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BRINCAR HEURÍSTICO: A BRINCADEIRA DAS CRIANÇAS DE 4 E 5 ANOS DE

IDADE NO ESPAÇO DA EDUCAÇÃO INFANTIL1

Jayne Ferreira Walter2


Luciane Pandini Simiano3

Resumo: A presente pesquisa busca analisar as contribuições da brincadeira livre com objetos
não estruturados ou de largo alcance para as crianças de 4 e 5 anos em ambientes de vida
coletiva, por meio de propostas que promovam a exploração, a descoberta e a autonomia,
como o brincar heurístico e o cesto dos tesouros. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa e
teve como sujeitos participantes dezenove crianças de 4 e 5 anos de idade, uma professora e
uma auxiliar que habitam na sala da educação infantil de uma escola localizada no município
de Braço do Norte, ao sul de Santa Catarina. Traçou-se como problema de pesquisa: quais as
contribuições da brincadeira livre com objetos não estruturados ou de largo alcance para as
crianças entre 4 e 5 anos em ambientes de vida coletiva, por meio de propostas que promovam
a exploração, a descoberta e a autonomia, como o brincar heurístico e o cesto dos tesouros?
No livre brincar, a criança precisa ser considerada um sujeito ativo, potente, criativo e com
capacidade para realizar escolhas. Nas ações das crianças diante dos materiais não
estruturados e suas possibilidades, sua autonomia precisa ser respeitada, para que ela possa
agir livremente explorando o ambiente ao seu redor, decidindo de que e como irá brincar.
Nesse contexto, as crianças se relacionam entre si, criando significados e atribuições ao
mundo. Percebeu-se que os materiais ampliam as relações entre as crianças, contribuindo,
assim, para o processo de interação entre elas. Ressalta-se, ainda, a importância do espaço na
educação infantil para as primeiras explorações que as crianças fazem, seja nos espaços
internos, seja externos. Ao professor, cabe planejar o espaço, considerando-o um “segundo
educador”, um parceiro que apoia a busca de aprendizados das crianças e seu desejo diante de
tais materiais para brincar de forma autônoma e livre.

Palavras-chave: Brincar heurístico, cesto dos tesouros, crianças, infância, educação infantil.

1 INTRODUÇÃO

A infância pode ser considerada como uma categoria histórica e social. Por isso, é
possível dizer que nem toda infância é igual, podendo haver diversos modos de vivê-la,
dependendo do contexto em que está inserida.

1
Artigo apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito para a
conclusão da Unidade de Aprendizagem de Conclusão dos Processos Investigativos.
2
Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. E-mail:
jaynewalter@hotmail.com
3
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS. Professora do quadro
permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.
E-mail: lucianepandini@gmail.com.
2

A instituição de educação infantil é um direito social das crianças firmado pela


Constituição de 1988. Seu atendimento se dá em creches e pré-escolas, sendo um dever do
Estado ofertar uma Educação gratuita e de qualidade a todos. A educação infantil é
considerada a primeira etapa da Educação Básica e passou a ser atendida a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sua função é educar e cuidar das crianças de modo
indissociável e complementar, constituindo um espaço planejado e acolhedor, ao permiti-las
criar e recriar, de forma que vivenciem experiências e se desenvolvam de forma lúdica e
prazerosa. De acordo com Barbosa (2009, p. 69):

[...] cuidar e educar significa afirmar na educação infantil a dimensão de defesa dos
direitos das crianças, não somente aqueles vinculados à proteção da vida, à
participação social, cultural e política, mas também aos direitos universais de
aprender a sonhar, a duvidar, a pensar, a fingir, a não saber, a silenciar, a rir e a
movimentar-se.

As crianças são atores sociais, cidadãos e sujeitos de direitos. Entre esses direitos está
o brincar, previsto no Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, de
1989, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. A criança aprende por intermédio
da relação com o ambiente, sendo o ponto principal o ato do brincar, pois é a partir dele que a
criança inicia sua socialização, desenvolvendo-se por meio da interação, ao brincar com
outras crianças, com adultos, ou até mesmo sozinha.
O Ministério da Educação, por intermédio do documento intitulado “Subsídios para
Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica”, dispõe que

À medida que a criança é compreendida como ser ativo, crítico, criador de cultura, é
importante considerar seu movimento de construção de significados nas
brincadeiras, gestos e palavras que se expõem nas relações entre os pares e com os
adultos. Ganhar estatuto de sujeito significa ser reconhecida em seus direitos e
modos de expressão, autora, participante da sociedade, cidadã de pouca idade.
(BRASIL, 2009, p. 22)

Criadora e reprodutora de cultura, a criança, em suas interações com o mundo e com


as pessoas, além de repetir a cultura da sociedade onde está inserida, ainda é responsável por
criá-la e transformá-la constantemente.
Nas últimas décadas, devido às intensas transformações da vida urbana, o convívio
informal das crianças nas ruas, praças e parques passou a ser limitado. A grande circulação de
automóveis e a falta de segurança nesses locais interferiram, significativamente, nas
brincadeiras das crianças e nos espaços do brincar. Esse aspecto demanda reflexões e
3

questionamentos: Do que as crianças brincam hoje? Quais os espaços reservados à


brincadeira?
Como um eixo curricular importantíssimo na educação infantil, o brincar é uma
atividade fundamental para a criança, constitui seu modo de ser, estar e aprender o mundo.

É preciso compreender o brincar como uma linguagem infantil, uma maneira que as
crianças pequenas utilizam para expressar suas ideias, demonstrar seus sentimentos
e suas vontades, assimilar sensações e emoções, estabelecer contatos sociais,
expressar suas inquietudes, desenvolver habilidades e sua criatividade. É brincando
que a criança aprende, amplia suas relações interpessoais e expande seu mundo.
Assim, se a criança e o brincar são indissociáveis, pode-se dizer que a criança que
não brinca tem o seu direito à infância negado (LIMA, LEON, MOREIRA, 2018, p.
40).

Nessa perspectiva, na educação infantil, por meio do brincar, devemos propiciar às


crianças momentos de ludicidade e imaginação, a fim de atraí-la para o mundo das
descobertas. Na atualidade, podemos citar os brinquedos feitos de plástico, que encontramos
facilmente no comércio, os quais, muitas vezes, vêm com um manual de instruções, indicando
como manuseá-los e impondo, com isso, alguns limites aos brinquedos.
Assim, pensando no desenvolvimento das crianças na brincadeira, o brincar heurístico
tem se apresentado como uma instigante possibilidade. A palavra “brincar” tem origem latina
e significa “encantar”, já a palavra “heurístico” tem origem grega e significa “inventar”. O
brincar heurístico é uma abordagem que incentiva as crianças a explorarem os objetos que
manuseiam, como caixas de papelão, galhos de árvores, lã, rolinhos de papel, argolas de
madeira, pequenos pedaços de madeira, entre outros. Esse tipo de brincar tem o objetivo de
proporcionar à criança um momento de ludicidade e imaginação, criando e recriando
brinquedos e tendo autonomia para brincar da forma que desejar.
O brincar heurístico proporciona à criança a satisfação da descoberta por ela mesma,
aumentando, assim, sua mobilidade, autonomia e concentração. Quando não há um modo
correto de utilizar os objetos não estruturados, a criança fica livre para brincar e imaginar
como manuseá-los, explorando ainda mais sua imaginação nesse momento da brincadeira. A
criança é dona do seu conhecimento, aprende por meio das interações com o mundo, de modo
ativo, o que a estimula constantemente a participar e a construir. Na concepção Goldschmied
e Jackson (2006), a brincadeira heurística oferece a um grupo de crianças uma grande e
variada quantidade de objetos, para que elas brinquem livremente, sem a intervenção dos
adultos.
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O cesto dos tesouros também é uma abordagem de Elinor Glodshmied e Sona Jackson,
apresentada no livro “A educação infantil de 0 a 3 anos”. A palavra “tesouro” indica uma
brincadeira de forma livre, na qual são disponibilizados objetos simples do cotidiano, com
diferentes texturas, cheiros e temperatura, os quais são indicados para crianças menores, a
partir de quando começam a ficar sentadas.
A vontade em desenvolver esse tema para o trabalho de conclusão de curso começou
quando observamos nossa realidade, em que, devido à pressa do dia a dia, as crianças
recebem e ganham brinquedos “prontos”, que já vêm com um certo objetivo ou, até mesmo,
com um rótulo explicando o “modo de usar”. Diante disso, despertamos interesse para o
brincar heurístico, de modo a trazer o cesto dos tesouros para a “sala de aula”.
Após algumas leituras e conhecimentos, encontramos diversas pesquisas relacionadas
a esse tema, que abarcam propostas desenvolvidas, geralmente, com crianças de 0 a 3 anos.
Questionamo-nos, então, sobre a importância do brincar livre além dessa faixa etária, com
crianças que têm 4 e 5 anos, que ainda frequentam os Centros Educacionais Infantis.
Partindo da concepção de criança como sujeito de direitos desde seu nascimento e de
creche como um espaço que tem como função ampliar o repertório lúdico e imagético das
crianças, propomo-nos a pensar sobre tal temática. A importância de tal estudo incide na
importância que o brincar heurístico tem na vida e no desenvolvimento de uma criança, seja
na sua relação com o espaço, com o objeto, seja na sua relação com o outro.
Nesse sentido, o presente texto apresenta como problema de pesquisa: quais as
contribuições da brincadeira livre com objetos não estruturados ou de largo alcance para as
crianças entre 4 e 5 anos em ambientes de vida coletiva, por meio de propostas que promovam
a exploração, a descoberta e a autonomia, como o brincar heurístico e o cesto dos tesouros?
Como objetivo geral, definimos: analisar as contribuições da brincadeira livre com
objetos não estruturados ou de largo alcance para as crianças de 4 e 5 anos em ambientes de
vida coletiva, por meio de propostas que promovam a exploração, a descoberta e a autonomia,
como o brincar heurístico e o cesto dos tesouros. A partir desta proposta, elencamos como
objetivos específicos: conhecer quais as relações estabelecidas pelas crianças diante da
possibilidade de explorar objetos não estruturados ou de largo alcance para elas; e identificar
quais as relações estabelecidas entre as crianças por meio dos objetos ofertados a elas.
Em termos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida em uma perspectiva
qualitativa, a partir dos pressupostos da etnografia, que significa, literalmente, a descrição de
um grupo. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupos organizados, que
podem ser chamados de comunidades ou sociedades. Angrosino (2009, p. 16) vai nos dizer
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que “O modo de vida peculiar que caracteriza um grupo é entendido como a sua cultura.
Estudar a cultura envolve um exame dos comportamentos, costumes e crenças aprendidos e
compartilhados com e no grupo”.
A partir dessa perspectiva, elegemos como instrumentos a observação participante, o
diário de campo e o registro fotográfico. A pesquisa contemplou um Centro de Educação
Infantil localizado em Braço do Norte – Santa Catarina e teve como sujeitos dezenove
crianças de 4 e 5 anos de idade, uma professora e uma auxiliar que atuam na sala da educação
infantil. As observações se deram durante o período de dois meses, totalizando quinze dias de
pesquisa. Durante o período de pesquisa, realizamos 4 dias de observação e registro. As
observações aconteceram a fim de conhecermos melhor a instituição de educação infantil, as
crianças, a professora e a auxiliar, assim como a rotina da turma, os horários de sono, lanche,
fruta, escovação dos dentes, do brincar na área interna e externa e suas atividades
pedagógicas.
Após as observações realizamos uma oficina, com o objetivo de oportunizar tempo e
espaço para o brincar heurístico com as crianças de 4 e 5 anos. Para tanto, levamos alguns
objetos não estruturados ou de largo alcance à instituição, como caixas de papelão, contento
latas de metal, rolos de papelão, pedaços de madeira, argolas de plástico e de madeira, caixas
de ovo de diversificados tamanhos, tampas de lenços umedecidos, tampas de metal, pedações
variados em lã, garrafas pet pequenas, galhos de árvores, pregadores de roupa e palitos de
picolé, a fim de observar a interação das crianças com os objetos e a socialização entre elas.
Dessa forma, oportunizamos às crianças a brincarem com objetos que geralmente são
considerados como “isso não é brinquedo”.

[...] com muita frequência há adultos pouco preparados que empobrecem a atividade
dos pequenos, seja proibindo, seja proporcionando objetos pouco adequados, seja
negando a oportunidade de entrar em contato com tudo aquilo que é necessário para
o seu desenvolvimento. (MAJEM; ÓDEGA, 2010, p. 09)

Por fim, na área externa, em um ambiente adequado para a quantidade de crianças,


distribuímos os objetos em duas caixas de papelão, para, posteriormente, realizar sua coleta,
por meio da observação; enquanto as crianças brincavam, nós registramos e anotamos os
diversos momentos, que possibilitaram às crianças serem autônomas de seus próprios
pensamentos e criatividades, livres com o espaço de criação, observando o que conseguiam
fazer por si só, sem a interferência direta e intervencionista constante do adulto.
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No começo, elas ficaram se questionando se poderiam mesmo brincar com aqueles


objetos, olhavam desconfiadas, até que, aos poucos, sentiram-se confiantes e começaram a
usar sua imaginação para brincar ludicamente, criando e recriando, trocando ideias,
mostrando aos colegas, em tom de animação, o que haviam “formado” com os objetos,
brincando sozinhas e em grupos, usando os objetos nas brincadeiras e na socialização.

2 EDUCAÇÃO INFANTIL E O LIVRE BRINCAR: UM OLHAR PARA O BRINCAR


HEURÍSTICO NO CONTEXTO EDUCATIVO

O livre brincar na educação infantil é fundamental para a criança, que precisa ser
considerada um sujeito de escolhas, por isso a importância da autonomia, para agir livremente
explorando o ambiente ao seu redor, decidindo com o que e como irá brincar. Nesse contexto,
as crianças se relacionam e expressam suas vontades, criando suas próprias atribuições ao
mundo. Segundo Hartz et al. (2012), o brincar é o reflexo do mundo interior da criança, e por
meio das brincadeiras, ela expressa suas emoções, expondo com naturalidade suas alegrias,
tristezas, dúvidas, angústias e incertezas. Assim, podemos dizer que a brincadeira é de suma
importância na vida de uma criança, considerando que ela aprende brincando, usando a
imaginação, criando e recriando, explorando objetos e lugares.
Nesse contexto, o brincar heurístico com seus objetos não estruturados ou de largo
alcance, precisam estar de acordo com o espaço que irá ser ofertado, pois o lugar é algo
fundamental. Na presente pesquisa, o espaço foi organizado para o livre brincar, de acordo
com a quantidade de crianças presentes, para o espaço disponível na instituição. Organizamos
duas caixas na área externa da instituição contendo objetos, que constituíram o “cesto dos
tesouros”, a fim de desenvolver o brincar heurístico. Então, fomos até a sala onde as crianças
estavam e conversamos com elas sobre a oficina, encorajando-as a brincar com todos os
objetos da forma como quisessem.
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Figura 1 – Cesto dos tesouros

Fonte: Arquivo da autora, 2023.

As caixas continham objetos não estruturados ou de largo alcance, como latas de


metal, rolos de papelão, pedaços de madeira, argolas de plástico e de madeira, caixas de ovo
de diversificados tamanhos, tampas de lenços umedecidos, tampas de metal, pedaços variados
em lã, garrafas pet pequenas, galhos de árvores, pregadores de roupa e palitos de picolé.
Não podemos nos esquecer da importância do espaço na educação infantil para as
primeiras explorações que as crianças fazem, tanto nos espaços internos quanto externos,
visto que todos proporcionam sensações e texturas diversificadas: seja num piso gelado ou
numa grama quentinha, a criança engatilha, anda, corre e, assim, conhece cada parte daquele
espaço. Desse modo, cabe ao professor aproveitar esse espaço como seu parceiro pedagógico,
em busca de aprendizados e desenvolvimentos, para que as crianças possam brincar de forma
autônoma e livre.

É crucial que a criança descubra por si mesma tanto quanto possível. Se a ajudamos
a finalizar cada tarefa a estamos privando do mais importante aspecto de seu
desenvolvimento. Uma criança que consegue as coisas por meio da experimentação
independente, adquire um tipo de conhecimento completamente diferente daquela
criança para a qual são oferecidas soluções prontas (PIKLER apud KÁLLÓ;
BALOG, 2021, p. 6).
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Considerando que geralmente os brinquedos aos quais as crianças têm acesso já vêm
de fábrica com um “objetivo”, muitas vezes os adultos acabam não deixando ou não
oportunizando as crianças a outras formas de brincar, ditando que os objetos do dia a dia não
são brinquedos. No entanto, são essas diversas formas que permitem às crianças usarem muito
mais sua imaginação se comparadas aos “brinquedos prontos”, com os quais, muitas vezes,
brincam fazendo reflexo do que vivenciam em seu cotidiano.
Nesse sentido, o brincar heurístico tem importância no desenvolvimento de uma
criança ao ampliar sua imaginação por meio dos objetos ofertados com o “cesto dos tesouros”,
ou sem ele, à medida que incentiva a criança a criar, recriar, desfazer e fazer o que quiser, a
fim de formar e ressignificar objetos simples do dia a dia. A brincadeira heurística conta com
três tipos de materiais: os recipientes, para guardar cada objeto, como caixas, latas, entre
outros; os objetos achados na natureza, no dia a dia e também comprados, como galhos,
tampinhas de lenços umedecidos, entre outros; e as sacolas, que servem para guardar cada
objeto separadamente, trabalho que deve ser auxiliado pelo professor.
O brincar heurístico pode ser ofertado em qualquer espaço, pensando sempre se o
ambiente é adequado e está de acordo para a quantidade de crianças. O espaço deve ser
preparado, de forma que fiquem no local somente os pertences que serão utilizados,
excluindo-se aqueles que não forem usados, para que não tirem o foco desse momento.
As ações das crianças se dão diante dos materiais não estruturados e suas
possibilidades. No começo, houve aquela dúvida se poderiam mesmo brincar com aqueles
objetos que não eram brinquedos: “tia, sério que pode brincar com isso?”. Mas, aos poucos,
tranformaram cada objeto em algo memorável, como as caixinhas de ovo, que se tornaram
“vasinhos” para alguns galhos de plantinhas, tal como podemos visualizar a seguir:

Figura 2 – Criança manuseando caixas de ovos e plantas


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Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Os simples pedaços de lã se tornaram corda, para brincar de pular corda, e até enfeites
de uma “árvore” de Natal; o fio do varal, slimes fofinhos dentro da lata. As crianças criaram e
recriaram contextos para o objeto.

Figura 3 – Crianças4 manuseando pedaços de lã

Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Os rolinhos de papel higiênico, que, muitas vezes, jogamos fora, sem ver a utilidade
que podem ter, se tornaram microfones, robôs e, até mesmo, brincadeira de equilíbrio. A
criança, quando tem contato com o objeto, pode imaginar o que quiser.

Figura 4 – Crianças manuseando rolinhos de papel higiênico

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As autorizações de uso da imagem das crianças, assinadas pelos pais, estão dispostas no Apêndices A.
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Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Os pedaços de madeira, em formatos geométricos, que sobram em muitas construções,


contribuíram, a partir do uso da imaginação, para construções de pequenas casinhas, até para
pensarem e brincarem de encaixar as “peças”, sem deixar espaços livres entre elas.

Figura 5 – Crianças manuseando pedaços de madeira

Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Sucatas se tornaram alta tecnologia nas mãos das crianças: binóculos/câmera


fotográfica. A famosa tampa de lenço umedecido se transformou em celular de toque na tela.
“Tia, atende, vou te ligar”.
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Figura 6 – Criança manuseando tampas de lenço umedecido

Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

A criança representa na brincadeira o que vivencia no seu cotidiano, nas atividades


que aqueles ao seu redor desempenham.

O homem não brinca mais. A criança pequena começa a fazer imitações do homem
que não brinca mais e vai acabar sem nunca ter brincado. A criança só vê a mãe
usando aparelhos elétricos, não vê a mãe sacudindo a roupa, cantarolar enquanto
bate um bolo. A mãe e o pai são ligadores de aparelhos que precisam fazer tudo o
mais rápido possível. Em vez do canto, da dança, o barulho dos motores domésticos.
Cadê o lúdico que era da vida? (BUITONI, 2006, p. 50).

Percebemos, ainda, que os materiais ampliam as relações entre as crianças,


contribuindo, assim, para o desenvolvimento da socialização entre elas, algo que é
fundamental para sua evolução dentro e fora da escola, a fim de trocarem opiniões,
conversarem e se relacionarem de diversas maneiras. Nesse momento, observamos as
diferentes culturas, quando as crianças reproduzem seus cotidianos, no faz de conta, muitas
vezes reproduzindo situações que observam dos pais nas tarefas do dia a dia. Berger e
Luckmann (2004) apontam que a criança, inconscientemente, imita os pais, com os quais tem
uma convivência maior.
Podemos dizer, assim, que é na educação infantil que a criança começa a realizar suas
primeiras socializações fora do ambiente familiar, ao ter contato com o mundo social, por
meio do brincar, na interação com crianças da mesma idade ou idades diferentes.

Figura 7 – Crianças brincando com carrinho de caixa de papelão


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Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

As caixas que estavam sendo usadas como cesto contribuíram muito para a
imaginação das crianças. Quando uma delas resolveu tirar o TNT que estava ao redor da caixa
e entrar nela, isso virou brincadeira de se esconder; e, logo em seguida, uma simples caixa de
papelão foi utilizada como um carro e um caminhão, contribuindo para a brincadeira coletiva.
Assim, além de criarem o contexto com os objetos, a brincadeira heurística oportunizou a
socialização entre as crianças.

Figura 8 – Crianças brincando de piquenique

Fonte: Arquivo pessoal, 2023.

Enquanto algumas crianças tiravam o TNT das caixas, outras tiveram a ideia de fazer
um piquenique com ele, havendo aí discordâncias, pois também precisavam das caixas que
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estavam “servindo” como carro. Então, elas dividiram e, assim, todos brincaram juntos: os
carros feitos de caixa de papelão chegavam até o piquenique. Isso permitiu a troca de opiniões
e argumentos entre as próprias crianças.
A partir da observação, das fotos e das anotações feitas por meio da oficina realizada,
conseguimos verificar diversos momentos significativos para as crianças, por meio da
brincadeira livre, usufruindo da imaginação e da criatividade a partir de cada uso dos objetos.
O brincar heurístico proporciona momentos de brincadeira lúdica, no qual a criança se
desenvolve brincando, trocando vivências.
Nesse momento, nós, juntamente com a professora e a auxiliar, fizemos o papel de
apenas observar, sem intervir na oficina que estava sendo realizada, de forma que as próprias
crianças agissem e interagissem conforme sua preferência. Agimos, assim, de forma não
intervencionalista, para que nossa atitude não alterasse a construção das crianças. De acordo
com Horn (2014, p. 107), “[...] cabe ao adulto organizar a sua prática junto às crianças de
modo que as relações do grupo possam ocorrer longe das coerções de um disciplinamento
centrado nas normas ditadas pelo adulto”.
Ao observar a cena das últimas imagens, conseguimos constatar que os materiais não
estruturados atraem as crianças e ampliam as relações entre elas. As crianças, ao brincarem
juntas, trocam vivências por meio do livre brincar, o que também estabelece relações de
respeito e afeto entre os sujeitos. Segundo Pulgatti (2012, p. 4), “[...] ao interagir com o outro
se verifica a constituição de um confronto de concepções iniciais do educando com aquelas
apresentadas pelos seus pares, tornando este processo fundamental para que a criança se
aproprie de novos significados, apropriação esta que só se fará pela socialização”.
A socialização vai além da educação infantil, sendo um processo contínuo de
aprendizagem e desenvolvimento do ser humano, e é papel do professor promover momentos
que instiguem a interação entre os sujeitos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as vivências do brincar heurístico, após serem colocadas em prática, foi


possível refletir sobre esse momento de extrema importância no desenvolvimento de uma
criança em sua relação social. No livre brincar, a criança é considerada um sujeito ativo,
potente, criativo e com capacidade para realizar escolhas. Nas ações das crianças diante dos
objetos não estruturados ou de largo alcance e suas possibilidades, sua autonomia precisa ser
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respeitada, para que ela possa agir livremente explorando o ambiente ao seu redor, decidindo
com o que e como irá brincar.
Nesse contexto, as crianças se relacionam entre si, criando significados e atribuições
ao mundo. Percebemos que os materiais ampliam as relações entre as crianças, contribuindo,
assim, para o processo de interação entre elas. Ressaltamos, ainda, a importância do espaço na
educação infantil para as primeiras explorações que as crianças fazem, tanto nos espaços
internos quanto externos. Ao professor, cabe planejar o espaço, considerando-o um “segundo
educador”, como um parceiro que apoia a busca de aprendizados das crianças e seu desejo
diante dos materiais, para que brinquem de forma autônoma e livre.
Na educação infantil, o brincar livre está presente estimulando os aspectos motores,
sociais e cognitivos, constituindo-se como um eixo fundamental para o desenvolvimento das
crianças. Para que isso ocorra, é fundamental que o professor planeje e organize todo o
espaço.
Deste modo, finalizamos esta pesquisa propondo pensar que o brincar heurístico, a
partir do cesto dos tesouros, que geralmente é recomendado apenas para crianças menores,
também foi de extrema importância para as crianças de 4 e 5 anos, ao ampliar seu repertório
imagético e social, para que se tornassem protagonistas em suas ações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBOSA, M. C. S. Práticas cotidianas na educação infantil – Bases para a reflexão sobre


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http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf. Acesso em: 15 maio
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BUITONI, D. S. De volta ao quintal mágico a educação na Te-Arte. São Paulo: Agora,


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Acesso em: 20 maio 2023.
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CAIRUGA, R. R.; CASTRO, M. C. de; COSTA, M. R. da (Org.). Bebês na escola:


Observação, sensibilidade e experiências essenciais. In: HORN, M. da G. S. O bebê e suas
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PULGATTI, L. M. S. A importância da socialização no processo de ensino-aprendizagem.


P@rtes, São Paulo, v. 1, p. 1-4, 2012.

APÊNDICE A – TERMOS DE AUTORIZAÇÃO DE USO DA IMAGEM


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