução
temporal do mundo humano tanto baseada
nas experiências quanto orientadora e
motivadora do agir. Também na relação do
homem com si mesmo, o tempo é
interpretado em consecução, de modo que
seja alcançado um mínimo de consciência

Trecho da entrevista de Pelé do Manifesto ao Projeto Galeria:


ilustração e memória, uma produção da FUNTELPA (Fundação de
Telecomunicações do Pará), por meio da TV Cultura. Transcrito da entrevista
na forma original a partir da narrativa do rapper.

95
do “eu”: a identidade histórica (RÜSEN,
2001, p. 156. Grifo meu).

As rimas de Pelé do Manifesto vocalizam o que Rüsen chama


a de sentido. Sentidos que acabam por articular o homem consigo
mesmo e com o mundo, engendrando uma autopercepção positiva, que
por sua vez corrobora com a construção de uma identidade histórica.
No trecho da composição “Sou Neguinho”, apresentado abaixo, Pelé do
Manifesto externa o sentido da autopercepção positiva no que se refere
a identidade negra:

Sou neguinho sim, sou preto com muito


amor / Daqueles que se olha no espelho e
acha foda sua cor / Eu não nasci pra tá
chamando ninguém de doutor / A minha
meta é levantar a cada irmão que tombou
/ Demorou ai, o mundo é nosso neguinho /
Eu quero é tudo como quem não quer nada
e no sapatinho / Eu vou chegando de
mansinho sei que eu num tô sozinho / Me
esquivando da ilusão pra não ficar pelo
caminho7

A narrativa é capaz de tornar o passado presente em forma de


“história” e dessa premissa, a narrativa Rap de Pelé do Manifesto faz
uso. Para a narrativa, é fundamental que sua estruturação de sentido
esteja vinculada à experiência do tempo, de maneira que o passado
tenha a possibilidade de tornar-se presente no plano cultural e no plano
das orientações da vida prática contemporânea (RÜSEN, 2001). Pelas
propostas de Jörn Rüsen, “ficam claras também a relação entre o

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho. Belém:


Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

96
presente e a função prática que caracterizam o modo narrativo de tornar
o passado em uma história” (RÜSEN, 2001, p. 158-159).
O modo narrativo analisado por Rüsen nos faz entender que a
narrativa deva possuir um começo, um meio e um fim e para ele, o fim
seria o momento presente da situação narrativa. Nas rimas do Rap de
Pelé do Manifesto, essa ordem se faz presente. Na composição “Sou
Neguinho”, o rapper narra uma contraposição da ideia de paraíso que
foi imputada à América Portuguesa, quando do “descobrimento” do
Brasil. O fator, força, dessa crítica se faz presente na narrativa de Pelé
do Manifesto por meio da experiência histórica da escravidão negra de
origem africana e do tráfico de escravos.

Na narrativa de Pelé do Manifesto, essa relação onde o passado


torna-se presente se dá quando o rapper afirma que as consequências
da escravidão da população negra no Brasil Colonial e Imperial criaram
na contemporaneidade estereótipos e estigmas para com os afro-
brasileiros. Na passagem abaixo, Pelé do Manifesto faz essa relação e
acaba por evidenciar uma consciência histórica na medida em que para
ele:
Nem tudo que reluz é ouro, parceiro
Paraíso onde? / Se eu vim nos navio
negreiro / A rua me criou meu pensamento
é ligeiro / Essa música é um alô pra todos
que são verdadeiro / Ser duas vezes
melhor? Não. / Cansei dessa parada
Casei de ser o preto no estilo “homem na
estrada” / De ver as tia atravessando a rua
apavorada / De provar que o celular é meu
pra não levar porrada8

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho. Belém:


Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

97
Mas o que seria a consciência histórica que as rimas narradas
por Pelé do Manifesto engendram? De forma precipitada, poderíamos
relacionar consciência a um patamar de reflexão e também poderíamos
adjetivar o termo histórica como sendo a experiência humana no tempo,
mas Jörn Rüsen pode nos ajudar a definir de uma forma mais clara e
precisa esse conceito.

Para Rüsen, a consciência histórica também não é um resultado,


mas um fenômeno vital – um elemento da vida que não se pode escolher
ter ou não ter – que constitui sentido à experiência do tempo. Ela é um
trabalho intelectual inerente ao homem e por meio da qual ela dá sentido
ao seu agir. Para o historiador alemão, “o homem tem de agir
intencionalmente para poder viver e essa intencionalidade o define
como um ser que necessariamente tem de ir além do que é o caso, se
quiser viver no e com o que é o caso” (RÜSEN, 2001, p. 57).
Como as ações dos seres humanos são intencionais segundo
Rüsen e essas ações pressupõem escolhas, é necessário considerar que
elas se constituem por meio de interpretações de diferentes realidades
que o homem se localiza em relação a outros homens e defina seu lugar
de agir. Esse agir de forma intencional a que Rüsen se refere não
pressupõe a aceitação da realidade contemporânea estabelecida por
meio de um conformismo vitimista. Pelo contrário, por meio de uma
consciência histórica critica, a realidade concreta da vida cotidiana
pode ser refutada, critica e até mesmo transformada por meio do agir
de forma intencional.

A narrativa Rap “Sou Neguinho”, de Pelé do Manifesto, aponta


para uma consciência histórica crítica, estabelecendo um discurso de
não aceitação e de enfrentamento das realidades sociais vividas pelas
populações afrodescendentes, em especial as que vivem em regiões de

98
periferia. O rapper narra com muito entusiasmo9 essa passagem onde
ele afirma que:

Não é frescura não me diz ai quem


consegue / Toda vez que entro no shopping
o segurança me segue / Todo mundo
percebe, todo mundo repara / As câmera
me persegue a polícia sempre me para /
Não vem de caô dizendo que num é
preconceito / Se acha que preto é ladrão
desde que mama no peito / É o X da
questão, ninguém explica direito
Porra, minha descrição sempre bate com
a do suspeito10

Uma pergunta que pode ser levanta é: existe consciência


histórica na narrativa rimada de Pelé do Manifesto? Eunice Barros
Barcelos Fernandes (2012) esclarece sobre tal interrogativa ao afirmar
que há

(...) um ponto importante sobre a indicação da


onipresença histórica na vida humana e sobre as
questões que levanto é que a orientação do agir
humano no tempo se realiza para todos, a despeito
da historiografia ou da nomeada ciência histórica

O entusiasmo a que me refiro está presente no vídeo-clip oficial da


composição Rap “Sou Neguinho”. Nessa passagem da canção percebemos
uma expressão facial de revolta e indignação em Pelé do Manifesto. A voz fica
mais estridente e os dentes são expostos como presas, o que nos faz entender
que essa narrativa foi vivida por ele algum momento de sua existência.
10

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho. Belém:


Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

99
constituindo sentido à experiência vivida e,
consequentemente, definindo as decisões
humanas.

Nesse sentido, pela definição de Eunice Barros Barcelos


Fernandes, existe uma consciência histórica nas narrativas rimadas de
Pelé do Manifesto. Mas como dito no início, nosso referencial teórico
são os conceitos de Jörn Rüsen. Então voltemos a ele.

Essa reflexão engendra um novo questionamento: por que a


consciência histórica precisa ser necessariamente um pré-requisito para
orientar uma ação do homem no presente? Para Rüsen (2011, p. 56) isso
ocorre pois a “consciência histórica funciona como um modo específico
de orientações em situações reais da vida presente: tem como função
ajudar-nos a compreender a realidade passada para compreender a
realidade presente.” Nesse sentido, a história deve ser compreendida
como sendo o espelho da realidade passada na qual o presente indica o
que será realidade no futuro. A consciência histórica concebe o passado
como experiência, nos revela o tecido da mudança temporal dentro do
qual estão presas as nossas vidas, e as perspectivas de futuras para as
quais se dirige a mudança. Nesse campo de analise, as rimas em formas
de narrativa de Pelé do Manifesto apontam para o direcionamento da
consciência histórica na perspectiva de mudança e do fortalecimento
de uma identidade afrocentrada, como podemos observar no trecho da
música “Eu sou Neguinho”:

É por mim por ti pelos irmão tô aqui / A minha meta é rimar


até vê os preto sorrir / A estrutura rachar e esse império cair
/ Uma nova era começou pros descendentes de zumbi11

11

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho. Belém:


Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

100
A consciência histórica, tal qual proposta pelas reflexões de
Jörn Rüsen, vem no sentido de promover o entrelaçamento de ser e
dever em uma narrativa que se refere a acontecimentos do passado com
a perspectiva de entendimento e compreensão do presente e conferir
uma perspectiva futura a essa atividade atual. A narração é a forma
linguística pela qual a consciência histórica realiza sua função de
orientar decisões. Para Rüsem, a partir “desta visão, as operações pelas
quais a mente humana realiza a síntese histórica das dimensões de
tempo simultaneamente com as do valor e da experiência se encontram
na narração: o relato de uma história” (RÜSEN, 2011, p. 59).
A essa especificidade, Rüsen chama de competência narrativa.
Essa competência é definida como sendo a habilidade que a consciência
histórica tem para acionar os procedimentos que dão sentido ao
passado, engendrando uma orientação temporal efetiva na vida prática
presente no exercício da recordação de uma determinada realidade
passada. Esse dar sentido ao passado é definido por Jörn Rüsen em três
elementos que constituem juntos uma narração histórica: a forma, o
conteúdo e a função. A forma para Rüsen seria “a competência para a
interpretação histórica; já o conteúdo para o historiador alemão seria a
competência para a experiência histórica; enquanto a função seria a
competência para a orientação histórica” (RÜSEN, 2011).

Existem quatro tipos bem diferentes de consciências históricas


que operam na vida humana: a consciência histórica tradicional, a
exemplar, a crítica e a genética. Todas elas são mediadas pela memória
histórica. Existem seis elementos e fatores básicos por meio dos quais
se pode descobrir os quatro tipos de consciência histórica existentes. O
primeiro seria a experiência do tempo, o segundo são as formas de
significação histórica, o terceiro é a orientação da vida exterior, o
quarto é a orientação da vida interior, o quinto são as relações com os
valores morais e o sexto é a relação com o raciocínio moral (RÜSEN,
2011).

101
Para exemplificar melhor, observe a tabela12 abaixo elaborada
por Jörn Rüsen para detalhar de forma mais clara os quatro tipos de
consciência histórica e seus seis elementos constitutivos.Tabela 1:
Tipologias de consciências históricas em Jörn Rüsen.

Tradicional Exemplar Crítica Genética


Origem e Variedade de Desvios Transformações
Expe- repetição de casos problemati de modelos
riência um modelo representativo zadores culturais e de vida
do cultural e de s de regras dos alheios em outros
tempo vida gerais de modelos próprios e
obrigatório. conduta ou culturais e aceitáveis.
sistemas de de vida
valores. atuais.
Permanência Regras Ruptura Desenvolvimento
Formas dos modelos atemporais de das nos quais os
de culturais e de vida social. totalidades modelos culturais
significa vida na Valores temporais de vida mudam
-ção mudança atemporais. por para manter sua
históri- temporal. negação de permanência.
ca sua
validade.
Afirmação das Relação de Delimitaçã Aceitação de
ordens situações o do ponto distintos pontos de
Orienta- preestabelecid particulares de vista vista em uma
ção da as por acordo com próprio perspectiva
vida ao redor de um regularidades frente às abrangente do
exterior modelo de que se atêm ao obrigações desenvolvimento
vida comum e passado e ao preestabele comum.
válido para futuro. cidas
todos.

12

RÜSEN, 2011, p. 59.

102
Sistematização Relação de Autoconfia Mudança e
dos modelos conceitos nça na transformação dos
culturais e de próprios a refutação conceitos próprios
Orienta- vida por regras e de como condições
ção da imitação – princípios obrigações necessárias para a
vida role-playing. gerais. externas – permanência e a
interior Legitimação role- autoconfiança.
do papel por playing
generalização.
A moralidade A moralidade Ruptura do Temporalização
é um conceito é a poder da moralidade. As
preestabelecid generalidade moral dos possibilidades de
Rela- o de ordens de obrigação valores um
ções obrigatórias; a dos valores e pela desenvolvimento
com os validade moral dos sistemas negação de posterior se
valores é de valores. sua convertem em
morais inquestionável validade. uma condição de
Estabilidade moralidade.
por tradição.
A razão Argumentação Crítica dos A mudança
Relação subjacente aos por valores e temporal se
com o valores é um generalização, da converte em um
raciocí- suposto referência a ideologia elemento decisivo
nio efetivo que regularidades como para a validade
moral permite o e princípios. estratégia dos valores
consenso do discurso morais.
sobre questões moral.
morais.

Chamo a atenção para a consciência histórica crítica


apresentada na tabela acima e descrita por Jörn Rüsen como sendo uma
argumentação que se baseia em oferecer elementos de uma
“contranarração”. [...] Por meio dessa “contranarração” podemos
desmascarar uma história determinada como um engano, desprestigiá-
la como uma informação falsa. [...] Logo, podemos narrar uma

103
“contrahistória” (RÜSEN, 2011, p. 67). Esse tipo de consciência
histórica é pertinente às rimas narradas por Pelé do Manifesto, em
especial na narrativa Rap “Sou Neguinho”, onde valores
preestabelecidos são questionados, bem como aponta-se para uma
perspectiva de mudança.
A consciência histórica crítica aciona uma categoria específica
de experiência do passado, que são os desvios, as expectativas de se
efetivar o contrário da ordem estabelecida. As narrativas produzidas por
este tipo de consciência histórica produzem outros entendimentos de
históricos, diferenciando-os de formulações preestabelecidas e
sustentadas por outros ao longo do tempo. Por meio dessas histórias
críticas dizemos “não” às orientações temporais predeterminadas de
nossa vida (RÜSEN, 2011, p. 67).

Mais de 4 condução currículo na mão /


E a secretária sempre diz que eu não me
encaixo no padrão / Mas sem essa de
tadinho dos neguinho, irmão / Eu vim
mostrar com quantos raps se faz a
revolução / E o mundo todo vai saber da
nossa correria / Eu vim mostrar com
quantos raps se consegue a alforria / E
depois desse aqui é o fim de tudo que me
incomoda / Agora sim pode dizer que preto
é foda13

A alforria descrita na narrativa de Pelé do Manifesto,


apresentada acima, representa a expectativa de mudança, característica
singular de uma consciência histórica crítica. O que nos faz
compreender que para o rapper as condições de subalternidades sociais,

13

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho. Belém:


Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

104
políticas, étnicas e econômicas das populações afro-brasileiras ainda
persistem no tecido social, mesmo após a abolição da escravatura. Essa
interpretação crítica presente nas rimas de Pelé do Manifesto foi
conceituado por Carlo Hasenbalg como sendo um ciclo de
desvantagens, que, segundo ele, faz com que haja um processo de
agudização das condições de subalternidade dos não brancos
(HASENBALG, 1979).

Outra abordagem das mais importantes nas reflexões de Carlos


Hasenbalg está intimamente ligada ao processo de invisibilidade
imposto aos negros no Brasil, que em muitos dos casos nem é percebido
enquanto sujeito social, sendo relegado a ele um não lugar (ROLNIK,
1992; 1997). Para Carlos Hasenbalg, as manifestações sintomáticas da
invisibilidade do negro na sociedade brasileira se dão a partir do “lugar
irrisório que a historiografia destina à (...) contribuição do negro na
sociedade brasileira; (...) e a negação obstinada de discutir a existência
de qualquer problema de índole racial” (HASENBALG, 1988, p. 183).

A consciência histórica crítica, no que se refere a identidade,


expressa uma negatividade: o que não queremos continuar sendo ou o
que não gostaríamos de ser. Isso proporciona ao homem a oportunidade
para se definir como não reféns de condições e formas predefinidas de
autocompreensão, como podemos observar no trecho da música “Eu
sou Neguinho”:

Eu não sou preto de alma branca não, que treta


Se eu pudesse, até a palma da minha mão era
preta / Que nem a tinta da caneta que eu escrevo

105
minha letra / Meu orgulho tá no peito e não
guardado na gaveta14

Pelé do Manifesto, por meio destas rimas, faz uma narrativa


onde a consciência histórica crítica é aflorada. Onde o pensamento
histórico-crítico aclara o caminho para a construção da identidade pela
força da negação. O que faz dele um poeta contemporâneo do cotidiano
que se expressa por meio de uma narrativa em forma de rima por meio
do Rap, o que evidencia sua consciência histórica, analisada aqui por
meio da composição “Sou Neguinho sim”.

Referências

AZEVEDO, A. M. Grillu. No ritmo do Rap: Música, cotidiano e


sociabilidade negra – São Paulo - 1980-1997. Dissertação de mestrado
– Programa de pós-graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, PUC: São Paulo, 2000.

CASTORIADIS, C. A Instituição imaginária da sociedade. 3ª ed. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

FERNANDES, Eunice Barros Barcelos. Do dever de memória ao dever


de história: um exercício de deslocamento. In: GONÇALVES, Márcia
de A; ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís; MONTEIRO, Ana Maria
(Org.). Qual o valor da história hoje?. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2012.

14

Pelé do Manifesto. Sou Neguinho. In: Álbum: Sou Neguinho.


Belém: Produção Independente, 1999. CD. Faixa 1.

106
HASENBALG, Carlos Alfredo. A discriminação e desigualdades
raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979.

HASENBALG, Carlos. O negro na publicidade. In: HASENBALG,


Carlos e SILVA, N. do V. (Org.). Estrutura social, mobilidade e raça.
São Paulo: Editora Vértice, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1988.

NEVES, Lair Aparecida Delphino. Rap na sala de aula. In: ANDRADE,


Elaine Nunes de. (Org.) Rap e Educação – Rap é Educação. São Paulo:
Selo Negro, 1999.

ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e


Territórios na Cidade de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP.
1997.

______________. O Brasil e o Habitat II. Teoria e Debate. Revista


Trimestral do Partido dos Trabalhadores. São Paulo, n. 32, ano 9, p. 21
– 26, julho/agosto/setembro, 1996.

RÜSEN, Jörn. O desenvolvimento da competência narrativa na


aprendizagem histórica: uma hipótese ontogênica relativa à consciência
moral. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS,
Estevão de Rezende (Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de história.
Curitiba, EdUFPR, 2011.

____________. Razão Histórica – Teoria da História: os fundamentos


da ciência histórica. Brasília: EdUnb, 2001.

107
108
O NAZISMO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
BRASILEIROS: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA HISTÓRIA
DO TEMPO PRESENTE.1

Carlos Eduardo Miranda2

Introdução

As soluções totalitárias podem muito bem


sobreviver à queda dos regimes totalitários
sob a forma de forte tentação que surgirá
sempre que pareça impossível aliviar a
miséria política, social ou econômica de
um modo digno do homem (ARENDT,
2012, p. 610).

A atualidade da fala de Hannah Arendt apresenta-se, dentre


muitas que poderiam ser colhidas no campo historiográfico, como solo
de arguição sobre a presença de comportamentos nazistas no tempo
presente. Pois vivemos, e sobre isso não é necessário muito nos
alongarmos, em uma época onde a dignidade humana se evapora diante
de uma generalizada miséria ética que, desrespeitando os direitos

Comunicação apresentada no III Seminário Internacional História do


Tempo Presente, promovido pela Universidade do Estado de Santa Catarina -
UDESC, entre 25 e 27 de outubro de 2017. Link:
http://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/IIISIHTP/paper/viewFile/553/48
3
2

Bacharel e Licenciado em História (UFPA 2004). Especialista em


Educação, Cultura e Organização Social (UFPA 2010) e mestrando no
Programa de Pós-Graduação em Ensino de História – PROFHISTÓRIA –, da
Universidade Federal do Pará. E-mail: miranda_cadu@hotmail.fr

109
humanos, personifica-se em atrocidades como intolerância, xenofobia
e etnocracia.3

Se por um lado temos vivido o crescimento da extrema direita


em alguns países ocidentais, e o exemplo mais recente pode ser
encontrado nos episódios de lutas simbólicas e ideológicas em
Charlottesville, nos Estados Unidos4, que nos chegam através das
grandes mídias em um tempo quase imediato, temos de refletir não
somente sobre os impactos de tais ações no calor da hora, mas
investigar, sobretudo, as causas que contribuem para o fortalecimento
de tais ideologias, bem como as consequências para a vida prática de
todos os envolvidos. Lembrando que em uma sociedade globalizada, os
envolvidos somos todos.

As explicações, portanto, para muitos dos fatos que hoje nos


acometem estão no passado recente, mas enquanto estiverem restritas
aos noticiários, jamais alcançarão seu verdadeiro significado e, assim,

Entende-se por etnocracia o domínio de um determinado grupo


visando a dominação étnica sobre um território delimitado para a
formação de um Estado étnico. Tal categoria é utilizada por Oren
Yiftachel (2006) ao se referir à limpeza étnica que os israelenses têm
promovido contra os palestinos entre os séculos XX e XXI.
4

O recente caso de Charlottesville, nos Estados Unidos, colocou em


evidência as lutas simbólicas e ideológicas entre diferentes grupos de apoio ou
aversão ao racismo, culminando em práticas de violência extrema que
ganharam espaço na mídia mundial. Este episódio é um exemplo de demanda
social do presente que pode ser utilizada dentro de uma concepção didática da
história, relacionando o passado e o presente, a fim de que o aluno possa
melhor compreender a realidade vivida. Para aprofundamento
ver www.bbc.com/portuguese/internacional-40910927, acessado em
19/08/2017.

110
diante de olhos cerrados à reflexão histórica, cairão por terra os
princípios de humanidade que ainda têm nos sustentado.

Portanto, o espaço escolar não pode ficar aquém de tais


discussões. É preciso repensar os processos de ensino e de
aprendizagem não como meios absolutos, mas como uma possibilidade
plausível de formação cidadã através da apropriação, discussão,
reflexão sobre os acontecimentos de nosso próprio tempo. O ensino de
história, em particular, apresenta-se como esse caminho onde alunos e
professores, sujeitos sociais que são, devem ter a capacidade de
conhecer o passado reconhecendo seus ecos no mundo vivido. Não
cairemos aqui no clichê de que esta é a melhor forma de garantir um
futuro bom para todos, mas acreditamos que seja a maneira mais eficaz
de despertar escolhas conscientes.

Diante deste cenário, surgem alguns questionamentos


importantes para a composição do trabalho proposto. De que maneira,
o campo do ensino de história tem se apropriado dos acontecimentos do
presente para explicar os conteúdos didáticos tradicionais? Que relação
tem se estabelecido entre o saber histórico acadêmico e o saber histórico
escolar? Os livros didáticos de história permanecem presos em
conteúdos consagrados ou tem avançado em suas relações com o
presente?

Buscaremos discutir tais questões não no sentido de darmos


soluções prontas e acabadas, mas sim de despertar inquietações que
permitam um olhar mais atento ao ensino de história, especialmente a
partir dos livros didáticos. Em relação ao nazismo, enquanto conteúdo
curricular escolhido para análise, poderia ser substituído por muitos
outros que também são vistos apenas como “coisas do passado”, mas
entendemos que, numa visão global, suas ideias ainda se apresentam
vivas no tempo presente e ganham cada vez mais espaço, inclusive na
própria escola, talvez pela ignorância do seu real significado.

111
É de fundamental importância, portanto, o diálogo com a
bibliografia especializada, destacando-se, no campo do ensino de
história, as ideias de presentismo, de Henry Rousso (2016); função
social do livro didático, de Luís Reznik (2004); e consciência histórica,
de Jörn Rüsen (2006). No que diz respeito ao nazismo, a fundamentação
se dá a partir de Hannah Arendt (2012) e Daniel J. Goldhagen (1997).
Estes estudiosos, associados a outros que aparecerão ao longo do
trabalho, foram escolhidos por adotarem pressupostos que se opõem ora
a um ensino tradicional, ora a uma visão meramente política e
economicista do totalitarismo.

Combatendo o negacionismo: o nazismo enquanto tema do


tempo presente

Os acontecimentos ocorridos na história da humanidade na


primeira metade do século XX, em particular as duas grandes guerras,
são, talvez, os maiores símbolos do que Eric Hobsbawm (1994)
denominou como a “era das catástrofes”. Associam-se a tais conflitos,
crises de caráter econômico e político, mas também a dominação
nacionalista de poderosos países sobre nações inteiras, muitas vezes
com um embasamento ideológico racista. Portanto, reduzir as
explicações de tantas tragédias como consequências diretas e exclusivas
de crises de ordem político-econômica parece-nos simplista. Sendo
assim, preferimos dialogar com uma literatura revisionista, que não abre
mão dos aspectos culturais no sentido de se compreender as influências
que determinados acontecimentos, como o nazismo e o holocausto,
incitam no tempo presente, contribuindo para reflexões pontuais sobre
o ensino de história.

Enquanto categoria de análise, a história do tempo presente


justifica-se como primordial a um ensino crítico e reflexivo por seu
caráter inovador quanto aos atributos dados às distintas temporalidades.

112
Segundo François Hartog (1996), o fim da Segunda Guerra Mundial
mudou a concepção de tempo do homem que, se antes tinha no futuro
o que chama de “utopias revolucionárias”, passou a ver o mundo pelo
imediatismo do presente, onde as incertezas do vir a ser anulariam suas
esperanças de mudar a sociedade.

A insegurança no futuro que atingiu os homens que


participaram diretamente da guerra, ganhou força quando se tornaram
manifestas as práticas genocidas do totalitarismo alemão, mas também,
ainda que em menor grau, as do stalinismo soviético que, associados à
fragilidade das democracias liberais, passaram a ser vistos, todos eles,
com um olhar de descrença enquanto regimes que garantissem um
futuro digno às sociedades. Nesta conjuntura arenosa, a história e os
homens precisavam provar que não estavam mortos.

Entre as décadas de 1950 e 1970, começou a se desenvolver


uma nova abordagem histórica, onde o passado deixava de ser
consagrado e absoluto para ser explicado aos olhos do tempo vivido, a
fim de que o homem pudesse compreender seu próprio tempo para,
assim, ter pelo menos a possibilidade de mudança. Estamos falando da
Zeitgeschichte ou história do tempo presente, que, segundo Henry
Rousso (2016), trata-se de uma "junção de temporalidades", pois se dá
em um contexto em que o historiador se interessa por um tempo em que
ele próprio está inserido e, simultaneamente, no qual o passado não está
acabado nem encerrado. Ainda de acordo com o autor, a história não
deve ser a ciência da celebração dos mortos, mas aquela onde, ao se
exumar o passado, consiga-se gerir problemas adaptados ao tempo
presente, fazendo da própria história um campo de ação pública.

Queremos, por ora, fazer um parêntese para responder a um


possível questionamento no que diz respeito à escolha do nazismo
enquanto conteúdo de análise nos livros didáticos a partir da
conceituação de história do tempo presente supracitada. À primeira

113
vista pode parecer contraditório, já que não está havendo relação direta
do tema em si com o tempo vivido, pois o nazismo enquanto política de
Estado, chegara ao fim em 1945 juntamente com a guerra. No entanto,
o que estamos aqui considerando são as abordagens do tema nos livros
didáticos de história produzidos recentemente no Brasil associadas à
necessidade de se repensá-las a partir da propagação de ideias nazistas
que, ressalvadas as especificidades de nosso tempo, possuem um
embasamento teórico nos próprios preceitos de Adolf Hitler.

Portanto, é na perspectiva relacional entre distintas


temporalidades que se torna possível trabalhar um ensino reflexivo
onde o saber histórico escolar e o acadêmico passam a se complementar
dialogicamente. As experiências sociais do presente, que se dão
também no espaço escolar, devem ser encaradas como os locais de
produção de questionamentos para se entender o passado.
D’Alessio e Capelato (2004), chamam a atenção para a
atualidade do nazismo enquanto tema a ser debatido a partir de um
exercício de memória, pois,

As experiências nazifascistas que ocorreram no


mundo a partir do entreguerras (1918-1939)
marcaram o século XX. Os crimes então
cometidos contra a humanidade jamais poderão
ser esquecidos, sobretudo em contextos de crise
internacional e de atuação de movimentos
radicais extremistas. No mundo atual, o
desrespeito aos direitos humanos e às diferenças,
a descrença na razão e o crescimento da xenofobia
nos levam a indagar se a “barbárie nazista”, que
tanta perplexidade causou nas gerações do pós-
guerra, já foi esquecida (D’ALESSIO;
CAPELATO, 2004, p. 9. Grifo nosso)

114
Ainda segundo as autoras, a reatualização de quaisquer temas,
do ponto de vista histórico, faz parte do ofício do historiador. Por outro
lado, essa relação com as questões do presente se baseia na memória
coletiva, o que faz com que o historiador se comprometa com uma
história que é de todos, especialmente com fatos que envolvam a
intolerância, a fim de que não caiam no esquecimento. Essas
proposições são importantes na atualidade, quando ainda nos
deparamos com a negação da existência do holocausto ou de que os
campos de concentração garantiam uma vida digna aos judeus e a outras
minorias. Mas, a rememoração do já ocorrido, não deve querer sair do
esquecimento resumindo-se à lembrança, como se o passado fosse algo
acabado e incontestável. Outra vez recorremos às ideias roussonianas
que enfatizam a utilidade do presentismo a partir de uma distinção
conceitual do contemporâneo, pois este parece ser marcado no tempo
por catástrofes cronologicamente definidas, como 1945, enquanto a
abordagem do tempo presente tem uma dimensão maior, pois não
começa no fato em si, mas no significado que a catástrofe emprega em
suas vítimas.
Ressaltamos, então, que o ensino de história, caso o queiramos
dentro de uma reflexão crítica, deve se pautar na história do tempo
presente, e esta, por sua vez, pode buscar maior legitimação no próprio
espaço escolar. Desta maneira, ao se complementarem numa via de mão
dupla, os conteúdos estudados passarão a ter maior significado,
atingindo a definição rüseniana, posteriormente comentada, de
consciência histórica.

Nazismo e ensino de história: o livro didático em questão

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) estendeu sua


avaliação aos materiais editorados no Brasil, para o Ensino Médio, a
partir de 2007. O objetivo era alcançar a universalização do livro

115
didático no ensino básico do país, seja como instrumento empregado
nos processos de ensino e de aprendizagem, seja como recurso de
formação continuada ao professor. No Guia dos Livros Didáticos de
História para o ano de 2015, é sintomática a avaliação que levou em
conta certas demandas sociais, tais como as questões afro-brasileiras e
os usos de fontes históricas, além da utilização de novas abordagens
historiográficas, como a própria história do tempo presente.

Os avanços nos livros didáticos brasileiros são, portanto,


incontestáveis, e frutos de mudanças graduais que englobam desde
necessidades sociais específicas e atuais até o corpo editoral, tal como
nos chama atenção Kazumi Munakata (2012) ao lembrar que a
produção de material didático não é algo neutro, pois todos que
trabalham em sua produção são sujeitos sociais com valores próprios.
Alain Choppin (2004), chama a atenção para a função que o livro
didático pode exercer em seus usos e, para isso, considera aspectos
como as condições socioculturais de sua produção, sendo assim, temos:

I. Função referencial: que privilegia o livro didático enquanto


instrumento de ensino enfatizando-se apenas seus conteúdos;

II. Função instrumental: caracterizada por uma metodologia


pautada na memorização e fixação dos conteúdos a partir das
atividades propostas;

III. Função ideológica e cultural: marcada por um processo de


ensino sistemático e até aculturador, onde valores como o
nacionalismo são evidentes;

IV. Função documental: cuja ênfase se dá na formação crítica e na


autonomia do aluno.

116
Importante é considerar esta classificação nas análises sobre a
produção didática, pois revela não apenas permanências e mudanças,
mas possibilidades dos usos de suas narrativas. A proposta deste
trabalho não é um julgamento maniqueísta dos livros didáticos, mas
justamente propor reflexões sobre seus usos visando à formação da
consciência histórica do aluno. Por isso, o que nos interessa não são as
mudanças, mas certas permanências, especialmente no que diz respeito
ao nazismo enquanto conteúdo curricular. Tais permanências, que
devem ser superadas, estão diretamente ligadas à relação entre o saber
histórico acadêmico e o saber histórico escolar, refletindo na produção
e nos usos feitos dos livros didáticos em sala de aula, o que exige uma
discussão sobre a didática da história.
A reflexão sobre a didática da história proposta por Klaus
Bergmann (1985), incide sobre a relação entre o que se pesquisa, isto é,
o objeto, e as práticas sociais. Neste sentido, o ensino de história (ou
didática da história, como ele mesmo define), deve ser encarado como
um campo científico, cujo objetivo é contribuir para a formação crítica
do aluno, ressaltando o significado do que se aprende para a práxis
social. A didática da história, assim, deve buscar a superação do
conceito de verdade absoluta delimitada em um dado contexto espaço-
temporal. Novos olhares sobre o objeto pesquisado e ensinado se fazem
necessários, sempre levando em conta as necessidades da vida prática.

Uma mudança de abordagem no campo da didática da história


requer, antes de tudo, o reconhecimento de sua importância no meio
acadêmico, pois o ensino de história se dá tanto pelo saber histórico
erudito quanto pelo saber histórico escolar, estendendo-se à educação
informal. Reduzir o ensino à mera transposição didática, outrossim,
seria negar o espaço vivido e, por conseguinte, a própria autonomia de
alunos e professores, que devem assumir-se como pesquisadores e não
meros reprodutores de conhecimento.

117
Segundo Monteiro (2007), a transposição didática deve ser
substituída pelo que chama de “interpelação didática”. Pois, enquanto
aquela legitima a produção acadêmica como absolutamente apropriada
sem possibilidade de contestação, esta última surge como uma
alternativa para um ensino que reconhece o universo escolar como
produtor de conhecimento capaz de influenciar, até mesmo, as
demandas de pesquisas acadêmicas.

A verticalização do conhecimento que fundamenta o ensino


tradicional deve ser substituída por uma abordagem onde a
possibilidade de construção do saber se estenda a todos os envolvidos
no processo de sua constituição, deixando de ser exclusividade de um
seleto meio científico. A legitimidade do que se produz na academia
ocorre, muitas vezes em sala de aula, espaço que torna pública as
produções científicas, mas é fato, também, que estas produções são,
muitas vezes, demandadas no seio da própria escola ou em outros
espaços sociais, o que exige uma relação horizontal de mútua
legitimação entre os saberes históricos acadêmico e escolar.

Dentro desta conjuntura que os livros didáticos de história


despontam como nosso objeto de estudo, pois sua dimensão e alcance
na educação básica brasileira, precisam ser diuturnamente repensados,
deixando de ser, ainda como querem alguns, meros repositórios de
conteúdos produzidos na academia sem quaisquer possibilidades de
novas leituras, sendo instrumentos limitados à reprodução do saber.
Luís Reznik (2004), chama a atenção para os aspectos
tradicionais ainda vistos nas obras didáticas brasileiras, em pleno século
XXI, ao dizer que, enquanto recurso pedagógico ele,
Ainda não se livrou de sua sina de ser o guardião
da memória nacional, mesmo com toda a profusão
de textos, escritos visuais, de divulgação histórica
através da mídia. [O livro didático] sempre se
pretendeu o repositório de uma narrativa, que

118
deve ser sistemática, acerca dos feitos do “nosso
povo”, “nossa terra”, “nossa gente”; isto é, atribui-
se a tarefa de ser um dos principais lugares da
memória sobre o passado brasileiro, formador da
identidade nacional dos pequenos seres que serão
cidadãos brasileiros (REZNIK, 2004, p. 340).

Já apontamos aqui os avanços na elaboração dos materiais


didáticos de acordo com o PNLD, logo, não queremos dizer que as
ideias de Reznik sejam uma negação aos livros didáticos brasileiros.
Sua crítica reside no fato de que ele, o livro didático, ainda tem sido
utilizado como repositório de uma história oficial, onde a memória está
sendo selecionada por determinados grupos, excluindo do processo, ou
pelo menos reduzindo, a participação da sociedade em geral, aquilo que
Choppin (2004) chamou de “função ideológica”. Isto é o que vem
limitando certas abordagens nas produções didáticas oficiais, mas não
todas, impedindo interpretações outras, especialmente em conteúdos
classificados como de História Geral, tal qual o nazismo.
São importantes, ainda, para o escopo deste trabalho as ideias
do alemão Jörn Rüsen (2006), uma vez que nos ajudam a compreender
a utilidade do saber histórico escolar a partir da problematização de
determinados conteúdos ensinados, em particular os selecionados para
composição das obras didáticas, e tidos como incontestáveis. Segundo
suas análises, o conceito tradicional da didática da história é equivocado
por se resumir a uma mediação entre a produção acadêmica e o
aprendizado histórico escolar. É neste sentido que a história passa a ter
utilidade para a vida prática, tal como ele próprio nos afirma: “a história
como uma matéria a ser ensinada e aprendida tem de passar por um
exame didático referente à sua aplicabilidade de orientar para a vida”
(RÜSEN, 2006, p. 14).
Se a história deriva da vida prática buscando atender as
demandas do presente, ela é capaz de despertar no indivíduo um grau
de consciência que o faz refletir sobre si e os outros no tempo. Este é o

119
viés que entendemos como primordial para uma (re)leitura do nazismo
nos livros didáticos de história brasileiros, pois a falta de relação do
nacional-socialismo alemão com a vida prática enquanto conteúdo a ser
debatido em sala de aula, o desconhecimento real das atrocidades do
holocausto ou seu negacionismo, que culminam no apoio e na apologia
ao discurso hitlerista, podem ser apontados como elementos de
permanência dessa ideologia até os dias de hoje, com as devidas
ressalvas do tempo presente.5 Em outras palavras, problematizar o
nazismo nos livros didáticos é uma maneira de despertar a consciência
histórica dos alunos com o objetivo moral e ético de superar um
aprendizado equivocado e as divergências entre os homens.

Nazismo pesquisado e nazismo ensinado: possibilidades de


interseções

Partindo de estudos acadêmicos sobre a questão nazista, tal


como os de Hannah Arendt (2012), é possível perceber que sua
conceituação sobre totalitarismo, definido enquanto regime ímpar sem
precedentes na história e que ficou restrito às sociedades alemã e
soviética, não é problematizado nos próprios livros didáticos em geral.
Desta maneira, há uma simplificação conceitual que confunde regimes
totalitários com regimes autoritários. Essa falta de distinção, em nosso
ponto de vista, acaba por influenciar o aprendizado do aluno que, não
entendendo as características próprias de cada regime, reproduz

A discussão do nazismo e do holocausto tem ganhado força enquanto


objeto de estudo do tempo presente também na Alemanha como uma forma de
não silenciar a memória. Esta perspectiva neorrevisionista do passado
pretende, ao menos, aliviar os danos morais causados pela catástrofe, tal como
discutido por Temístocles Cezar (2004).

120
discursos como o de que o fascismo italiano ou o salazarismo
português, também eles, foram de caráter totalitário.
Um exemplo prático, à título de ilustração, é o livro de Gilberto
Cotrim (2016), cuja análise sobre o totalitarismo começa
caracterizando-o como um regime unipartidarista pautado em uma
ideologia oficial e assegurado por uma polícia de Estado, sendo que seu
sustentáculo reside na propaganda e no intervencionismo econômico.
Embora tudo isso faça parte do corpus do totalitarismo, há pouca ênfase
em seu distintivo maior: o racismo seguido da política sistematizada de
extermínio em massa. O antissemitismo é apontado como parte da
doutrina nazista, sem, contudo, ser caracterizado como política de
Estado. Nem mesmo o termo “holocausto” é utilizado pelo autor.
Chegamos, então, a outro ponto fundamental: o de saber se os
livros didáticos estão discutindo a questão do antissemitismo em uma
abordagem temporal que facilite a compreensão de seu surgimento,
bem como suas influências no tempo presente, ou se apenas o
apresentam de forma superficial delimitando-o como uma “criação
nazista”. Braick e Mota (2016), na obra didática História - Das
Cavernas ao Terceiro Milênio, tratam do tema de forma bastante
peculiar. Sem utilizar o termo “antissemitismo”, preferindo
“perseguição aos judeus”, associam o fato somente à ascensão de Hitler
ao poder chegando à catarse no período da Segunda Guerra Mundial
com a “solução final”, tal como neste trecho,

Com a ascensão de Hitler ao poder, as


comunidades judaicas da Alemanha – e
posteriormente dos países invadidos – foram
segregadas em guetos, onde viviam em condições
precárias, forçadas a trabalhar para o Reich
alemão e sob constante vigilância policial. Nesses
locais era comum a falta de alimento, energia
elétrica e água, assim como a proliferação de
doenças, como a tuberculose e a febre tifoide
(BRAICK; MOTA, 2016, p. 83).

121
Portanto, o que temos é mais uma descrição do que ocorria nos
guetos, sem uma discussão dos fatores histórico-culturais do
antissemitismo, então apresentado como algo peculiar àquele período.
Muito menos há qualquer referência à disponibilidade do povo alemão
em participar voluntariamente com o regime, o que confirmaria a tese
de que as pessoas comuns simplesmente sofriam uma lavagem cerebral
e que apenas cumpriam ordem. Daniel J. Goldhagen (1997), em seus
estudos sobre os perpetradores de Hitler, busca a superação de uma
visão simplista a partir da hipótese de que eles sabiam o que estavam
fazendo, mas o autor vai além, buscando investigar se o faziam
acreditando que os judeus merecessem tal tratamento, e em caso
positivo, por qual razão e, mais ainda, por que não se negaram a fazê-
lo.
Se à primeira vista esta análise parece taxativa, reafirmamos
que aqui não está em questão apontar erros e acertos dos livros didáticos
em primazia às pesquisas acadêmicas, pois estaríamos entrando em
contradição ao nosso objetivo maior: mostrar a possibilidade dialógica
entre distintas formas de saber histórico. Estamos constatando, nos
exemplos dados, a distância ainda existente entre a produção científica
e as demandas escolares, o que se reflete em algumas abordagens nos
livros didáticos brasileiros que, se não problematizados, jamais serão
exímios instrumentos que contribuam às necessidades práticas do
mundo vivido.
Portanto, a complexidade dos estudos acadêmicos pode e deve
ser adaptada aos livros didáticos e, para isso, reafirmamos a importância
do tempo presente. Não podemos subestimar os alunos finalistas da
educação básica (e aqui ponderamos que nosso campo de ação são os
livros didáticos do Ensino Médio) como incapazes de compreendê-las.
Uma nova narrativa pode ser construída visando a apropriação das
produções científicas ao campo do ensino de história a partir de
demandas sociais do presente, o que facilita a arguição do aluno.
A narrativa destes autores, assim como a de outros textos
didáticos, deixa de lado fontes importantes que poderiam ajudar o aluno

122
a melhor compreender os fatos e a refletir sobre eles, a fim de estudar o
nazismo não como um mero regime político, mas também como um
movimento cultural e ideológico. Um exemplo é a própria fala de Hitler
ao dizer que “o futuro do movimento depende do fanatismo, mesmo da
intolerância, com a qual seus adeptos o defendem como a única causa
justa e defendem-na em oposição a quaisquer outros esquemas de
caráter semelhante” (HITLER, 2016, p. 257).
Esta posição do principal líder do movimento é reveladora por
exceder explicações de cunho meramente econômico, ou seja, aquelas
que reduzem o nazismo como consequência da crise de 1929. A
ideologia, quando apontada nos livros didáticos, resume-se a seus
aspectos político-econômicos, não sendo associada à formação cultural
do povo alemão. Daí a importância da teoria de Louis Dupeux (1992),
outra importante pesquisa acadêmica a ser refletida didaticamente, uma
vez que investiga o nazismo pela perspectiva de aceitação da maior
parte do povo alemão e que, portanto, não se concretizou pelas ações de
um único homem.
Assim, o estudo do nazismo como conteúdo curricular deve ser
enfrentado como essencial num mundo em que a intolerância tem se
feito presente de diferentes maneiras e, mais precisamente, no mundo
ocidental, onde ainda se fazem ouvir as vozes dos seguidores de Hitler
que, inclusive, negam a própria existência do holocausto. Uma nova
leitura do movimento do Reich permitirá uma reflexão maior, por parte
do aluno, sobre determinadas práticas sociais do presente, em que o
racismo tem se manifestado tanto em políticas de Estado como em
ações isoladas de grupos neonazistas, ganhando cada vez mais força.
Somente com uma proposta de ensino reflexivo, poderemos formar
sujeitos conscientes do seu tempo aptos a fazer suas escolhas com o
mínimo embasamento histórico.

123
Conclusão

O presente trabalho, inconcluso por natureza, é fruto de leituras


preliminares de uma pesquisa de pós-graduação. Seu caráter incide
sobre a tentativa de aproximar diferentes formas de saberes históricos,
em particular o acadêmico e o escolar, cujo objeto de análise são os
livros didáticos de história para o Ensino Médio aprovados pelo PNLD.
Tendo como recorte temático principal o totalitarismo alemão,
sua contribuição reside no fato de que, fazendo novas leituras e
construindo novas narrativas sobre este conteúdo, possamos construir
um ensino reflexivo que possibilite a formação ética dos alunos, onde
os valores humanos despontem como finalidade de sua vida prática
cotidiana. Compartilhamos da ideia de Carol Colffield Lopez (2016),
que em sua dissertação de mestrado sobre o Holocausto nos livros
didáticos, chama a atenção para o fato de a educação ser a única arma
contra um retrocesso histórico, afirmando que,

Nada impede que voltemos à barbárie, exceto nós


mesmos. Novos cenários históricos se
estabelecem, novos fantasmas aparecem, novos
embates e desafios surgem. Além disso, novas
gerações nascem e as lições do passado recaem
também sobre elas em um exercício permanente
de memória e também de esquecimento (...).
Poderão surgir novos demagogos ou ideólogos
puxando o coro do retrocesso. A educação, nesse
sentido, é a única arma (LOPEZ, 2016, p. 11).

A escola, neste contexto, não pode ser vista como, apenas e


exclusivamente, uma receptora do conhecimento científico, mas
também como produtora, já que os próprios alunos levam ao espaço
escolar suas experiências culturais, dinamizando o saber. E já que este
saber se constrói também no espaço escolar, há que se questionar os
usos do livro didático dando possibilidades para que o estudante o

124
indague, não tendo no saber acadêmico, também este inacabado, uma
verdade absoluta.
As leituras realizadas no campo do ensino de história e da
historiografia sobre o nazismo, diante das demandas do tempo presente,
permitem-nos afirmar que a problematização do tema nos livros
didáticos não é apenas possível, mas também necessária, já que a
ausência de significação do que é ensinado e aprendido em sala de aula
– e as obras didáticas despontam, após o professor, ou até mesmo antes
dele, como repositórios da verdade – pode comprometer a visão crítico-
reflexiva do aluno, reduzindo a história a uma narrativa impossível de
ser contestada e modificada.
Essa falta de reflexão e da relação do que se estabelece
enquanto objeto de ensino com as demandas individuais e sociais do
tempo vivido, compromete a formação da consciência histórica na
escola e, por conseguinte, reflete na forma como o aluno vai se inserir
sociedade, tal como nos disse Rüsen. Neste sentido, o papel do
professor torna-se fundamental para dirimir o fosso existente entre
saber escolar e saber acadêmico. Usando de sua autonomia, o professor
pode e deve selecionar novos conteúdos a serem ensinados, optando
sobre o que é importante a discutir em sala dentro de um contexto capaz
de construir diferentes narrativas. Portanto, o que está posto nas
produções didáticas deve dialogar com outras fontes a fim de tornar
possível a compreensão dos usos sociais da história, tal como nos
afirma o professor Durval Muniz Albuquerque Junior ao dizer que,

A história tem (...) um papel a exercer nesse


mundo onde a alteridade, a multiplicidade e a
diversidade social e cultural exigem um preparo
subjetivo para a convivência com o diferente, sem
o que temos e teremos crescentes manifestações
de intolerância, xenofobia, até mesmo a
revivência de discursos eugenistas e
segregacionistas, além de práticas de agressão,
violência e extermínio. Saber aceitar e a conviver

125
com a diferença, aceitar a opinião e o ponto de
vista diferente como tendo direito à existência,
representar a formação de subjetividades mais
bem preparadas para a convivência democrática
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 33).

O ensino de história surge como um processo de construção


cultural pautado na moral e na ética, devendo estar comprometido com
o contexto social no qual os estudantes estão inseridos, a fim de que
eles próprios possam atribuir-lhes novos sentidos. Desta maneira, o
saber escolar é capaz de problematizar o saber acadêmico e o aluno
deixa de ser um mero receptor para se tornar um ativo sujeito histórico
apto a questionar e a transformar sua realidade, não aceitando como
verdade absoluta aquilo que lhe é ensinado em sala de aula ou o que
está transposto nos livros didáticos de história como elementos
consagradores de um passado.
Em questões de ensino de história, portanto, não podemos
prescindir das ideias que levam à negação do conceito de transposição
didática, ou recairemos constantemente numa narrativa descritiva onde
a pesquisa escolar seja reduzida à leitura factual da realidade.
Apontamos, à título de exemplificação, algumas leituras sobre o
nazismo em obras didáticas aprovadas recentemente pelo PNLD e
percebemos o quanto elas ainda se distanciam das produções
acadêmicas.
Contra este distanciamento que nos opomos, a fim de que não
façamos de nossos alunos seres imparciais ou juízes meramente
emotivos da história que julgam as pessoas por seus méritos ou
deméritos. É preciso, como nos propõe Jean-Clément Martin (2012),
compreender as personagens em seu tempo.

126
Referências

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Fazer defeitos nas


memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In:
GONÇALVES, Márcia de Almeida et al (Orgs.). Qual o valor da
história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo,


imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

BERGMANN, Klaus. A História na Reflexão Didática. Revista


Brasileira de História. São Paulo, v. 9, n. 19, set. 1989/fev. 1990. pp.
29-42.

CEZAR, Temístocles. Tempo presente e usos do passado. In:


VARELLA, Flávia et al (Orgs.). Tempo presente e usos do passado.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre


um campo de pesquisa. Teoria da Educação. Porto Alegre, n. 2, 1990,
pp. 177-229.

CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o


estado da arte. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.30, n.3, set./dez.
2004. pp. 549-566.

COTRIM, Gilberto. História Global. São Paulo: Saraiva, 2016.

D’ALESSIO, Márcia Mansor; CAPELATO, Maria Helena. Nazismo:


política, cultura e holocausto. São Paulo: Atual, 2004.

127
DUPEUX, Louis. História Cultural da Alemanha (1919-1960). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira,1992.
GOLDHAGEN, Daniel Jonah. Os carrascos voluntários de Hitler: o
povo alemão e o holocausto. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Guia de Livros Didáticos: PNLD 2015: História: Ensino Médio.
Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Básica, 2014.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presenteísmo e


experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

HITLER, Adolf. Minha Luta (Mein Kampf). Edição comemorativa. São


Paulo: Centauro, 2016.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Estremos. São Paulo: Companhia das


Letras, 1994.

LOPEZ, Carol Colffield. O Holocausto como tema nos livros didáticos


brasileiros: realidades e alternativas. São Paulo, 2016. 270 p.
Dissertação (Mestrado). Departamento de Letras Orientais.
Universidade de São Paulo.

MARTIN, Jean-Clément. Nouvelle Histoire de la Révolution


Française. Paris: Perrin. Coll. Pour l’Histoire, 2012.

MONTEIRO, Ana Maria. Professores de História: entre saberes e


práticas. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.

MUNAKATA, Kazumi. O livro didático: alguns temas de pesquisa.


Revista Brasileira de História da Educação. Campinas-SP, v. 12, n. 3
(30), set./dez. 2012, pp. 179-197.

REZNIK, Luís. A construção da memória no ensino de História. In:


FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula (Orgs.). 1964-2004 – 40 anos do
Golpe: Ditadura Militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 2004.

128
ROUSSO, Henry. A Última Catástrofe: a história, o presente, o
contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV, 2016.

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a


partir do caso alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa-PR, v. 1, n. 2,
jul.-dez./2006. pp. 07-16.

YIFTACHEL, Oren. Etnocracy: land and identity politics in


Israel/Palestine. Philadelphia University of Pennsylvania Press, 2006.

129
130
A HISTÓRIA DA AMAZÔNIA E OS LIVROS DIDÁTICOS DO
ENSINO MÉDIO

William Fonseca Freire1

Introdução

Este artigo tem como objetivo demonstrar dados preliminares


de uma pesquisa desenvolvida a partir do projeto intitulado: Entre o
silêncio e a marginalidade – a História da Amazônia nos livros didáticos
do Ensino Médio. Ao apresentar uma análise sobre esse recurso didático
que vem ocupando um espaço considerável nas pesquisas sobre o
Ensino de História, procuramos estabelecer um diálogo entre a História
Cultural e a chamada Didática da História.
Essa breve análise está estruturada da seguinte maneira:
apresentaremos inicialmente uma reflexão teórico-metodológica sobre
as principais balizas norteadoras do uso do livro didático como fonte e
objeto de pesquisa, realizando também um balanço historiográfico para
situar as principais pesquisas na área e as considerações acerca dos
referenciais metodológicos envolvidos nesta operação; em seguida os
procedimentos metodológicos para aplicação da referida pesquisa no
espaço escolar.
Nesse sentido, “Não nos é dado supor que partimos de um
‘ponto zero’, decretando a morte cívica de todo um elenco de pessoas

Licenciado e Bacharel em História pela UFPA (2008). Especialista


em Gestão Escolar pela Faculdade Pan-Americana (2015), e Política da
Igualdade Racial na Escola pela UFPA (2015). Atualmente é aluno do
Mestrado Profissional de História – UFPA e atua como Professor de História
na Secretaria Estadual de Educação do Pará – SEDUC, lotado na Escola
Estadual de Ensino Médio Desembargador Augusto Olímpio, localizado no
município de Nova Timboteua-PA.

131
que, em diversas gerações, e à luz delas, se voltaram a este ou aquele
objeto que porventura nos interessa atualmente” (MALERBA, 2002, p.
36). Esse exercício é chamado pelo historiador de caráter auto reflexivo
da operação historiográfica, por isso, toda representação produzida pelo
conhecimento histórico também é uma espécie de ação memorial.
Seguindo essa perspectiva, cabe mencionar primeiramente o
interesse do pesquisador pelo livro didático e posteriormente localizar
e relacionar a ação-experiência, docência- pesquisa com essa miríade
de outros estudos que se interessaram pela temática e seus pressupostos
teórico-metodológicos.
Essa relação entre o sujeito e o objeto da pesquisa marcou a
identidade pessoal e profissional do pesquisador, por mais que a
subjetividade deva ser controlada pela objetividade (RICOUER, 2007),
a mesma não deixa de interferir nas escolhas e recortes que o historiador
precisa fazer para produzir sua análise principalmente quando
pensamos no binômio professor/pesquisador. Essa questão identitária
do profissional da educação precisa ser levada em consideração, pois:
“entendemos que uma identidade profissional se constrói a partir da
significação social da profissão, da revisão constante dos significados
sociais da profissão, da revisão das tradições.” (PIMENTA, 2006, p.
12).
Assim, recordo-me que parte dos meus interesses em História
se deu no contexto de maior difusão do livro didático nas escolas nos
anos 90, ainda nos tempos de aluno da educação básica. Ao cursar
história no início da década seguinte comecei a perceber a diferença
entre a historiografia e a literatura didática, na época era comum a
crítica feita pelos professores universitários ao material didático
escolar, imbuídos pela necessidade de atualizar o conhecimento
histórico escolar – baseando-se na concepção de transposição didática,2

Entende-se por transposição didática – uma concepção de ensino de


História que representava a vulgarização do saber histórico produzido nas

132
alguns chegavam a ser mais radicais ao defender a necessidade de
eliminar aquele recurso marcado por deficiências, lacunas variadas,
desvios historiográficos e dominação ideológica.
Ao sair das montanhas da academia para os vales da sala de
aula, percebi que o livro didático ainda era um material importante e já
com amplo uso nas escolas públicas de nível médio a partir do
Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) de 2008, que garantiu a
distribuição de coleções para o último nível da educação básica para
disciplinas como História, Geografia e Química. A primeira,
geralmente em volume único de abordagem integrada, aliando história
do Brasil com de outros lugares.
Essas experiências concretas vivenciadas no espaço escolar me
levaram aos estudos de um dos recursos didáticos mais utilizados, o
livro didático, que é um dos recursos centrais nas aulas de história,
embora saibamos que não é o único a interferir na formação da
consciência histórica dos alunos. Essa abordagem representa dentro da
pesquisa no Ensino de História em termos quantitativos, um número
elevado de trabalhos acadêmicos.3 A seguir faremos uma análise desse
movimento crescente no campo empírico em questão e seus vínculos
com uma historiografia ligada ao campo cultural.

academias para o contexto escolar primário sendo criticado por historiadores


que passaram a conceber a necessidade de uma Didática da história para
maiores detalhes (BERGMANN, 1989/1990 p.29-42).
3

“O livro didático tem sido um dos temas mais estudados no cenário


da pesquisa educacional brasileira. Em estudo recente realizado, tomando
como fonte o Banco de Teses da Capes, verificou-se que no período de 1998 a
2007 foram postadas 65 dissertações tratando especificamente do livro didático
de História” (CAIMI, 2010. p. 101).

133
O livro didático de História – uma abordagem da História Cultural

O interesse pelo livro didático é amplo, dado ainda a sua


centralidade no ensino de história, assim: “todos os especialistas estão
de acordo que o livro didático é a ferramenta mais importante no ensino
de história. Por isso, este recebe ampla atenção inclusive daqueles que
se interessam pelo ensino de história na escola e pelo seu significado
para cultura política”. (RÜSEN, 2011, p. 109).
Considerando esse aspecto, percebemos uma quantidade
significativa de pesquisas desenvolvidas no âmbito do ensino de
história que focalizaram o livro didático como centro de seus estudos.
Inicialmente percebe-se nos anos 70-80 uma proliferação de estudos
sobre livros didáticos dentro de um prisma no qual denominamos de
denuncismo ideológico. Para muitos pesquisadores o material didático
estava determinado pelas imposições da classe dominante burguesa que
controlava a indústria cultural e as instâncias políticas, impondo seu
consumo no espaço escolar com uma literatura na maioria das vezes
distante da pesquisa acadêmica.
Esse crescimento de pesquisas na área do Ensino de História,
tendo como centro de análise o livro didático, cresceu principalmente a
partir dos anos 90 do século XX, o mesmo destaca o pioneirismo da
tese de doutorado da historiadora Circe Bittencourt, que inaugurou um
novo paradigma de análises desse material didático, salientando outros
vieses para além do texto em si, uma vez que o ensino de história não
se reduz ao texto escrito (MUNAKATA, 2012).
Desta forma, apontou-se para outras questões como: o processo
de produção, os atores envolvidos, as clivagens entre as pretensões dos
autores e os ditames do mercado editorial, a sua difusão pelo território
nacional, a política da escolha dos livros didáticos até seus usos tanto
por professores quanto alunos, estes últimos começaram a serem
visualizados enquanto sujeitos históricos ativos na dinamicidade da

134
apropriação do material no espaço escolar e não mais apenas como
meros receptáculos passivos como nas análises anteriores.
Para esta análise e as que seguiram neste paradigma nos anos
seguintes foi fundamental o diálogo com as reflexões teóricas de
historiadores vinculados a chamada Nova história cultural (vertente
francesa) ou da história do livro e da leitura, que discutiram amplamente
sobre o lugar social da leitura, do texto, da produção historiográfica,
bem como das apropriações a partir do universo simbólico cultural dos
leitores e os usos do mesmo para dar sentido ao lugar social dos sujeitos
históricos. Essa tradição também teve outras vinculações para além do
campo historiográfico, tais como: A sociologia tributária dos estudos de
Pierre Bourdieu e das novas teorias do currículo escolar de matriz
anglo-saxônica ao pensar a escola enquanto produtora de uma cultura
própria com seus ritos, símbolos e práticas sociais.
Uma noção que ganhou muita visibilidade neste processo foi o
de representação e imaginário (termos elaborados no campo da
psicologia) que penetrou as ciências sociais principalmente a sociologia
e a história; de certa forma influenciou e continua influenciando os
estudos sobre livro didáticos nas duas últimas décadas.
Inicialmente a pesquisa mencionada no início desse texto
pretendia abordar as representações amazônicas nos livros didáticos de
História do Ensino Médio, seguindo essa vertente de análise, porém,
esse termo está mais para uma noção e não conceito, pois, carece de
uma reflexão aprofundada e ainda não se tornou uma denominação
polissêmica como cultura, símbolo ou ideologia (BARROS, 2013). Não
vamos adentrar muito nessa questão, mas é pertinente frisar enquanto
crítica “conceitual”, uma vez que vinculamos esse estudo ao campo da
História Cultural.
Nesse sentido, para abordar esse campo historiográfico que
envolve a maioria dos estudos sobre o uso do livro didático como objeto
e/ou fonte de pesquisa, vamos apontar as principais balizas, conforme
definições apresentadas, a História Cultural se divide em algumas
abordagens tais como: tradição francesa (Nova História Cultural),

135
Escola Inglesa e a polifônica cultural (BARROS, 2013). Observaremos
a seguir as duas primeiras, por considerarmos pertinentes para essa
análise.
Essa tradição dos estudos culturais se tornou bastante comum
principalmente a partir dos anos 60-70 com a chamada virada cultural,
alguns fazendo crítica aos modelos racionais anterior, marcado pelo
determinismo seja liberal-positivista ou marxista ortodoxo, passando a
ressignificar o conceito de cultura advogando como um campo
autônomo dentro da estrutura social.
Nesse ponto é que nos referimos a noção de representação, na
matriz francesa da Nova História cultural: a ideia de uma representação
social foi pensada como crítica a noção de mentalidade surgida no bojo
do grupo dos Annales, por considerarem um termo estático e amplo
demais para dar conta da complexidade dos fenômenos culturais; a
noção ganhou força junto com a ideia de apropriação e práticas sociais.
Nessa concepção podemos definir um livro enquanto:

(...) objeto cultural bem conhecido do nosso tipo


de sociedade. Para sua produção, são
movimentadas determinadas práticas culturais e
também representações, sem contar que o próprio
livro, depois de produzido, irá difundir novas
representações e contribuir para a produção de
novas práticas. (BARROS, 2013, p.80).

Os críticos da ideia de representação – apropriação – práticas


sociais, encontram-se, sobretudo na tradição britânica que revisaram o
conceito de cultura dando um novo sentido menos estático e
determinista, defendem que a representação não é desvinculada do
mundo material, por isso advogam uma história social da cultura
baseada nas experiências humanas analisadas nas evidências, ou seja,
nas fontes históricas. Essa relação entre representação, discurso e
narrativa como pré-existente ou desvinculada do mundo social
simplifica e empobrece a operação historiográfica. Assim:

136
Não há dúvida de que a historiografia é uma
representação do passado. Há como sustentar
uma divergência, contudo, quanto à suposta
desvinculação dessa representação de seu
referente histórico. Tendo a concordar com
Reinhardt Koselleck quando afirma, ao pensar a
relação entre representação, acerca de até que
ponto a Historie narra quando descreve, apontam,
no âmbito do conhecimento, para diferentes
tramas temporais do movimento histórico. O
descobrimento de que uma “história” está desde
sempre já pré-formada, eu diria “prefigurada”,
extra-linguisticamente “não apenas limita o
potencial de representação, como também
reclama do historiador estudos objetivos de
existência das fontes (MALERBA, 2002, p. 42).

Dessa forma, pretendemos verificar quais os caminhos no


processo de construção da história regional, pensando a Amazônia
enquanto um discurso apresentado em livros didáticos, e de que maneira
tais noções dialogam ou não com as concepções da história da região
amazônica apresentada pelos alunos, ou seja, nossa análise parte da
realidade desses estudantes e dos mecanismos utilizados para a
produção e difusão de um dos materiais didáticos centrais no Ensino de
História.
Assim, é partindo da experiência desses sujeitos reais que
poderemos construir uma representação historiográfica, e não
simplesmente definir representações como se elas já existissem
separadas do fazer humano de uma dada realidade social.
Ao proceder com esta crítica a certa tradição que influenciou
os estudos sobre o livro didático, não significa abandoná-la
completamente e não reconhecer sua importância, mas apontando suas
fragilidades conceituais, poderemos enriquecer a historiografia do

137
Ensino de História, ou apresentar outros olhares sobre as linguagens e
narrativas empregadas nesse campo investigativo.
A seguir, abordaremos outros elementos importantes para a
pesquisa mencionada no início do texto, que ajudaram nos pressupostos
teórico-metodológicos do projeto, tais como: o conceito de consciência
histórica e sua relação com a chamada Didática da História, o papel do
livro didático nesse contexto e a questão regional silenciada ou não,
neste material didático em suas narrativas sobre História do Brasil.

Consciência Histórica e Didática da História: Interfaces entre o


Ensino de História, o livro didático e a questão regional.

O estudo perpassa pela chamada Didática da História,


compreendendo-a não apenas como tradicionalmente foi pensada: os
caminhos para transformar historiadores em professores da educação
básica, ou seja, tornando a escada que faz descer os filhos de Clio
pesquisadores do monte olimpo acadêmico para determinar o
conhecimento histórico do mundo efêmero de pupilos mortais na sala
de aula, porém, o exercício necessário para dar sentido ao saber
histórico no mundo contemporâneo.
Contrariando a visão tradicional da didática, os autores
mencionados acima ratificam e advogam a necessidade de pensar uma
didática da história enquanto tarefa empírica, ou seja, objeto de
investigação que aproxima teoria da história, processos de ensino-
aprendizagem e formação da consciência histórica dos diferentes
sujeitos históricos envolvidos em tais questões, mediados por
linguagens que ultrapassam os muros delimitados da disciplina história,
fechados entre as quatro paredes de uma sala de aula.
Analisar o papel do livro didático enquanto mediador na
aprendizagem em história e da formação da identidade dos alunos é um
dos principais déficits nas pesquisas sobre este material didático em

138
diferentes países (RÜSEN, 2011, p.110). Por isso, além de analisar as
recentes coleções didáticas aprovadas no PNLD 2015-2018,
entrevistaremos alunos do terceiro ano do Ensino Médio para saber
como os tais estudantes utilizam o livro didático e o que pensam sobre
a forma como é abordada a história regional, e enfim procurar mapear
as diferentes consciências históricas desses jovens e o papel que o livro
didático exerce nesse processo, com ênfase na aprendizagem histórica.
Um ponto que devemos salientar é a pressão exercida pelo
Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, ao definir temas para o
eixo cognitivo – Ciências Humanas e suas tecnologias no qual se
vincula o conhecimento histórico, de caráter mais abrangente sem se
ater as especificidades histórico-geográficas do país, acabou se
firmando como a principal forma de acesso ao nível superior. A
Amazônia aparece dentro dessa abordagem muito ligada ao campo da
natureza ou dos aspectos econômicos.
Essa visão economicista da região Amazônica, que transparece
nos documentos oficiais norteadores do Ensino de História, está
relacionada com certa produção historiográfica que continua a
influenciar a forma de produzir materiais didáticos, pois existe toda uma
pressão no processo de produção do livro didático que envolve os
agentes do Estado enquanto política pública, os movimentos sociais que
pressionam pelo direito de memória. Essa historiografia tradicional que
interfere na construção das narrativas didáticas presente nos manuais
aprovados no PNLD, entende a região como um traço distintivo de uma
nacionalidade (leia-se aos processos históricos forjados no centro-sul),
construídos pela intelectualidade das primeiras décadas do século XX,
entendendo a Amazônia como um espaço de produção econômica sem
identifica-la enquanto produto dos diversos sujeitos históricos
(BITTENCOURT, 2008).
A questão regional e construção da nacionalidade também são
discutidas pelo historiador Durval Muniz Albuquerque Júnior, o
historiador adverte da necessidade de problematizar o regional
enquanto um produto histórico, produzido nas relações sociais e nas

139
tensões provocadas por homens e mulheres no tempo e no espaço,
sendo este último produto social e não algo externo aos sujeitos que
interferem no seu “universo regionalizado”, não apenas natural
(ALBUQUERQUE JR. 2011. p. 36-37).
Por isso, é necessário verificar se esta história regional é
problematizada e não apenas desdobramento de uma História do Brasil,
se ela se faz presente nos livros didáticos e na prática de ensino dos
alunos inseridos em um recorte da realidade amazônica, não apenas
constatando a ausência, mas buscando entender os motivos dela,
partindo, sobretudo, dos temas apresentados nos materiais, bem como
do contexto no qual foram produzidos, entendendo a produção e difusão
do livro didático como um processo complexo que envolve diferentes
indivíduos para além dos autores.
Na próxima seção, apresentaremos uma possibilidade de
intervenção pedagógica pensando o objeto de estudo (análise de livros
didáticos) com o contexto social dos alunos mencionados na pesquisa.

Pensando nos métodos de ensinar: o construto pedagógico da


pesquisa

Quando se pensa nas aulas de história, tradicionalmente


percebemos certa resistência dado ao seu caráter expositivo, com
excesso de textos escritos e com informações sem nexos para a vida dos
estudantes. Por isso, entendendo a aula enquanto uma ação dinâmica
que requer pensar na forma como encaramos o conhecimento histórico
e na forma como ele dialoga com a realidade dos alunos: “... se não
existe lugar para ação nas aulas de História, o aluno também não
atribuirá significado ao conhecimento histórico, na medida em que, pela
ação, atribuímos significado às coisas” (MEINERZ, 2012, p.28).
Uma dessas ações que nos referimos anteriormente diz respeito
ao ouvir os alunos para além de uma questão auditiva como adverte

140
também o educador Paulo Freire (1996), é necessário envolve-los tanto
no ensino quanto na pesquisa.
Considerando essas premissas como já mencionamos, um dos
objetivos deste estudo é perceber como o livro didático interfere nessa
atribuição de significado para o mundo fornecido pelo estudante, como
esse aluno constrói suas representações sobre a história da Amazônia
partindo da sua própria realidade, percebendo-o enquanto sujeito
histórico e não simplesmente um ser que se adapta a normatização da
escola e do saber.
Esse posicionamento se faz necessário ao repensar o papel do
saber histórico na educação básica, que perpassa pelo livro didático, não
se encerra apenas no seu texto propriamente dito, mas na dinâmica das
tensões do mundo social, nas formas de uso desses conhecimentos que
precisa ser repensado no seu fazer-se e para além do seu cariz
disciplinar, como aponta:

“Em consequência, trata-se de enfatizar que o


conhecimento histórico deve ser orientado no
sentido de indagar a relação dos sujeitos com
seus objetos de conhecimento, provocando seu
posicionamento, questionando as formas de
existência humana e promovendo a redefinição
de posicionamento dos sujeitos no mundo em
que vivem. A partir disso, é preciso considerar
que a produção do saber histórico evidencia-se
como instrumento de leitura do mundo e não
mera disciplina” (KNAUSS, 2012, p. 31;32).

A ideia de pensar o ensino de história como instrumento de


leitura de mundo coaduna-se com o conceito de Didática da História
que pensa na simbiose entre ensino, pesquisa historiográfica e
aprendizagem histórica como sentido para a vida social. Por isso, o livro
didático, bem como outros recursos e linguagens utilizadas no ensino
de História deve pensar e repensar essa relação.

141
A partir desse pensamento, retomo uma experiência
significativa que pretendemos refazer para efeitos dessa pesquisa: no
ano de 2014 durante a escolha da coleção do livro didático para a Escola
Estadual de Ensino Médio Desembargador Augusto Olímpio, realizei
uma pequena oficina apresentando para os alunos um tema do conteúdo
escolar procurando identificar com os estudantes como essa temática
era abordada nas diferentes coleções apresentadas na escola.
A atividade serviu como um dos parâmetros para definir a
escolha da coleção, considerando a visão dos alunos sobre o material.
Assim, para o PNLD 2018 foi retomado esse procedimento
metodológico com ênfase na História da Amazônia, procurando
perceber a forma como alunos e alunas se posicionam diante desta
questão. A partir dos seus questionamentos iremos propor a produção
de um e-book, com uma coletânea de textos didáticos buscando
possíveis articulações entre os temas abrangentes do ENEM com as
especificidades da historiografia amazônica, seguindo uma abordagem
relacional, problematizada e percebendo a historicidade da região
amazônica.

Conclusão

Ao longo deste artigo apresentamos o esboço de um projeto de


pesquisa em Ensino de História que pretende investigar as narrativas e
linguagens dos livros didáticos do nível médio, bem como dos
processos de difusão do mesmo no espaço escolar, considerando a
maneira como a História regional interfere ou não nesse caminho.
Utilizar o livro didático como objeto ou fonte na operação
historiográfica nos levou a uma aproximação metodológica com o
campo da História Cultural. O livro apresenta-se como um objeto
cultural e sua produção, difusão e consumo é abordado em diferentes
perspectivas.
No caso da especificidade desse objeto cultural, temos que nos
atentar para sua materialidade, suas funções e usos, bem como dos

142
textos e imagens que o mesmo dispõe e percebê-lo enquanto natureza
polifônica sujeita a inúmeras intervenções, desde o autor até aquele que
o utiliza, sabendo-se que não é o único a influenciar a consciência
histórica de alunos e professores, porém, em muitas realidades ainda
desempenha um papel central na prática de ensino de História das
escolas brasileiras.
Perceber a forma como o livro didático dialoga com as outras
linguagens no processo de formação de consciências históricas, bem
como da aprendizagem histórica é um caminho inovador na pesquisa,
pois, como apontamos. ainda são poucas as pesquisas que pretendem
observar esse recurso didático com ênfase na aprendizagem e no sentido
que é dado ao conhecimento histórico, neste caso, como tais coleções
influenciam na formação das identidades de jovens que vivem em um
contexto amazônico.

Referências

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e


outras artes. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BARBOZA, Edson Holanda Lima. A Invenção da Amazônia:


migrações, luta pela terra e conexões étnico-culturais, Ceará e
Amazônia- 1870-1915 Disponível em < http://anais.anpuh.org/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1178.pdf > Acesso em 04 de
julho de 2017.

BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especificidades e


abordagens. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

BERGMANN, Klaus. “A História na Reflexão Didática”. Revista


Brasileira de História. São Paulo, v.9, n.19, p.29-42, set
1989/fev.1990.

143
BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Livro didático e conhecimento
histórico: uma história do saber escolar. Tese (Doutorado em História
Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP,
1993.

_______________________________. Ensino de História:


fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez.2008.
CAIMI, Flávia. Escolhas e usos do livro didático de História: o que
dizem os professores. In.: Vera Lúcia Maciel [ et al.]. Ensino de
História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST:
EXCLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010.

CHOPPIN, Alain. Los manuales escolares de ayer ahoy: um ejemplo de


Francia. História de La Educación, Madrid, nº 19, 2000, pp 13-37.

DANTAS, Hélio da Costa. Colonização e civilização na Amazônia:


escrita da História e construção do Regional na obra de Arthur Reis
(1931-1966). Dissertação (Mestrado em História). Manaus: UFAM,
2011.

FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia. 2ª ed. São Paulo: Paz e


Terra, 1996

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e óbvio: a sala de aula como lugar de


pesquisa. In: NIKITIUK, Sônia L. Repensando o Ensino de História. 8ª
ed. São Paulo: Cortez, 2012.

MALERBA, Jurandir. Em busca de um conceito de historiografia:


elemento para uma discussão. In: Varia História, v.18, n.27, Belo
Horizonte, jul. – 2002. Disponível em: <
https://static1.squarespace.com/static/561937b1e4b0ae8c3b97a702/t/5
72b56274c2f8564c383424d/1462457896568/02_Malerba%2C+Jurand
ir.pdf >

144
MARTINS, Marcos Lobato. “História Regional”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Novos Temas nas aulas de História. 2ª ed. São Paulo:
Contexto, 2010.

MEINERZ, Carla Beatriz. História viva: a história que cada aluno


constrói. Porto Alegre: Mediação, 2012.

MUNAKATA, Kazumi. O livro didático: alguns temas e pesquisa.


Revista Brasileira de História e Educação. Campinas-SP, v. 12, n.3,
set/dez 2012. pp. 179-197.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor – pesquisador: mitos e


possibilidades. Contrapontos. v.5. – n.1 – Jan/abr.2005, Itajaí.

RICOUER, PAUL. A memória, a história, o esquecimento – trad.


François, Alain (et.al.). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.

RICCI, Magda. “Os primeiros livros didáticos republicanos de História


do Pará: O patriotismo e a construção da memória”. In: HENRIQUE,
Márcio Couto (org.). Diálogos entre História e Educação. Belém:
Editora: Açaí, 2014.

RÜSEN, Jorn. Didática da História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora;


BARCA, Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs). Jörn Rüsen e o
ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.

____________. Experiência, interpretação e orientação: As três


dimensões da aprendizagem histórica. In: SCHMIDT, Maria
Auxiliadora; BARCA, Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs).
Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.

____________. O livro didático ideal. In.: SCHMIDT, Maria


Auxiliadora; BARCA, Isabel; Martins, Estevão de Rezende (Orgs).
Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.

145
146
SUPERANDO O FARDO: HAYDEN WHITE E O ENSINO DE
HISTÓRIA

Helison Geraldo Ferreira Cavalcante1

Principais ideias de Hayden White:

Dotado de grande erudição, e de um estilo narrativo


assumidamente irônico, Hayden White apresenta uma produção vasta e
polêmica, em que se dedica ao estudo da teoria da história e da produção
historiográfica, sobretudo a do século XIX. Podemos enquadrar White
no contexto da linguistic turn, movimento filosófico do século XX, que
defende o ponto de vista de que os problemas filosóficos podem ser
resolvidos, ou dissolvidos, pela reforma da linguagem, ou por uma
melhor compreensão da linguagem que usamos no presente (RORTY,
1998, p. 50). Este movimento, que teve como alguns de seus expoentes
Richard Rorty, Ludwig Wittgenstein e Gustav Bergmann, influenciou
diversos pensadores contemporâneos, como Munslow, que acredita que
epistemologicamente a história pode ser definida como um processo de
produção de base linguística no qual a interpretação histórica escrita é
organizada e criada pelos historiadores (MUNSLOW, 2009, p. 15).
Geertz também investiu na análise de sua disciplina, a
Antropologia, enquanto texto escrito. Para ele, a Antropologia é uma
espécie de escrita, um colocar as coisas no papel, é algo que tem
ocorrido aos que se empenham em produzi-la, consumi-la, ou ambas,

Graduado em História, pela Universidade Federal do Pará (2006),


especialista em Economia solidária na Amazônia, pela Universidade Federal
do Pará (2009), e mestrando em Ensino de História, pela Universidade Federal
do Pará.

147
mas seu exame como tal tem sido impedido por diversas considerações,
sendo uma delas a de que este exame é, por muitos, considerado
antiantropológico, pois existe a crença de que o que o etnógrafo
propriamente dito deve fazer, propriamente, é ir a lugares, voltar de lá
com informações sobre como as pessoas vivem e tornar essas
informações disponíveis à comunidade especializada, de uma forma
prática, em vez de ficar vadiando em bibliotecas, refletindo sobre
questões literárias (GEERTZ, 2009, p. 11). Outra objeção, para Geertz,
provêm, sobretudo dos consumidores, e é a de que os textos da
Antropologia não são dignos dessa atenção esmerada, pois os bons
textos dessa ciência, segundo a visão de alguns desses consumidores,
devem ser simples e despretensiosos, sem um convite a uma minuciosa
leitura literocrítica (GEERTZ, 2009, p. 12). Mas Geertz acredita que a
objeção mais vigorosa, que é bastante generalizada na vida intelectual
dos últimos tempos, seja a de que concentrar nosso olhar nas maneiras
como são enunciadas as afirmações de um saber solapa nossa
capacidade de levar a sério qualquer dessas afirmações (GEERTZ,
2009, p. 12). Então, Geertz, em sua análise, parte da premissa de que
existe a importância do texto antropológico enquanto escrita, e que, o
lugar óbvio para se iniciar esse engajamento é a questão do que vem a
ser um ‘autor’ na antropologia, pois, por mais que em outros campos do
discurso o autor esteja morrendo, na Antropologia ele, para Geertz,
ainda está vivíssimo (GEERTZ, 2009, p. 18).
Como podemos notar, a questão da importância da escrita na
produção científica no campo das ciências humanas é crucial, e neste
aspecto, dentro da historiografia, poucos autores se empenharam tanto
quanto Hayden White. Os ensaios dele sempre despertaram grandes
repercussões entre historiadores, filósofos e críticos literários, que ao se
depararem com a obra de White, acabam por sentir a necessidade de
repensar os fundamentos e a epistemologia de suas disciplinas.
Historiadores, em especial, se sentem impelidos a discutirem sobre os
escritos de White e a lhe imporem respostas, negações e
questionamentos. Nesse sentido, um dos temas mais debatidos por

148
White é a crença de que há um problema que nem os filósofos nem os
historiadores costumam encarar com a devida seriedade e ao qual os
teóricos da literatura não concederam a merecida atenção, tratando-se
da questão relativa ao status da narrativa histórica, que ele considera
exclusivamente como um artefato verbal que pretende ser um modelo
de estruturas e processos há muito decorridos e, portanto, não-sujeitos
a controles experimentais ou observacionais (WHITE, 2014, p. 98).
Assim, para este autor, o trabalho histórico seria uma estrutura verbal
na forma de um discurso narrativo em prosa, que combinaria uma certa
quantidade de dados, a conceitos teóricos, usados para explicar esses
dados, e a uma estrutura narrativa, que os apresenta como um ícone de
conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos em tempos passados
(WHITE, 2008, p. 11). Para Hayden White, existe uma relutância em
considerar as narrativas históricas como aquilo que elas manifestamente
são, de acordo com ele, ficções verbais, cujos conteúdos são tanto
inventados quanto descobertos e cujas formas têm mais em comum com
os seus equivalentes na literatura do que com os seus correspondentes
nas ciências (WHITE, 2014, p. 98).
Para White, o conhecimento é construído através de tropos
prefigurativos e de processos tropológicos. Assim, seguindo os quatro
principais tipos de tropo (metáfora, metonímia, sinédoque, ironia) que
funcionam como fundamentação para toda interpretação histórica, estão
os quatro tipos de explanação em três agrupamentos, ou seja, quatro
enquadramentos (romântico, trágico, cômico, sátira) associados com os
quatro tipos de argumento (formista, mecanicista, organicista,
contextualista) e quatro posições ideológicas, a anarquista, o
radicalismo, o conservadorismo e o liberalismo (ASSIS & CRUZ,
2010, p. 115).
Hayden White sabe que essas afirmações provocam
inquietações em diversos grupos de intelectuais, e ele admite que os
eventos históricos diferem dos eventos ficcionais, pois os historiadores
ocupam-se de eventos que podem ser atribuídos a situações específicas
de tempo e espaço, eventos que são, ou foram, em princípio observáveis

149
ou perceptíveis, ao passo que os escritores imaginativos – poetas,
romancistas, dramaturgos – se ocupam tanto desses tipos de eventos
quanto dos imaginados, hipotéticos ou inventados, mas, para White, o
que deveria interessar é o grau em que o discurso do historiador e o do
escritor imaginativo se sobrepõem, se assemelham ou se correspondem
mutuamente, pois ele acredita que, embora os historiadores e os
escritores de ficção possam interessar-se por tipos diferentes de
eventos, tanto as formas dos seus respectivos discursos como os seus
objetivos na escrita são os mesmos, assim como as técnicas ou
estratégias de que ambos se valem na composição dos seus discursos
(WHITE, 2014, p. 137).
Nesse sentido, Hayden White esclarece que, antes da
Revolução Francesa, a historiografia era considerada
convencionalmente uma arte literária, tida como um ramo da retórica,
com sua natureza ‘fictícia’ geralmente reconhecida, sendo que havia
uma distinção entre o estudo da história e a escrita da história, sendo
que a escrita era um exercício literário, especificamente retórico, e o
produto desse exercício devia ser avaliado, tanto segundo princípios
literários, quanto científicos, pois nesta época acreditava-se que a
oposição básica se dava muito mais entre ‘verdade’ e ‘erro’ que entre
fato e fantasia, depreendendo-se daí que existia a crença de que muitos
tipos de verdade, mesmo na história, só poderiam ser apresentados ao
leitor por meio de técnicas ficcionais de representação. Assim, tanto
quanto a razão, a imaginação devia estar implícita em qualquer
representação adequada da verdade; e isto significava que as técnicas
de criar ficção eram tão necessárias à composição de um discurso
histórico quanto o seria a erudição (WHITE, 2014, p. 139).
Entretanto, para Hayden White, no começo do século XIX,
tornou-se convencional, pelo menos entre os historiadores, identificar a
verdade com o fato e considerar a ficção o oposto da verdade, portanto,
um obstáculo ao entendimento da realidade e não um meio de apreendê-
la. Desse modo,

150
A história passou a ser contraposta à ficção, e
sobretudo ao romance, como a representação do
‘real’ em contaste com a representação do
‘possível’ ou apenas do ‘imaginável’. E assim
nasceu o sonho de um discurso histórico que
consistisse tão-somente nas afirmações
factualmente exatas sobre um domínio de eventos
que eram (ou foram) observáveis em princípio,
cujo arranjo na ordem de sua ocorrência original
lhes permitisse determinar com clareza o seu
verdadeiro sentido ou significação (WHITE,
2014, p. 139).

A obra de White vai além de identificar e interpretar as


principais formas de consciência histórica na Europa oitocentista, pois
um dos intuitos fundamentais dele é o de estabelecer os elementos
inconfundivelmente poéticos presentes na historiografia e na filosofia
da história em qualquer época que tenham sido postos em prática. Nesse
sentido, ele observa que com frequência dizem que a história é uma
mescla de ciência e arte. White reconhece que recentes filósofos
analíticos tenham conseguido aclarar até que ponto é possível
considerar a história como uma modalidade de ciência, mas afirma que
pouquíssima atenção tem sido dada aos componentes artísticos da
história. Segundo ele, através da exposição do solo linguístico em que
se constituiu uma determinada ideia da história é possível estabelecer a
natureza inelutavelmente poética do trabalho histórico e especificar o
elemento prefigurativo num relato histórico por meio do qual seus
conceitos teóricos podem ser tacitamente sancionados (WHITE, 2008,
p. 13). Para este autor, a exigência de cientificização da história
representa apenas a declaração de uma preferência por uma modalidade
específica de conceptualização histórica, cujas bases são ou morais ou
estéticas, mas cuja justificação epistemológica ainda está por
estabelecer e, assim sendo, ele acredita que a história deve ser vista

151
como uma forma de atividade intelectual que é ao mesmo tempo
poética, científica, e filosófica em suas preocupações (WHITE, 2008,
p. 14-15).
Ainda discutindo o caráter artístico da história, Hayden White
compara literatura e história, afirmando que a segunda, tal qual a
primeira, se desenvolve por meio da produção de clássicos, cuja
natureza não pode ser invalidada nem negada, a exemplo dos principais
esquemas conceituais das ciências. E é, segundo ele, esse caráter de
não-invalidação que atesta a natureza essencialmente literária dos
clássicos históricos em cujas obras-primas existe algo que não pode ser
negado, e esse elemento não-negável é a sua forma, a forma que é a sua
ficção (WHITE, 2014, p. 106).
Hayden White acredita que as situações históricas são narradas
de acordo com a sutileza do historiador, que deve harmonizar a situação
específica de enredo com o conjunto de acontecimentos históricos aos
quais ele busca conferir um sentido particular, sendo que esta operação
é, essencialmente, literária e criadora de ficção. Apesar disso, a
narrativa histórica não deve ser depreciada enquanto fornecedora de um
tipo de conhecimento (WHITE, 2014, p. 102). Para que seu valor
diminuísse, segundo ele, deveríamos acreditar ser verdadeira a ideia de
que a literatura não tem nada para ensinar acerca da realidade, por conta
de ela ter sido o produto de uma imaginação (WHITE, 2014, p. 115).
Além disso, vista de um modo puramente formal, uma narrativa
histórica é não só uma reprodução dos acontecimentos nela relatados,
mas também um complexo de símbolos que nos fornece direções para
encontrar um ícone da estrutura desses acontecimentos nessa tradição
literária (WHITE, 2014, p. 105).
Enfatizando as semelhanças entre escrita histórica e escrita
ficcional, White acredita que os acontecimentos são convertidos em
estória pela supressão ou subordinação de alguns deles e pelo realce de
outros, por caracterização, repetição do motivo, variação do tom e do
ponto de vista, tudo isso consistindo em técnicas que normalmente se
espera encontrar na urdidura do enredo de um romance ou de uma peça

152
(WHITE, 2014, p. 100). Ele ressalta que a maioria das sequências
históricas pode ser contada de inúmeras maneiras diferentes,
fornecendo interpretações diferentes daqueles eventos e a dotá-los de
sentidos diferentes (WHITE, 2014, p. 101).
Nesse ponto, chegamos a outro tema basilar na obra de White,
que é a questão da interpretação na história. Segundo ele, os teóricos da
historiografia geralmente concordam em que todas as narrativas
históricas contém um elemento de interpretação irredutível e
inexpungível, pois o registro histórico é ao mesmo tempo compacto
demais e difuso demais e, em virtude disso, o historiador deve
interpretar a sua matéria a fim de construir o padrão em que irá produzir
as imagens em que deve refletir-se a forma do processo histórico
(WHITE, 2014, p. 65). Sendo assim, o historiador precisa ‘interpretar’
o seu material, preenchendo sempre diversas lacunas que existem nas
informações, a partir de inferências ou de especulações, pois, de um
lado, sempre existem mais fatos registrados do que o historiador pode
talvez incluir na sua representação narrativa de um dado segmento do
processo histórico; de outro lado, no empenho de reconstruir ‘o que
aconteceu’ num dado período da história, o historiador deve
inevitavelmente incluir em sua narrativa um relato de algum
acontecimento ou conjunto de acontecimentos que carecem dos fatos
que poderiam permitir uma explicação plausível de sua ocorrência
(WHITE, 2014, p. 65). Nesse cenário, White (2014, p. 65) define que:

Uma narrativa histórica é, assim, forçosamente


uma mistura de eventos explicados adequada e
inadequadamente, uma congérie de fatos
estabelecidos e inferidos, e ao mesmo tempo uma
representação que é uma interpretação e uma
interpretação que é tomada por uma explicação de
todo o processo refletido na narrativa.

153
Discutindo o tema da interpretação na história, White retoma a
questão da cientificidade da história, afirmando que filósofos
contemporâneos a ele tenderam a diminuir a importância do elemento
interpretativo nas narrativas históricas, pois costumavam trabalhar com
a convicção de que as instituições poéticas e científicas são mais
diferentes do que semelhantes, e, na busca por recuperar a reivindicação
de um status científico por parte da história, desprestigiavam a
interpretação, com a suposição de que ela não é conhecimento, mas
apenas opinião, e na crença de que o que não é objetivo num sentido
científico não é digno de ser conhecido (WHITE, 2014, p. 69).
Hayden White acredita então que, na história, bem como nas
demais ciências humanas, toda representação do passado tem
implicações ideológicas especificáveis e que, portanto, é possível
discernir pelo menos quatro tipos de interpretação histórica que tem
suas origens em tipos diferentes de comprometimento ideológico,
sendo elas a idiográfica, a contextualista, a organicista e a mecanicista
(WHITE, 2014, p. 88). Desse modo, a interpretação entra na
historiografia pelo menos de três maneiras: esteticamente, na escolha
de uma estratégia narrativa; epistemologicamente, na escolha de um
paradigma explicativo; e eticamente, na escolha de uma estratégia pela
qual as implicações ideológicas de uma dada representação possam ser
deduzidas para a compreensão de problemas sociais do presente
(WHITE, 2014, p. 89). Assim, o papel da interpretação na história é tão
decisivo que define até mesmo as diferenças entre escolas de
historiografia conflitantes, sendo que elas podem ser caracterizadas
pelas preferências que dão a uma ou a outra combinação de estratégias
interpretativas (WHITE, 2014, p. 90).
Um dos temas mais polêmicos estudados por Hayden White,
que se entrecruza com todas as discussões que fizemos até agora, é a
questão do fardo da história. Nesse sentido, Márquez afirma que em
um ensaio com este nome, White apresenta um balanço geral do modo
hostil como a história disciplina é vista pela comunidade intelectual de
um modo geral dos fins do século XIX até os meados dos anos 60

154
(MARQUEZ, 2008, p. 14). Esse fardo se deve a um ressentimento que,
segundo Hayden White, é motivado pelo que parece ser a má fé do
historiador em reivindicar os privilégios tanto do artista quanto do
cientista, ao mesmo tempo em que recusa submeter-se aos modelos
críticos que atualmente vão sendo estabelecidos na arte ou na ciência
(WHITE, 2014, p. 40). White salienta acreditar que é bem possível que
a tarefa mais difícil que a geração de historiadores da época dele possuiu
foi a de realizar a exposição de que a disciplina histórica possuía um
caráter historicamente condicionado, mas também presidir à dissolução
da reivindicação de autonomia que a história mantém com respeito às
demais disciplinas, e, além disso, promover a assimilação da história a
um tipo superior de investigação intelectual que, por estar fundada
numa percepção mais das semelhanças entre a arte e a ciência que das
suas diferenças, não pode ser adequadamente assinada nem por uma
nem por outra (WHITE, 2014, p. 52).
À ideia do fardo da história, White acrescenta a de fardo do
historiador, que, segundo ele, é restabelecer a dignidade dos estudos
históricos numa base que os coloque em harmonia com os objetivos e
propósitos da comunidade intelectual como um todo, ou seja,
transforme os estudos históricos de modo a permitir que o historiador
participe positivamente da tarefa de libertar o presente do fardo da
história (WHITE, 2014, p. 53). Para resolver essas questões, White
(2014, p. 53) acredita que:

Antes de mais nada, os historiadores precisam


admitir a justificativa da revolta atual contra o
passado. O homem ocidental contemporâneo tem
bons motivos para estar obcecado pela
consciência da singularidade dos seus problemas
e está justificadamente convencido de que o
registro histórico, tal como é feito atualmente,
pouca ajuda oferece na busca de soluções
adequadas para aqueles problemas. Para quem

155
quer que seja sensível à diferença radical do nosso
presente relativamente a todas as situações
passadas, o estudo do passado “como um fim em
si” só pode afigurar-se uma forma de
obstrucionismo insensato, uma oposição
intencional à tentativa de entrar em contato com o
mundo atual em toda a sua estranheza e mistério.
No mundo em que vivemos diariamente, quem
quer que estude o passado como um fim em si
deve parecer ou um antiquário, que foge dos
problemas do presente para consagrar-se a um
passado puramente pessoal, ou uma espécie de
necrófilo cultural, isto é, alguém que encontra nos
mortos e moribundos um valor que jamais pode
encontrar nos vivos. O historiador contemporâneo
precisa estabelecer o valor do estudo do passado,
não como um fim em si, mas como um meio de
fornecer perspectivas sobre o presente que
contribuam para a solução dos problemas
peculiares ao nosso tempo.

Desse modo, Hayden White acredita que, em resumo, o


historiador pode reivindicar o direito de ser uma voz no diálogo cultural
contemporâneo, mas para tal deve considerar seriamente o tipo de
pergunta que a arte e a ciência da sua própria época o obrigam a fazer
quanto à história (WHITE, 2014, p. 54), que, assim, deve sensibilizar
os homens para os elementos dinâmicos contidos no presente, ensinar a
inevitabilidade da mudança, e ajudar a libertar esse presente do passado,
sem revolta, nem ressentimento (WHITE, 2014, p. 62).
Nesse sentido, os historiadores que dão crédito à suposição de
que a história é uma combinação de arte e ciência, devem reportar-se
ao problema da escolha de um estilo artístico entre os muitos oferecidos
pelo legado literário com que o historiador trabalha (WHITE, 2014, p.

156
58). É aí que estão os meios para atingir a meta de solução do fardo da
história, que consistem no que Marquez chama de desafio literário de
Hayden White, no campo dos estudos históricos, e que reconhece ser
como inalcançável, bem como prejudicial à capacidade de constituição
do sentido histórico, a pretendida objetividade “científica” voyeurista;
e recorrer a técnicas de expressão literária, simbolistas, expressionistas,
realistas, surrealistas e modernistas para proceder à inserção
revolucionária do passado na vida atual (MARQUEZ, 2008, p. 18).

Dialogando as principais ideias de Hayden White com o ensino de


História:

O ensino de história, bem como a história do ensino de história,


tem ocupado a atenção de diversos autores. Nesse sentido, Fonseca nos
adverte que é esperado que os historiadores conheçam bem a
historiografia, os pressupostos teórico-metodológicos que orientam o
seu trabalho, as técnicas de investigação, os procedimentos para o
tratamento das fontes de pesquisa e, além disso, os que lecionam
história devem também conhecer os conteúdos, as práticas pedagógicas
e os procedimentos didáticos, sendo que é desejável inclusive que eles
conheçam a fundo a história da disciplina que lecionam (FONSECA,
2003, p. 7). Para esta autora, o conceito de disciplina escolar é
fundamental, sendo este termo utilizado atualmente para definir o
conjunto de conhecimentos identificado por um título ou rubrica e
dotado de organização própria para o estudo escolar, com finalidades
específicas ao conteúdo de que trata e formas próprias para sua
apresentação (FONSECA, 2003, p. 15). Neste sentido, Chervel (1990,
p. 192) adverte que:

o ensino escolar é esta parte da disciplina que põe


em ação as finalidades impostas à escola, e
provoca aculturação conveniente. A descrição de
uma disciplina não deveria então se limitar à

157
apresentação dos conteúdos de ensino, os quais
são apenas meios utilizados para alcançar um fim.
Permanece o fato de que o estudo dos ensinos
efetivamente dispensados é a tarefa essencial do
historiador das disciplinas.

Neste cenário, enquanto disciplina escolar, no que diz respeito


à história, cabe lembrar que este é um conhecimento com uma função
social muito clara, pois seus objetivos variam desde a cristalização ou
legitimação de poderes constituídos e memórias até à crítica e à
transformação do status quo, e à formação cultural mais ampla
(MONTEIRO, 2007, p. 114). Tal como na Antiguidade, a história tem
um caráter de exemplaridade, é compreendida com um viés pedagógico,
agora acentuado, porque integra currículos de instituições de ensino,
tornando-se matéria escolar (ALBUQUERQUE JÚNIOR , 2012, p. 24).
Assim sendo, a história do ensino de História deve ser vista como um
campo complexo, que possui caminhos que se bifurcam e se
entrecortam, estando longe de se circunscreverem às formalidades dos
programas curriculares e dos livros escolares (FONSECA, 2003, p. 28).
Este tipo de perspectiva, que ressalta as várias dimensões da sociedade
e as múltiplas relações do ensino da história e de sua história, é de
fundamental importância para o desenvolvimento do ensino básico,
pois nos ajuda a superar o fardo da história. Nesse sentido, Nadai
(92/93, p. 144) nos lembra que o ensino de história vive uma conjuntura
de crise, resultante de descompassos existentes entre as múltiplas e
diferenciadas demandas sociais e a incapacidade da instituição escolar
em atendê-las ou responder a elas. Esta autora nos adverte, a exemplo
de Hayden White, que existe uma tendência de relação negativa entre a
juventude e o ensino de história, sendo que os jovens demonstram um
certo rancor contra o conhecimento pronto e acabado e a decoração
como atividade precípua de aprendizagem (NADAI, 92/93, p. 143).
Nadai (92/93, p. 152) acredita que deve ser efetivamente superado nas
escolas um modelo mental baseado em pressupostos como:

158
O conceito de história que flui dos programas e
dos currículos é, assim, basicamente aquele que a
identifica ao passado e, portanto, à realidade
vivida, negando sua qualidade de representação
do real, produzida, reelaborada, na maioria das
vezes, anos, décadas ou séculos depois do
acontecido. Essa forma de ensino, determinada
desde sua origem como disciplina escolar, foi o
espaço da história oficial na qual os únicos
agentes visíveis do movimento social eram o
Estado e as elites.

Ainda sobre a crise da História, Meinerz (2012, p. 53) acredita


que, para os alunos, essa disciplina aparece, em geral, como um passado
distante, remoto, dissociado do presente, sendo que em contraposição
ao presente, valorativamente é pior, sendo que tal quadro se deve à
ausência dos atuais métodos de investigação da história nas
experiências das escolas. Nesse cenário, a história não só terá de adotar
novos pressupostos, alterar suas regras de produção, como buscar
refazer seu prestígio social abalado, propondo-se a assumir novas
funções, a ter um novo papel na sociedade (ALBUQUERQUE JÚNIOR
, 2012, p. 26), pois, o exercício da docência não se reduz à aplicação de
modelos previamente estabelecidos, mas que, ao contrário, é construído
na prática dos sujeitos professores historicamente situados (PIMENTA,
2005, p. 11). Nesse sentido, devemos entender que o primeiro passo
para a superação dessa crise é a adoção, por parte dos historiadores, de
um método que possa romper com o positivismo e com a visão
ideológica por ele representada (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2012, p.
28). Assim, o passado, portanto, deve ser elaborado, pensado e tratado
na sua relação diferencial com o presente; ele existe nessa escavação
que se faz a partir do contemporâneo buscando a construção das
fronteiras que separam as duas temporalidades (ALBUQUERQUE
JÚNIOR , 2012, p. 30).

159
Sobre essa situação da história enquanto matéria escolar,
Albuquerque Júnior (2012, p. 31) diz que:

A história, quando se torna matéria escolar,


explicita esse papel de formadora de sujeitos, de
construtora de formas de ver, de sentir, de pensar,
de valorar, de se posicionar no mundo. Embora
tenda a ser socialmente desqualificada – porque
seria um saber desprovido de uma utilidade
imediata, mas não uma tecnologia a serviço da
fabricação de artefatos -, a história possui a
utilidade de produzir o artefato mais complexo e
mais importante da vida social: o próprio ser do
humano, a subjetividade dos homens.

Nesse sentido, Hayden White nos leva a pensar que as


narrativas históricas são mais do que modelos de acontecimentos e
processos passados, sendo também afirmações metafóricas que
sugerem uma relação de similitude entre esses acontecimentos e
processos e os tipos de estória que convencionalmente utilizamos para
conferir aos acontecimentos de nossas vidas significados culturalmente
sancionados (WHITE, 2014, p. 105). Desse modo, as narrativas
históricas conseguem dar sentido a conjuntos de acontecimentos
passados, além e acima de qualquer compreensão que forneçam,
recorrendo a supostas leis causais, mediante a exploração das
similaridades metafóricas entre os conjuntos de acontecimentos reais e
as estruturas convencionais das nossas ficções. Assim sendo, pela
própria constituição de um conjunto de eventos com vistas a criar com
eles uma estória compreensível, o historiador impõe a esses eventos o
significado simbólico de uma estrutura de enredo compreensível
(WHITE, 2014, p. 108).
Hayden White reconhece o elemento literário ou fictício de
todo relato histórico, e acredita que esse reconhecimento permite
conduzir o ensino da historiografia a um nível de autoconsciência mais

160
elevado do que o que ela ocupa nos dias de hoje (WHITE, 2014, p. 116).
Para ele, a distinção mais antiga entre ficção e história, na qual a ficção
é concebida como a representação do imaginável e a história como a
representação do verdadeiro, deve dar lugar ao reconhecimento de que
só podemos conhecer o real comparando-o ao imaginável. Ele arremata
a questão, esclarecendo, em tom interrogativo:

Que professor não lamentou a sua incapacidade de


instruir os principiantes sobre a escrita da
história? Que bacharelando em história já não
desesperou de tentar compreender e imitar o
modelo que os seus instrutores parecem louvar,
mas cujos princípios continuam inexplorados? Se
reconhecêssemos a existência de um elemento
fictício em toda narrativa histórica, haveríamos de
encontrar na própria teoria da linguagem e da
narrativa a base para a representação daquilo em
que consiste a historiografia, representação mais
sutil do que aquela que simplesmente exorta o
estudante a ir adiante ‘descobrir os fatos’,
lançando-os por escrito de modo a relatar ‘o que
realmente aconteceu’ (WHITE, 2014, p. 115).

A meu ver, a história enquanto disciplina vai mal


atualmente porque perdeu de vista as suas origens
na imaginação literária. No empenho de parecer
científica e objetiva, ela reprimiu e negou a si
própria sua maior fonte de vigor e renovação (...)
(WHITE, 2014, p. 116).

Diante dessas ideias, acreditamos que uma metodologia do


ensino de história, baseada em Hayden White, que valorize a produção
textual, sem afastar a história de seu caráter científico, mas a
aproximando ainda mais de seu viés literário, que reconhece o texto
histórico produzido pelos alunos como uma forma de conhecimento, é

161
benéfica para os estudantes, as escolas e, até mesmo, para os
professores, que são levados a repensar suas práticas, teorias, bem como
o exercício da escrita e a difusão do conhecimento, desse modo,
facilitando a superação do fardo da história, bem como da crise da
história.
Valorizar a história enquanto texto escrito apresenta
significativa importância até mesmo para alunos em privação de
liberdade, que necessitam sentir algum tipo de aplicabilidade nos
conhecimentos escolares, o que vem a ser materializado com a
produção de textos de cunho histórico, e sua posterior publicação, que
vem para contribuir, até mesmo, com a elevação da auto-estima de toda
a comunidade escolar, afinal, como nos adverte Albuquerque Júnior
(2012, p. 33-34):

A história serve para formar não apenas


subjetividades, mas para formar cidadãos,
membros da convivência pública, membros do
espaço público, preparados para viver em uma
realidade constituída pela agonística dos
interesses e opiniões divergentes. A história
fornece argumentos, informações, prepara o
indivíduo para o aparecer em público, o ser em
público, o ser em sociedade, que irá se defrontar
com a divergência.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas


memórias: Para que servem o ensino e a escrita da história? In:
GONÇALVES, Márcia de Almeida & MONTEIRO, Ana Maria &

162
REZNIK, Luíz & ROCHA, Helenice. Qual o valor da História hoje?
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

ASSIS, Gabriella Lima de & CRUZ, Marcos Silva da. Desconstruindo


a história: hayden white e a escrita da narrativa. In: Revista Mosaico,
v.3, n.1, p.111-118, jan./jun. 2010.

FONSECA, Thais de Lima e. História e ensino de História. Belo


Horizonte: Autêntica, 2003.

GEERTZ, Clifford. Obras e vidas: o antropólogo como autor. Rio de


Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

GONÇALVES, Márcia de Almeida; MONTEIRO, Ana Maria,


REZNIK, Luíz; ROCHA, Helenice. Qual o valor da História hoje?. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2012.

MARQUEZ, Rodrigo Oliveira. Teoria da História: Hayden White e


seus críticos. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília (UnB),
Brasília, 2008.

MEINERZ, Carla Beatriz. História viva: a história que cada aluno


constrói. Porto Alegre: Mediação, 2012.

MONTEIRO, Ana Maria. Professores de história: Entre saberes e


práticas. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.

MUNSLOW, Alun. Desconstruindo a História. Petrópolis: Vozes,


2009.

NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva.


In: Revista brasileira de História. São Paulo. v. 13, nº 25/26. Set.
92/ago.93.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor-pesquisador: mitos e


possibilidades. Contrapontos - volume 5 - n. 1 - p. 09-22 - Itajaí,
jan./abr. 2005.

163
RORTY, Richard. El giro linguístico. Barcelona: Paidós, 1998.
WHITE, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX.
São Paulo: Edusp, 2008.

____________. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da


cultura. São Paulo: Edusp, 2014.

164
AS ORIGENS E O ENSINO DA DISCIPLINA HISTÓRIA:
ENTRE CIENTIFICIDADE, POLÍTICAS EDUCACIONAIS,
HISTORICIDADE E ESTRUTURAS CONJUNTURAIS.

Luiz Antônio da Silva1

Desde sua configuração como área de conhecimento e sua


definição como disciplina institucional educacional, a História sempre
esteve sujeita a enfoques conotativos, definições estruturais e
delimitações funcionais variantes quanto ao período histórico em que
se encontrou inserida. Suas dimensões como veículo político, elemento
científico e instrumento construtor de uma identidade nacional
demonstram os diferentes enfoques recebidos pela mesma em
diferentes épocas e lugares, por variados pensadores, estadistas e
instituições sociais.
Devido a essas realidades diversas e, efetivamente mutáveis,
alguns questionamentos tendem a surgir quanto as origens e o ensino
da disciplina História. Tais como: quais tendências, nuances, intenções
e dimensões tendem a perfazer, formatar e consolidar essa área do
conhecimento? E, quais especificidades configuram sua existência nos
mais diversos meios, níveis e instituições de ensino?
Procurando responder a esses questionamentos e com o intuito
de entender a importância da disciplina História nos meios

Graduado em Pedagogia, com habilitação em Educação Ambiental


(2004), licenciado e Bacharel em História (2009) ambos pela Universidade
Federal do Pará – UFPA; Especialista em Metodologia do Ensino de História
pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI/SC (2012) e
Mestrando Profissional em Ensino de História (Programa Profhistória) pela
Universidade Federal do Pará – UFPA.

165
educacionais, vários autores vêm discutindo através de diversas
pesquisas e proposições teóricas o surgimento e o desenvolvimento da
mesma, como elemento de formação institucional e instrumento
formativo de destacada relevância social.
Em meio a isso, comumente surgem discussões pertinentes às
formatações assumidas pela produção do saber histórico e suas
maneiras de ensino em diferentes momentos históricos. E,
frequentemente, é evidenciada a aproximação do ensino da disciplina
História, com formulações que ultrapassam as tendências pedagógicas
emergentes no meio educacional, fazendo com que seus princípios e
objetivos formativos nem sempre sejam visualizados como únicos
vieses norteadores do ensino de História disponibilizado nos meios
universitário e escolar.
Questões de natureza política, econômica, culturais e religiosas
são, geralmente, visualizadas como tendências emergentes ou nuances
impostas e absorvidas na disciplina História quanto a sua formatação e
maneira de ensino. Tal situação, deixa entendido a existência de
influências ideológicas e metodológicas externas ao meio educacional
formal, oriundas de diferentes instituições sociais como, por exemplo,
as igrejas, os núcleos familiares, o universo midiático e o Estado. O que
vêm influenciar, direta ou indiretamente, o que deve ser ensinado e, por
conseguinte, aprendido.
Seguindo esse curso analítico e buscando apresentar a
emergência da História como disciplina escolar, Lucini (2000, p. 61-
62) propõe que a mesma “surgiu de maneira autônoma da França do
século XIX, sendo fundada e baseada por um discurso enciclopedista,
progressista, linear e eurocêntrico”. Tal afirmação, nos ajuda a entender
as origens da disciplina História como atreladas ao pensamento
positivista, prevalecente na época, e que impunha ao seu método de
pesquisa e ensino o modelo das ciências sociais, porém estando
vinculado as tendências políticas latentes do período.
Em concordância com o anteriormente apresentado, Fonseca
(2006, p. 12) focaliza e destaca o século XIX como “cenário

166
inaugurador da disciplina História por tratar-se de um momento onde
tanto a disciplina escolar História quanto o campo da investigação
histórica adquirem estatutos melhor definidos e estrutura mais
elaborada”.
Dessa forma, observa-se a organização estrutural e funcional de
seus fundamentos disciplinares como marco iniciador da disciplina
História no meio educacional formal, o que de certa maneira vem
aproximá-la às concepções metodológicas condizentes às tendências
cientificistas do período. Nisso se enquadra o Positivismo, tendência
filosófica emergente e influente na época, predisposta a assolar as
formulações historicistas e a produção do conhecimento científico do
momento.
Apesar das atuais e frequentes críticas feitas a possível pioneira
estruturação teórica e metodológica da disciplina História a ser ensinada
nos meios acadêmicos e escolares a partir do século XIX, sua
estruturação na época era vista como associada à tendência
epistemológica mais adequada e pertinente aos objetivos a serem
almejados e às potencialidades a serem desenvolvidas pelos indivíduos
envolvidos em seu ensino e estudo: o método científico. Estando este,
sob a égide das concepções positivista, tão frequentes e caras à época.
Quando nos referimos à identificação do surgimento da
disciplina História, como componente curricular oficializado no Brasil,
tende-se a atrelar tal emergência às propostas educacionais oriundas
durante o período imperial. Propostas estas que almejavam a construção
e fortalecimento de uma noção de identidade nacional, entendida como
base fundamental para a estruturação política, econômica e cultural de
uma nação recém-independente carente de relatar (ou construir) seus
percursos percorridos e definir futuros caminhos a serem seguidos.
Nesse contexto, Abud (1998, p. 29-30) sinaliza a “criação do
Colégio D. Pedro II na cidade do Rio de Janeiro, no final da Regência
de Araújo Lima, em 1837, como marco inicial para a institucionalização
da disciplina História como elemento escolar curricular”. Vale destacar,
também, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

167
(IHGB), em 1838, como elemento de destaque no período, devido o
mesmo ser configurado como instituição acadêmica, formadora e
orientadora das discussões temáticas e propostas pedagógicas a
prevalecerem nas instâncias de ensino do país.
Nesta instituição, se evidenciava o predomínio da
hierarquização factual, da produção historiográfica linear e do destaque
dado aos grandes fatos e seus vultos históricos (grandes personalidades)
como fundamentação teórico-metodológica predominante, necessária e
predisposta a um ensino de História desejável no período.
Mediante o que foi até aqui abordado, podemos averiguar e
visualizar a influência de determinantes sociais predominantes no início
do século XIX como elementos incentivadores do desenvolvimento
historiográfico nacional, então em construção, propondo adequações às
disposições político-ideológicas prevalecentes. No caso citado,
encontravam-se intrínsecas a afirmação e confirmação da estrutura
monárquica e, posteriormente, disposta à edificação de uma nova
proposta governativa: a República.
Com a implantação do regime republicano e a consolidação da
influência oligárquica na estrutura político-social nacional, podemos
visualizar o ensino da disciplina História envolto em vieses de
pretensão elitista e de cunho incentivador do desenvolvimentismo
brasileiro. Da mesma forma e contrapondo-se a uma tendência mais
“progressista”, o caráter conservador e atrelado a métodos importados,
tende também a ser observado, sendo necessário atrelar-se o ensino de
História às práticas tradicionais, assim como as novas tendências
oriundas do crescimento urbano e populacional, característicos do
desenvolvimento econômico nacional vivenciado.
Ao analisar esse período, Baldin (1989, p. 41-42) salienta que
“as determinações das Reformas de Ensino cobradas pelas elites
brasileiras começaram a manifestar sinais de alterações apenas com a
lenta ruptura do poder político existente na tradicional estrutura
socioeconômica surgida desde o período colonial e ainda prevalecente”.

168
Isso veio fazer do conservadorismo um dos aspectos mais marcantes e
destacados na implementação de políticas educacionais no Brasil.
Com a ocorrência do golpe de 1930 e o advento da Era Vargas
(1930-1945) a “ideia de edificação de parâmetros de uma identidade
nacional tomou força” (SÁ, 2006, p. 17). Nesta proposta, encontra-se
inclusa a intenção de formação de um cidadão disposto ao cumprimento
das determinações governamentais, estando o mesmo, sob o jugo do
pensamento nacionalista e de uma forte noção de centralização política.
Assim sendo, o processo modernizador e de desenvolvimento da
sociedade brasileira encontrou-se atrelado ao aceleramento produtivo
almejado e representado pelo incentivo dado ao desenvolvimento da
industrialização.
Nesse ínterim, observa-se um discurso tecnicista pairando
sobre o meio educacional nacional, recaindo sobre a disciplina História
a função de possibilitar ao povo brasileiro a visualização de suas
potencialidades e a necessidade de seu enquadramento nesse processo
de modernização. Mediante a ênfase dada ao ensino técnico-
profissional visando, especialmente, a preparação de mão-de-obra para
o mercado industrial capitalista, quais respingos dessa realidade
recairão sobre a estruturação e o ensino de História?
Nesse contexto e a procura de respostas, a noção tecnicista
passa a ser interpretada como formatação latente do pensamento
científico disposto a aplicação no meio educacional, que nas palavras
de Francisco Campos, Ministro da Educação do Governo Provisório de
Vargas: “as transformações não se operam pelas ações das mentalidades
primitivas, mas pela influência das ciências e das artes, de filósofos,
pesquisadores, engenheiros, artistas” (ABUD, 1998, p. 36).
Fonseca (2006) ao discutir a formatação assumida pela
disciplina História no meio educacional brasileiro do pós-golpe de
1930, destaca que a Reforma Educacional Francisco Campos a colocou
como instrumento central da chamada educação política. Proposta
enfatizada no discurso frequente em relação a importância da noção de
coletividade, do conhecimento das origens e da estruturação das

169
instituições políticas e administrativas para o desenvolvimento político
e econômico do país.
Dessa maneira, entende-se esse momento como definidor da
disciplina História como instrumento de estudo da mudança, que desde
o século XIX, já se aproximava do método científico atrelado a uma
concepção evolucionista, que visualizava o homem como um indivíduo
propenso ao Progresso e à Civilização. Tal situação, em termos
políticos, impunha sobre a História a noção de elemento investigador e
apresentador de uma genealogia da nação, formadora de um sentimento
unificador: o da identidade nacional.
Com a Reforma Educacional de Gustavo Capanema, em 1942,
sobre a disciplina História recaiu a função de possibilitar uma formação
moral e patriótica, disposta a adoção de um maior grau de
“cientificidade” quanto a identificação dos genes da nação brasileira e
a estruturação e ensino do saber histórico. Apesar disso, esse momento
configurou-se como mais um período dosado pelas pressões de setores
católicos ligados à educação, fazendo-nos entender que até durante a
década de 1950, o ensino de História pouco se afastou das concepções
e práticas tradicionalistas.
Ao analisar esta situação Abud (1998) destaca que mesmo após
o fim da Era Vargas e com o surgimento da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Brasileira (4.024/61), o sistema educacional brasileiro não
fugiu à concepção pragmática disposta à formação da cidadania.
Definindo assim um papel diretivo do discurso político nacionalista
sobre as fundamentações de caráter científico, como balizamento
teórico e metodológico a serem assumidos pela disciplina História no
ambiente escolar.
Com a emergência do Regime Ditatorial Militar, a partir de
1964, quando, segundo Scheffer, et al. (2008) a verticalização do ensino
se tornou ainda mais acentuada, as abordagens referentes ao ensino de
História prevalecentes focalizavam a ruptura entre produção teórica e
abordagens metodológicas. Fato este observado pelo evidente estímulo

170
dado a separação e distanciamento entre o universo acadêmico e escolar
quanto à estruturação curricular das disciplinas escolares.
Nesse contexto, o discurso de valorização da cidadania, do
desenvolvimento e do nacionalismo tonou novo ânimo e se consolidou
nos currículos e estruturas disciplinares, através de tendências
pedagógicas e políticas educacionais.
Fonseca (2003) ao analisar este período, destaca que as
mudanças educacionais implementadas após o Golpe Militar fizeram
com que a disciplina História voltasse a se tornar um importante alvo
do poder político autoritário constituído, enquadrando sua conotação e
existência no meio educacional como instrumento atrelado ao ideário
de segurança nacional e progresso econômico almejado.
Nesse contexto, destaca-se a dimensão assumida pela formação
de profissionais da área e a produção de materiais didáticos como
intimamente relacionados às propostas governamentais de ensino.
Assim sendo, visualizou-se um distanciamento ainda maior dos
discentes em relação ao entendimento e envolvimento da dimensão
disciplinar onde os mesmos se visualizassem como personagens
importantes na produção do saber histórico (SCHEFFER et al., 2008).
Dessa maneira, o professor passou a ser entendido
fundamentalmente como um elemento transmissor de um saber pronto
e moldado aos interesses governamentais, processado através da
abordagem de fatos fragmentados com o intuito de formação de
consciências acríticas e passivas, eficientes na absorção de normas, mas
pouco questionadoras e capazes de entender e tentar modificar a
realidade em que se encontravam inseridas.
Estudos referentes às interferências governamentais feitas na
estrutura curricular da disciplina História nesse período, como os de
Fonseca (2003) e Horn e Germinari (2006), tendem a indicar a
consolidação da Lei 5.692/71 como matriz definidora dessa proposta,
sendo que a partir dela os conteúdos programáticos das disciplinas
História e Geografia foram unificados em uma nova proposta
disciplinar: os Estudos Sociais. Tal situação não esteve restrita a

171
simples adoção de uma nova nomenclatura, representou uma forte
mudança na formatação e na concepção de ensino das referidas
disciplinas.
Assim sendo, pode-se entender essa medida “educacional”
como um discurso político, no qual se objetivava instituir através do
ensino dos Estudos Sociais (por mais incrível que pareça) uma maior
aproximação com o método científico, dispondo aos discentes um
melhor entendimento da realidade socioeconômica vivida no país.
Porém, destaca-se que a adoção dessa proposta, acarretou na
fragmentação do conhecimento pertinente a essas áreas de estudo, onde
a organização curricular tornou as disciplinas envolvidas em
compartimentos estanques e isolados da realidade vivenciada.
Mediante a instalação de propostas governamentais como esta,
imbuídas da intenção de como se produzir e ensinar o conhecimento
histórico, quais indivíduos ousariam idealizar uma reformulação dos
procedimentos condizentes ao ensino e ao fazer histórico da época?
Haveria possibilidade do surgimento de uma reformulação teórica e
metodológica nos diferentes níveis de ensino, sendo que estas se
encontravam sujeitas, além da ação de políticas “educacionais”
tendenciosas, à vigilância governativa ditatorial?
Procurando responder a estes questionamentos, Baldin (1989)
enfatiza que uma nova clientela frequentadora do meio acadêmico,
demonstrando sua insatisfação com a estruturação imbuída à disciplina
História, buscou reascender o estudo das fundamentações teóricas, da
formação pedagógica e da reformulação curricular, condizentes a
mesma. Essa concepção identifica-se com o início das propostas de
renovação da disciplina História através da tentativa de reelaboração de
seus métodos de pesquisa, escrita e ensino, a partir de questionamentos
e discussões surgidas no ensino superior.
Essa perspectiva procura entender a renovação da História no
meio educacional como tentativa de edificação de uma disciplina mais
propensa às discussões teóricas e metodológicas. Proposta está surgida,
justamente, onde a presença militar mais se fazia efetiva e controladora:

172
as Universidades. Sobre essa realidade, Bittencourt (1998, p. 13)
destaca que:
No processo da chamada “abertura política” do
final dos anos 1970, professores do ensino médio
e das universidades iniciaram uma fase de
reaproximação entre os níveis de ensino e os
debates encaminhavam-se na volta de História e
Geografia como disciplinas autônomas no 1º grau.
O retorno, no entanto, não foi pacífico. Foi
acompanhado de discussões que passaram a
considerar a necessidade de aprofundas as
questões relativas ao conhecimento que
tradicionalmente vinha sendo ensinado e às novas
tendências e avanços nos campos historiográfico
e pedagógico.

A situação citada destaca também a influência de vários


aspectos conjunturais como matrizes pessoais e institucionais
referenciais para a edificação dessa proposta, para a época, considerada
inovadora. Além disso, as pressões produzidas pelo próprio regime
político prevalecente sobre as estruturas institucionais geravam
desconfortos e, involuntariamente, produziam interesses e ânsias por
mudanças. A intencionalidade governativa do período em ampliar o
sistema educacional, apesar de assumir um viés fundamentalmente
quantitativo, trouxe aspectos qualitativos quanto a questionamentos e
campo para o universo das discussões surgidas em diferentes níveis
educacionais.
A importância do surgimento de associações científicas, direta
ou indiretamente ligadas ao meio educacional, como a Associação
Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) e a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além de
associações sindicais da época, tiveram relevante destaque para a
configuração desse quadro. Isso se deve ao fato das mesmas começarem
a dar destaque para a possibilidade de se visualizar as escolas como

173
veículos de difusão do conhecimento científico. Além disso, as mesmas
já serem entendidas como locais de iniciação do entendimento da
educação como um dos direitos humanos necessários ao adequado
funcionamento do Estado.
Em sua análise referente à disposição formativa educacional
pertinente à década de 1970, Fonseca (2003) focaliza as discussões
sobre a posição social e disciplinar da ciência como uma das questões
mais delicadas ao meio educacional do período. Isso encontra eco na
concepção de que a sugestão de abertura de discussões sobre a
possibilidade de produção historiográfica em diferentes níveis de
ensino vinha abalar, diretamente, a noção latente de hierarquização da
produção do conhecimento, dando-se sempre destaque aos meios
acadêmicos. Visão essa, consistente, consagrada e muito defendida na
época, e ainda hoje.
Questões desta natureza vieram levantar debates sobre o papel
de maior relevância, a ser assumido pela História como disciplina
escolar, tais como: como se definiria e processaria sua construção
teórica e vieses metodológicos a serem assumidos? Qual sua relação e
aproximação com os interesses políticos governamentais de
determinados períodos?
Propondo-se a discutir essas questões referentes à estruturação
e ao ensino de História, Baldin (1989, p. 21) destaca que a História pode
ser entendida como Ciência quando: “vê o processo de transformação
da natureza e das sociedades, processo este produzido com a
participação efetiva dos homens”. Daí, pode-se identificar um de seus
direcionamentos e sentidos.
Por esse prisma, entende-se a relevância de uma visão
processual e participativa da produção do saber histórico pode se
configurar como uma tentativa de renovação do entendimento sobre o
fazer histórico a ser disposto aos cursos universitários e às escolas da
época. Mas, desde sempre, entendendo-se que para a efetivação de tal
proposta, um longo caminho ainda havia de ser percorrido.

174
Segundo Sá (2006), a proposição da História Regional passou
a ser destacada como sentido inicialmente seguido na tentativa de
inserção de uma visão mais elucidativa da precípua participação de
todos os homens na construção da realidade histórica, estando esta
tendência não muito distante e nem totalmente desvinculada do
cotidiano vivenciado por docentes e discentes. Tal proposição veio ser
disposta em formulações e produções teóricas que vislumbraram esse
direcionamento como possibilidade e tentativa de renovação.
Além desse enfoque localista, Fonseca (2003, p. 117) destaca
esse momento como “fortemente influenciado por uma tendência
historiográfica estrangeira: a Nova História Francesa, que pressupõe o
desenvolvimento de investigações de temas diversos, condizentes a
diferentes dimensões sociais e, muitas vezes, entendidos como
marginais”.
Tal proposição passou a ser entendida como adoção de uma
nova forma de visualização do funcionamento da sociedade, então,
fortemente assolado pela interpretação universalista de tendência
marxista cuja explicação de ordem econômica era tida como veículo
mais adequado à compreensão das transformações ocorridas no macro
social.
Com o lento processo de redemocratização da estrutura política
nacional, esboçado no final da década de 1970 e início da de 1980, a
produção historiográfica começou a aproximar-se da possibilidade de
se pensar a realidade brasileira de uma nova maneira (MALTEZ, 2008).
Isso implicaria na adoção de mudanças teóricas, estruturais e
metodológicas quanto ao ensino da disciplina História. Esta proposta
sendo condizente às possíveis modificações curriculares e a novos
vieses a serem assumidos nas publicações didáticas e paradidáticas.
Nessa nova realidade, volta a tomar força nos meios
universitário, escolar e editorial a possibilidade de se sintonizar o saber
histórico escolar com o saber histórico acadêmico, determinando a
busca de formulações teóricas e disposições metodológicas que
possibilitem um conhecimento satisfatório do saber de cunho histórico

175
disposto aos diferentes níveis de ensino. Devendo estar atrelada, esta
proposição, ao conhecimento e discussão da produção historiográfica
vigente no país.
Sobre esta proposta, Fonseca (2006, p. 59), indica a emergência
do discurso de “necessária incorporação de tendências historiográficas
da época, na elaboração de currículos e textos didáticos, estando entre
elas a História das mentalidades e do cotidiano, propostas tidas como
inovadoras quanto à pesquisa e ao ensino de História”.
Com a consolidação do processo de redemocratização e a
criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) a produção
historiográfica e a elaboração de políticas educacionais no Brasil
tendem a assumir um formato mais participativo e dialógico
(MANOEL, 2008). Assim sendo, a busca por uma estruturação teórica
e metodológica mais adequada começa a nortear as proposições
educacionais; o que vem, consideravelmente, dar uma nova formatação
à disciplina escolar História, porém sem desvinculá-la, totalmente, de
suas nuances tradicionais.
Frente este novo contexto, um dos aspectos a ser destacado,
desta tendência renovadora, diz respeito a inserção do aluno no cenário
de produção do conhecimento histórico, transmutando-o de paciente
contemplativo para agente transformador e reconhecedor de seu papel
e dimensão nessa realidade. O que poderia lhe possibilitar a
identificação de sua existência como sujeito da história, não estando
mais preso as noções de distanciamento e desvinculação dos
acontecimentos no tempo, que o reduziam a espectador neutro, passível
apenas de exercer sua interpretação factual.
Com esse intuito, a necessidade de resgate da História enquanto
ciência passou a ser entendido e relacionado como uma realidade
disposta ao desenvolvimento de um novo método e uma nova visão
sobre os seus objetos e objetivos de estudo, que se dispusessem à
superação da moral religiosa e de seu papel como elemento de formação
cívica, disposta a mesma em tempos anteriores.

176
Procurando identificar essa nova tendência formativa do saber
histórico, Bittencourt (1998, p. 25) alerta que: “nenhuma disciplina
escolar pode ser entendida como transposição literal da ‘ciência-mãe’
no meio educacional, pois as mesmas sobrevivem com a influência
direta dos valores contemporâneos, dos problemas sociais, além do
saber erudito”. Tal afirmação, abriria campo para discussões referentes
a ideia de transposição didática e as relações possíveis entre Escola e
Universidade na produção historiográfica.
Mediante as questões apresentadas, a discussão interpretativa
referente à possibilidade de aproximação ou distanciamento do saber
histórico em relação ao conhecimento científico perfaz uma dimensão
temporal relacionada às vertentes diretas e indiretas condizentes ao
meio social em que esta área do conhecimento se encontra inserida.
Nesse contexto, os objetivos almejados com a estruturação e o ensino
de uma disciplina escolar não se encontram restritas unicamente as
especificidades relativas aos meios escolar e educacional.
Ademais, entender a historicidade e as intencionalidades que
configuraram e ainda vêm formatando as nuances estruturais da
História, tanto como instrumento de pesquisa e estudo no universo
acadêmico ou como componente curricular escolar, pode lançar luzes
sobre interesses, tendências e práticas revisionistas que indivíduos e
grupos sociais frequentemente defendem sobre essa área do
conhecimento. Pois, entender a História como construção
eminentemente humana, pode salvaguardá-la de seu entendimento com
uma dimensão divinizada, neutra e incólume a vicissitudes e interesses
escusos, produzindo pouca criticidade quanto a sua função e
estruturação.
Nisso, mediante as forças do ontem e do agora, das
coletividades e dos indivíduos, e das diversas realidades socioculturais,
pode-se propor uma nova dimensão de se pensar e utilizar o
conhecimento histórico quanto sua funcionalidade, utilidade e
importância: como realidade instigante, diversa e complexa, tanto
quanto as estruturais sociais e as dimensões humanas nelas inclusas.

177
Referências

ABUD, K. Currículos de História e políticas públicas: os programas de


História do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, C. O
saber histórico na sala de aula. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1998.

___________. Formação da alma e do caráter nacional: ensino de


História na Era Vargas. Rev. bras. Hist., São Paulo, v.18, n. 36, 1998.
Disponível em: <http://www.scielo.com.br/scielo> Acesso em: 10 out.
2008.

BALDIN, N. A História dentro e fora da Escola. Florianópolis: Editora


da UFSC, 1989.

BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. 3ª edição. São


Paulo: Contexto, 1998.

FONSECA, S. G. Caminhos da História ensinada. 7ª edição.


Campinas: Papirus, 2003.

FONSECA, T. N. L. História & Ensino de História. 2ª edição. Belo


Horizonte: Autêntica, 2006.

HORN, G. B; GERMINARI, G. D. O ensino de História e seu currículo


– Teoria e método. Petrópolis: Vozes, 2006.

LUCINI, M. Tempo, narrativa e ensino de História. Porto Alegre:


Mediação, 2000.

MALTEZ, J. O ensino de História: desafios para a superação do


reprodutivismo. Disponível em: <
http://fja.edu.br/praxis/documentos/ensaio > Acesso em; 05 dez. 2008.

178
MANOEL, I. O ensino de História no Brasil: origens e significados.
Dep. Hist. – FHDSS – Unesp. Disponível em: <
http://www.franca.unesp.br > Acesso em: 10 out. 2008.

SÁ. P. T. A. Socialização dos professores de História de suas gerações:


os anos de 1970 e de 2000. [on line] 2006. Dissertação Mestrado –
Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade católica, Rio de
Janeiro. Disponível em: < http://www.maxuell.lambda.ele.puc-rio.br >
Acesso em: 10 out. 2008.

SCHEFFER, A; et al. O ensino de História na Ditadura Militar.


Disponível em: < http://www.inicepig.univap.br/inic > Acesso em: 22
nov. 2008.

179
180
ENSINO DE HISTÓRIA, PESQUISA E O RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM
MOSQUEIRO1

Daniel Rodrigues Tavares2

A história se constitui como ciência no século XVIII. No


processo de legitimação da História como ciência há que se destacar a
influência do Iluminismo na busca por uma história menos sagrada e
cada vez mais humana, que contaria a história do progresso da
humanidade, colocando a Europa no centro disso e ganhando um papel
civilizatório diante de outras sociedades (FONSECA, 2003, p. 22).
Como disciplina escolar, após a Revolução Francesa é que a História
assim desponta, para atender interesses do Estado, numa perspectiva
fortemente nacionalista, para que o cidadão aprendesse a gostar do seu
país, preparar-se para defendê-lo, assimilando, inclusive, uma
identidade cultural que reforçaria seu patriotismo (FONSECA, 2003, p.
23).
No Brasil, o ensino de história se constitui no pós-
independência, com forte influência do modelo francês e do

O que ora apresento integra a pesquisa que resultará na dissertação


do curso de mestrado profissional em ensino de história ofertado pela
Universidade Federal do Pará, no Campus de Ananindeua, com defesa
provável para o mês de junho de 2018.
2

Bacharel e licenciado pleno em História pela Universidade Federal


do Pará – UFPA (2007). Especialista em “Patrimônio Cultural e Educação
Patrimonial” pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA (2013).
Atualmente cursando o Mestrado Profissional em Ensino de História
(PROFHISTÓRIA), pela UFPA, no Campus de Ananindeua. Professor da rede
pública de ensino, pela Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), e
pela Secretaria de Educação do Município de Belém (SEMEC).

181
historicismo, que transforma a disciplina num instrumento pedagógico
voltado para a formação do cidadão, assim como se faz na busca da
compreensão da genealogia das nações europeias. O Colégio Pedro II,
criado na primeira metade do século XIX, inseriu os estudos históricos,
em seu primeiro regulamento, a partir da sexta série, com a utilização
de compêndios e manuais franceses, como o de Charles Seignobos –
“A história das civilizações”. A História do Brasil era um apêndice da
história da civilização (europeia), “relegada aos anos finais dos
ginásios, com número ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria,
consistia em um repositório de biografias de homens ilustres, de datas
e batalhas” (NADAI, 1993, p. 145-146).
O currículo da disciplina de então expressava a ideologia do
Estado, portanto, materializava os interesses das classes dominantes na
maneira de se educar historicamente o cidadão em formação, no sentido
de mostrar-lhe que sua identidade se formou pela contribuição mútua e
harmoniosa entre três etnias: brancos europeus, indígenas americanos e
negros africanos. Num tipo de história narrada sem violência, sem
conflito, de forma unívoca, com muitos silêncios sobre a escravidão
negra e indígena, sobre a opressão imposta e acerca das resistências de
índios e negros. Como resultado desse currículo destacam-se
desigualdades sociais mascaradas, ausência de democracia, dominação
oligárquica e a sustentação de estereótipos como o da unidade
territorial, povo cordial, abençoado por Deus, país repleto de belezas
naturais (NADAI, 1993, p. 149-150). Além de que a História da
América e da África foram, na prática, esquecidas por esse currículo em
que há demasiada importância à Grécia e Roma, assim como se
confundia tempo histórico e cronologia, com a ideia de que o
movimento histórico decorre da ação de sujeito ilustres – por isso a
exaltação dos heróis nacionais nos feriados e festas cívicas (NADAI,
1993, p. 151).

182
Circe Bittencourt discute o ensino de história no contexto das
primeiras décadas do século XX, atentando para a formação do cidadão
patriótico, em sua relação com a civilização e o trabalho, num contexto
social e político no qual ficava nítido que para os filhos das classes
abastadas eram reservadas as posições de destaque na sociedade, o que,
portanto, sucedia uma vida de estudos propedêuticos até alcançarem a
formação em nível superior; enquanto para os filhos da classe
trabalhadora, o ensino deveria se preocupar com a preparação para o
trabalho. Nesse ínterim o ensino ofertado nas escolas alinhava-se a esse
propósito, vejamos:
A escola que todos os brasileiros deveriam
frequentar seria, assim, a preparação para um
sistema social sem conflitos, embora a estrutura
de classes (...) [de] “castas”, fosse mantida. A
harmonia e a conciliação entre as classes sociais
estariam garantidas através das concepções
difundidas pela escola, sendo o trabalho
concebido como o esforço de todos para construir
a riqueza da Nação, omitindo o enriquecimento de
indivíduos ou classes sociais. Não seria também
pelo trabalho que haveria diferenciações na
sociedade, porque a unidade dos cidadãos seria
mantida em torno dos interesses do estado e
estariam os cidadãos promovendo a unidade
nacional. (BITTENCOURT, 1990, p. 103-104).

Na segunda metade do século XX, essencialmente a partir do


golpe militar de 1964, o ensino de história, seu currículo, sofreu sérios
ataques, como a diminuição drástica de investimentos federais a partir
da constituição de 1967, eximindo ao extremo a responsabilidade do
papel do Estado na oferta de ensino médio e superior. O que abriu um
vasto mercado para as instituições privadas de ensino (GUIMARÃES,
2012, p. 20). A reforma universitária de 1968 foi importante por ter
contribuído para a criação de mais cursos universitários. Em

183
contrapartida, compartimentalizou, fragmentou e passou a controlar
ideologicamente os cursos (GUIMARÃES, 2012, p. 21). O decreto de
lei 547, de 18 de abril de 1969, autorizou o funcionamento de cursos
profissionais superiores de curta duração para a docência, o que
provocou diminuição da qualidade na formação profissional de
professores (GUIMARÃES, 2012, p. 24). O decreto 869, de 12 de
dezembro de 1969 obrigou a inclusão de Educação Moral e Cívica
(EMC) em todos os níveis da educação brasileira (básica, superior e
pós-graduação), que passou a ser ministrada em Estudo dos Problemas
Brasileiros – EPB. Além de se tornar conteúdo obrigatório das demais
disciplinas (GUIMARÃES, 2012, p. 26). A Lei 5.692 de 11 de agosto
de 1971 tornou obrigatório o 1º grau e transformou o segundo em
profissionalizante, esvaziando a formação geral dos currículos. As
duras críticas a essa lei forçaram o MEC a alterá-la, o que aconteceu
com a promulgação da lei 7044 de outubro de 1982, principalmente no
tocante ao 2º grau. O acesso à escola aumentou, mas as distorções
continuaram presentes (GUIMARÃES, 2012, p. 22). Tais medidas
diminuíram a carga horária de história e geografia, em favor das
disciplinas Organização Social e Política do Brasil – OSPB –, e
Educação Moral e Cívica – EMC (GUIMARÃES, 2012, p. 27). A
docência em História, durante a ditadura militar, transformou-se num
instrumento pró interesses dos militares:

Assim, no período ditatorial, sobretudo após


1968, o ensino de História afirmou-se como
instrumento de poder, de dominação, estratégia
política do Estado. Esse fato não era inédito nem
algo característico de nosso país. A História,
como disciplina formativa, pode manipular fatos,
acontecimentos, histórias, dados que são variáveis
importantes na correlação de forças. A História e
o seu ensino podem propiciar uma intervenção
direta no social, por meio do trabalho com a
memória coletiva. Nesse sentido, o ensino na

184
educação escolar básica, que forma crianças e
jovens, esteve submetido à lógica política do
governo (GUIMARÃES, 2012, p. 30).

A partir da década de 1980, num contexto de distensão do


regime e num momento de crescimento das manifestações da sociedade
civil em favor de eleições diretas para presidente, em prol de liberdade
de expressão, de melhorias nos serviços públicos prestados, inclusive
na oferta de educação, a constituição federal de 1988, que ficou
conhecida como “Constituição Cidadã”, obrigou a União a investir na
educação pelo menos 18% da arrecadação de impostos, e os Estados e
municípios 25%, no mínimo, o que contribuiu para um processo de
universalização do ensino (GUIMARÃES, 2012, p. 32). Já na década
de 1990, a LDB e os PCNs extinguiram OSPB, EMC, EPB e os Estudos
Sociais, reformulando e atualizando a proposta curricular das diversas
disciplinas, incluindo História (GUIMARÃES, 2012, p. 33).
As perspectivas que se desenvolveram na virada do século XX
para o XXI trazem debates importantes, como: o saber escolar não deve
ser a transposição didática do que é produzido na academia. A História
universal não pode ser ensinada na lógica da tradição, é interessante
realizar a defesa das diferenças e da diversidade. Assim como é preciso
discutir com os alunos o método de produção do conhecimento
histórico. A superação da dicotomia entre ensino e pesquisa, e o ensino
deve apontar para a crítica da racionalidade técnica, e seu principal
instrumento – a transposição didática (NADAI, 1993, p. 159-160).
Observemos as considerações de Selva Guimarães e Marcos Silva a
esse respeito:
As consequências desse modelo de racionalidade
para o campo das ciências sociais são bastante
conhecidas: a cristalização da divisão do
conhecimento em campos especializados; a
fixação dos territórios disciplinares nos diferentes
níveis de ensino; a justificação da hierarquização

185
entre os que executam, os produtores e os
consumidores de saberes, os pesquisadores e os
professores, a teoria e a prática. (SILVA &
GUIMARÃES, 2012, p. 29)

Nesse sentido, Ana Maria Monteiro em contraposição à visão


tradicional, tecnicista e memorialística, entende o ensino da história
como um “lugar”:

Lugar teórico, de produção e transmissão de


saberes; ‘lugar de fronteira’: entre História e
Educação, de confluência de e com outros
múltiplos saberes, o que nos desafia
permanentemente ao dever de vigilância ética,
política e epistemológica ao atuar entre a
necessidade de ensinar saberes referentes ao
passado, ao mesmo tempo em que se contribui
para desenvolver o pensamento e a reflexão crítica
dos alunos, cidadãos atuantes na sociedade em
que vivem (MONTEIRO, 2007, p. 3).

A autora debate o ensino como um lugar de fronteira, não no


sentido de terra de ninguém, mas um espaço de diálogo entre saberes e
fazeres diferentes, produzidos e instrumentalizados, tanto interna como
externamente ao ambiente escolar, entre eles os conhecimentos
acadêmicos. Nesse sentido, a ideia de Ana Maria Monteiro corresponde
à construção de uma “epistemologia do conhecimento escolar e dos
saberes docentes” (MONTEIRO, 2007, p. 9), considerando a pesquisa
sobre o ensino de história como primordial para se superar a dicotomia
entre ensino e pesquisa, arraigada em meio às práticas docentes na
educação básica. Ana Maria Monteiro concebe o ensino, igualmente,
como um “lugar de memória”. E para tal, ele deve apresentar as três
características, que, segundo Pierre Nora (1993), conformam essa
categoria, quais sejam, as de ordem material, simbólica e funcional:

186
Assim, é possível perguntar: estes sentidos estão
presentes no ensino de história? Acredito que
podem estar. É material por seus aspectos
administrativos e técnicos de organização
institucional de espaços e tempos; funcional, pois
permite ao mesmo tempo a cristalização da
lembrança e sua transmissão; simbólico, porque
permite a atribuição de sentidos e ressignificação
de práticas e representações (MONTEIRO, 2007,
p. 14).

A compreensão do ensino de história como “lugar de


memória”, é, então, acompanhada pela noção de “lugar de fronteira”,
na qual se entrecruzam memória e história. Vem daí a perspectiva de
que o ensino da disciplina também está imerso num processo de
demarcação de referências identitárias de formação do cidadão crítico.
De forma semelhante Marcos Silva e Selva Guimarães entendem o
ensino da disciplina como um “entre-lugar”, uma intersecção entre
formação e pesquisa, entre história e educação, assim como destacam a
questão da profissionalização do professor em meio a esse lugar de
fronteiras que é o ensino de história, profissional que lida estreitamente
com a formação cidadã dos discentes (SILVA & GUIMARÃES, 2012,
p. 14). Circe Bittencourt chama a atenção para a característica política
no ato de conformação desse cidadão. Ela aponta para uma de
concepção de cidadania, que difere daquela vista como neoliberal ou
nacionalista, ao referir-se a uma “cidadania social”:

Cabe enfatizar que a ampliação do conceito de


cidadania, com a introdução e explicitação de
cidadania social, confere ou deveria conferir uma
outra dimensão aos objetivos da História quanto
ao seu papel na formação política dos alunos,
implicando, ainda uma revisão mais aprofundada
dos conteúdos propostos. (BITTENCOURT,
2001, 22).
187
O currículo de história tem a sua historicidade, depende de seu
tempo, ocupa posição de destaque na formação identitária e de
cidadania do aluno, é um campo de luta, de disputa, de escolhas e
exclusões (SILVA & GUIMARÃES, 2012, p. 49), de acordo com a
concepção política do professor e do projeto políticos pedagógico da
escola:

... o campo de produção de currículos, nas


políticas públicas formuladas pelo Estado, em
seus diferentes níveis nas intituições escolares, é
sempre permeado por relações de poder e de
autoridade, para definir, selecionar, excluir,
enfatizar, projetar um dado modo de formação, de
educação da sociedade por meio da educação
escolar. Logo, se concebemos a tarefa de formar
como um modo de combater os discursos
etnocêntricos, conservadores e preconceituosos,
implícitos e explícitos nos discursos curriculares,
nos meios de comunicação de massa, nos
materiais didáticos, devemos valorizar
permanentemente, na ação curricular as vozes dos
diferentes sujeitos, o diálogo, o respeito à
diferença, o combate à desigualdade e o exercício
da cidadania (SILVA & GUIMARÃES, 2012, p.
55).

É essencial compreender a sala de aula como espaço de


pesquisa para que o ensino de história não seja óbvio, nem normatizado.
Logo, enxergar o conhecimento como leitura de mundo é um caminho
para se desenvolver um ensino pautado pelo principal paradigma do
saber produzido cientificamente que entende a pessoa como sujeito do
conhecimento, não como sua mera receptora. Paulo Knauss defende que
é necessário haver produção de conhecimento na sala de aula, que seja
feita de maneira coletiva, havendo integração entre pesquisa e ensino,
“o ensino passa a ser o lugar da animação e a pesquisa o lugar da

188
aprendizagem, sustentado em estruturas dialógicas” (KNAUSS, 2012,
p. 33). O referido autor defende a utilização das fontes em sala de aula.
Consideramos que o bem cultural, uma vez que trabalhamos com a
educação patrimonial, deve ser apresentado ao aluno como documento,
de acordo com a indução do conhecimento histórico. “Importante
ressaltar que é o aluno que lê o mundo e não o professor, que fica com
a função de orientador e animador, é o aluno que vivencia a percepção,
a intuição, a crítica e a criação” (KNAUSS, 2012, p. 42).
Paulo Pires de Queiroz debate a necessidade de articulação
entre teoria e prática; e, formação acadêmica e o contexto escolar. Diz-
nos que:
... ensinar história requer um diálogo permanente
com diferentes saberes produzidos em diferentes
níveis e espaços. Requer questionamento sobre a
natureza, a origem e o lugar ocupado por esses
diferentes saberes que norteiam e asseguram sua
prática em sala de aula (QUEIROZ, 2012, 105).

O professor Paulo de Queiroz defende uma preocupação com a


formação docente, nas suas várias etapas, com destaque para o durante
a profissão e a formação continuada, que precisam estar em acordo com
uma noção de “debate, mediação e intervenção crítica, visando uma
escola aberta, democrática e mediadora de aprendizagens” (QUEIROZ,
2012, p. 118), no sentido de contribuir para a superação do modelo da
racionalidade técnica, que tem a transposição didática como principal
pilar. Pensando a formulação de uma racionalidade criativa, que possa
efetivar a relação entre teoria e prática numa práxis transformadora,
capaz de produzir, de fato, conhecimento na escola, pautado na vida
cotidiana do discente, numa perspectiva de melhorá-la:
Neste contexto de contestação dos modelos
tradicionais de formação docente, é importante
destacar aqueles inspirados na racionalidade

189
criativa. De acordo com essas concepções, a
pesquisa ganha centralidade no ensino. De uma
perspectiva política, o professor é considerado um
sujeito problematizador. Entre nós, vários
conceitos têm sido utilizados, tais como: professor
pesquisador, professor reflexivo, professor crítico
(SILVA & GUIMARÃES, 2012, p. 36).

Para realizar uma práxis transformadora é fundamental


considerarmos um profissional da educação reflexivo, que avalia e
reavalia sua prática, que se coloca na posição de pesquisador de sua
docência – o professor pesquisador:

Para explicitar essa tendência da pesquisa no


processo de ensinar, é necessário retomar seus
pressupostos no que se refere à concepção de
ensino e de professor: o ensino, fenômeno
complexo, enquanto prática social realizada por
seres humanos com seres humanos, é modificado
pela ação e relação desses sujeitos que por sua vez
são modificados nesse processo” (PIMENTA,
2005. p. 18).

É interessante que o docente se veja enquanto um profissional


reflexivo. Sua identidade como professor deve estar intimamente
relacionada à pesquisa como um meio de construir e reconstruir
conhecimentos, inclusive junto aos discentes.
O fazer-se enquanto um professor pesquisador também nos leva
a buscar o que os alunos trazem consigo, a bagagem cultural que chega
com os discentes. Para Mário Carretero, é essencial considerar o
conhecimento prévio do aluno, que pode vir repleto de “concepções
espontâneas”, que, para esse autor, podem ser superados a partir do
ensino. O professor em questão salienta, ainda, a importância de se ter
um cuidado enorme ao se trabalhar com conceitos históricos que são
abstratos em essência. Logo, para Carretero, é importante historicizar
190
os conceitos e trazê-los o mais próximo possível da realidade dos alunos
(CARRETERO, 1997, p. 33-34).
Desenvolvemos o trabalho na escola Honorato Filgueiras, da
rede estadual pública do Pará de ensino, no distrito de Mosqueiro,
localizada no bairro do Maracajá, com 58 discentes de duas turmas do
terceiro ano do Ensino Médio, 301 e 302 do turno da manhã. Em sua
maioria, são alunos filhos de pais trabalhadores, sendo que em torno de
10% desse total também já são trabalhadores, de renda que varia entre
1 a 3 salários mínimos, segundo as respostas dos próprios alunos
redigidas em questionário3 socioeconômico aplicado por mim. São
jovens que, mesmo não tendo uma renda elevada, possuem aparelhos
telefônicos modernos com acesso a internet e redes sociais. Apenas três
disseram não possuir telefone e nem participar de redes sociais. São
pessoas, a maioria, que nasceram e foram criadas em Mosqueiro, assim
como são filhos de mosqueirenses.
As respostas dos alunos aos questionamentos feitos nos levam
a dialogar com a metodologia de pesquisa de História Oral, que, apesar
dos avanços e debates em torno, ainda, enfrenta resistências. O
ceticismo de historiadores tradicionais tem levado a história oral a
buscar cada vez mais o aperfeiçoamento de seus procedimentos
metodológicos no campo da pesquisa. Assim, duas linhas de trabalho
nesse campo, não excludentes entre si, revelam abordagens distintas.
A primeira busca preencher as lacunas deixadas pelas fontes
escritas, por meio de depoimentos orais, seja no estudo das elites, da
administração pública ou dos grupos excluídos. Sendo que, no que
tange a esse último grupo, a história oral pode figurar como um
instrumento de identidade cultural e transformação social. Nesse caso,
mesmo apresentando uma noção de memória coletiva como algo

O questionário socioeconômico e outro com questões sobre


Patrimônio Cultural foram respondidos pelos alunos no mês de junho de 2017.

191
estável, o ponto central, tanto dos que trabalham com as elites, quanto
daqueles que se voltam para o estudo dos excluídos, é a busca pela
garantia, ao máximo, de veracidade e objetividade. No que tange à
procura pela contraprova e exclusão de distorções em outras fontes, há
a criação de instrumentos que, se não eliminam a subjetividade, pelo
menos a controlam. A segunda abordagem privilegia as relações entre
memória e história tanto no estudo da elite política, quanto nas camadas
excluídas. Sendo que defende que o sentido do método de pesquisa não
se fecha na questão de identificar possíveis mentiras e distorções de
testemunhos, mas busca aproveitá-los como possibilidades outras de
pesquisa, quando capazes de levar o pesquisador a outros meandros da
memória que levam a pessoas a distorcer ou falsear a realidade
(FERREIRA, 2002, p. 326-327).
Marieta Ferreira defende que a história oral, não como
disciplina, mas como método de pesquisa, que produz uma fonte
especial, tem se revelado um bom instrumento para compreender
estratégias de ação e representação de grupos ou indivíduos nas
diferentes sociedades (FERRERIA, 2012, p. 330).
Utilizamos a história oral também quando inquirimos os alunos
com as seguintes perguntas: 1- Como o ensino de História pode lhe
ajudar em sua vida prática? 2- O que você entende por Patrimônio
Cultural? 3- O que podemos considerar como Patrimônio Cultural de
Mosqueiro?

Algumas respostas dos discentes aos questionamentos


1- - Transmissão de conhecimento. Aprender sobre o que nosso povo
passou e levar par o resto da vida (2 pessoas).

- Aprender coisas do passado (12 pessoas). Aprender coisas da


História do Brasil (2 pessoas); aprender sobre a história do mundo
(2 pessoas);

- Para me ajudar a entender o que aconteceu no passado, o que


acontece no presente e o que vai acontecer no futuro (7 pessoas).

192
- O ensino de História é muito importante nas questões políticas
(Tiago – 301);

- É importante por causa do ENEM (Diego Vitor – 301);

- O ensino de história me ajuda em minha formação cultural e sobre


como eu devo olhar o mundo, para aprender com meus
antepassados e assim de alguma forma ajudar a melhorar o modo
de vida no planeta. (Fernando 301)

- Na construção do meu conhecimento (Eliane 301)

- O ensino de história ajuda na nossa vida nos ensinando sobre o


nosso passado, o que nos ajuda a entender o presente e nos instiga
a pensar como será o futuro. (Débora 301);

- Para entender as mudanças (Nilcilene 301)


2- - Estruturas que se erguem em anos, culturas (2 pessoas);
- Aquilo que faz parte da cultura (4 pessoas);
- Coisas que foram construídas no passado e que está em seu local
até hoje (6 pessoas);
- Edifícios/ monumentos passados de gerações que fazem parte da
cultura do lugar, são cartão de visita de uma cidade (2 pessoas);
- Cultura deixada por pessoas que construíram um patrimônio, que
não pode ser destruído e sim conservado (2 pessoas).
- Um bem antigo, um lugar que representa a cultura (2 pessoas);
- É algo que marca ou identifica a cultura de um povo;
- Todo e qualquer bem cultural material ou imaterial, Exemplo o
Carimbó (Fernando 301);
- São marcas da História, Herança Cultural (2 pessoas);
- É recordação que nos remete à cultura de um lugar (Elisabele
301);
3- - Trapiche (7 pessoas);
- Chalés (21 pessoas);
- A fábrica Bitar (7 pessoas);
- Igreja Matriz; (10 pessoas)
- A Praça Matriz (5 pessoas);
- O mercado da Praça Matriz (6 pessoas);

193
- O coreto da Vila (4 pessoas);
- O Círio (2 pessoas);
- O modo de vida das pessoas, como o dos pescadores (Fernando
301);
- O Carimbó (2 pessoas);
- O trem que havia (Luís Henrique 301)

Tabela 1: Respostas dos discentes.

Sobre o questionamento número 1, percebemos ideias sobre o


conceito de história que correspondem ao modelo historicista, mas
também identificamos enunciados que entendem que o estudo da
disciplina não é apenas a busca do passado, sim a relação entre o ontem,
o hoje e o porvir, assim como encontramos a compreensão de que o
conhecimento histórico pode ajudar a melhorar nossa vida, o que
podemos relacionar à discussão do clássico de Marc Bloch “Apologia
da História”, que nos auxilia a estabelecer um diálogo sobre a
legitimidade e importância da História, buscando abranger, como nos
fala o historiador francês, “aos doutos e aos escolares” (BLOCH, 2001,
p. 41). Bloch não entende a História como o estudo do passado,
inclusive considera estranha a ideia de pensar o passado como objeto
de estudo de alguma ciência (BLOCH, 2001, p. 52). Defende que a
História é “a ciência dos homens, (...) dos homens no tempo” (BLOCH,
2001, p. 55). O autor compara o trabalho do historiador ao “ogro da
lenda” que “fareja carne humana” (BLOCH, 2001, p. 20). O que é
produzido pelo homem, culturalmente, é objeto da história, assim como
o é o patrimônio cultural – produto da cultura humana. Bloch acrescenta
a importância da problematização no ofício do profissional da história:
partimos de uma preocupação do presente, em direção ao passado e
retornamos ao hoje com o aprendizado histórico que nos auxiliará em
nossas decisões na vida (BLOCH, 2001, p. 63). Nesse sentido, a
pesquisa com o patrimônio cultural de Mosqueiro parte do que os
alunos entendem como bens culturais, rumo ao momento em que as
edificações reconhecidas foram erguidas, retornando ao presente com a
194
compreensão acerca das rupturas e permanências em relação ao
passado, construindo um debate que aponte para questões sobre a
identificação dos alunos com a história local, para a cidadania e para a
preocupação com a preservação patrimonial e ambiental. Assim, nossa
proposta usou a educação patrimonial4 como instrumento para a
execução de um currículo de história que leve em consideração a vida
cotidiana, trabalhando aspectos da história e memória regionais e locais,
na perspectiva de contribuir com a formação cidadã e identitária dos
jovens.
Considerando as respostas dos alunos à questão 2, na tabela,
podemos destacar as falas da Elisabele e do Fernando, ambos da 301,
que estão muito próximas da conceituação de estudiosos do tema.
Etimologicamente, patrimônio deriva do vocábulo latino
“patrimonium” que se refere a pater (pai), àquilo que é deixado de pai
para filho (FUNARI & PELEGRINI, 2006, p. 10). Enquanto cultura
deriva da palavra latina colere – cultivar (CALDAS, 1986, p. 11), e tem
a acepção relacionada a tudo o que é produzido pelo homem. De acordo
com Pedro Funari e Sandra Pelegrini, o patrimônio no âmbito histórico
da civilização ocidental, durante séculos correspondeu a um valor
aristocrático e privado, o que muda, principalmente, a partir do
surgimento dos Estados Nacionais burgueses, na Europa. Um dos mais
nítidos exemplos vem da Revolução Francesa: a França precisou
constituir valores nacionais, assim como “inventar” seus cidadãos e

Sobre o conceito de Educação Patrimonial sugerimos: 1- TEIXEIRA,


Cláudia Adriana Rocha. A Educação Patrimonial no Ensino de História.
Biblos – Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, v. 22, nº
1, 2008. 2- FUNARI, Pedro Paulo & FUNARI, Raquel dos Santos. Educação
patrimonial: teoria e prática. In: SOARES, André Luís ramos & KLAMT,
Sérgio Célio. Educação Patrimonial: teoria e prática. UFSM. Santa Maria,
2007. 3- FERNANDES, José Ricardo Oriá. Educação patrimonial e
cidadania: uma proposta alternativa para o ensino de história. Revista
Brasileira de História, v. 13, nº 25/26. São Paulo, 1993.

195
seus respectivos valores nacionais. Nessa perspectiva, a busca pela
proteção dos bens culturais nacionais esteve atrelada à valorização do
belo, do artístico, do suntuoso (FUNARI & PELEGRINI, 2006, p.15).
Em solo pátrio, na sigla do principal órgão federal, que cuida do tema
em questão, ainda, permanece a denominação Patrimônio Histórico
(IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), a qual
se tornou usual. Entretanto, refere-se a apenas uma parte dos bens
culturais que integram o Patrimônio Cultural brasileiro, entendidos
como o resultado da cultura humana no Brasil, que podemos dividir em
Patrimônio Cultural Natural, Imaterial e Material. O primeiro grupo
corresponde aos elementos da natureza que são apropriados pela cultura
humana. O segundo diz respeito aos bens chamados “intangíveis”, ou
aquilo que se relaciona com o saber e ao saber fazer. Enquanto que os
bens materiais são tangíveis, palpáveis, como obras de arte, prédios,
sítios arqueológicos (LEMOS, 2010, p. 7-11).
Em cima daquilo que os alunos identificaram como
patrimônio,5 selecionamos os bens culturais relacionados à economia

Os sete primeiros itens, que aparecem na resposta três, na tabela,


totalizam 60 menções. Correspondem aos bens culturais que foram erguidos
no contexto da passagem do século XIX para o XX, com forte influência da
economia da borracha em Belém. Na próxima oportunidade, podemos
apresentar a discussão acerca do porquê os alunos elegeram bens culturais
ligados à memória da elite belenense: apontamos a relação entre a vida das
pessoas comuns de outrora e de hoje com os visitantes de Mosqueiro. Nativos
que trabalham com a recepção dos que chegam, em bares, lanchonetes,
restaurantes, hotéis/pousadas. Sugestão de leituras: 1- CARDOSO, Maria da
Paz Araújo. Ilha do Mosqueiro: cenário de lutas amazônidas na trilha de sua
sobrevivência. Belém: UFPA, CSE. Curso de Serviço Social, 2000. 2-
CEZAR, Alonso da Silva. Políticas públicas e expansão urbana na Ilha de
Mosqueiro – sistema de objetos, sistema de ações. Monografia do curso de
Geografia. Universidade Federal do Pará. Belém, 2006. 3- FERREIRA, Helena
Lúcia Damasceno. Expansão urbana e periferização em áreas de interesse
turístico: o caso da ilha de Mosqueiro (Belém-Pará). Dissertação de mestrado.

196
da borracha em Belém, da virada do século XIX para o XX e
construímos um roteiro pedagógico, histórico, cultural, traçado da Praia
do Murubira, passando pela orla de Mosqueiro, até chegar ao bairro do
Maracajá, onde está situada a escola. Itinerário no qual existem chalés
de época, praias, prédios públicos e equipamentos urbanos – entendidos
como lugares de memória por nós (NORA, 1993). Com a rota
planejada, cuidamos da logística com os órgãos e agentes públicos:
SEMOB, Polícia Militar, Guarda Municipal, Agência Distrital, que
foram responsáveis pela proteção dos alunos no trajeto e pelo
fornecimento de água mineral. O circuito foi percorrido por meio de
passeio ciclístico, com a participação do técnico da escola, Arnaldo
Azevedo, e seu respectivo acompanhamento pedagógico da atividade,
dos professores de Educação Física, Gilderson Trindade, que repassou
aos alunos orientações em relação à preparação física, de Geografia
(Aldo Rodrigues) e História (o autor deste texto), além da colaboração
da direção da escola (Arneide de Carvalho) que preparou o almoço na
escola, servido quando chegamos. Durante o percurso realizamos várias
paradas para historicizar os bens culturais em questão e relacioná-los ao
debate da urbanização e preocupação com a preservação do meio
ambiente e da herança cultural, com as contribuições contundentes do
professor de Geografia.
Noutro momento, já em sala de aula, cuidamos da explanação
sobre o tema Economia da Borracha no Pará6 e sua relação com a

Unama. Belém, 2010. 4- MEIRA FILHO, A. Mosqueiro: ilhas e vilas. Belém:


Grafisa, 1978.
6

O formato/tamanho dos textos presentes nesta obra foi decidido em


consenso entre os autores, de forma acertada. Logo deixamos pelo menos
sugestões de leituras acerca do tema economia da borracha, que serviram de
embasamento teórico para o desenvolvimento da atividade:
1- SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia
(1800/1920). São Paulo: T.A. Queiroz, 1980. 2- PETIT, Pere. Chão de
Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Estado do Pará pós

197
história de Mosqueiro, assim como apresentamos conceitos referentes
ao Patrimônio Cultural. A partir de então solicitamos aos jovens a
produção de um relatório da aula de campo, no qual eles apresentaram
o que aprenderam, seguindo as orientações passadas pelo Guia Básico
de Educação Patrimonial (HORTA; GRUNBERG & MONTEIRO,
1999), produzido pelo IPHAN: observação do bem cultural, pelos
sentidos; registro, por descrição, fotografias, desenhos, etc.;
exploração, por meios de pesquisa em documentos diversas; e,
apropriação, por meio de poesia, dramatização, filme, texto, etc. O que
podemos relacionar com o “processo indutivo de conhecimento
histórico” (KNAUSS, 2012).
“Me arrisquei a compor uma poesia”, comentou a Débora da
301 – “Chalés Eternos”:
Suas marcas na história/ Deixaram para sempre/
Através de sua arquitetura convenceram muita
gente/ Mostraram seu valor/ E todo o seu amor/
Conquistaram corações/ Pelas suas construções/
De ferro importado/ Juntamente ao seu modelo/
Transformaram o vilarejo/ Na bucólica

1964. Belém: Editora Paka-Tatu, 2003. 3- CANCELA, Cristina Donza.


Casamento e relações familiares na economia da borracha (Belém- 1870-
1920). Tese de doutorado. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2006.
4- DIAS, Edinea Mascarenhas. A ilusão do fausto: Manaus, 1890-1920.
Manaus: Valer, 1999. 5- SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do “Velho
Intendente” Antônio Lemos (1869-1973). Belém: Editora: Paka-Tatu, 2002. 6-
SOARES, Karol Gillet. As formas de morar na Belém da Belle-Époque (1870-
1910). Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social
da Amazônia. Belém, 2008, p. 47. 7- SARGES, Maria de Nazaré. Belém:
riquezas construindo a Belle Époque (1870-1912). 3ª edição. Belém: Editora
Paka-Tatu, 2010, p. 23. 8- CASTRO, Fábio Fonseca de. A cidade sebastiana:
era da borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da
modernidade. Edições do autor. Belém, 2010.

198
Mosqueiro/ Chalés que embelezam/ A orla do
arquipélago/ Mostram aos moradores/ O quanto
Mosqueiro é belo.7

Após a entrega do relatório, os alunos responderam outro


questionário que os inquiria sobre o aprendizado dos conceitos
históricos relacionados ao trabalho com o patrimônio cultural, assim
como os questionava sobre a avaliação que faziam da escola como um
todo, do trabalho do professor de história em geral e sobre a ação de
educação patrimonial. A aluna Eliane da 301 disse: “que esse projeto
possa ser realizado mais vezes e que tenha o apoio da escola e de outros
professores, não apenas deles, mas seria interessante se outras pessoas
ajudassem a realizar o projeto”. A Ana Maria da 301 falou: “Poderiam
ser realizados mais projetos como esse para a nossa educação, nosso
conhecimento. Assim os alunos poderiam se interessar mais, fazer de
uma forma divertida, que todos queiram participar não por causa dos
pontos avaliativos, mas por realmente querer aprender”. O João Victor,
da 301, relatou: “Um projeto que deve ser praticado todos os anos para
que estimule os alunos a ter interesse pela sua cultura”. O João Pedro,
também da 301, mencionou: “Achei uma boa iniciativa porque não
encontramos pessoas que se dispõem a fazer esse tipo de atividade com
seus alunos”.8
Ratificando a relevância da ação de ensino de História que foi
desenvolvida também no ambiente fora da escola, nas palavras de Maria
das Graças Leal: “As fronteiras de paredes e instituições foram

O poema consta na parte final do relatório da aluna, na secção


“apropriação”.
8

Falas retiradas dos questionários respondidos pelos alunos durante o


ano letivo de 2017, no item: “Deixe sua sugestão ou crítica ao projeto de
Educação Patrimonial desenvolvido.”

199
ultrapassadas e ricamente reconstruídas nas rotinas, no cotidiano das
ruas. Os educandos tiveram a oportunidade de por em prática o conjunto
de conhecimento sobre história (...) discutido nas atividades teóricas”.
(LEAL, 2011, p. 143).

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Pátria, civilização e


trabalho. São Paulo: Edições Loyola: 1990.

BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas


curriculares de história. In: O saber histórico na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2001.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Ed.


Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2001.

CALDAS, Waldenir. O que todo cidadão precisa saber sobre cultura.


Global. São Paulo, 1986.

CARRETERO, Mário & JACOTT, Liliana. Construção do


conhecimento e ensino das Ciências Sociais e da História. In:
CARRETERO, Mário. Construir e ensinar as ciências sociais e a
história. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

FERREIRA, Marieta. História, tempo presente e história oral. Topoi.


Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 314-332.

FONSECA, Thaís Lívia de Lima. História e ensino de História. Belo


Horizonte: Autêntica, 2003.

FUNARI, Pedro Paulo & PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio


histórico e cultural. Zahar. Rio de Janeiro, 2006.

200
GUIMARÃES, Selva. Didática e ensino de história. 13ª Edição revista
e ampliada. Papirus Editora. Campinas, 2012.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina;


MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de educação patrimonial.
Brasília: IPHAN, 1999.

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar


de pesquisa. In: NIKITIUK, Sônia (org.). Repensando o ensino de
História. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2012 p 29-49.

LEAL, Maria das Graças de Andrade. Conhecendo a cidade,


descobrindo o olhar: uma experiência de educação patrimonial com
História e fotografia. In: História & Ensino, v. 17, n. 1. Londrina, 2011,
p. 143.

LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. 2ª Edição, revisada


e ampliada. São Paulo: Brasiliense, 2010.

MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória.


In: Gilvan Ventura da Silva; Regina Helena Silva e Simões; Sebastião
Pimentel Franco. (Org.). História e Educação: territórios em
convergência. 1ª Ed. Vitória: GM/ PPGHIS/UFES, 2007.

NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva.


Revista Brasileira de História. V. 13, nº 25/26. São Paulo, 1993, pp.
143-162.

NORA, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares.


Projeto História. vol. 10. São Paulo: 1993, pp. 7-28.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor-pesquisador: mitos e


possibilidades. Contrapontos (UNIVALI), Itajaí, v. 5, n.1, 2005, p. 9-
22.

QUEIROZ, Paulo Pires de. A pesquisa e o ensino de história:


espaços/processos de construção de identidade profissional. In:

201
NIKITIUK, Sônia (org.). Repensando o ensino de História. 8. Ed. São
Paulo: Cortez, 2012.

SILVA, Marcos & GUIMARÃES, Selva. Ensinar história no século


XXI: em busca do tempo entendido. 4ª Edição. Papirus Editora.
Campinas, 2012.

202
ANACRONISMO: AGENTE FACILITADOR OU OBSTÁCULO
À PRÁTICA DOCENTE?

Edgar Cabral Viegas Borges da Cruz1

Como objeto proposto para elaboração da dissertação de


mestrado e do produto referente à conclusão apresentada aos
professores do colegiado do programa de pós-graduação de caráter
profissional PROFHISTÓRIA, será discutido o papel da utilização da
prática do anacronismo como ferramenta didática e seu papel enquanto
agente facilitador ou como obstáculo à prática docente e assimilação
dos conteúdos de História trabalhados com os alunos dos ensinos
fundamental e médio da rede pública estadual nas escolas E.E.E.F.M.
DR. MÁRIO CHERMONT e E.E.E.M. EDGAR PINHEIRO PORTO,
respectivamente.
Inicialmente, é importante estabelecer em que consiste o
conceito de anacronismo, para tanto a presente carta de intenções
recorre ao texto de François Dosse que em sua obra “A História a prova
do tempo”, faz menção à definição proposta pelo historiador Lucien
Febvre como “[...] pecado dos pecados, o pecado entre todos
irremissível [...]”, citação extraída da obra “Rabelais ou le problème de
l’incroyance au XVIe siècle” (DOSSE, 1999, p. 285), ou seja, uma
prática que precisa ser evitada ao máximo na prática do historiador, pois
significa realização de transposição de categorias de pensamentos,
sentimentos e linguagens de uma determinada temporalidade para outra
na qual não fazem qualquer sentido (DOSSE, 1999, p. 284-285).

Bacharel/Licenciado pleno graduado pela Universidade Federal do


Pará (2008), atualmente cursando o programa de pós-graduação em mestrado
profissional PROFHISTÓRIA, no polo UFPA-Ananindeua.

203
Entretanto, o questionamento que fica é: será que a utilização do
anacronismo deve ser evitada a todo custo no processo de construção
do conhecimento?
Segundo o historiador Hilário Franco Junior, a demasiada
crítica ao anacronismo envolvido na produção historiográfica é o
problema a ser combatido, considerando que na verdade a prática então
“demonizada” por Febvre, o anacronismo, é na verdade utilizada como
ferramenta essencial para compreensão das temporalidades históricas
tão diversas entre si, deixando claro que “Se anacronismo é uma
deformação cronológica, uma mistura de épocas, escrever história é
sempre um exercício de anacronia [...]” (FRANCO JUNIOR, 2009, p.
13).
É importante que se faça uma análise acerca da transposição
didática, quando da realização da prática do anacronismo e aplicação
da mesma no processo de desenvolvimento da prática docente, haja
vista que tal prática é muitas vezes utilizada como importante recurso
no processo educacional.
De acordo com Yves Chevallard,
Como didáticos nós devemos procurar
compreender não só a resposta do aluno à
pergunta e a resposta do professor para a atitude
do aluno, mas também o que o professor, na
ocasião, irá declarar tanto sobre o comportamento
do aluno como da sua própria conduta em face
dele. Não somos livres para descartar os meandros
inerentes ao mundo da didática. Ao contrário do
físico, que se contenta em explicar como e porque
as pedras caem, ficamos com o ônus de explicar
como as pessoas explicam a queda de pedras
(CHEVALLARD, 1998).

Seguindo suas ideias, não cabe apenas enfatizar o que se explica


enquanto conteúdo escolar, mas a forma como se o faz. Diante disso,
no processo de elaboração de conhecimento didático se faz necessário

204
que o conhecimento científico seja disponibilizado visando atender seu
público alvo de forma a facilitar sua compreensão. É nesse âmbito que
se dá o processo de transposição didática, em uma lógica a partir da
qual diante de uma relação de ensino-aprendizado, os conhecimentos
científicos precisem ser adaptados para uma forma de “conhecimento
ensinável”, visando o estabelecimento de um contrato didático
socialmente legítimo (CHEVALLARD, 1998).
Por outro lado, André Chervel estabelece críticas ao processo
conhecido como transposição didática, ao considerar que, ao contrário
das ideias de Chevallard, o processo conhecido como transposição
didática não se mostra como o caminho mais viável a ser seguido, a
partir da lógica na qual o ambiente escolar também se apresenta como
local onde o conhecimento é construído, não se limitando simplesmente
a reproduzir de forma adaptada conhecimentos científicos previamente
constituídos visando estabelecer um “conteúdo escolar”, não se
resumindo a meras vulgarizações ou adaptações dos conteúdos de
ensino e posteriormente apresentados pelos professores aos atores
envolvidos no processo de ensino-aprendizado. Em “História das
disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”,
publicado na década de 1990, o autor, propõe que, ao pesquisador da
área educacional, cabe realizar uma análise pautada sobre três questões
primordiais:
[...] O primeiro é o de sua gênese. Como a escola,
sendo a partir daí desqualificada toda outra
instância, começa a agir para produzi-las? O
segundo refere-se à sua função. Se a escola se
limitasse a ‘vulgarizar’ as ciências ou a adaptar à
juventude as práticas dos adultos, a transparência
dos conteúdos e a evidência de seus objetivos
seriam totais. Já que ela ensina suas próprias
produções, não se pode senão se questionar sobre
suas finalidades: elas servem para quê? Por que a
escola foi levada a tomar tais iniciativas? Em quê

205
determinada disciplina responde à expectativa dos
pais, dos poderes públicos, dos que decidem?”

Terceiro e último problema, o de seu


funcionamento. Aqui ainda, a questão não teria
sentido se a escola propagasse a vulgarização para
reproduzir a ciência, o saber, as práticas dos
adultos: a máquina funcionaria tal e qual, e
imprimiria nos jovens espíritos uma imagem
idêntica, ou uma imagem aproximada, do objetivo
cultural visado. Ora, nada disso se passa no
quadro das disciplinas. Não, certamente, que não
haja aí um objetivo. Simplesmente, constata-se
que, entre a disciplina escolar posta em ação no
trabalho pedagógico e os resultados reais obtidos,
há muito mais do que uma diferença de grau, ou
de precisão. Questão: como as disciplinas
funcionam? De que maneira elas realizam, sobre
o espírito dos alunos, a ‘formação’ desejada? Que
eficácia real e concreta se lhes pode reconhecer?
Ou, mais simplesmente, quais são os resultados do
ensino? (CHERVEL, 1990, p. 183-184 ).

Diante das problematizações expostas anteriormente, o autor


deixa claro que a educação apresenta um papel “estruturante” em
relação à função educativa da escola na história do ensino, atribuindo
para tanto um alto grau de importância e propriedade às disciplinas
escolares, sendo ao próprio sistema escolar destacado um caráter
criativo, impossibilitando que ao mesmo seja conferido um papel de
passividade, no qual o espaço escolar funcionaria como mero
receptáculo dos subprodutos culturais da sociedade, dando ênfase ao
fato de que é o caráter espontâneo e original de suas criações que faz
com que o sistema escolar e suas disciplinas mereçam um interesse todo
particular, apresentando um importante papel na sociedade diante do

206
qual ele é responsável por formar não somente os indivíduos, mas
também uma cultura que vem, por sua vez, penetrar, moldar, modificar
um modelo cultural da sociedade global (CHERVEL, 1990, p. 184 ).
Tendo discutido previamente a questão da transposição
didática, segue o debate sobre o papel da História na reflexão didática,
sob a ótica de Klaus Bergmann, que em seu texto “A História na
Reflexão Didática” inicia expressando que
Uma reflexão é histórico-didática na medida em
que investiga seu objeto sob o ponto de vista da
prática na vida real, isto é, na medida em que, no
que se refere ao ensino e à aprendizagem, se
preocupa com o conteúdo que é realmente
transmitido, com o que podia e com o que devia
ser transmitido [...] (BERGMANN, 1989/1990, p.
29).

Segundo o autor, quando se fala em didática da História, deve-


se considerar que a reflexão a partir da mesma está diretamente ligada
ao processo de investigação o que é aprendido no ensino da História, o
que pode ser aprendido e o que deveria ser aprendido, sendo, portanto,
uma prática que é dirigida por interesses práticos voltado a
compreensão de como se deve realizar o processo de ensino-
aprendizagem de forma efetiva, apresentando o que é possível de se
fazer e o que é necessário para tal, estando devidamente preocupada
com a formação, o conteúdo e os efeitos da consciência histórica em
um determinado contexto sócio-histórico, tomando por tarefa, a
investigação, empírico-descritiva, a consciência histórica e sua
regulação didático-normativa devido ao fato da referida consciência ser
um “[...] fator essencial de auto identidade humana e um pressuposto
insubstituível para uma práxis social dirigida racionalmente”
(BERGMANN, 1989/1990, p. 29-30).
O papel da Didática da História estabelecido por Bergmann é,
portanto, dentre outros, estabelecer investigação sistemática sobre as

207
formas de mediação intencional e de representação e/ou exposição de
História, sobretudo do ensino da História, além de buscar
explicitar os pressupostos, condições e metas da
aprendizagem na disciplina específica de História,
os conteúdos a serem transmitidos, os métodos e
as categorias e a possibilidade da estruturação dos
conteúdos a partir das categorias e a possibilidade
da estruturação dos conteúdos a serem
transmitidos, os métodos e as categorias, e a
possibilidade da estruturação dos conteúdos a
partir das categorias didaticamente escolhidas na
Ciência Histórica e analisa também as técnicas e
materiais de ensino e as várias possibilidades da
representação da História, seja no ensino ou nos
ambientes fora da escola (BERGMANN,
1989/1990, p. 31).

No que tange a questão da elaboração de narrativas voltadas à


Didática Histórica e produção historiográfica voltada à área
educacional, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, em seu texto “Fazer
defeitos nas memórias: para que servem o ensino e a escrita da
história?”, faz um breve histórico sobre a evolução do processo de como
“escrever história” e qual a função do ensino da História. Diante disso,
o autor faz referência às funções de memorização dos feitos humanos,
acontecimentos grandiosos e extraordinários que pudessem ser
realizados pelos homens, além de servir de exemplo, de guia para as
ações futuras, prática desenvolvida desde a antiguidade, pelos gregos e
outros povos da antiguidade, tendo como objetivo central educar as
futuras gerações.
Diante disso, a História-exemplo, por muitos séculos foi
apropriada, sobretudo pelas elites mais ricas, visando dar o norte para a
forma de agir das classes dirigentes. Através da busca de adquirir
experiência e sabedoria para os futuros governantes, surgia a figura do
histor, que buscava através do ato de presenciar fatos dignos de nota,
208
extrair conhecimentos que motivassem a partir dos exemplos
vivenciados e observados, “sabedoria” suficiente para repassar as
gerações futuras das elites dirigentes. Segundo o autor, “[...] o relato
histórico deveria produzir impressões profundas no espírito de quem o
absorvia além de ser capaz de marcar esse sujeito com impressões
indeléveis, ensinamentos e exemplos para jamais serem esquecidos
[...]” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 23), além do cuidado necessário de
respeitar a estética, fato que o caracterizava como um gênero literário.
Com o passar do tempo, o ensino de História passa a assumir
novas roupagens e a abranger novos públicos-alvo, tendo a fórmula da
historia magistra vitae passada por alterações consideráveis em
diferentes temporalidades. Na França revolucionária, a história passa a
ser difundida nos ambientes escolar e acadêmico e passa a ser utilizado
com o objetivo de fomentar o sentido de nacionalidade, enquanto isso,
na Prússia, a cátedra de História é criada e com a promoção de Leopold
von Ranke a História assume um caráter de profissionalização fazendo
parte de um processo de modernização administrativa, além de
promover uma preparação subjetiva nas massas voltadas a compor uma
população com maior disposição no que diz respeito ao sentimento de
identificação enquanto membro de algo maior, um sentimento de
nacionalismo, que poderia ser melhor explorado pelas elites dirigentes,
seja em tempos de guerra ou em épocas de paz, tomando como base a
utilização das documentações oficiais como critério de comprovação do
conhecimento histórico, no século XVIII.
Já no século XX, novos modelos historiográficos passam a
figurar, como é o caso da Escola dos Annales, além de várias vertentes
do marxismo, passam a contestar os modelos de produção
historiográfica até então praticados, passando a desenvolver uma
produção pautada em discutir questões voltadas tanto pelas grandes
transformações históricas, pelas grandes tragédias humanas que
pontuaram o referido século, quanto pelas ciências sociais emergentes,
pelas mutações no campo dos saberes com a presença crescente e
marcante da sociologia, da economia, da antropologia, da linguística e

209
da psicanálise, passam a buscar novas formas de atuação e legitimação
para a existência do dito saber histórico, indo na contramão dos
modelos anteriores que visavam o desenvolvimento de uma espécie de
monumentalização do passado como uma espécie de antiquariato,
conservando valores de outras épocas, aliadas a um nacionalismo
agressivo, militante e militarista, segundo ressaltava o filósofo alemão
Friedrich Nietzsche ainda nos últimos instantes do século XIX.
Segundo Durval Muniz de Albuquerque Júnior, somente depois
das ideias proferidas pelos historiadores dos Annales é que se tem um
novo modelo de história feita a partir e para o presente. Através das
problematizações que são formuladas a partir das preocupações, das
condições históricas do presente ao qual se submetem os
questionamentos, ao qual se estuda, analisa e ensina. O conhecimento
histórico produzido com essa ótica, possibilita que se proponham novas
abordagens sobre a temporalidade e as temáticas que se investigam à
medida que as próprias transformações assim requeiram.
De acordo com o autor,
[...] O passado, portanto, é elaborado, pensado e
tratado na sua relação diferencial com o presente;
ele existe nessa escavação que se faz a partir do
contemporâneo buscando a construção das
fronteiras que separam as duas temporalidades.
Uma das funções sociais da história é construir o
passado, dotando a sociedade de uma visão do
tempo que vá além daquilo que se define e se
pensa como presente. A história serve para que
possamos realizar, no plano do conhecimento, do
pensamento, do imaginário, da memória, aquilo
que não podemos fazer no plano do
conhecimento, do pensamento, do imaginário, da
memória, aquilo que não podemos fazer no plano
da realidade e da empiria: sair do presente,
ausentar-nos desta temporalidade que nos cerca,
olhar este tempo de fora e ter com ele uma relação

210
de distanciamento, de estranhamento, ter, dele,
uma visão perspectiva [...] (ALBUQUERQUE,
2012, p. 30).

Em “Práticas de leitura em livros didáticos”, a autora Circe


Maria Fernandes Bittencourt lança mão de estabelecer uma
considerável análise sobre um importante recurso didático, neste caso
específico o próprio livro didático (BITTENCOURT, 1993). No
entanto, a análise do referido texto não será realizada voltada
propriamente ao uso do livro didático em si, mas a fim de se valer da
analogia do uso de recursos didáticos voltados à prática de ensino-
aprendizagem, como é o caso da presença de anacronismos sendo
utilizados na relação do processo de construção do conhecimento,
observando se tal prática viria a ser um agente facilitador ou uma prática
a ser evitada dada possibilidade de ocasionar a desenvolvimento de
falhas no contexto da relação docente/discente, conforme apresentado
ao início do presente trabalho.
Diante disso, a autora diz que todo e qualquer procedimento
metodológico deve ser realizado, mediante o estabelecimento de
critérios cuidadosos, estabelecidos mediante a análise das
especificidades dos recursos a serem utilizados. Sendo assim,
inicialmente deve-se considerar uma prévia análise mediante a
realização de uma considerável diagnose diante da qual devem ser
estabelecidos recortes e observação significativa dentro da
problemática ampla oferecida pela temática a ser trabalhada.
Por fim, é esperado que as ideias destacadas neste trabalho se
mostrem potencialmente viáveis no sentido de facilitar o
desenvolvimento da pesquisa voltada à elaboração da dissertação a ser
apresentada para a conclusão da pós-graduação do programa de
mestrado profissional PROFHISTÓRIA, sendo ao longo dos próximos
semestres atreladas a outras referências que venham a contribuir para a
conclusão do mesmo.

211
Referências

ALBUQUERQUE Junior, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas


memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In:
GONÇALVES, Marcia de Almeida et alii. “Qual o valor da história
hoje?” Rio de Janeiro: FGV, 2012.

BERGMANN, Klaus. A História na Reflexão Didática. Revista


Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 19, set. 1989/fev. 1990.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e


conhecimento histórico: uma história do saber escolar. Tese de
doutorado – Programa de pós-graduação em História Social da F. F. L.
C. H./USP, 1993.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre


um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre nº 2, 1990.

CHEVALLARD, Yves. Sobre a teoria da transposição didática:


algumas considerações introdutórias. Texto apresentado durante o
Simpósio Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação
Matemática, Bratislava, Tchecoslováquia, 1988. Texto original
disponível em:
http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/IMG/pdf/On_Didactic_Transpo
sition_Theory.pdf

DOSSE, François. A história à prova do tempo: Da história em


migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

FRANCO JUNIOR, Hilário. Apresentação. In: FEBVRE, Lucien. O


problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.

212
“POR UM ENSINO DE HISTÓRIA LIBERTADOR E
DEMOCRÁTICO....”

(A PRÁTICA CURRICULAR CONTINUADA E O ENSINO DE


HISTÓRIA DO 2º AO 5º ANO: EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS
EM ESCOLAS PÚBLICAS DE BELÉM DO PARÁ NO ANO DE
2014)

Conceição Maria Rocha de Almeida1

O ensino de história na educação básica, bem como a formação


de professores, são temas em debate há muitos anos no Brasil. Ainda
hoje, decorrida mais de uma década e meia do século XXI, há
importante pertinência na persistência dessas reflexões, bem como em
proposições advindas das pesquisas, discussões e produções
acadêmicas a respeito do ensino de história. Nesse contexto, ampliou-
se também o crescimento dos debates acerca do saber histórico escolar
e das conexões entre este saber e a formação dos professores de história.
As inquietações em torno do que se deve ensinar em história e também
como ensinar em cada nível da educação básica persistem, como
também permanecem os debates referentes às conexões entre o “saber
ensinar” e o conhecimento historiográfico, predominante nos cursos de
licenciatura em história. Em meio a tantos debates e reflexões, entre os
anos de 2012 e 2014, o curso de Licenciatura em História da UFPA teve
como uma de suas “atividades curriculares”, as disciplinas Prática
Curricular Continuada – Estratégias de Ensino de História do 2º ao 5º

Professora voluntária da UFPA. Credenciada pelo Programa de


Mestrado Profissional em Ensino de História/ProfHistória UFRJ/UFPA.
Doutora em História Social, PUC/SP (2010).
213
Ano I e II. O texto aqui apresentado refere-se a essa experiência,
especificamente no ano de 2014.
O presente trabalho objetiva discutir a prática curricular
continuada e o ensino de história do 2º ao 5º ano, a partir dos registros
de estudantes do Curso de Licenciatura em História da Faculdade de
História da UFPA e de entrevistas realizadas com coordenadores e
professores das escolas nas quais a referida prática foi realizada. A
experiência aqui apresentada ocorreu ao longo do ano de 2014, e foi
desenvolvida em uma escola pública federal, duas escolas públicas
estaduais e uma escola pública municipal, todas localizadas em Belém
do Pará.2
O trabalho com as Práticas Curriculares Continuadas –
Estratégias de Ensino de História I e II (doravante PCC - Estratégias de
Ensino de História I e/ou II, ou apenas PCC I e/ou II) envolveu
estudantes recém-ingressados no curso de Licenciatura em História da
UFPA. A maioria absoluta deles jamais havia trabalhado como
professor, ou desenvolvido atividades com crianças, adolescentes e/ou
jovens. Encontravam-se também, no processo de primeira formação,
somando entre 16 e 22 anos de idade, com exceção de um estudante que
somava mais de trinta anos. Ao serem informados sobre sua lotação
obrigatória em escolas para a realização das PCCs I e II, tiveram reações
variadas: apreensão, alegria, preocupação, ansiedade. Vários indagaram

Ressalta-se que o presente trabalho decorre da continuidade da


pesquisa sobre ensino de história em séries iniciais da Educação Básica em
escolas públicas de Belém do Pará, iniciada em 2012 e concluída em 2015.
Entre os anos de 2012 e 2014, a proponente ministrou as disciplinas Prática
Curricular Continuada I e II – Estratégias de Ensino de História do 2º ao 5º
Ano, para estudantes do Curso de Licenciatura em História, em colaboração
com a Faculdade de História da UFPA. No período entre 2012 e 2013, a
proponente desenvolveu, pela primeira vez, a experiência docente com a
disciplina “história”, em uma turma de 3ª série e em cinco turmas de 4ª série
do Ensino Fundamental na Escola de Aplicação da UFPA, da qual foi
professora ao longo de 25 anos.
214
se, concluída a formação, também seriam “professores de história para
crianças”. Com a apresentação dos planos de ensino das disciplinas
PPCs I e II, as dúvidas foram parcialmente esclarecidas.
A PCC I foi desenvolvida em duas escolas estaduais e uma
escola municipal de Belém do Pará, a PCC II, em uma escola pública
federal, também localizada na capital paraense. Destaca-se que todas as
escolas envolvidas já eram conhecidas pela proponente desse trabalho,
pois além de visitá-las em vários momentos, também conversara
demorada e reiteradamente com coordenadores e professores.3
Realmente, para desenvolver as PCCs, as conversas iniciais
foram essenciais, uma vez que causava surpresa e inquietação o fato de
estudantes de história precisarem realizar as práticas (entendidas e
denominadas como “estágio” em todas as escolas) em turmas de 2º ao
5º ano. Os coordenadores e professores que nos recebiam,
manifestavam estranhamento em relação aos objetivos da referida
prática, a qual, de conformidade com o Projeto Político Pedagógico do
Curso de Licenciatura àquela altura, tinha como ementa realizar um
“diagnóstico do ensino de História, observação da regência de aulas,
vivência de forma coparticipativa”.43

As escolas nas quais foi realizada a lotação dos estudantes foram:


Escola Estadual de Ensino Fundamental Lar de Maria, Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Augusto Olímpio, Escola Municipal Benvinda
de França Messias e Escola de Ensino Fundamental e Médio Tenente Rego
Barros. A todas agradecemos imensamente pelo acolhimento e inúmeras
contribuições. Esclarecemos também que a escolha das escolas municipais e
estaduais ocorreu a partir dos seguintes critérios: serem escolas que tinham o
ensino fundamental I; estarem localizadas em bairros de fácil acesso aos
estudantes da graduação e aceitarem nos acolher para o desenvolvimento da
prática.
4

Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em História. Faculdade


de História. Outubro de 2011. P. 15. As PCC I e II, do 2º ao 5º Ano, deixaram
215
Era de fato um desafio para o curso de Licenciatura em
História, para professores que assumiam a disciplina, para os
estudantes, uma vez que o entendimento geral era de que “práticas” ou
“estágios” em turmas do 2º ao 5º ano deveriam ser realizados por cursos
de Licenciatura em Pedagogia e não por licenciaturas específicas. Foi
necessário conversarmos muito e esclarecer, mediante as indagações a
nós dirigidas, os objetivos traçados pela Faculdade de História naquele
momento, argumentar que era importante para a formação dos
estudantes, vivenciar o ambiente escolar na perspectiva do Ensino
Fundamental I, posto que futuramente, a eles caberia possivelmente a
produção de livros didáticos e paradidáticos de história, que seriam
lidos pelas crianças do 2º ao 5º Ano, bem como a proposição e/ou
participação em projetos de ensino, pesquisa e extensão referentes ao
ensino de história para essa faixa etária, inclusive em ambiente não
escolar. E o mais importante, a licenciatura os habilitaria para lecionar
a partir do 6º ano, sendo essencial, portanto, que vivenciassem a prática
com os estudantes no percurso inicial do ensino fundamental, para
melhor refletir acerca dos modos de pensar e agir expressados pelos
estudantes que ingressam no 3º ciclo do ensino fundamental.
Em outras palavras, o desenvolvimento das PCCs no Ensino
Fundamental I, contribuiria com o processo de construção de um capital
cultural, acerca do ensino da história na educação básica como um todo,
e não especificamente por nível de ensino, como também sobre o
processo de formação docente em História.
Com relação à produção de textos e livros didáticos de história,
por exemplo, insistimos na argumentação referente às críticas que
muitos historiadores/professores recebem por conta da linguagem
recorrente nessas produções, a qual não raramente culmina num
distanciamento em relação ao alunado devido às dificuldades na

de ser ministradas desde início de 2015. As PCCs referentes aos demais níveis
da educação básica, permanecem no desenho curricular do curso de
Licenciatura em História.
216
compreensão textual. De modo semelhante, ao pensar na elaboração de
jogos, vídeos, entre outros produtos, o historiador/professor com certa
prática em turmas de do Ensino Fundamental I, acionaria a essa
experiência e reflexões pertinentes, para desenvolver seu trabalho.
Nesse sentido, Fernando de Souza Paiva registra
Com a problemática desencadeada em torno do
debate sobre o modus e o locus da formação de
professores da educação infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental, nada é mais perceptível
do que a certeza de que formar o professor é
estratégico, por atravessar todos os setores da
sociedade e por conter, em seu âmago, a questão
do projeto de sociedade que se almeja para o país,
pois o professor molda gerações. Essa temática
abrange, também, questões importantes: como,
onde, quem, para quê e para quem se educa?
Portanto, há uma necessidade premente de se
reconhecer efetivamente, em todos os âmbitos, a
educação como ciência - desejo antigo de Anísio
Teixeira - e a formação de professores como
mediadora desta ciência, buscando um
entendimento em torno da formação do professor.
Do contrário, os professores continuarão a ser
banalizados e tidos como cidadãos e profissionais
de segunda categoria, digladiando-se em uma
arena onde outros atores também disputam espaço
(PAIVA, 2006, p.11).

Pautamos nossa argumentação na importância dos debates com


os estudantes acerca das conexões entre os estudos historiográficos,
predominantes no curso de licenciatura da UFPA e outros mais, e a
prática docente em todos os níveis da educação básica, algo considerado
extremamente difícil por muitos estudantes da graduação, inclusive
concluintes e mesmo pós-graduandos. Para muitos, o entendimento
predominante é que as aulas na educação básica devem seguir o
217
paradigma das aulas ministradas na graduação. Nesse sentido, também
desenvolvemos debates com os estudantes, atentando para os objetivos
definidos no plano de ensino da PCC I,
Participar das aulas ministradas do 2º ao 5º Ano
na Escola de Aplicação da UFPA ou em outra
Escola Pública de Belém, construindo registros de
observação sobre ensino de história e regência de
classe;
Observar, para efeito de registro, reflexão e
produções escritas, as instalações da Escola -
estrutura e condições físicas da mesma – bem
como a relação desses elementos com o ensino de
história;
Observar, para efeito de registro, reflexão e
produções escritas, a Biblioteca da Escola,
atentando para o acervo da mesma e a relação do
mesmo com o ensino de história;
Construir o relatório geral de atividades baseando-
se nos registros de observação e estabelecendo
diálogos com autores estudados ao longo do
Curso de Licenciatura em História.5

A Prática Curricular Continuada I e o ensino de história para as


crianças em escolas públicas das redes estadual e municipal

Ao longo do primeiro semestre os estudantes desenvolveram


sua PCC I em duas escolas estaduais e em uma escola municipal, todas
já referidas. Devido a questões de horário e número de turmas do 2º ao

Os objetivos aqui apresentados encontram-se registrados no Plano de


Ensino da Disciplina Prática Curricular Continuada I – Estratégias de Ensino
de História do 2º ao 5º Ano. UFPA/IFCH. Campus do Guamá. Faculdade de
História: Curso de Licenciatura. 2014, 2º período.
218
5º Ano, os estudantes da licenciatura foram distribuídos nas três escolas
que concordaram em nos acolher.
Nessas escolas havia em regra, uma professora para cada turma,
ou seja, cada docente era responsável pela ministração de aulas de
Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências; em
disciplinas como Artes, Educação Física e Língua Estrangeira, havia
professores específicos, embora imperasse a dificuldade de contar com
todos esses profissionais. Em uma das escolas estaduais, a EEEFM
“Augusto Olimpio”, havia o projeto “Mais Educação”, o qual também
oferecia atividades em sala de aula, bem como atividades recreativas e
esportivas. Através do projeto, eram encaminhadas discussões sobre
cidadania e meio ambiente.
Nas três escolas solicitamos acesso aos horários de aulas para
localizar os referentes às aulas de história. Todavia, fomos alertados
para o fato de que os próprios professores de referência6 administravam
esses horários, impossibilitando o conhecimento sobre o dia da semana
e os horários nos quais cada disciplina é ministrada. Em outras palavras,
o encaminhamento das aulas de história, como das demais disciplinas,
dependia do cronograma construído ao longo do ano por cada professor
(a) de referência. Estes (as) procuravam discutir os conteúdos de
história em consonância com algumas datas comemorativas, tais como
o dia 19 de abril e o dia 20 de novembro. E que tal opção devia-se a

O professor de referência é aquele com o qual o aluno permanece a


maior parte do período escolar, no ensino fundamental de nove anos, esse
docente é denominado professor de sala base. Geralmente esse professor é o
responsável pelos seguintes componentes curriculares: Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências, História e Geografia. Sobre esse assunto ver Resolução
Nº 7 de 14 de dezembro de 2010, do Ministério da Educação, Resolução
CNE/CEB, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de nove anos no Brasil. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=866&id=14906&option=com_con
tent&view=articlehttp://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=866&id=14906
&option=com_content&view=article. Acesso em 04 jan. de 2018.
219
maior importância da ministração de aulas de língua portuguesa e
matemática, devido aos exames nacionais a serem realizados pelos
alunos. Desse modo, cada estudante em prática curricular deveria
conversar com a professora da turma na qual estivesse lotado (a) para
tomar ciência do encaminhamento das aulas de história, caso houvesse.
Uma vez esclarecidos que não havia dias ou horários de aulas
determinadas para a disciplina História, organizamos a lotação dos
estudantes levando em consideração a conveniência dos horários nos
quais eram desenvolvidos os trabalhos com as turmas do 2º ao 5º ano.
A respeito disso, conforme discutido por Bernadete Gatti e
Marina Nunes (2009, p. 9), em trabalho sobre formação de professores
para o ensino fundamental, pesquisas desenvolvidas àquela época
apontavam inquietações
(...) acerca dos resultados preocupantes advindos
do desempenho obtido pelos estudantes do ensino
fundamental e médio nas avaliações nacionais e
internacionais sobre qualidade do ensino básico
no Brasil, suscitavam preocupações e debates
sobre os elementos implicados na melhoria da
qualidade dos processos escolares no país. A
formação de professores era apontada como um
dos principais fatores intervenientes nesses
resultados.
Considerando que o próprio conceito de educação
básica foi alargado pela Constituição de 1988,
passando a compreender, além do ensino
fundamental, a educação infantil e o ensino
médio, e que a formação de seus professores
passou a ser oferecida predominantemente em
nível superior, em cursos que obedecem a recentes
Diretrizes Curriculares Nacionais, editadas a
partir de 2001, procurou-se examinar, neste
estudo, as características que vem assumindo a
atual formação de docentes.

220
No tocante aos currículos, deu-se a opção (por
parte do governo) em focalizar os cursos
presenciais de licenciatura em Pedagogia, porque
respondem pela formação de professores do 1º ao
5º ano do ensino fundamental e da educação
infantil, e, licenciaturas de Língua Portuguesa,
Matemática e Ciências Biológicas, porque seus
licenciados respondem pelo maior conjunto de
aulas no ensino fundamental. Procedeu-se a um
mapeamento de propostas curriculares desses
cursos, tendo em conta os diversos tipos de
instituições de ensino superior que os ofereciam.
Como as Diretrizes Curriculares nacionais para
esses cursos são amplas, e a estruturação do
currículo fica a cargo de cada instituição,
procurou-se obter um panorama do que está sendo
proposto como formação nas instituições de
ensino superior, identificando ênfases que lhes
estão sendo atribuídas, semelhanças, diferenças,
pertinências e adequação às demandas
profissionais.

Nas Escolas da Rede Estadual e Municipal nas quais realizamos


entrevistas, os conteúdos referentes às cinco disciplinas já mencionadas
aqui, eram considerados possíveis de ser discutidos pelo professor da
turma, o qual tem ou curso normal de nível médio, ou o curso de
Pedagogia. Os entrevistados não manifestaram preocupação com
possíveis equívocos cometidos na administração das aulas de História,
por exemplo, pois além das aulas serem muito poucas, em função da
necessidade de administrar o uso do tempo para os estudos de língua
portuguesa e matemática, consideram que ao longo do tempo, os
estudantes receberão novos esclarecimentos e superarão as dificuldades
que venham a acumular.
Nos relatórios dos estudantes foram registradas inúmeras
situações vivenciadas no dia a dia escolar, que causaram estranhamento
221
e desconforto. Uma das escolas estaduais, por exemplo, precisava de
reparos urgentes devido às inúmeras goteiras. Em várias salas de aulas
a ventilação era precária, predominando o forte calor, comprometendo
a concentração dos estudantes e o trabalho das docentes. Os desafios
eram constantes, portanto, corroborando para improvisação de
atividades. Contudo, nos vinte e oito relatórios, os estudantes
destacaram a importância de vivenciar dificuldades tão diversas nas
escolas públicas e relataram experiências pontuais de docentes que
pareciam redobrar esforços para dar conta da diversidade de disciplinas
sob sua responsabilidade, o que nem sempre é possível.
(...) Durante a semana o conteúdo de história é
trabalhado em apenas um dia. De modo muito
breve as temáticas são apresentadas e os
estudantes se atrapalham com relação à sequência
cronológica apresentada na narrativa da
professora e no texto lido. É uma turma de 5º ano
e a noção de tempo histórico, cronologia, tempo
natural, não são exploradas (...)7

Este não foi o único registro referente aos desafios e


dificuldades no ensino de história em escolas públicas das redes
estadual e municipal. Em entrevistas concedidas aos estudantes, as
docentes reiteraram a necessidade de privilegiar o ensino das disciplinas
que eram (e continuam a ser) avaliadas em exames de maior amplitude
como a “prova Brasil”, por exemplo.8

Registros constantes do relatório de PCC I. Aluna: Evanir Ramos


(pseudônimo).
8

A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação


Básica (Saeb) são avaliações para diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
222
Entrementes, os estudantes foram unânimes em relação à
importância da realização das práticas em escolas públicas e em turmas
do 2º ao 5º ano, sobretudo pela oportunidade de refletir acerca do ensino
de história nesses anos escolares, bem como suas conexões com o
ensino de história do 6º ao 9º ano e ensino médio. Outrossim, os
relatórios são ricos em registros acerca das bibliotecas das três escolas
e de experiências pontuais com estudantes leitores, com os quais
aprenderam muito. Foi com carinho que referiram as atividades de
valorização de leitura que puderam participar. E a respeito disso,
acenaram com um sentimento capaz de mover todas as montanhas do
mundo: a esperança.

A Prática Curricular Continuada II e o ensino de história para as


crianças em uma escola pública federal

No segundo semestre de 2014, os estudantes desenvolveram a


PCC II numa escola pública federal, já referida há algumas linhas, que
aceitou nos receber depois de ouvir a exposição sobre os objetivos de
nosso trabalho.9

(Inep/MEC). Tem o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo


sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários
socioeconômicos. Nos testes aplicados na quarta e oitava séries (quinto e nono
ano) do ensino fundamental, os estudantes respondem a itens (questões) de
língua portuguesa, com foco em leitura, e matemática, com foco na resolução
de problemas. No questionário socioeconômico, os estudantes fornecem
informações sobre fatores de contexto que podem estar associados ao
desempenho. Disponível em http://portal.mec.gov.br/prova-brasil. Acesso em
13 jan. de 2018.
9

Fomos recebidos pela Diretora Pedagógica da Escola. Por intermédio


dela fomos encaminhados para a Coordenação Pedagógica do Ensino
Fundamental I, a qual procedeu esclarecimentos sobre o trabalho da Escola
223
Nosso objetivo com essas experiências distintas foi a
construção de um estudo comparativo sobre o ensino de história
desenvolvido nas escolas observadas, considerando os diálogos com os
autores estudados nas disciplinas cursadas no percurso do semestre
letivo.
Todos os graduandos foram lotados na mesma escola pública
federal, pois se trata de uma escola ampla e com muitas turmas, o que
contribuiu para que a lotação se efetivasse com certa celeridade. Todos
observamos que a escola apresentava-se muito bem conservada, com
salas de leitura, de multimídia, de artes, além de laboratórios. Todavia,
nos registros dos graduandos consta que as turmas do 2º ao 5º ano não
foram deslocadas para esses lugares da escola, durante os dias nos quais
realizaram a prática curricular.
Os estudantes da graduação foram lotados de conformidade
com os horários das aulas de história, no turno da manhã. Cada turma
tinha, como nas escolas municipais e estaduais, uma professora de
referência, que trabalhava com pelo menos cinco disciplinas: Língua
Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências. Contudo,
observamos uma dentre as várias, diferenças em relação às escolas nas
quais trabalhamos durante a PCC I: a coordenação desse nível de ensino
salientou que os horários eram seguidos regularmente pelos professores
de referência, sendo as crianças (do 2º ao 5º Ano) reiteradamente
alertadas quanto à organização do material escolar a ser levado para as
aulas. Ou seja, a organização de cadernos, pastas, livros etc., deveria
seguir a observação do horário das aulas.
A despeito disso, os alunos da PCC II relataram que havia
turmas nas quais a disciplina história não era tratada com a mesma
relevância dispensada à língua portuguesa e matemática, consideradas
principais tanto pela escola, quanto por familiares dos estudantes do 2º

com aquele nível de ensino a todos os estudantes presentes. Reiteramos nosso


agradecimento pela solicitude da Direção Pedagógica e Coordenação
Pedagógica da Escola.
224
ao 5º Ano. Ao discutirmos esse ponto, observamos que a princípio,
parecia haver certa semelhança com a situação observada nas escolas
públicas estaduais e municipais da PCC I, entretanto, na escola pública
federal em questão, os estudos de história eram contemplados com
maior regularidade. Nessa perspectiva, a ausência de um tratamento
equânime, não excluiu de modo absoluto, os conteúdos de história das
turmas. Durante uma aula de história no 3º ano, por exemplo, foi
destacado pela estudante de PCC II que
(...) hora sim, hora não os alunos aproveitam
certas questões das disciplinas para falarem de si,
seja da conta de matemática que o pai ensinou, ou
da conversa com algum parente que relacionasse
com algum assunto. (...) uma aluna disse que o
avô dela participou da segunda guerra mundial.
Os colegas da classe começaram a perguntar sobre
a questão, a professora (...) disse que eles
estudariam sobre isso quando passassem para o
‘lado de lá’, referindo-se ao setor do fundamental
II.10

Outra questão destacada por todos os estudantes da PCC II foi


o uso constante do livro didático, bem como das “fichas de retomada”,
recurso importante na escola, daí a recorrência ao mesmo no dia a dia
escolar.11 De conformidade com os relatórios da prática, o livro didático

10

Registros constantes do relatório de PCC II. Aluna: Claudia Braga


Dantas (pseudônimo).
11

A ficha de retomada era um tipo de material didático elaborado pela


coordenação pedagógica, com a finalidade de acompanhar o andamento da
explicação dos conteúdos. Para alguns graduandos ela foi assimilada como
uma “ficha de revisão”. Outros registraram que “havia tipos diferentes de
225
foi o recurso mais usado, contudo pouco abordava a história de Belém
ou do Pará. No 5º Ano, por exemplo, foram estudados os temas
seguintes: primeiro reinado do Brasil; abdicação de D. Pedro I, período
regencial; segundo reinado; abolição da escravidão; proclamação da
república.12
Em uma turma do 2º ano, ficou registrado em relatório que a
única aula de história presenciada no período da prática, teve por tema
“os direitos humanos” sendo o livro didático o recurso usado pela
docente responsável pela turma. No 4º ano, os conteúdos de história
abordavam aspectos da história indígena, do período colonial do
“Brasil” e diáspora africana. De acordo com todos os relatórios da PCC
II, as aulas de história eram predominantemente expositivas, ratificando
o protagonismo das professoras em sala de aula. Ou seja, mesmo com
o controle exercido pela coordenação pedagógica, através das “fichas”,
por exemplo, eram as docentes que diretamente administravam os
estudos dos conteúdos obrigatórios, bem como as contribuições
advindas de seus alunos, num processo intercambial de saberes e
conhecimentos que constituem também a produção do saber histórico
escolar.13 No tocante a essa questão, Oldimar Cardoso (2007, p. 211)
observa que a “criação de saber escolar resulta da ação cotidiana de

fichas”, segundo a finalidade de cada uma: de revisão, de conteúdos, de


exercícios, de conteúdos e exercícios.
12

Registros constantes do relatório de PCC II. Aluna: Mayra Santos


Mota (pseudônimo).
13

A maioria absoluta de docentes dessa escola pública são mulheres,


inclusive militares (da Aeronáutica). Homens foram citados como substitutos
eventuais, por poucas aulas. Tratava-se de militares, chamados para assumir
aulas emergencialmente, evitando-se assim que os alunos ficassem sem aulas.
Essa é uma característica marcante dessa escola pública, registrada em todos
os relatórios de PCC II.
226
todos os professores, mesmo daqueles que se acreditam meros
reprodutores do conhecimento acadêmico”.
Sobre os conteúdos voltados para história local, mais
especificamente para a história de Belém e do Pará, a maioria absoluta
de relatórios manifestou inquietação com a ausência dos mesmos.
Houve graduandos que conversaram com as professoras e ouviram que
“não havia tempo de explorar também esses temas, pois os conteúdos
previstos no planejamento eram muitos”. Acerca dessa questão, é
oportuno relembrar Circe Bittencourt (2004, p. 168), segundo a qual

A história local tem sido indicada como


necessária para o ensino por possibilitar a
compreensão do entorno do aluno identificando o
passado sempre presente nos vários espaços de
convivência – escola, casa, comunidade, trabalho,
lazer – e igualmente por situar os problemas
significativos da história do presente.

Entrementes, vale reiterar que na escola ocorrem cruzamentos


de saberes. Os estudantes do 2º ao 5º ano, por exemplo, relatavam suas
histórias familiares, não raramente, com a finalidade de tornar
compreensíveis, explicações da professora. Contribuíram, portanto,
com suas narrativas para as análises produzidas pelos estudantes da
graduação que com eles conviveram durante um breve espaço de tempo.

Considerações finais

“Por um ensino de história libertador e democrático....”

Os relatórios produzidos pelos estudantes da graduação


apontam para a contribuição que as PCCs I e II possibilitaram para a

227
compreensão do cotidiano de professores e alunos do 2º ao 5º ano na
escola. Destacaram a importância da realização das práticas em escolas
de realidades tão distintas e, consequentemente, do enriquecimento
advindo de experiências empíricas e acadêmicas que certamente
somarão no processo de formação de cada um.
Ao salientar a contribuição das práticas em seu processo de
formação acadêmica, a maioria dos graduandos envolvidos nas práticas,
enfatizou a importância de refletir sobre tudo que conseguiram observar
e participar nas escolas com vistas à proposição de projetos futuros, que
contribuíssem para um ensino de história mais democrático,
participativo e, portanto, libertador. Expressaram sua gratidão para com
o alunado, funcionários em geral e docentes das escolas, sobretudo das
públicas estaduais e municipais, por colaborarem com o trabalho
desenvolvido nas PCCs. Uma estudante chegou a dedicar seu relatório
“a todos os funcionários e alunos da EEEFM ‘Augusto Olímpio’”.
À guisa de concluir, reafirmamos nossa convicção sobre a
importância do conhecimento histórico para os estudantes dos anos
iniciais do ensino fundamental. Seria muitíssimo importante que as
licenciaturas em história volvessem sua atenção para este “lugar
distante” da educação básica. Por sinal, não é demais relembra que a
educação básica tem passado por mudanças significativas e
preocupantes também, haja vista a reforma do ensino médio,
recentemente aprovada e imposta à sociedade.
Outrossim a História, componente curricular (tradicional) na
educação básica, também tem passado por mudanças, por força da
produção historiográfica e de políticas públicas. Então, pensar o papel
da história na educação básica reveste-se de sentido e importância, uma
vez que no processo de construção de nossa cidadania é fundamental
desenvolver uma leitura de mundo propiciadora de respeito ao outro, ao
diferente e um dos modos de se fazer isso, é através dos estudos sobre
o tempo histórico, que nortearão a compreensão acerca da historicidade
da vida em sociedade. Essa poderia ser uma das marcas indeléveis dos
estudos históricos ao longo da educação básica, principalmente nos

228
primeiros ciclos do ensino fundamental. O desenvolvimento da
sensibilidade voltada para esse fim lançaria reflexos nas produções
literárias, lúdicas, didáticas enfim, que têm como alvo esses estudantes.
Afinal, o ensino de história é um direito de toda a sociedade. O exercício
desse direito precisa estar na perspectiva daquele que se propõe a ser
um professor de história, um historiador. Nesse sentido, recorro às
palavras de Durval Muniz de Albuquerque (2012, p. 38)
(...) A história teria, assim, mais essa função
social, a de nos fazer aprender a narrar, a contar
histórias, a enredar fatos, atividades
humanizadoras por excelência. Aprender a contar
histórias, aprender a reunir palavras em frases e,
com elas, criar sentidos para um outro é um passo
decisivo em nosso processo de humanização; por
isso todas as comunidades humanas contam
histórias, narram eventos para suas crianças. O
ensino de história, nos anos iniciais da formação
de qualquer pessoa, tem também essa função do
aprendizado da arte de contar, da arte de narrar.
Além disso, pode-se aprender com a história a
produzir beleza com a narrativa, a criar deleite e
prazer estético com o uso das palavras e dos
eventos do passado (...)

É possível que assim, de conformidade com os anseios de


estudantes da licenciatura em história no ano de 2014, alunos das
práticas curriculares continuadas de ensino do 2º ao 5º ano, trilhemos
caminhos alvissareiros por um ensino de história libertador e
democrático.

229
Referências

ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. Fazer defeitos nas memórias:


para que servem o ensino e a escrita da história?. In: GONCALVES,
Marcia de Almeida et alii. Qual o valor da história hoje? Rio de
Janeiro: FGV, 2012.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos.


São Paulo: Cortez,2004.

CARDOSO, Oldimar Pontes. Representações dos professores sobre


saber histórico escolar. In: Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 209-
226, jan./abr. 2007. Disponível em
http://www.miniweb.com.br/educadores/artigos/pdf/saber_historico.p
df

COELHO, Wilma de Nazaré Baía. A Escola como matriz da


intolerância: um estudo sobre a formação de professores e a
discriminação racial. Texto apresentado no VI Congresso Português de
Sociologia (25 a 28 de junho de 2008). In:
http://nucleogeraufpa.blogspot.com.br/p/producao-academica.html.
Acesso 22 nov 2017.

______________________________. Igualdade e diferença na


escola: um desafio à formação de professores. In:
http://nucleogeraufpa.blogspot.com.br/p/producao-academica.html.
Acesso 20 nov 2012.

GATTI, Bernardete A. e NUNES, Marina Muniz Rossa. Formação de


professores para o ensino fundamental: estudo de currículos das
licenciaturas em pedagogia, língua portuguesa, matemática e ciências
biológicas. VOLUME 29, março de 2009. São Paulo: FCC/DPE, 2009.
In:

230
www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/textos_fcc/arquivos/1463/arquiv
oAnexado.pdf. Acesso em 20 nov 2012.

GONCALVES, Marcia de Almeida et alii. Qual o valor da história


hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.

NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: Trajetória e


perspectivas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26,
p. 163-174, set. 92/ago.93.

OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Concepções docentes sobre as


relações étnico-raciais em educação e a lei 10.639. In:
http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT04-3068--Int.pdf.
Acesso em 28 mar 2013.

PAIVA, Fernando de Souza. Formação do professor da educação


infantil e séries iniciais do Ensino fundamental no Brasil: avanços ou
recuos?. Rio de Janeiro, 2006. P. 4. In:
http://www.fae.ufmg.br/estrado/cd_viseminario/trabalhos/eixo_temati
co_1/formacao_do_prof_educ_infantil.pdf. A sigla CBE, citada pelo
autor, refere-se às Conferências Brasileiras de Educação. Acesso em 22
nov 2017.

PRIORE, Mary Del (org). História das Crianças no Brasil. São Paulo:
Contexto, 1999.

Resolução Nº 7 de 14 de dezembro de 2010, do Ministério da Educação,


Resolução CNE/CEB, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental de nove anos no Brasil. In:
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=866&id=14906&option=co
m_content&view=articlehttp://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86
6&id=14906&option=com_content&view=article. Acesso em 10 set
2015.

231
SANTOS, Maria Auxiliadora Moreira dos; GARCIA, Tânia Maria F.
Braga IN “A formação da consciência histórica de alunos e professores
e o cotidiano em aulas de história” IN Cad. Cedes, Campinas, v. 25,
n.67, pp. 297-308, set/dez, 2005. Disponível em:
<http://www.cedes.unicamp.br> SILVA, Marcos Antônio da &
FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias,
conquistas e perdas. In: Revista Brasileira de História [on line]. 2010,
vol. 30, n 60, pp. 14-33.

SILVA, Marcos Antônio da & FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de


História hoje: errâncias, conquistas e perdas. In: Revista Brasileira
de História [on line]. 2010, vol. 30, n 60, pp. 14-33.

SOUZA, Ana Guiomar Rego. Interdisciplinaridade e


transdisciplinaridade no conhecimento musical. In: ANAIS DO II
SEMINÁRIO DE PESQUISA EM MUSICA DA UFG. In:
http://www.e-socrates.org/file.php/574/Aulas_-
_Musica_na_Educacao_Basica/03_-
_Interdiciplinaridade_e_Musica/Apostila.pdf. Acesso em 20 nov 2014.

232
ENTRE A DOCÊNCIA E A INVESTIGAÇÃO: A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DE HISTÓRIA NA UFPA - CAMPUS DE
ANANINDEUA

Francivaldo Alves Nunes1

Entre o final dos anos de 1980 e início dos anos 1990, com fim
da ditadura militar e o processo de abertura democrática, sintetizada
principalmente pela promulgação da nova Constituição de 1988,
acentuou-se a discussão no seio da universidade brasileira acerca do
papel social da educação e mais especificamente da disciplina de
História, no que Rudá Ricci (2003) chamou de formação para
cidadania. Esse cenário de ebulição de ideias e de debates sobre os
rumos da educação brasileira culminou com a publicação, em 20 de
dezembro de 1996, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a
LDB.
Na entrada do novo milênio, com um governo eleito
democraticamente, a discussão acerca do papel da educação e o
processo de inclusão social, pela via educacional, ganha força na pauta
de reformas do ensino. De acordo com Claudivan Guimarães (2015, p.
110), trata-se de um momento em que a necessidade de formar
professores capazes de atender a essa demanda reprimida entra na
ordem do dia, bem como a discussão sobre um currículo que atendesse
a essa nova realidade e que formasse um profissional mais afeiçoado às
questões pedagógicas.

Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense


(UFF-2011). É professor na Universidade Federal do Pará, atuando na
Faculdade de História do Campus Universitário de Ananindeua. E-mail:
francivaldonunes@yahoo.com.br.

233
Como resultado dessa nova realidade, no ano de 2002, o
Ministério da Educação e Cultura (MEC), lançou através do Conselho
Nacional de Educação (CNE), a Resolução CNE/CP 1 de 18 de
fevereiro de 2002 e a Resolução CNE/CP 2 de 19 de fevereiro de 2002,
ambas em consonância com a LDB. A Resolução CNE/CP 1 instituiu
diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da
educação básica, em nível superior, nos cursos de licenciatura de
graduação plena. Este documento constitui em um conjunto de
princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na
organização institucional e curricular de cada estabelecimento de
ensino de licenciatura (BRASIL, 2002a).
Entre as determinações apontadas nas resoluções CNE/CP 1 e
2 destaca-se a instituição da duração mínima dos cursos de licenciatura,
de graduação plena para formação de professores da educação básica
em 2.800 (duas mil e oitocentas) horas e ainda determina que a
articulação entre teoria e prática se dê da seguinte forma: 400
(quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso; 400 (quatrocentas) horas de estágio
curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso;
1.800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares
de natureza científico-cultural e 200 (duzentas) horas para outras
formas de atividades acadêmico-científico-culturais (BRASIL 2002a e
2002b).
Dessa forma, os cursos de licenciatura foram divididos em
1.800 (mil e oitocentas) horas de disciplinas teóricas e 1.000 (mil) horas
de prática, sendo que, a prática e o estágio foram separados, onde cada
um deve ser composto por 400 (quatrocentas) horas e ainda 200
(duzentas) horas que podem ser compostas por seminários,
participações em congressos, projetos de ensino, monitorias, etc.,
quaisquer atividades acadêmicas, contanto que não fossem em forma de
disciplinas cursadas.
A ideia central dessa discussão estava, justamente, em formar
um professor capaz de responder à nova realidade social, atento as

234
condições da escola pública e envolvidos nas demandas por uma
formação mais crítica da sociedade. A proposta era atender um número
maior de alunos, grande parte deles oriundo das camadas populares, que
na sua formação não tinham o mesmo grau de nível educacional dos
alunos oriundos das camadas médias que, até então, eram os que
acessavam a escola. Desse modo, era fundamental que se formasse um
professor que soubesse lidar com essa nova realidade. Ou seja, um
professor que nos dizeres de Déa Ribeiro Fenelon (2008) tivesse uma
vivência mais forte com a prática profissional e com a realidade social,
política e cultural da comunidade onde ele iria atuar. Para essa autora,
esse contato com a realidade social, dos novos alunos, deveria ocorrer
durante a formação do “novo” profissional da educação, constituindo
como elemento diferencial.
Isso posto, diante desse quadro das diversas licenciaturas da
instituição, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão –
CONSEPE, da Universidade Federal do Pará (UFPA), através da
Resolução nº 3.633, de 18 de fevereiro de 2008, que regulamentou o
ensino de graduação, procurou estabelecer as diretrizes apresentadas
pelo CNE vinculadas a carga horária mínima para os cursos de
formação de professores, as definições de atividades teóricas e práticas,
as ações de estágio e a participação de seminários e congressos, como
atividades acadêmicas curriculares (BRASIL, 2008).
Mediante as mudanças na estruturação das licenciaturas,
determinadas pelo MEC e buscando seguir o que foi instituído pelo
CONSEPE, foi autorizado a criação do Curso de Licenciatura em
História, conforme Portaria SERES/MEC n. 938 de 01 de dezembro de
2015. Neste sentido, a proposta deste texto é analisar a atual estrutura
curricular deste Curso de Licenciatura em História do Campus
Universitário de Ananindeua (CANAN), da UFPA, principalmente
quanto aos fundamentos epistemológicos, éticos e didático-pedagógico,
os objetivos apresentados, perfil do egresso e os procedimentos
metodológicos adotados, considerando os aspectos de formação
profissional a que o curso se propõe.

235
Importante destacar que se trata de uma graduação que teve sua
proposta discutida, considerando um conjunto de legislação instituídas
entre os anos de 1990 e 2000, em que se destaca: a Resolução nº 3.186,
de 16 de dezembro de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares para
os Cursos de Graduação; a Lei n. 9.795, de 27 abril de 1999, que dispõe
sobre a educação ambiental, assim como institui a Política Nacional de
Educação Ambiental; o Parecer n. 492, de 3 de abril de 2001, que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Graduação, no capítulo em História; a Resolução nº 13, de 13 de março
de 2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares para o Curso de
História; Parecer nº 8, de 31 de janeiro de 2007, que dispõe sobre carga
horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração
dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial;
Resolução nº 2, de 27 de agosto de 2004, que adia o prazo previsto no
art. 15 da Resolução CNE/CP 1/2002, que institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena;
Lei n. 11. 788, de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre o estágio
de estudantes e altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT); Portaria n. 3.284, de 7 de novembro de 2003, que
dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas com deficiência
(PCD), para instruir os processos de autorização e de reconhecimento
de cursos, e de credenciamento de instituições; e a Resolução nº 1, de
17 de junho de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Aspectos da formação: prática docente e investigativa

Ao analisarmos o discurso, escrito e posto nos fundamentos


epistemológicos, éticos e didático-pedagógico, este expressa uma
orientação pautada na não dissociação entre o ensino, a pesquisa e a

236
extensão. O entendimento é que o curso deve formar profissional com
autonomia, criticidade, capacidade de lidar com a diversidade cultural,
de posicionar-se diante das situações sociais e políticas, e em condições
de desenvolver escolhas conscientes sobre a maneira como vai
desenvolver seu trabalho ao lidar com o conhecimento histórico. É o
que Lúcia Maria Moysés (1994, p. 3) destaca como profissionais
politicamente comprometido, considerando que conhece e utiliza
adequadamente os recursos capazes de propiciar uma aprendizagem
real e plena de sentido. Compreende o docente crítico e bem informado,
em condições de analisar e atuar no mundo em que vive. Estas
características de formação seriam possíveis somente em profissionais
capazes de articular a pesquisa, ensino e extensão, de forma a construir
um conhecimento que dialogue de forma objetiva e sintomática com as
demandas da sociedade.
Do ponto de vista da concepção de educação, o curso visa
proporcionar condições de exequibilidade para o pleno exercício da
liberdade no processo de ensino-aprendizagem, assim como o convívio
com o pluralismo de ideias e o consequente apreço pela tolerância.
Neste aspecto, se estabelece o que Paulo Freire (1996, p. 93) chamaria
de "autoridade coerentemente democrática", para destacar que a
disciplina, como conjunto de conteúdos e estratégias de ensino,
verdadeiramente não existiria na estagnação, no silêncio dos
silenciados, e sim na dúvida, na inquietação, daí a importância da
liberdade e da defesa da pluralidade de ideias. Diante desta observação
poderíamos destacar que a proposta do curso privilegia as dimensões da
construção do conhecimento para além da realidade escolar ou
acadêmica, estabelecendo articulações entre o processo de ensino-
aprendizagem com a realidade extraescolar, vinculando a educação
formal com o universo do trabalho e das práticas sociais, tendo a
liberdade e tolerância como princípios orientadores desta formação.
Como fundamento para atuação do profissional de História,
privilegiou-se a formação para o domínio do conhecimento histórico e
as práticas essenciais para a produção historiográfica e sua difusão. O

237
que implica no desenvolvimento da capacidade de reflexão analítica e
crítica, a partir de posturas de diálogos e construção de conhecimentos
em conjunto com outras áreas disciplinares. Neste aspecto, o objetivo
do curso se pauta em formar professores de História para atuar na
Educação Básica (ensinos Fundamental e Médio) e em espaços não-
formais de ensino.
Do ponto de vista da atuação profissional, o curso apresenta
como proposta a formação que permita exercer sua atividade em
diferentes setores da sociedade que articulam a construção de
conhecimentos sobre a dimensão temporal, como escolas, museus e
centros de memórias e documentação. Selva Guimarães Fonseca e
Regina Couto (2008, p. 124), advertem da necessidade de pensar em
conteúdos multidisciplinares e interdisciplinares, assumindo o desafio
de quebrar a lógica disciplinar, sem perder de vista que se deve pensar
em espaços interculturais que possam dar outros significados as
dimensões da teoria e da prática – bem como o ensino alicerçado à
pesquisa – e pensar que as transgressões metodológicas são passos
significativos e desconcertantes, que se deve considerar, no sentido de
ampliar os horizontes de atuação do profissional de História. O que se
está defendendo, e que pode ser vislumbrado na proposta do curso, é
uma atuação de forma privilegiada no espaço escolar, sem perder de
vistas outras dimensões. Nesse caso, se coloca a responsabilidade ao
docente que media e viabiliza a construção do conhecimento histórico
escolar, que mobiliza elementos teórico-metodológicos e didático-
pedagógicos para planejar e fundamentar as bases das escolhas
curriculares, o mesmo grau de compromisso no que se refere pensar o
espaço do ensino para além da sala de aula.
Como observado anteriormente, além de trabalhar diretamente
na sala de aula, o profissional formado no curso de História do Campus
de Ananindeua, pode atuar com competência em outros espaços de
ensino, guarda e preservação de memória. Deve estar apto a elaborar e
analisar materiais didáticos, como livros, textos, vídeos, programas
computacionais e ambientes virtuais de aprendizagem. Tem ainda

238
condições de realizar pesquisas em Ensino de História, coordenar e
supervisionar equipes de trabalho. Em sua atuação, deve primar pelo
desenvolvimento do educando, incluindo sua formação ética, a
construção de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico.
Sua habilidade ao exercício docente, pressupõe transitar entre o saber
histórico acadêmico e o saber histórico escolar, além das práticas
essenciais de sua produção e difusão no contexto escolar.
Diante de uma atuação profissional caracterizada por uma
postura crítica e autonomia intelectual, assim como problematizadora
dos processos de significação da própria área do conhecimento, seja em
termos historiográficos, da cultura escolar ou da cultura histórica de
modo geral, o professor de História deve atentar que sua atuação no
magistério deve ser concebida como uma dimensão que ultrapassa a
mera tarefa pedagógica de transmitir o conhecimento, como adverte
Paulo Knauss (2001). Trata-se, neste aspecto, de enfatizar que o
conhecimento histórico deve ser orientado no sentido de indagar a
relação dos sujeitos com os seus objetos de conhecimento, provocando
seu posicionamento, questionando as formas de existência humana e
promovendo a redefinição dos posicionamentos de sujeitos no mundo
em que vivem. A partir disso, é preciso considerar que a produção do
saber histórico se evidencia como instrumento de leitura do mundo e
não mera disciplina (KNAUSS, 2001, p. 28).
A atividade da docência, considerando as observações
anteriores, como lembram Luiz Gonzaga Caleffe e Herivelton Moreira
(2006, p. 16-17), exige interação com a sociedade em toda a sua
estrutura organizacional, a fim de poder promover junto com seus
interlocutores a análise da realidade histórica e dela buscar
conhecimentos e experiências para avaliação e aprimoramento do
próprio ensino. Nesse sentido, acrescenta as autoras, o professor pode
realizar pesquisas que possam conduzir no contexto da prática
profissional imediata, com o objetivo de melhorar sua prática
pedagógica, desenvolver novas estratégias de ensino e buscar soluções
para os problemas que afetam a aprendizagem do aluno, ajudando os

239
gestores da educação a entender melhor o contexto em que ocorrem o
ensino e a aprendizagem.
Ainda sobre a questão, respaldando as reflexões anteriores,
deve-se atentar que o modo de formar professores de História, como
expressa a Resolução nº 13, de 13 de março de 2002, que estabelece as
Diretrizes Curriculares para os cursos de História, as quais devem ser
acompanhadas de ações que valorizem o papel de pesquisador, o que
possibilita, neste aspecto, diminuir as distâncias existentes entre as
práticas e os saberes históricos produzidos e debatidos no espaço da
Universidade e aqueles ensinados nas escolas de Ensino Fundamental e
Médio. Sem cair em reducionismo, estaríamos tratando aqui da ideia de
um professor-pesquisador, o que segundo José Carlos Libâneo (2002),
representaria adotar uma epistemologia da prática. No caso, trata-se de
uma crítica à dicotomia entre teoria e prática, que está presente nos
cursos de licenciatura, uma questão que a formação de professores, no
caso da graduação em História do Campus de Ananindeua da UFPA,
procura superar. Nesse sentido, a preocupação em formar o professor
com conhecimento em fazer pesquisa é essencial para que ele possa
deixar de ser um reprodutor das práticas convencionais que são
internalizadas pela força da tradição e passe a ser produtor de
conhecimento e autor de sua ação educativa.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos e
considerando a ideia de formar professores-pesquisadores, o curso
focaliza a aprendizagem do aluno de maneira libertadora, crítica e
criativa, uma vez que a intenção não é formar profissionais que são
meramente receptores de conhecimento, mas que reflita e que se
perceba como produtor de conhecimento. O que se pretende é contribuir
para que os alunos sejam coparticipantes no processo de ensino
aprendizagem, para que eles façam parte de uma relação tríade: aluno,
professor e o conhecimento. É o que poderíamos chamar de professor-
mediador. Para Libâneo (1994, p. 47), uma das características mais
importante da atividade profissional do professor é a mediação entre o
aluno e a sociedade, entre as condições de origem do aluno e sua

240
destinação social na sociedade, papel que cumpre provendo as
condições e os meios (conhecimento, métodos, organização, de ensino)
que assegura o encontro do aluno com os materiais de estudo. Para isso
planeja, desenvolve suas aulas e avalia o processo de ensino,
contribuindo assim, a partir de elementos didático-pedagógicos,
teóricos e metodológicos da ciência de referência e dos fundamentos da
educação, para que o aluno construa com autonomia o conhecimento.
Diante deste procedimento, como expressa o Projeto
Pedagógico do Curso de História (PPC) do Campus de
Ananindeua/UFPA, é fundamental que o docente saiba articular e
mobilizar os saberes históricos aos temas transversais para que o aluno
se perceba sujeito de sua formação e que possa refletir sobre a sua
realidade e o seu papel social, ou seja, pensar a educação para a
emancipação. Para isso, faz-se necessário trabalhar de forma
interdisciplinar, ou seja, proporcionar a integração dos conteúdos de
uma disciplina com outras áreas de conhecimento, relacionando teoria
e prática, integrando os conhecimentos que fazem parte da realidade
dos alunos com a teoria, para que estes possam ter uma melhor
compreensão dos processos de construção de sentidos e do mundo
(BRASIL, 2017, p. 11).
Pensar sobre experiência de formação docente implica também
em refletir sobre a percepção de prática reflexiva, que surge como um
modo possível dos professores interrogarem as suas práticas de ensino.
De acordo com Isolina Oliveira e Lurdes Serrazina (1998, p. 29), a
reflexão fornece oportunidades para voltar atrás e rever acontecimentos
e práticas. A expressão "prática reflexiva" aparece muitas vezes
associada à investigação sobre as práticas. Uma prática reflexiva
confere poder aos professores e proporciona oportunidades para o seu
desenvolvimento. A insatisfação sentida por muitos educadores com
sua preparação profissional, que não contempla determinados aspectos
da prática, tem conduzido a movimentos de reflexão e de
desenvolvimento do pensamento sobre as experiências docentes.

241
Para que as orientações anteriores se efetivem, como defende o
PPC, as atividades curriculares primam pela inclusão dos temas
transversais nos debates e nas ações educativas previstas para o curso,
em que articulam aos componentes curriculares do Núcleo de
Aprofundamento e Diversificação de Estudos às noções e debates
relativos à educação e direitos humanos, às políticas de educação
ambiental, à educação e as relações étnico-raciais e da cultura afro-
brasileira e indígenas. Ressalta-se que além dessas questões serem
tratadas de forma transversal ao currículo, o Curso de História oferta
alguns desses temas transversais em forma de disciplinas para que o
discente possa articular e mobilizar esses saberes num movimento
interdisciplinar e voltado para o respeito à diversidade nas suas
diferentes manifestações (BRASIL, 2017, p. 11).
Além do princípio libertador, crítico e criativo da
interdisciplinaridade, do diálogo, da relação teoria e prática, outro
princípio metodológico importante e que já apontamos de forma mais
objetiva é a pesquisa, pois através dela os alunos serão incentivados a
ir em busca de novos conhecimentos, a criar, estudar conceitos e
fundamentos pedagógicos que os possibilitem intervir na realidade.
Para facilitar a aplicação e desenvolvimento do que se produz e do que
está em produção na formação docente, do ponto de vista da pesquisa,
a promoção de ações extensionistas é fundamental. Não se trata de mera
prestação de serviços à comunidade, mas como componente essencial
de formação dos alunos, em que eles possam elaborar e executar
projetos educacionais em diversas instituições de ensino (BRASIL,
2017, p. 11). Para além dessa vivência docente no espaço escolar, as
atividades curriculares do campo educacional suscitam uma melhor
compreensão sobre o papel do educador, como também lhe dá suporte
para exercer atividades relativas à gestão educacional dos sistemas
educativos de ensino.
Com a adoção das ações anteriores, busca-se novos objetos que
não sejam os heróis do passado e não necessariamente o jogo frio da
luta entre indivíduos e grupos sociais pelo domínio do poder político e

242
das estruturas econômicas. Objetiva-se então, com a proximidade com
a realidade, recuperar o sujeito em sua cotidianidade do contexto social
onde está inserido. Pretende-se valorizar o presente, os desafios
humanos atuais, as preocupações mais urgentes da humanidade. A
centralidade nos desafios atuais dá outra perspectiva ao estudo do
passado, reconhecido agora como memória histórica e patrimônio
cultural resgatando numa nova abordagem, como tarefa da
emancipação humana (RIBEIRO & MARQUÊS, 2001, p. 22).
Para contribuir com a formação dos alunos, outro componente
metodológico importante é a adoção de pluralismos de espaços e
estratégias de ensino, como evidenciamos anteriormente. Isto se
justifica por possibilitar e incentivar os alunos a participarem de eventos
culturais, científicos, acadêmicos, bem como o envolvimento com
projetos educacionais que englobem as comunidades próximas à
universidade, trabalho com monitoria nas escolas de Educação Básica
e na participação em grupos de pesquisa que debatam sobre os
processos de ensino-aprendizagem e sociabilização, bem como
elaborem ações voltadas para a formação continuada dos docentes
(BRASIL, 2017, p. 11).
Quanto às estratégias metodológicas, além da aula expositiva
dialogada, os professores podem propor aos alunos trabalhos
individuais e em grupo, que contem com a proposição e execução de
projetos educacionais e incluam o uso de novas tecnologias da
informação e da comunicação; seminários e outras atividades e
estratégias didático-pedagógicas a critério do professor, a fim de
incentivar os alunos a participarem ativamente do processo de ensino
aprendizagem, assim como ações combinadas com as escolas de
educação básica para proporcionar aos graduandos a experiência
docente em diferentes áreas do campo educacional. Relacionado a isso,
os princípios avaliativos são essenciais para o processo de
aprendizagem dos alunos, mas a avaliação não pode ser entendida como
mero instrumento de constatação de resultados, pelo contrário,
defendemos uma avaliação que seja formativa, ou seja, a avaliação do

243
que o aluno realmente aprendeu e do que precisa aprender, explorando
múltiplas estratégias e instrumentos de avaliativos, tais como: provas,
seminários, trabalhos individuais e em grupos, pesquisa, entre outros,
haja vista que dessa forma é possível avaliar os alunos de diversos
ângulos. Além disso, é necessário avaliar a participação dos discentes
em múltiplas dimensões da vida acadêmica, como por exemplo, em
eventos científicos, culturais e monitoria, entre outros (BRASIL, 2017,
p. 12).
Entre a formação docente e a investigação, o Curso de História
da UFPA, Campus de Ananindeua, nos aponta um caminho que
perpassa pela elaboração de um currículo que tenha a dimensão da
compreensão de um passado muito mais próximo da demanda e
realidade apresentada pelo tempo presente.

Imagem 01: Representação gráfica de formação, PPC História,


Campus Ananindeua/UFPA.

(Continua)

244
Fonte: BRASIL, 2017, p. 57.

Outras considerações

Após fazermos uma análise apresentada no PPC do Curso de


Licenciatura em História, notamos uma mudança significativa, que
atende as exigências da contemporaneidade. Desde a década de 80 vem
ocorrendo mudanças na política educacional, e com elas, vem o
surgimento de mudanças no campo da formação de professores, com o
processo de consolidação da abertura política, que se tornou um dos
fatores cruciais na revisão e conceituação do saber escolar como um
todo, definindo, sobretudo, seu papel no contexto social, político e
econômico da sociedade brasileira.
É imprescindível que tenhamos um currículo que atine para a
formação técnica do profissional, mas que o prepare para enfrentar um
contexto de sala de aula inserido numa política afetada pela

245
desigualdade social, escassez de recursos e um sistema educacional
fragilizado. Diante disso, é necessário que se forme um novo
intelectual, um novo perfil de egresso, um intelectual moderno,
diretamente produtivo, com capacidade para atuar com eficácia prática
e política, que se dedique a fazer crítica ao arcaico princípio educativo
e se predisponha a trazer inovações no que tange à metodologia de
ensino.
O que observamos nos antigos currículos são remendos pouco
eficazes na consecução daquilo que se realmente almeja na formação
do profissional e de sua desenvoltura na prática do ensino, como
também no campo de produção acadêmica. Deparamo-nos com alunos
de graduação que tem verdadeiro pavor de enfrentar a sala de aula.
Quando não, com concluintes do curso que não tem a mínima
capacidade de redigir um trabalho ou projeto acadêmico. São meros
reprodutores de ideias prontas, sem pensamento crítico ou inovador,
mas, sobretudo, que não atinam para o verdadeiro sentido do que seria
educação e a profissão de educador. São estas características formativas
que a Licenciatura do Campus de Ananindeua/UFPA procura superar.
Apontamos aqui, um curso construído da necessidade de se
trazer para o âmbito da educação a discussão e problematização de
questões deste novo milênio, quais sejam a intensificação e aplicação
da discussão de temas que envolva os direitos humanos, questões de
gênero, ou seja, temas atuais que precisam ser abordados nas escolas e
delineiam o perfil da realidade social. Destarte, o profissional de
licenciatura deve estar preparado para lidar e compreender tais vertentes
do campo social, havendo assim uma vinculação entre a educação, o
trabalho e as práticas sociais.
Nos parece que é nas demandas sociais da contemporaneidade
e na necessidade de superação das dificuldades pelo conhecimento da
trajetória histórica da sociedade, que o curso em tela se sustenta.

246
Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE)/Conselho Pleno


(CP). Resolução nº 01, de 18 de fevereiro de 2002. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Brasília, 2002.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE)/Conselho Pleno (CP).


Resolução nº 02, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga
horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de
professores da Educação Básica em nível superior. Diário Oficial da
União. Brasília. 04/03/2002.

______. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal, 1996.

______. Ministério da Educação. Lei nº 9.795, de 27 abril de 1999.


Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1999.

_______. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de


2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 2001.

______. Ministério da Educação. Parecer nº 492, de 3 de abril de 2001.


Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação [...]
História. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal, 2001.

247
______. Ministério da Educação. Portaria nº 2.253, 18 de outubro de
2001. Autoriza a inclusão de disciplinas não presenciais em cursos
superiores reconhecidos. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2001.

______. Ministério da Educação. Resolução nº 13, de 13 de março de


2002. Estabelece as Diretrizes Curriculares para o Curso de História.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 2002.

______. Ministério da Educação. Portaria nº 3.284, de 7 de novembro


de 2003. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas
portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e
de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 2003.

______. Ministério da Educação. Resolução nº 1, de 17 de junho de


2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal, 2004.

______. Ministério da Educação. Resolução nº 3.186, de 16 de


dezembro de 2004. Institui Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Graduação. Conselho Superior de Ensino, Pesquisa Extensão: Belém,
2004.

______. Ministério da Educação. Parecer nº 8, de 31 de janeiro de


2007. Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à
integralização e duração dos cursos de graduação, bacharelados, na
modalidade presencial. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2007.

248
______. Ministério da Educação. Resolução nº 2, de 27 de agosto de
2004. Adia o prazo previsto no art. 15 da Resolução CNE/CP 1/2002,
que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2007.

______. Ministério da Educação. Lei nº 11. 788, 25 de setembro de


2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428
da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2008.

______. Ministério da Educação. Portaria SERES/MEC nº 938, de 01


de dezembro de 2015. Autoriza o funcionamento do Curso de
Licenciatura em História, na Universidade Federal do Pará, Campus
Universitário de Ananindeua. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil. Brasília, DF, 2015.

______. Universidade Federal do Pará. Resolução nº 3.633, de 18 de


fevereiro de 2008. Regulamento do Ensino de Graduação. Conselho
Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão: Belém, 2008.

______. Universidade Federal do Pará. Projeto Pedagógico do Curso


de Licenciatura em História do Campus Universitário de Ananindeua.
Belém: UFPA, 2017.

FENELON, Déa Ribeiro. A formação do profissional de História e a


realidade do ensino. Revista Tempos Históricos, volume 12, 1º
semestre, 2008, p. 23-35.

FONSECA, Selva Guimarães, COUTO, Regina do. A formação de


professores de História no Brasil: perspectivas desafiadoras do nosso
tempo. In: ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva G. (Org.). Espaços
de formação do professor de História. Campinas: Papirus, 2008.

249
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GUIMARÃES, Claudivan Santos. A educação no Brasil após a


redemocratização (1985-2002). Revista Fundamentos, V.2, n.1, 2015,
p. 98-118.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, (coleção


Magistério 2º grau. Série formação do professor). 1994.

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar


de pesquisa. In SÔNIA, M. Leite Nikitiuk (org.). Repensando o ensino
de história. 4ª ed. São Paulo, Cortez, 2001.

MOYSÉS, Lúcia Maria. O desafio de saber ensinar. Campinas:


Papirus, 1994.

MOREIRA, Herivelton; CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia da


pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

OLIVEIRA, Isolina, SERRAZINA, Lurdes. A reflexão e o professor


como investigador. 1998. Disponível em: < http://www.google
acadêmico.com. br > Acesso em 10 de outubro de 2017.

RIBEIRO, Luís Távora Furtado, MARQUES, Marcelo Santos. Ensino


de história e geografia. 2ª ed. Fortaleza: Brasil Tropical. 2009.

RICCI, Rudá. Vinte anos de reformas educacionais. Revista Ibero


americana, número 31.

250
251
Esta obra foi produzida via impressão digital por demanda.
Editora Amazônica Bookshelf
www.amazonicabookshelf.com

252

Você também pode gostar