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CRIANÇAS E NARRATIVAS:

MODOS DE LEMBRAR E DE
COMPREENDER O TEMPO NA
INFÂNCIA
Professora Dra. Maria Aparecida Leopoldino
Andréa Borges Medeiros
• Possui graduação em Pedagogia pelo Instituto Católico de Minas Gerais (1993). Tornou-se mestre em
Educação (2001); concluiu o doutorado (2011) no Programa de Pós-Graduação em Educação ( PPGE/
FACED) da Universidade Federal de Juiz de Fora.
• Atuou como coordenação pedagógica da Escola Municipal José Calil Ahouagi (MG);Lá atuou também
como diretora escolar nos anos de 2003 a 2008. Atualmente atua na Secretaria de Educação da
Prefeitura de Juiz de Fora, ocupando o cargo de Subsecretária de Articulação e Políticas Educacionais. 
• Publicações:
• MEDEIROS, Andréa Borges de . Sobre crianças e borboletas: narrativas de aprendizagens no cotidiano
da escola. Educação em Foco (Juiz de Fora) , v. 1, p. 279-297, 2015. 
• MEDEIROS, A. B. . A fonte, as lágrimas e a sedução da feiticeira. Educação em Foco (Juiz de Fora) , Juiz
de Fora, v. 6, n.2, p. 127-138, 2001. 
• MEDEIROS, Andréa Borges de . Cortejos de Congo e Africanidades- Relações entre prática escolar e
imagunação museal. In: Elayne Luciana Leite de Melo. (Org.). Cortejos de Congo e Africanidades_
Relações entre prática escolar e imaginação museal. 1ed.Juiz de Fora: Templo, 2015, v. 1, p. 113-121. 
Por que ler o artigo de Medeiros?
• RESUMO:
• O texto resulta de uma pesquisa de doutoramento em processo de
finalização que investiga as dinâmicas da memória na infância. Por meio da
análise das elaborações das crianças na comunicação de suas lembranças
através de narrativas, observa-se como se configura a habilidade das
crianças para estabelecer relações entre tempos. Propor às crianças que
contem sobre o seu passado, sob a mediação dos artefatos produzidos no
cotidiano escolar, pode proporcionar-lhes uma experiência narrativa com
forte potencial para promover a compreensão da temporalidade histórica. 
• Ou seja: o seu intuito de dar visibilidade aos processos de construção da
Memória Social por crianças permite relacionar a compreensão temporal.
Crianças e narrativas: reconhecendo a
existência do tempo
• "[...] a sua experiência [de Sara] é tramada
nas descontinuidades e nas rupturas
[temporais]". (p.7);
• As investigações sugerem que a experiência se processa
de modo narrativo e que a compreensão da história
pelas crianças se realiza preferencialmente deste modo;
• As narrativas das crianças [que se depararam com o
trabalho de Sara] possibilitou expressar os valores
culturais do grupo e a troca de experiências de suas
realidades, além de mapear lugares e
temporalidades diversas.
O enredo:
• Após uma briga derivada de um momento de agressão na sala de aula, Sara,
uma menina que na época tinha seis (6) anos, foi posta para fora da sala de
aula pela professora sob uma justificativa pouco ortodoxa para
qualquer cotidiano escolar: a menina teria se transformado em “Lobisomem” e
estava aguardando, do lado de fora da sala, o efeito da “lua cheia passar”. 
• Um ano depois, ao arrumar um conjunto de documentos conservados no
arquivo da escola, o evento de encantamento voltaria à tona no debate entre
as crianças daquela turma quando, num ato de rememoração, elas se viram
diante do enigma de um papel rasgado. No desdobramento daquele
acontecimento novo, as crianças referiram-se ao rasgo como um gesto do
“lobisomem”. No passado, a sua fúria investida aos trabalhos expostos nas
paredes da classe resultou na destruição de muitos.
• No primeiro evento, quando as crianças se depararam com o desenho
que continha um rasgo bem ao meio, interpretaram-no como um
vestígio da passagem do lobisomem pela sala de aula. Elas se
posicionariam de tal modo que as narrativas engendradas sobre
aquele rasgo constituíram momentos de tensão em torno daquela
lembrança. Isto porque Sara, a menina que protagonizou
a transformação, chocou-se com o relato dos colegas, e, em prantos,
negou a autoria de ambos: do rasgo e do desenho estampados
naquela folha que, no verso, trazia a sua assinatura em letra de forma.
• No ímpeto daquele instante rememorado, disparado pelo papel rasgado,
Sara incluiu outros sentimentos no rol das lembranças, e eles
foram reconhecidos como legítimos pelas colegas presentes. Ela criou uma
narrativa entrecortada não só pelos soluços provenientes do seu choro
incontrolável, mas também por conteúdos mistos, ou seja, ao estabelecer
parâmetros que definiam critérios de verdade e mentira em torno da
transformação em lobisomem, ela mesclava conteúdos narrativos distintos.
• Narrava uma situação de agressão que ocorrera com a sua irmã na
intimidade familiar, e, ao mesmo tempo, dizia que já havia crescido e que
não podia mais rasgar. Em fragmentos, a narrativa apresentava um mesmo
fio condutor: a raiva que ela dizia sentir.
• As operações de memória das outras crianças quando afetadas pela
reação de Sara, mergulhada em ressentimento, apresentaram uma
multiplicidade de processos que envolveram desde a re-a-
presentação do acontecimento vivido, conforme as crianças se
lembravam dele, até o abandono da discussão sobre o papel rasgado,
uma vez que, comovidas pelo sofrimento da colega, elas optaram
por consolá-la.
Qual a importância da narrativa para a
percepção do tempo para a criança?
• Para Bruner, a partir dos elementos da cultura, “a
criança narra para si mesmo e para o outro o que
lhe acontece” (2001, p. 90). Assim, ao construir
suas narrativas, ela situa ou contrasta seus
relatos dentro de um amplo modelo cultural,
organizando sua experiência, contando uma
história que faça sentido para ela, conferindo
significado aos acontecimentos e não
necessariamente para resolver seus dramas.
• Qual foi a reação de Sara e das outras crianças
quando reviram a folha com o rasgo?
Experiência, memória
e narrativa:
• "Narrar sempre de novo a experiência partilhada,
buscando refletir sobre as estratégias das crianças
para produzir lembranças e comunicá-las,
constituindo memórias e compreensões sobre o
tempo, é uma forma de ressignificar o passado no
presente e apresentá-lo em sua novidade. Desse
modo, puxei alguns fios de reflexão depois de
presenciar os movimentos das crianças em torno
do acontecimento que envolveu a Sara e a
experiência coletiva em torno da história da sua
transformação em lobisomem". (p.7-8) 
• "Um deles foi o de que as crianças, quando em
contato com algum artefato ou objeto de guarda,
como foi o caso do desenho colado com fita de cola,
criam contextos diferentes de interação e de
comunicação de suas lembranças. Elas fazem isso
narrando e buscando compreender a simultaneidade
de suas ações e participações no mundo, mas a
multiplicidade e a diversidade das reminiscências que
surgem imbricadas na experiência rememorada
variam de acordo com envolvimento delas na
experiência coletiva". (p.8)
• "Outro fio de reflexão foi que a folha restaurada
pela fita de cola funcionou como um dispositivo,
porque disparou as lembranças das crianças. Ela
instigou outras composições que extrapolaram o
contexto da criação do desenho. As práticas que
deram origem ao desenho não foram
mencionadas. As crianças não se interessaram
pela lembrança da quele momento de criação e
nem mesmo pelas histórias sobre os outros
desenhos que estavam sobre a mesa. Elas
desfiaram as narrativas, criando um mosaico
delineado por rupturas e entrecortado por
histórias e lembranças outras, porém semelhantes
no tema da metamorfose". (p.8)
Como resultado, a investigação possibilitou
compreender que:
• O olhar da criança, ao captar o mundo por seu viés, muitas vezes
diferentemente do que adultos e professores podem perceber,
constrói sentidos para suas vidas e modos de interpretar o
mundo, portanto, o tempo e as ações sociais dos sujeitos históricos;
• Como ser cultural, a criança interage e sofre interferências
socioculturais e, naturalmente, essa relação também acontece no
ambiente familiar e escolar. Disso resulta que a questão da
temporalidade e da forma como as crianças entendem a passagem
do tempo está relacionada com a experiência familiar e suas redes de
sociabilidades desenvolvidas na escola.
• Os modos de lembrar, de narrar e de ser das crianças que
participaram da pesquisa, vinculam-se com a sua experiência familiar
e escolar.
• A pesquisa mostrou que é objetável não as lembranças pessoais, mas
as relações de memória socialmente engendradas no cotidiano e, por
isto, banhadas nas relações sociais.
Memórias da infância: o ensino de História e
a narrativa de lembranças
• O que é objetável não são as lembranças pessoais,
mas as relações de memória socialmente
engendradas no cotidiano e, por isto, banhadas nas
relações sociais. Tal consideração fortalece os
pressupostos em torno dos processos de linguagem
para a constituição de memórias. Nas trocas
narrativas, as crianças partilham o seu olhar para o
mundo;
• "As crianças, ao provocarem o mundo das coisas, não
apenas se põem a falar com elas. Elas brincam,
recolhem cacos, detritos, olham o mundo, as pessoas
e as coisas, “marcando com as suas perguntas as
bordas, as falhas, o invisível, o inaudito”. (MEIRA,
2003, p.79).
• A proposta pedagógica é a de criar interlocuções com
professores e propostas curriculares, procurando portas
de entrada para pensar as relações entre  o ensino de
História e a cultura da escola, no que tange às relações
de Memória e às operações da História;
• A proposta em questão instiga uma política pedagógica
sensível às reinterpretações de um passado revisitado
no presente pela força viva da Memória, como também
uma visão de História pautada em versões e, portanto,
em verdades parciais. O que essa proposta proporciona
é uma articulação curricular baseada em
deslocamentos conceituais para a construção do
pensamento histórico na infância;
• Reconhece-se que o “passado não é o
antecedente do presente, é a sua
fonte” (BOSI, 1994, p. 48).
• A memória exerce o papel de estabelecer
vínculos entre-tempos, entre aqueles
que morreram e os que permanecem vivos.
• A narrativa é uma possibilidade de
restauração do passado;
• "Quando se trata de crianças a rememoração
também pode ser vista como um ato voluntário, não
espontâneo, porque as crianças reconhecem quando
estão se lembrando de algo que já passou, ou seja,
elas percebem a temporalidade. Mas, ao mesmo
tempo, quando elas reconhecem essa
temporalidade, são tomadas pelas reminiscências
das experiências do passado que se apresentam num
fluxo espontâneo. A imobilização dessas
reminiscências no presente, pela força da lembrança
em contraposição ao esquecimento, cria pontes com
o passado" (Medeiros, 2011, p.63).
Referência Bibliográfica:
• BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
• MEDEIROS, Andréa Borges. Memória de crianças em crônicas de escola:
modos de ser, de narrar e de lembrar. Tese de doutorado. URJF, 2011.
• ________________. Crianças e narrativas: modos de lembrar e de
compreender o tempo na infância. Cadernos CEDES (Impresso) , v. 82,
p. 1-430, 2010. 
• MEIRA, Ana Marta. Benjamin, os brinquedos e a infância
contemporânea. Revista Psicologia & Sociedade; 15(2): 74-87; jul./dez.
2003.

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