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Ciranda de Palavras: os atravessamentos da violência urbana no

desenvolvimento psíquico e social das crianças

Vitoria Regia Oliveira de Alcantara¹, Andrezza Oliveira da


Silva2, Milena Barbosa Leite3 , Ester Moreira de Sales 4,
Juliana Alves Saboia 5, Luciana Martins Quixadá6
1
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: vitoria.alcantara@aluno.uece.br
2
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: andrezza.oliveira@aluno.uece.br
3
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: milena.leite@aluno.uece.br
4
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: ester.moreira@aluno.uece.br
5
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: juliana.saboia@aluno.uece.br
6
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, e-mail: luciana.martins@uece.br

RESUMO. O presente resumo tem como intuito relatar a experiência de Extensão em uma
escola, na qual teve como objetivo a construção de um espaço de escuta ativa para crianças
em situações de vulnerabilidade social. Para tanto, realizou-se um estudo de natureza
qualitativa. O tema central da pesquisa se volta aos atravessamentos da violência urbana no
desenvolvimento psíquico das crianças, tomando como ponto de partida as próprias
impressões destes infantes, expressas por meio de uma dinâmica proposta pelo grupo de
extensionistas na atuação em campo.
Palavras-chave: Crianças. Vulnerabilidade Social. Violência.

1. INTRODUÇÃO
O Projeto de Extensão Ciranda de Palavras, tem como objetivo central a produção de
um espaço que envolve um direcionamento atencional à fala de crianças e adolescentes, bem
como ao incentivo de exercícios de análise e interpretação de histórias para esse público.
Somado a isso, a ação extensionista pode contribuir para subjugar as mazelas de um sistema
que tende a silenciar esses menores negligenciando a capacidade destes de agir e reagir em um
mundo social. Assim, é viável a interlocução entre a fundamentação teórica do projeto e os
estudos da Sociologia da Infância, em virtude de que este campo de análise “propõe-se a
interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma as crianças como objecto de
investigação sociológica por direito próprio, fazendo acrescer o conhecimento, não apenas
sobre infância, mas sobre o conjunto da sociedade globalmente considerada” (SARMENTO,
2005, p. 361).
As questões que essa experiência suscitou permanecem, pois não se realizou nenhuma
investigação mais detida sobre a vida dessas crianças. Contudo, os desenhos e as colocações

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marcantes das crianças envolvidas no projeto configuram-se como a motivação que levou às
reflexões deste relato de experiência.

2. METODOLOGIA
O presente trabalho, de natureza qualitativa, do tipo relato de experiência, foi realizado
a partir do Projeto de Extensão Ciranda de Palavras, exercido de modo grupal dentro de um
contexto de situações sociais delimitadas temporal e espacialmente. Os encontros do Ciranda
se dão às segundas-feiras pela manhã, com turmas do 2º ano do Ensino Fundamental, em uma
escola pública de Fortaleza localizada no bairro Serrinha. Dentro deste espaço, as equipes de
extensionistas alternam os momentos com suas respectivas turmas entre um dia de contação
de história, cuja escolha do tema é definido semanalmente pelas próprias crianças, e um dia de
produção artística sobre o tema da última contação. A dinâmica artística, a qual norteou a
experiência relatada, teve como temática o “medo”. Assim, foram solicitados desenhos com
giz de cera, registrados em um papel madeira, que representassem determinado receio nestas
crianças.
Para a produção deste resumo, foram utilizados materiais bibliográficos de apoio em
autores como Sarmento (2004; 2005), juntamente com Catarina Tomás (2004; 2005) e Natália
Fernandes (2004; 2005), na pauta que corresponde aos estudos da Sociologia da Infância e do
desenho infantil, e também nos debruçamos acerca da politização da infância e da
subjetivação da criança com Castro (2008) e Quixadá (2019). Por fim, ainda foram estudadas
as teorias foucaultianas e vigotskianas no que tange aos discursos de poder (TAKEITI, 2011) e
a formação social da mente (VYGOTSKY, 1991).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em uma manhã de segunda-feira bastante ensolarada, reunimos um grupo de nove
crianças em um grande círculo no pátio de uma escola pública. Embora o local escolhido
fosse iluminado e ventilado, era também repleto de ruídos sonoros e refém da circulação de
professoras e dos demais funcionários da instituição, fatores estes que corroboravam
negativamente, desencadeando na constante dispersão dos acolhidos na roda. Espalhamos
pelo tatame verde uma grande quantidade de giz de cera com cores bem vivas que encheram
os olhos das crianças. Pedimos que elas desenhassem, em uma folha de papel madeira, aquilo
que representasse medo para elas. Ao término das produções, percebemos que, das nove
crianças, seis retrataram a violência urbana. João (nome fictício), um dos alunos novos em
nosso projeto, desenhou um coração na cor vermelha e um pequeno objeto de mesma cor ao
lado, o qual ele nomeou como uma bala. Quando perguntado a respeito do que aquela arte
representava, João comentou: “É uma bala no coração do meu pai. Tenho medo dele levar um
tiro”.
Diante da fala de João e de outras crianças que serão aqui mencionadas, é importante
ressaltar que, ao pautarmos nossa atuação na concepção da Sociologia da Infância,

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consideramos esse período da vida como uma construção social e compreendemos as crianças
como atores sociais, sujeitos de direitos, ativos e competentes cujas vozes devem ser ouvidas
(SARMENTO; SOARES; TOMÁS, 2004). Divergimos, então, de um entendimento
generalizado de que as crianças são como folhas em branco, sujeitas a um adulto cuja posição
de soberania emite uma voz que se sobressai às delas, inclusive no que tange aos seus
sentimentos, interesses e necessidades. Nessa perspectiva, os adultos, “ao encarnarem sua voz,
os mantêm ‘fora’ do campo de constituição discursiva da sociedade” (CASTRO, 2008).
Como um espaço onde o infante é visibilizado, no Ciranda de Palavras atuamos como
mediadoras para que as crianças construam suas próprias narrativas e se fortaleçam, também,
enquanto sujeitos políticos e de direitos. As crianças delimitam a temática abordada e, a partir
dela, compartilham e expressam o que sentem e o que pensam em uma ciranda na qual a
estrutura e o funcionamento subvertem a hierarquia de controle do adulto sobre a criança.
Dessa forma, ao promover um espaço acolhedor onde as crianças podem falar sobre suas
vivências com suas famílias e comunidades, as atividades do Projeto constituem um recurso
importante na medida que as vemos não como meros objetos, mas como sujeitos de
conhecimento.
O desenho e a fala de João a respeito do seu medo são um exemplo disso, pois, ao
retratar a violência que o amedronta, o menino nos mostra o quanto as crianças são capazes de
interpretar aquilo que está presente no cotidiano delas e transparecer sobre as realidades
sociais nas quais estão inseridas (FERNANDES; SARMENTO; TOMÁS, 2005). Para que
isso ocorra, todavia, concebemos o papel da mediação como primordial, visto que é a partir da
contação de história, elemento mediador para o assunto tratado, que as crianças vão falar
sobre seus mundos e ressignificar suas experiências. Assim, como preconizado por Vygotsky,
o processo de representação mental tem origem social e é mediado pelos signos, isto é, pelas
palavras que classificam e organizam o real (VYGOTSKY, 2000 apud QUIXADÁ, 2019).
Ademais, segundo Castro (2009 apud TAKEITI, 2011), a subjetividade também é
permeada pela relação do sujeito consigo mesmo ou pelas atividades que incidem sobre ele.
Isto é, o indivíduo é reflexo do que vivencia e das suas relações sociais cotidianas, condição
esta que causa apreensão e medo nas crianças residentes em locais vulneráveis à violência.
Desse modo, é importante considerar que a incidência da violência no território dessas
crianças afeta a subjetividade delas.
De acordo com Sarmento (2004), é de vital importância permitir que a criança possa se
expressar de modo lúdico, como pelo desenho ou pela brincadeira, levando-se em
consideração que é um modo de o sujeito relatar a sua visão de mundo, e de como é atribuído
o significado do que está acontecendo à sua volta. À exemplo disso, temos a representação
simbólica realizada pelo menino João, a respeito do medo de perder o pai decorrente da
violência urbana.
Seguindo essa perspectiva, temos que, com o Projeto Ciranda de Palavras, é possível
perceber as nuances dos impactos da violência urbana no desenvolvimento das crianças que

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estão em maior contato com essa realidade. Vygotsky (1991) reitera a relevância do contexto
social na construção de uma vida psíquica. Assim, pensando em tal concepção, utilizamos as
produções artísticas como meio de conseguirmos extrair desse público, de maneira lúdica, as
repercussões que a violência urbana é capaz de causar no desenvolvimento, tendo em vista os
vários momentos em que a crueldade humana pode atravessar a vida dessas crianças.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da discussão desenvolvida, consideramos que o Ciranda de Palavras
promove, por meio de uma roda de contação de histórias e produção artística, um espaço
seguro, lúdico e divertido para os infantes. No decorrer do projeto, é concedido às crianças um
lugar de fala, no qual elas possam relatar partes de sua vida e cotidiano de forma sensível,
portanto, os resquícios de vulnerabilidade exposta por elas nos conduzem a refletir sobre
como a violência consegue atravessar, com impacto, sujeitos tão jovens. Por fim, infere-se
que, quando destinado um local que as fazem ter uma posição de fala e de expressões de seus
sentimentos, as crianças que fazem parte do Ciranda possuem uma oportunidade de entender
suas emoções e olhar para si como um ser de importância e protagonismo.

5. REFERÊNCIAS
CASTRO, Lúcia Rabello de. A politização (necessária) do campo da infância e da
adolescência. Revista de Psicologia Política, São Paulo, v. 14, n. 7, 2008.
FERNANDES, Natália; SARMENTO, Manuel Jacinto; TOMÁS, Catarina Almeida.
Investigação da infância e crianças como investigadoras: metodologias participativas dos
mundos sociais das crianças. 2005.
QUIXADÁ, Luciana Martins. EDUCAÇÃO INFANTIL E SUBJETIVAÇÃO DA CRIANÇA
NA SOCIEDADE DE CONSUMO. Polêm! ca, v. 19, n. 1, p. 020-038, 2019.
SARMENTO, Manuel. Gerações e Alteridade: Interrogações a partir da Sociologia da
Infância. 2005.
SARMENTO, Manuel Jacinto; PINTO, Manuel. As culturas da infância nas encruzilhadas
da 2ª modernidade. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; CERISARA, Ana Beatriz. Crianças e
miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto, Portugal: Edições ASA,
2004.
SARMENTO, Manuel; SOARES, Natália; TOMÁS, Catarina. Participação Social e
Cidadania Activa das Crianças. 2004.
TAKEITI, B. A. Juventude(s), modos de subjetivação e violência: um diálogo com aportes de
Michel Foucault. In: SPINK, M. J. P., FIGUEIREDO, P., BRASILINO, J. (orgs.). Psicologia
social e pessoalidade. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; ABRAPSO,
2011. cap. 4, p. 59-75.
VYGOTSKY , Lev. A formação Social da Mente: O desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora LTDA, 1991.

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