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Campos dos Goytacazes, o maior muni- “As luzes vão se propagando rapi-
cípio em densidade geográfica do Estado damente por todo o Brasil, graças ao
do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros do benéfico influxo de uma Constituição
Brasil a possuir sua imprensa e isso se deve Liberal. A Vila de Campos possui hoje
a diferentes fatores, sendo o mais importante um periódico, o “Correio Campista”,
o nítido desenvolvimento econômico promo- escrito no sentido nacional, e que
vido pela agroindústria açucareira. No livro aparecerá duas vezes por semana.
“Movimento Literário em Campos” Vimos o primeiro número desta fo-
(Typografia do Jornal do Commércio, de J. lha, que contém alguns artigos muito
Rodrigues & C., Rio de Janeiro, 1924), o bem escritos (...)”
escritor Múcio da Paixão2 assinala que ainda
era a Vila de São Salvador dos Campos dos O escritor (op.cit.), também dramaturgo
Goytacazes, quando aqui se publicou seu e crítico literário contemporâneo, na impren-
jornal – o “Correio Constitucional Campis- sa brasileira, de Artur Azevedo, depois de
ta” -, fundado pelo português Antonio José alinhavar que a partir de 1830 Campos
da Silva Arcos, que saiu do prelo nos fins publicou, até 1924, mais de 500 jornais, “o
de l8303. Sobre o assunto, antes relevando que devia de provar o nosso culto pela
que “a propulsão em favor das letras, em imprensa”, diz que memoráveis são os ser-
Campos, para bem dizer caracterizou-se, ini- viços que a civilização deve ao maravilhoso
cialmente, no campo das actividades jorna- invento de Gutenberg. E enfatiza: “D. João
listas, porque a primeira phase da cultura V, Rei de Portugal, assim, porém, não o
literária entre nós foi exercida no jornal”, entendia, tanto que despótica e violentamen-
descreve: te mandou fechar a primeira typografia que
Antonio da Fonseca fundou, no Rio de
“(...) A typografia em que se impri- Janeiro, em 1747, e na qual se imprimiram
miu essa primeira folha campista, foi algumas obras consideradas, hoje (1906),
trazida da França por um professor curiosos exemplares bibliographicos, crian-
que os ilustres fazendeiros campistas do um grande período de obscuridade no
Manoel Pinto Netto da Cruz (poste- país”.
riormente Barão de Muriaé) e O rei, segundo Paixão (apud Evaristo da
Gregório Francisco de Miranda (de- Veiga), ficou com receio da dinastia dos
pois Barão da Abadia) mandaram resultados que traria aos espíritos a fácil
contratar na Europa, para o fim de vulgarização do pensamento e das idéias. De
ensinarem a língua francesa às suas forma que somente depois da chegada de D.
filhas.” João VI e seu séquito ao Brasil é que foi
fundada uma outra tipografia, trabalho cre-
Quando surgiu o primeiro jornal da pla- ditado a Rodrigo Coutinho, o Conde de
nície, o jornalista Evaristo da Veiga, do Linhares, surgindo, em decorrência, a “Ga-
“Diário Mercantil”, do Rio de Janeiro - zeta do Rio de Janeiro”, iniciando o
naquela época intemerato agitador das mas- “periodismo” nacional.
sas, nos dias sombrios que precederam a Dá para se entender, portanto, porque só
Regência e a quem o Brasil muito deve pelos depois de 22 anos da chegada da Família Real
seus grandiosos serviços, segundo as anota- ao Brasil, fugindo do bloqueio continental
ções de Paixão, (p.11) - fez o seguinte estabelecido na Europa por Napoleão
comentário: Bonaparte, Campos editou o seu primeiro
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dias indeterminados, muitas cópias eram no que estiver ao seu alcance e lhe
tiradas para serem distribuídas. Mais adiante, determina a Lei do seu Regimento,
descreve, por exemplo, a maior barriga da fazendo imprimir pela nova
“imprensa” manuscrita daquele tempo: tipographia por elle estabelecida as
actas, ordens e papeis dos seus tra-
“Graças à gentileza do sr. Barão de balhos municipaes, que vai dar as
Miracema, tivemos em nosso poder providências para lhe serem enviadas
um jornal manuscrito do ano de 1826, a comissão, que em consequencia
com o título “O Espelho Campista” desta proposta, trate sem perda de
o qual dava a notícia de um alvoroço tempo o secretario de enviar ao Pro-
causado por ter Manoel Alves de curador não só extractos das actas do
Jesus, em 1822, a horas noturnas, feito presente anno, como também das
tocar a rebate os sinos da cadeia e contas do anno passado de 1829
das igrejas, os tambores e as cornetas cumprindo-se dessa forma os artigos
dos dois batalhões de milicianos, sob 46 a 62 da Lei de 1º de Outubro de
o falso pretexto dos escravos se te- 1828. Sala da Câmara Municipal, 4
rem revoltado e quererem atacar a vila. de novembro de 1830. a) Andrade,
O jornal referido era redigido por Bettancourt”.
Prudêncio Joaquim da Bessa6”.
Monitor Campista - O fato da cidade
de Campos dos Goytacazes - uma homena-
Feydit (p.397) cita que em sessão da gem tardia aos bravos guerreiros que ha-
Câmara Municipal, de 3 de novembro de bitavam a planície, que se estende da Cadeia
1830, Antonio José da Silva Arcos7 partici- do Mar às lonjuras da Barra do Furado –
pou àquela casa ter publicado na Vila um manter, ainda, o terceiro mais antigo jornal
periódico – “Correio Constitucional” – cujo em circulação ininterrupta do país, abre
prospecto remetia oferecendo o mesmo para perspectivas para se pensar em sua impor-
publicação das ordens e atos oficiais. Às tância social, política e econômica durante
folhas 47 do Livro de Atas daquele ano, acha- os períodos marcados pela Colônia e pelo
se o parecer sobre o assunto: Império do Brasil, percorrendo por toda a
história republicana até os dias atuais, mesmo
“(...) Antonio José da Silva Arcos com as mudanças circunstanciais nas áreas
participa a esta Câmara que estabe- econômicas, com ênfase para o surgimento
leceu nesta Villa huma tipographia, na da prospecção e exploração do petróleo na
qual tem proposta á publicar hum Bacia Continental de Campos8.
Periódico, logo que saia a luz o O “Monitor Campista” é, sem dúvida,
primeiro periódico, cujo prospecto uma marca do clamor social da cidade, que,
remete, offerecendo-se á publicação no final do século XIX, era considerada uma
das ordens e actas desta Câmara no das principais produtoras de açúcar e álcool,
dicto Periódico, logo que saia o responsável pelo desenvolvimento da Velha
primeiro número. A comissão he de Província, assinalando-se que, no eito dos
parecer que o secretario responda por meios de produção, prosperava, infelizmen-
parte da Câmara agradecendo ao dito te, o trabalho escravo.
Arcos a sua participação, como tam- O jornal, segundo Feydit (p.398) foi
bém aceitando com agrado os seus fundado por José Gomes da Fonseca
dezejos de ver prosperar o sistema Parahyba, em 4 de janeiro de 1834, com o
Monarchico Constitucional por huma nome de “Campista”, tendo sido um de seus
medida de maior vantagem para os mais importantes colaboradores e sócio o dr.
povos, como seja a da imprensa para Francisco José Alypio, provavelmente um dos
a publicação dos sentimentos livres primeiros jornalistas vitimados pela prática
de cada hum cidadão, cuja liberdade do direito de opinião, numa terra eivada por
amoldada a Constituição do Império. fazendeiros e latifundiários altamente radi-
Que a Câmara concorrerá da sua parte cais com relação ao uso dos escravos como
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O corpo foi levado para a vila e depois lhe dar mais um sitio, o que cumpriu
das providências e autópsia foi o cadáver dando-lhe o dinheiro para o comprar.
enterrado. Dona Maria Custódia Cabral Que Rosas foi o assassino, não resta
mandou fazer ao morto grandes exéquias e a menor dúvida, mas que Neco por
cobriu-se de luto e a mulher do médico sua conta lhe desse cinco contos, isso
assassinado, dona Jacintha, foi presa por não é crível. (...) Que necessidade
alguns dias na cadeia, sendo libertada logo tinha ele de assim proceder? Como
após por falta de provas. Mas, pouco tempo crer que um pobre serrador braçal, que
depois, segundo Feydit, ela se casava com em 1834 ganhava no máximo 500 réis
o serrador Manoel Francisco da Silva, o Neco. por dia, tivesse cinco contos para
O interessante é que dona Maria Custódia pagar ao mandatário? Seria a mulher
Cabral, logo depois do crime, viajou ao Rio do doutor Alypio que dera os cinco
de Janeiro em companhia do doutor José contos para ser assassinado o mari-
Gomes da Fonseca Parahyba e voltam de lá do? Não, porque Alypio não era rico
casados. O escritor fala sobre os boatos: e até a metade da fazenda, depois de
sua morte fora arrematada em praça
“(...) Os contemporâneos davam a pública para pagamento de dívidas. É
autoria do assassinato de formas de se supor que outra pessoa mais
diversas: uns diziam que dona Maria abastada fosse a fornecedora dessa
Custódia fora a mandante; outro, que soma e, querendo arredar de si a
fora o doutor Parahyba, para casar- autoria desse fato delituoso, pagasse
se com esta, o que se efetuou pouco ao assassino para vir em juízo lançar
dias depois da morte de Alypio. De sobre outro o labéu de mandante de
combinação com o moço serrador, o um crime que, por muito tempo,
Neco, mandaram o mateiro, de nome trouxe suspenso o espírito público, e
Rosas, executar o crime. Esses eram ainda hoje é um enigma não decifra-
os boatos que com insistência circu- do”.
lavam entre os campistas e tal corpo
tomaram que, tendo o Imperador D O jornalista e escritor Gastão Machado (“Os
Pedro II de vir a Campos, o doutor Crimes Célebres de Campos”), Ind. Gráficas
Parahyba fez preparar o palacete, onde Atlas, Campos dos Goytacazes, 2ª Edição,
hoje se acha estabelecido o Hotel 1965), segue o mesmo eito dedutivo de Feydit,
Gaspar para recebê-lo; mas o Impe- só que, como teatrólogo, procurou romancear
rador, sendo avisado do que constava as relações entre os personagens, inclusive
em relação ao assassinato do doutor criando diálogos. Só que, no capítulo da
Alypio, não quis se hospedar naque- participação do doutor José Gomes da Fonseca
le palacete no ano de 1847 (...)” Parahyba, ele deixa antever que este mantinha
um romance com a mulher de seu sócio
Todos os mistérios, no entanto, sobre as Francisco José Alypio, antes de sua morte.
causas da morte de Francisco Alypio, nunca Gastão (pp.103-113) amplia a suspeita de
foram dissipados, segundo relata o autor de que Parahyba poderia ser o mandante da
“Subsídios...”, para quem, em 1856, 22 anos morte do sócio por dois motivos: para ficar
depois do crime, quando se apresentou ao com parte da sociedade na tipografia e no
juiz municipal João de Souza Nunes Lima, jornal e, também e, sobretudo, com sua
o indigitado assassinado, Rosas, o mateiro, mulher, “traindo o melhor amigo, já que
requerendo para que o juiz mandasse julgar foram colegas do curso feito na Academia
a sua prescrição, visto fazer mais de 20 anos Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro”. Outro
que havia feito o assassinato. Nesse ponto suspeito, que praticamente desaparece da
o escritor faz suas considerações finais: história é o padre José do Desterro, jovem
teólogo de 28 anos de idade à época e tio
“(...) Declarou: que Neco, o serrador, de Maria Custódia Cabral que, depois do
fora quem lhe mandara fazer o crime escândalo, segundo o escritor, “desapareceu
dando-lhe 5:000$000 e prometendo- da Vila e nunca mais foi visto”.
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Múcio (p.18), no entanto, deixa antever fuligem como o confete enegrecido do pro-
que o repórter e sócio do “Campista” fora gresso.
vitimado por causa de suas opiniões polí- Está no “Monitor” o instante especial da
ticas, porque muitos gostariam de pôr termo inauguração da energia elétrica, no dia 24
à vida de “um valoroso jovem voltado para de Junho de 1883, a primeira comunidade
a medicina e para as lides jornalísticas”. da América Latina a obter esta inovação
Polêmicas à parte, o bom é sentir que, tecnológica, antes mesmo que a maioria das
desde o início de sua história, o “Monitor” cidades americanas e européias. Tudo como
faz parte do contexto de defesa do direito frutos do desenvolvimento e porque os
de expressão, embora, em alguns momentos, engenhos tocados a vapor precisavam ser
fosse claramente favorável às classes domi- substituídos por alguma coisa que lhe asse-
nantes, principalmente nos embates da abo- gurasse o aumento da produção.
lição da escravatura, quando se colocou ao O “Monitor” informou, embora com
lado dos escravocratas. dificuldades, as questões da primeira guerra
Foi, inclusive, o único jornal a publicar mundial, a queda da bolsa de Nova Iorque,
notas de fugas e vendas de escravos e, a queima dos cafezais e os investimentos de
também, abrir espaços para o escravocrata uma sociedade que não obteve a moratória
Raimundo Alves Moreira, o famigerado para pagamento de suas dívidas. Abriu
Barbaça, ao se colocar contra a 2ª Confe- manchete para anunciar o fim da II
rência Abolicionista, no Teatro Empyreo, a Grande”Orávio Soares Guerra Mundial e a
27 de jJunho de 1884, promovida pelo hegemonia do capitalismo nas mãos insen-
abolicionista Luiz Carlos de Lacerda, pro- síveis do Tio Sam. O “Monitor Campista”
prietário do Jornal “25 de Março”10, bem foi adquirido pelos Diários Associados, em
como contra as conferências de José do 1936, expressando o desejo do seu então
Patrocínio, nos dias 13 e 15 de Março de presidente, Assis Chateaubriand, de possuir
1885, no Teatro São Salvador. os três mais antigos jornais em circulação
Tudo isso, no entanto, não desmerece a no Brasil – o “Diário”, de Pernambuco; o
grandeza do jornal, ressalvando-se sua po- “Jornal do Commércio”, do Rio de Janeiro;
lítica editorial como reflexo do tempo, pelo e o “Monitor Campista”, de Campos dos
registro histórico do Brasil nos últimos 170 Goytacazes.
anos, marcando, de forma decisiva, suas O jornal realizou várias campanhas de
transformações, com destaque para Campos nível nacional, como “O Petróleo é Nosso”
dos Goytacazes, presente, em termos de e o “Dê Asas ao Brasil”, estimulando o
avanços e recuos no desenvolvimento, em desenvolvimento da aviação civil, redundan-
suas páginas, sendo importante ressalvar do na criação de vários aeroclubes no país,
algumas instâncias. inclusive o de Campos, inaugurado no dia
O “Monitor” marca as lutas abolicionistas, 10 de junho de 1941, com o apoio do Rotary
os crimes célebres do município, a passagem, Club de Campos, durante a gestão dos
várias vezes, do Imperador Pedro II, da presidentes drs. Camilo de Menezes (1940-
Princesa Isabel e do Conde D’Eu. Os gestos 41) e Mário Ferraz Sampaio (1941-1942),
de bajulamentos da aristocracia rural para ainda em funcionamento e prestando relevan-
com a família imperial, os desatinos das elites tes serviços à sociedade. Nesse sentido, por
com a perda da mão obra escrava, a Repú- ser muito difícil enumerar seus melhores
blica e o renascimento da cidade sob o signo momentos nestes 170 anos, pode-se afirmar
do verde dos canaviais e das chaminés que as páginas do “Monitor Campista”
fumegando e derramando na planície sua encerram a própria história do Brasil.
JORNALISMO 175