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SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA: uma área em construção

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AmandaCriskollenAmaral Silva
MarianniMicaely Leite de Carvalho¹
2
Valdicélio Martins dos Santos

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar o brincar na perspectiva da Sociologia da


Infância. Usou-se como metodologia uma pesquisa de abordagem qualitativa de cunho
bibliográfico, para melhor compreensão do processo do brincar na escola, a partir de
observações participantes com a análise de dois relatórios de estágio. Dessa forma, as
conclusões apontam que é indispensável um olhar minucioso sobre as atividades que
envolvem o brincar,constando-seatravés desses processos que, na maioria das vezes, a
criança se expressa, manifestando seus sentimentos, frustrações e suas vivências que
ocorrem dentro e fora da escola.

Palavras-chave: Brincar, Criança, Educação Infantil,Sociologia da Infância.

INTRODUÇÃO

Contrariamente aos adultos, entre brincar e fazer coisas


sérias não há distinção para as crianças, pois o brincar é
o que as crianças fazem de mais sério. (SARMENTO,
2004, p. 25)

A Sociologia da Infância aborda o brincar enquanto processo de


socialização entre a criança e seus pares, seja no mundo infantil ou adulto. Na
visão dessa Ciência, a criança possui habilidades de construir e/ou transformar
as culturas do mundo, dessa forma, compreende-se a importância do ato de
brincar para que os sujeitos expressem seus anseios e abstrações da realidade
através de suas experiências, abrangendo o mundo infantil e não somente o
mundo adulto. Desse modo, a Sociologia da Infânciapretende mostrar aos
sujeitos que eles possuem autonomia tantono ato do brincar quanto na escolha
de seus pares.

¹ Graduanda do curso de pedagogia – Universidade Vale do Rio Doce – e-


mail:amanda.criskollen@gmail.com
¹ Graduanda do curso de pedagogia – Universidade Vale do Rio Doce – e-
mail:marimicaely@gmail.com
2
Professor orientador do curso de Pedagogia da Universidade Vale do Rio Doce – Univale –
celinho-martins@hotmail.com

1
O presente trabalho justifica-se a partir das vivências propostas pelo
curso de Pedagogia-UNIVALE, através do estágio curricular em Educação
Infantil,bem como do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
–PIBID, em que pudemos perceber o quanto o brincar é inerente à formação e
desenvolvimento das crianças. A partir de observações participantes e dos
estudos relacionados à Sociologia da Infância ficamos curiosas e instigadas a
pesquisar sobre o brincar visto como atividade séria e não apenas como um
passatempo.

Dessa forma, objetivamos compreender o brincar na perspectiva da


Sociologia da Infância através de práticas vivenciadas no campo de pesquisa.
Para alcançar o objetivo proposto, utilizamos como metodologia um trabalho de
pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, a partir de observações
participantes e análises de dois relatórios de estágio. Os descritos foram
realizados no ano de 2015, com duas turmas com faixa etária de 3 anos,
compostas por 15 crianças em cada uma, totalizando 30 crianças3.

Para tanto, usamos como aporte teórico,Corsaro (1997) e Sarmento


(2004, 2005, 2007) 4 , autores que dedicam seus estudos à Sociologia da
Infância defendendo o direito da criança a uma infância em que lhe é atribuído
seu valor social e cultural enquanto sujeito produtor de culturas e
conhecimentos ativo em suas escolhas.

O trabalho foi dividido em duas seções, sendo que na primeira


abordaremos a Sociologia da Infância através das culturas infantis, sendo essa
uma área em descoberta. Nota-se que nos dias atuais, a sociologia da Infância
vem ganhando um novo espaço dentro das instituições educacionais, tendo
como principal abordagem a socialização das crianças.

Na segunda seção, retrataremos a Sociologia da Infância e o Brincar na


Creche, relatando nossas vivências no campo, através da observação
participante, durante o estágio de Educação Infantil e permanência no PIBID –
Programa Institucional de Bolsa e Iniciação à Docência, relacionando as

3
As duas turmas são de duas escolas diferentes. Sendo uma particular e uma municipal, ambas
pertencentes a cidade de Governador Valadares. Não usaremos nomes para descrever as escolas.
4
Principais autores dessa pesquisa.

2
práticas vivenciadas com a Sociologia da Infância e o brincar, de modo que o
estudo nos permita compreender melhor os fenômenos que ocorrem durante
as brincadeiras.

PARTE 1 - SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E CULTURAS INFANTIS

A Sociologia da Infância vem, cada vez mais, ganhando espaço em


pesquisas que consideram as crianças como atores sociais plenos. Essa visão
aborda os processos de socialização de como as crianças negociam, criam e
compartilham junto a seus pares.

A cultura de pares aconteceatravés das interações entre as crianças e


outras crianças ou das crianças com os adultos, em momentos proporcionados
pela rotina, pelos interesses e compartilhamentos entre elas. E sobretudo no
ato do brincar que elas produzem ou reproduzem.

O termo cultura de pares foi discorrido em estudos de Willian Corsaro,


que pesquisou crianças em seus locais de brincadeiras, e a partir de então
ampliaram-se os estudos acerca da Sociologia da Infância.

Na década de 1990 no Brasil, a Sociologia da Infância começou


consolidando-se na qualidade de campo teórico pensando na educação e no
universo cultural das crianças, a partir da ideia de que essas são atores sociais
e que possuem noções de respeito do que é ser criança ou estar na infância.
Segundo a influênciadurkheimiana, no campo sociológico, a criança era vista
como fruto das primeiras instituições acolhedoras, ou seja, as instituições
escolares e a família. Desde então,foi desenvolvendo-se um campo de estudos
a respeito do “ofício da criança”,de como elas representavam papéis
específicos na condição de receptáculos. Assim, as pesquisas se
encarregaram de investigar os processos de socialização nas instituições.
(SIROTA, 2001)

Vários autores trazem concepções que ampliam nosso olhar acerca do


trabalho, desenvolvimento e percepções de crianças. Para Prout (2004)não é

3
preciso separar as crianças dos adultos.Latour (1993) sugere que a infância
sejavista como uma coleção de ordens sociais competitivas ou conflituosas.
Corsaro (1997) traz a ideia dos trabalhos desenvolvidos a partir das culturas
infantis, e Sarmento (2005) propõe-nos o pensamento da Sociologia da
Infância a partir da percepção da criança como sujeito protagonista em seu
processo de interação. Os dois últimos autores são aqueles em que
pautaremos as maiores discussões para este trabalho.

De acordo com Sarmento (2005),os processos de socialização


acontecem a partir do momento em que as crianças saem do contexto familiar
e começam a passar um tempo fora dele. Ressalta-se que as crianças são
capazes de mudar, inserir-se e adaptar-sea novas culturas do mundo adulto e
infantil, necessitando de novos olhares que tenham como foco suas vozes e
experiências junto a seus pares,sendo de suma importância abordagem de
pesquisas que defendam e escutem as culturas infantis, considerando o ponto
de vista das crianças em detrimento do ponto de vista do adulto.

É importante entendermos o que se passa “entre” as crianças e não


“dentro” das crianças. É necessário levar em consideração que elas são
agentes ativos, que constroem suas culturas podendo contribuir para o mundo
adulto. Corsaro5 (1997) sempre buscou em suas pesquisas o que significa ser
criança na escola. Dessa forma, o autor entrou nesse ambiente, nas áreas de
brinquedo e nas reações dos sujeitos para ampliação do conceito de culturas
infantis.

Corsaro (1997) notou que as crianças são agentes ativos, que


constroem suas próprias culturas,são pesquisadoras orientadas pelos adultos.
Assim, pode-se afirmar que aSociologia da infância é construída na categoria
social e histórica, através das crianças, enquanto atores sociais, nas suas
interações com adultos e /ou outras crianças e na produção de culturas de
pares infantis.

De um modo especial, é preciso reconfigurar o conhecimento existente


sobre as crianças, possibilitando ouvir mais os indivíduos e compreender suas

5
Autor pesquisador das culturas infantis.

4
expectativas enquanto atores sociais. Desse modo, ressalta-se uma diferença
entre criança e infância, sendo que as crianças existem e fazem parte da
estrutura demográfica, já a infância está relacionada a uma construção social,
em que se enquadram os aspectos mais uniformes e homogêneos,
psicológicos, afetivos, físicos e morais dos indivíduos nela inseridos,
caracterizando essa fase. (SARMENTO, 2005)

É importante refletir que no ato de brincar, além da criança se divertir,


ela se expressa, expõe fatos vivenciados e elabora-os. Notou-se que as
crianças são privadas, muitas vezes, do brincar de faz de conta, de casinha, de
imaginar, de contextualizar, impedindo que ela crie e recrie, simplesmente
porque muitos (as) educadores (as) não veem o brincar como momento de
produção cultural, mas, sim, como um “passatempo”. Devemos lembrar que
para as crianças a brincadeira é algo sério, que através dela, essas
desenvolvem noções de comportamento, regras, além de expor e propor novas
experiências e interação entre as crianças e os adultos.

O conceito de socialização exige um novo estatuto na Sociologia porque


compreende as crianças como atores sociais capazes de formularem
interpretações de si próprias, dos outros e da sociedade, podendo se expressar
de modos distintos, considerando sua autonomia e suas vozes. Assim
Corsaro(1997) propõe a “reprodução interpretativa” inspirado em (Giddens,
1984), afirmando a ideia de que as crianças estão envolvidas num processo de
interação social com crianças e adultos, porém,na interação com os adultos, as
crianças acabam constrangidas e influenciadas pelos valores, regras,
conhecimentos, mas isso não significa que elas irão incorporá-los em
comportamentos, atitudes e saberes. Essas ações irão agregar novos valores
infantis e configurá-los em suas formas sociais.

Portanto, a família constrói simbolicamente as representações que as


crianças fazem nas instituições educativas. Dessa forma, a Sociologia da
Infância vem trabalhando para dar voz às crianças, mostrando aos indivíduos
suas autonomias e flexibilidade, considerando esses espaços como um dos
maiores protagonismos dos atores sociais aqui estudados.

5
Além disso, os autores da infância começaram a perceber a criança no
âmbito social, interpretando-a nas suas interações estabelecidas com outras
crianças, consigo mesma e como mundo dos adultos.

Para Corsaro (1997), a interação das crianças com os adultos é de suma


importância, pois nesse período, a criança está recebendo estímulos para sua
interação social, através das crenças, valores, conceitos, comportamentos e
atitudes que são transformados em interpretações e condutas infantis
contribuindo, assim, para as transformações sociais. Dessa maneira, não é
apenas o adulto que intervém no mundo da criança, mas a criança também
intervém no mundo do adulto. Portanto,as crianças são autores sociais que
constroem suas próprias culturas.

De acordo com Iturra (1997), as crianças possuem um sistema de


construção do conhecimento e de apreensão do mundo específico delas, que
costuma ser diferente do mundo adulto. Depreende-se dessa afirmação que a
questão da autonomia da infância levanta mais dúvidas do que respostas,
dessa forma, a cultura da infância só faria sentindo se analisarmos as
condições sociais em que as crianças vivem e interagem.

A cultura da infância vive das representações da criança com o mundo,


suas interações entre pares, jogos e brincadeiras e no uso das formas verbais,
gestuais, iconográficas e plásticas. Por isso, é importante considerar como as
crianças interagem e como dão sentido ao que fazem.

Nesse prisma, a criança que interage com outros sujeitos cria sua
própria construção no mundo e sua identidade pessoal e social. Quando a
criança se relaciona com outro sujeito, ela se transforma através da
experiência, mas ao mesmo tempo os que se relacionam com ela também se
modificam. Assim, torna-se importante estudar a criança ouvindo suas próprias
vozes, defendendo suas culturas e suas relações sociais.

A infância é historicamente construída a partir de um processo de


longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as
bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na
sociedade. Esse processo, para além de tenso e internamente
contraditório, não se esgotou. É continuamente actualizado na prática
social, nas interacções entre crianças e nas interacções entre

6
crianças e adultos. (SARMENTO, 2005, p. 365 apud SILVA; RAITZ;
FERREIRA, 2009, p.78.)

A partir desse novo olhar, os pesquisadores buscam desconstruir o


antigo conceito de infância, que aenxergava como uma passagem para a vida
adulta, de um ser passivo que via a Educação Infantil como uma preparação
rudimentar para a escolarização. É relevante e uma das preocupações da
Sociologia da Infância o modo como os adultos e crianças estabelecem suas
relações, como veem, pensam e se comunicam com as outras crianças, o que
acaba interferindo em seus relacionamentos.6

A sociedade atual entrou em um senso comum de que a infância deve


ser um período de vivenciar brincadeiras e não deve ser substituída pelo
trabalho adulto. Dessa forma,concordamos que essa fase é importante para o
convívio com práticas educativas de uso exclusivo da escola.

A sociologia da infância propõe-se a constituir a infância como objeto


sociológico, resgatando-a das perspectivas biologistas, que a
reduzem a um estado intermédio de maturação e desenvolvimento
humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar as crianças
como indivíduos que se desenvolvem independentemente da
construção social das suas condições de existência e das
representações e imagens historicamente construídas para eles.
(SARMENTO, 2005, p.367 apud MARQUES, 2017 p. 152)

Assim, é preciso levar em conta o fato das crianças possuírem suas


próprias culturas, dessa forma, a etnografia pode ser utilizada nesse universo.
Nesse sentido, as pesquisas etnográficas ajudaram a compreender as
vivências no universo infantil, colocando-se nele, de forma que as crianças se
sintam bem com sua presença dividindo seus processos de socialização, suas
culturas infantis e suas produções e passaram a considerá-las como parte
desse universo, como foi o caso das pesquisas de Corsaro.

Portanto, as crianças são capazes de falar e pensar por si mesmas, e é


preciso criar meios para que isso aconteça de forma saudável. Além disso, é
necessário considerar as crianças como atores sociais, buscando entendê-las
como sujeitos ativos para mudanças paradigmáticas na Educação Infantil. É
6
Em 1981, Ariés já se preocupava com estudos acerca da educação de crianças, pesquisando a infância
do século VII na França.

7
nesse viés que pautaremos as discussões da próxima seção, em que
mostraremos o processo de atuação das crianças em uma Instituição de
Educação Infantil e como percebemos a influência da Sociologia da Infância
nesse campo, a partir do brincar das crianças.

PARTE II – SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E O BRINCAR

As pesquisas etnográficas realizadas por Corsaro (1997) e outros


pesquisadores nos levam a refletir sobre nosso papel enquanto educadores de
crianças que visam contribuir e percebê-las como sujeitos com voz ativa no
universo e em seu meio onde vivem e convivem.

A partir das experiências vivenciadas durante o estágio em Educação


Infantil7 e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID8,
refletiremos acerca das percepções obtidas nos momentos em que estivemos
presente em campo, de modo a relacionar as práticas percebidas com os
estudos referentes à Sociologia da infância e o brincar das crianças.

A sociologia da infância tem como intuito ouvir, observar, dar voz às


crianças e às suas experiências, uma vez que ao entender o ser infantil, suas
vivências, suas culturas e suas relações entre pares, desenvolve-se uma
docência que visa a criança como sujeito ativo na sociedade.

Os estudos realizados por meio da Sociologia da Infância podem


contribuir, de maneira significativa, para a compreensão das brincadeiras no
ambiente da Educação Infantil. Entretanto, é preciso que os profissionais de
educação compreendam a importância de se conhecer a criança e perceber o
que realmente é importante para ela. Percebemos que a falha muitas vezes
está nos docentes que se deixam levar pelo comodismo e pela opinião alheia,
de que escola é para a criança estudar e não brincar, muitas vezes por falta de
conhecimento e possibilidades de formação continuada.

7
Estágio obrigatório proposto pelo curso de Pedagogia da Universidade Vale do Rio Doce –
UNIVALE, em que foram realizadas 70hs obrigatórias em uma instituição de Educação Infantil.
8
Programa Institucional de Iniciação à docência do curso de Pedagogia UNIVALE,
proporcionado pela Capes.

8
Sarmento (2004) nos mostra que a criança aprende por meio do brincar
e divide as relações com o brincar em eixos9. Para essa análise, pautaremo-
nosem destacar o eixo da ludicidade como traço fundamental para as
compreensões das culturas infantis pelo fato deele oferecer uma relação social
e cultural do brincar.

Lima, Moreira e Lima (2014) afirmam, em estudos baseados em


Sarmento (2007), que a infância é formada por sujeitos ativos, que agem e
interpretam tudo ao seu redor, além de produzirem suas culturas entre pares
ou grupos. Dessa forma, entendemos a importância do brincar através de um
olhar sociológico, enquanto os sujeitos ativos são capazes de perceber e
mudar o mundo. Ademais, aSociologia da Infância vem buscando um novo
olhar sobre a infância para que as crianças parem de ser ignoradas.

No campo pesquisado, notamos que muitas vezes as crianças não


possuíam voz ativa, pois eram “barradas”pelo espaço/tempo, nem
sempresuficientes para as práticas delas. “No momento em que estou na
Instituição, percebo que as crianças não têm muito proveito pela parte da
manhã, pois acaba sobrando pouco tempo no intervalo do café, banho e
almoço”.(ESTAGIÁRIA - RELATÓRIO DE ESTÁGIO, 2015)

Nota-se, a partir do relato, a complexidade em estabelecer brincadeiras


que tenham crianças como protagonistas em uma rotina com horários tão
escassos. Porém, a busca é constante para que as crianças sejam vistas como
atores sociais, sujeitos de direitos. É verdadeira a ideia de que as crianças
atingem a cultura de onde vivem e transformam-na, pois são sujeitos presentes
e não passivos, como muitos veem. Dessa forma, a Sociologia da Infância
destaca também a convivência entre pares.

A convivência com seus pares, através de rotinas e da realização de


atividades, permite-lhes exorcizar medos, representar fantasias e
cenas do cotidiano, que assim funcionam como terapia para lidar com
experiências negativas. Essa partilha de tempos, ações e
representações e emoções são necessárias para um mais perfeito
entendimento do mundo e faz parte do processo de crescimento
(SARMENTO, 2004, p. 24)

9
A interatividade, ludicidade, fantasia do real e reinteração.

9
Segundo o autor, é através das brincadeiras que as crianças vão se
encontrando no mundo e, para elas, o brincar é coisa séria, pois o brincar é um
dos primeiros elementos que caracterizam a cultura da infância. Por meio da
cultura das crianças podemos conhecê-las, e, ao realizar essas atividades
lúdicas, elas nos mostram muito do que são e quem são.

No entanto, mesmo com a falta do espaço/tempo, notaram-se atividades


em que a ludicidade aparecia sem esforço das crianças. É algo involuntário que
atividades simples proporcionam ao desenvolvimento infantil. Deduziu-se que
as crianças precisam ser questionadas e, assim, desenvolver-se como sujeito
ativo. “Quando dei início à atividade e comecei as perguntas sobre a água,
muitos se manifestaram a respeito, todos queriam falar e opinar sobre o
assunto”. (RELATÓRIO DE ESTÁGIO,2015, pg. 13)10

A sociologia da infância reconhece a criança como um construtor de


cultura, conhecimento e agente social que tem muito a oferecer para a
educação, por isso, é importante ouvir as crianças e acreditar nelas enquanto
sujeitos ativos na sociedade.

Dessa forma nas vivências percebidas durante os estágios em Educação


Infantil, notamos atividades diversificadas no tocante do brincar, pautadas na
música, na arte, no movimento, na contação de história, entre outros
momentos.

Notamos a partir das leituras dos diários de campo, que foi desenvolvida
uma atividade e exibido um vídeo sobre a água para as crianças e, depois, elas
representaram, em forma de desenho, os conhecimentos adquiridos. Nessa
atividade,percebemos as crianças como sujeitos produtores de sua própria
cultura. Uma criança desenhava uma mão, quando foi questionada;

“Estagiária: Tinha mão no vídeo?


Criança: Tinha sim. A menina do vídeo tinha mão.
Estagiária: Mas qual a ligação da mão com a água?
Criança: Ela usa a mão para fechar a torneira”. (RELATÓRIO, 2015, p. 13)

10
Optou-se por não revelar o nome dos envolvidos: estagiárias, crianças e professoras.

10
Nota-se que as crianças precisam ter espaço para expor seus
pensamentos, sentimentos e até mesmo suas frustrações. Aludindo a isso, a
Sociologia da Infância aponta que as escolas precisam compreender os
infantes como sujeitos pertencentes à sociedade, tendo o brincar como
instrumento necessário para seu desenvolvimento.

Vale ressaltar ainda que a brincadeira para a criança é coisa séria e não
deve ser vista apenas como um passatempo ou ser usada para mantê-la
distraída. Durante a brincadeira, essase desenvolve, estimula o cognitivo,
aprimora seus sentimentos, sensações, emoções, e estabelece noções entre o
mundo real e seu mundo imaginário. É através das brincadeiras que a criança
recria situações vivenciadas em seu cotidiano que irão ajudá-la a compreender
melhor essas situações do mundo adulto e a ajudar a organizar suas ideias.

Devemos, como educadores, dar lugar a esses atores que produzem


cultura, um sujeito pequeno, mas rico de saberes, a criança é a protagonista de
sua própria história, e nela podemos notar a marca da diversidade social e
cultural, uma vez que ela se apropria do mundo adulto e lhe atribui sentido, “as
crianças apreendem criativamente informações do mundo adulto para produzir
suas culturas próprias e singulares”. (CORSARO, 2009, p. 31)
A partir de nossas análises, percebemos que a Sociologia da Infância
visaressaltar a importância de ver a criança como sujeito ativo e produtor de
cultura, capaz de pensar, sentir, agir e tomar decisões, não como um mini
adulto. No campo pesquisado, notou-se que a infância é vista como algo sério
e não apenas uma fase transitória, porém o que se precisa é de mais
formações continuadas para que os adultos saibam lidar com as brincadeiras
propostas, ou com brincadeiras criadas pelas próprias crianças, dando-lhes
mais voz e vez durante seu processo de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ASociologia da Infância tem mostrado grande preocupação com


ascrianças como atores sociais, suas interações e trocasnos processos de
ajustamento que contribuam para a transformação da sociedade. Sob esse
olhar, o brincar das crianças direciona as várias formas de sociabilidade e de

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expressões culturais que as conecta com o mundo exterior dando visibilidade
as suas vozes de forma ativa.

Através das práticas vivenciadas pudemos refletir que muito se ouve


falar em dar voz às crianças, em enxergá-las como atores sociais, mas pouco
ou quase nada é feito para que isso aconteça. No decorrer dos estágios e
projetos, percebemos que as crianças são vistas como um depósito de
conhecimento. Também foi possível perceber a falta de diálogo e compreensão
dos docentes para com as crianças, algumas vezes elas chegam precisando se
expressar,seja na brincadeira ou no diálogo entre seus pares, mas são
impedidas pela falta de compreensão dos(as) educadores(as).

Dessa forma, é indispensável que a Sociologia da Infância chegue às


escolas, aos lares e, principalmente, que os educadores da Educação Infantil
compreendam a importância do brincar. Infelizmente a sociedade cobra cada
vez mais da escola que alfabetize as crianças o quanto antes, e acabam
esquecendo o principal, que as crianças aprendem interagindo com seus
pares, e,através das brincadeiras, elas vão se expressando, sendo
protagonistas da sua própria história.

Portanto, é preciso que tenhamos um novo olhar sobre as vozes,


experiências e brincadeiras das crianças. Muitas pessoas ainda não
perceberam como as crianças reproduzem seus contextos vivenciados através
das brincadeiras, sendo indispensável que as instituições percebam como elas
são ativas e não passivas no mundo infantil e adulto. Através da nossa
experiência de estágio e vivências, conseguimos perceber a importância da
criança no mundo adulto, que elas são sujeitos ativos que modificam o mundo
ao seu redor. Por isso, enfatizamos que é necessário um olhar mais atento às
crianças como construtores de sua cultura e do mundo em que vivem, pois são
capazes de transformar e serem transformadas através das brincadeiras e da
cultura criada com seus pares.

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