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INVESTIGAÇÕES DE AUTORIA E PUBLICAÇÃO

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Autor: Sérgio Barcellos Ximenes.

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Fany, de Nísia Floresta, a segunda história de ficção de escritora brasileira

Resumo

Tema: o livreto Fany ou o Modelo das Donzelas, lançado pela potiguar Nísia
Floresta Brasileira Augusta (12/10/1810 - 24/4/1885) em 1847, mesmo ano do
lançamento de outro livreto da autora, Daciz ou a Jovem Completa.

Pseudônimo adotado na obra: N. B. Augusta.

Importância da obra: a primeira história da segunda escritora brasileira de ficção,


publicada dois anos após o lançamento de Eugênia ou a Filósofa Apaixonada (1845),
obra da gaúcha Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, esta a primeira ficcionista
brasileira.

História do livro Fany: publicado no Rio de Janeiro em 1847, não teve nenhum
anúncio em jornais, tornando-se inacessível até o seu manuscrito ser encontrado com o
político gaúcho Borges de Medeiros, que o cedeu ao escritor e político Fernando Luís
Osório Filho em dezembro de 1934.

Segunda edição da obra: em 1935, no livro Mulheres Farroupilhas, de Fernando


Luís Osório Filho, capítulo da página 54 à 71, sem atualização de texto.

Conteúdo da obra: a história de Fany, jovem ideal segundo as concepções de Nísia


Floresta: obediente aos pais, dedicada à família, benfeitora dos pobres, seguidora da
conduta aprovada pela religião, exemplo vivo das "virtudes femininas", avessa a
qualquer forma de vaidade e exibicionismo, amante do conhecimento e da instrução,
resignada quanto às infelicidades causadas pelo destino, e tímida e modesta a um ponto
extremo. A educação perfeita (aos olhos de Nísia) recebida dos pais permitiu a Fany
enfrentar anos de agruras causadas pela Guerra dos Farrapos, ao final dos quais obteve,
graças à providência divina, a recompensa do respeito de seus concidadãos.
Contexto da obra: escrita para ser lida ante as alunas de Nísia Floresta, no Colégio
Augusto (Rio), em 8 de abril de 1847.

Número de páginas da história: 10.

Obras de Nísia Floresta anteriores a Fany:

1. Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens.

. Tradução não assumida da obra inglesa Woman Not Inferior to Man (A Mulher Não
é Inferior ao Homem, 1739), de autoria de "Sophia, a Person of Quality'" (pseudônimo).

. Texto original da obra atribuído, na folha de rosto, a "Mistriss Godwin".

. Pseudônimo adotado no livro: Nísia Floresta Brasileira Augusta (a tradutora).

. Obra supostamente traduzida do clássico feminista A Vindication of the Rights of


Woman (Uma Defesa dos Direitos da Mulher, 1792), da escritora inglesa Mary
Wollstonecraft.

. Ano de lançamento: 1832 (Recife, Pernambuco).

. Descoberta da verdadeira origem do texto traduzido: Maria Lúcia Garcia Pallares-


Burke (10/9/1995, artigo na Folha de S. Paulo).

2. "Conselhos à Minha Filha".

. Livro lançado com o pseudônimo "N. F. B. Augusta" (Rio de Janeiro).

. Texto destinado à educação da filha Lívia Augusta, então com 12 anos de idade.

. Primeira obra autoral de Nísia e seu livro mais bem-sucedido, com tradução para o
idioma italiano e o francês.

. Ano de lançamento: 1842.

Obras de Nísia Floresta lançada após Fany, ainda em 1847:

1. Daciz ou a Jovem Completa.

. Obra desaparecida, da qual só se conhecem 21 anúncios em jornais do Rio, em


1849 e 1850.

. História lida por Nísia ante as suas alunas no Colégio Augusto.

. Lançamento: julho de 1847.

2. Discurso que a suas Educandas Dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta.

. Texto lido por Nísia ante as suas alunas do Colégio Augusto no final do ano letivo,
em 18 de dezembro de 1847.
. Pseudônimo: N. F. B. Augusta.

Missão de vida de Nísia Floresta:

. Educar moralmente as meninas de sua época e direcioná-las no sentido do amor ao


conhecimento e à instrução plena, por meio de personagens exemplares da ficção,
discursos e ação prática em colégios, expandindo, desse modo, as suas possibilidades de
integração à sociedade, antes restritas às habilidades domésticas.

. No campo social, lutou também contra a escravidão e a favor da República.

Texto inédito de Nísia Floresta: Um apelo à caridade feminil, publicado no Correio


Mercantil, Instrutivo e Político (Rio de Janeiro, RJ), em 24 de setembro de 1855, na
página 2, quinta coluna.

Clique aqui para baixar o livro Mulheres Farroupilhas, em arquivo do Word com
todas as imagens escaneadas (7,9 MB).

__________________________________________

Nísia Floresta e as suas primeiras obras

Não se tem notícia de nenhum exemplar existente de Fany ou o Modelo das


Donzelas e de Daciz ou a Jovem Completa, duas histórias breves lançadas pela
educadora e escritora potiguar Nísia Floresta em 1847.

Dois anos antes, em 1845, a gaúcha Ana Eurídice Eufrosina de Barandas se tornava a
primeira brasileira a publicar uma obra de ficção, com Eugênia ou a Filósofa
Apaixonada, integrante de seu livro O Ramalhete ou Flores Escolhidas no Jardim da
Imaginação.
Imagem escaneada da segunda edição do livro "O Ramalhete" (1990).
Imagem copiada do Google Image.

Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens (1832)

Nísia Floresta Brasileira Augusta (12/10/1810 - 24/4/1885), nascida Dionísia


Gonçalves Pinto, em Papari (RN), atual cidade de Nísia Floresta, tornou-se a primeira
feminista brasileira ao publicar em 1832, com apenas 22 anos de idade, o seu primeiro
livro, "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens". A obra saiu em Recife (PE).
Quarta edição da obra, organizada por Constância Lima Duarte.

Imagem copiada do Google Image.

Por mais de 150 anos tomou-se como verdade que essa obra de Nísia seria uma
tradução livre do clássico feminista A Vindication of the Rights of Woman (Uma Defesa
dos Direitos da Mulher, 1792), texto da escritora inglesa Mary Wollstonecraft (1759-
1797), mãe da também escritora Mary Shelley, autora de Frankenstein, ou o Prometeu
Moderno.
Imagem copiada da Wikipédia.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Uma_Reivindica%C3%A7%C3%A3o_pelos_Direitos_
da_Mulher#/media/File:Vindication1b.jpg

Texto completo da obra

https://archive.org/details/vindicationofright00woll

Essa versão perdurou até que Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, historiadora e
professora da USP, veio a revelar em seu artigo Pela liberdade das mulheres, publicado
na Folha de S. Paulo em 10 de setembro de 1995, que Nísia havia se inspirado em dois
outros livros para produzir o seu texto: a obra francesa De l'Égalité des Deux Sexes (Da
Igualdade dos Dois Sexos, 1673), do filósofo François Poullain de La Barre,...
Fonte da imagem

https://www.edition-originale.com/fr/livres-anciens-1455-1820/philosophie/poullain-
de-la-barre-de-legalite-des-deux-sexes-discours-1690-21198

Texto completo da obra

http://blog.le-miklos.eu/wp-content/Poullain-EgaliteDesDeuxSexes.pdf

... e a obra inglesa Woman Not Inferior to Man (A Mulher Não é Inferior ao Homem,
1739), de Sophia, pseudônimo ora associado a Lady Mary Wortley Montagu, (1689-
1762), ora a Lady Sophia Fermor (1721-1745).
Imagem copiada da Digital Library LSE.

Texto completo online

https://digital.library.lse.ac.uk/objects/lse:huc485foq

Informa Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke sobre a "travessura literária" (palavras de


Maria Lúcia) de Nísia Floresta:

"Ela traduziu literalmente e na sua totalidade um livreto de 1739, intitulado 'Woman


Not Inferior to Man', cujo autor ou autora desconhecida se escondia, e ainda se esconde,
sob o pseudônimo de Sophia, a 'Person of Quality'. A pretensa tradução livre de
Wollstonecraft foi, na verdade, o que poderíamos chamar de um plágio-tradução de
outro plágio, já que o texto de Sophia era plagiado em grande parte do de Poulain."

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/10/mais!/3.html
Folha de rosto e primeira página da segunda edição, lançada em Porto Alegre (1833).

Fonte

http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2017/08/natal-fevereiro-de-
2013-apresentacao-ao.html

Nísia teria inventado uma autora do original inglês (Mistriss Godwin) e utilizado o
próprio pseudônimo integral (Nísia Floresta Brasileira Augusta) como tradutora. Em
outras obras da escritora haveria uma grande variação de nomes e abreviaturas baseados
nesse pseudônimo (N. F. B. A., N. F. B. Augusta, F. Augusta Brasileira etc.).

Em 19 de agosto 2020, a tradutora Denise Bottmann redigiu o post De Sophia, a


Person of Quality, a Nísia, em seu blog Não Gosto de Plágio, contestando essa
interpretação de Maria Lúcia. Segundo Denise, "Nísia traduziu a obra a partir da
tradução francesa Les droits des femmes et l'injustice des hommes, que fora lançada em
1826. Mas o danado do tradutor francês ― César Gardeton ― simplesmente tinha
copiado (ou reeditado por engano, cof cof) outra tradução de outra obra!".

Essa obra seria a tradução francesa de Woman not Inferior to Man, intitulada La
Femme n'est pas Inférieure à l'Homme", publicada em 1750.

http://naogostodeplagio.blogspot.com/2020/08/de-sophia-person-of-quality-
nisia.html

Conselhos à Minha Filha (1842)

O segundo livro de Nísia, lançado em 1842, viria a se tornar o mais bem-sucedido de


sua carreira: Conselhos à Minha Filha.
Imagem do Google Books.

Texto completo do livro

https://books.google.com.br/books/about/Conselhos_a_%CC%81minha_filha.html?i
d=c_ZCAQAAMAAJ&redir_esc=y

Lançado no Rio de Janeiro em 1842, ganhou traduções na Itália (1858) e na França


(1859), sendo incluído no currículo de escolas católicas italianas.
Imagem da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

Texto completo da obra

https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/2878

Não há imagens conhecidas da tradução da obra para o francês.

Fany ou o Modelo das Donzelas e Daciz ou a Jovem Completa (1847), e Opúsculo


Humanitário (1849)

1847 foi o ano da estreia de Nísia Floresta na ficção, com duas histórias breves: Fany
ou o Modelo das Donzelas e Daciz ou a Jovem Completa. Historieta oferecida às suas
educandas.

Na página XIX da edição de outra obra de Nísia, Opúsculo Humanitário (Cortez -


INEP, São Paulo, 1989), Peggy L Sharpe Valladares estabeleceu esta cronologia para as
duas histórias, preservada até o presente.
Download da reedição da obra (1989)

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002106.pdf

Imagem da primeira edição da obra (1853)

Download da edição

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasgerais/drg376981/drg3769
81.pdf
Portanto, Fany foi a primeira história de ficção criada por Nísia Floresta.

Não se encontrou ainda nenhum anúncio desse livro, nem se conhece nenhum
exemplar da obra. Devemos o acesso ao texto original a dois gaúchos: o advogado e
político Borges de Medeiros (1863-1961), feliz possuidor do manuscrito da história, e o
escritor e político Fernando Luís Osório Filho (1886-1939), a quem Borges de Medeiros
doou a essa preciosidade literária em 23 de dezembro de 1934 (a qual, supostamente,
desapareceu para sempre).

Imagem escaneada da página 54 de Mulheres Farroupilhas.


Fernando Osório publicou o texto original de Fany no livro Mulheres Farroupilhas,
lançado em 1935 (Livraria da Globo, Porto Alegre).

Capa escaneada de Mulheres Farroupilhas, de Fernando Osório.

Quanto a Daciz, a segunda história de ficção de Nísia Floresta, além de não se ter
notícia de nenhum exemplar, também não se conhece o conteúdo. Sabe-se que foi
impressa na tipografia de Francisco de Paula Brito, no Rio de Janeiro, e que o texto não
passava de 15 páginas.

Sobraram da obra apenas 21 anúncios em 6 jornais do Rio de Janeiro, publicados em


1849 e 1850. Todos são mostrados abaixo.

Essa concentração de anúncios em curto período (e somente nele) gera suspeitas


sobre o ano real de publicação da obra, ou pode indicar uma segunda edição, que não é
mencionada nas fontes tradicionais.

1849

5 de abril de 1849

Jornal do Comércio, ano XXIV, suplemento ao número 95, página 6, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/13779

Rua da Quitanda, 70 no Google Street View (setembro de 2017)

https://www.google.com.br/maps/place/R.+da+Quitanda,+70+-
+Centro,+Rio+de+Janeiro+-+RJ,+20011-030/@-22.9032559,-
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22.9032726!4d-43.1768739

1850

3 de fevereiro

O Anunciador, número 3, página 2, segunda coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/717649/3

Link para o PDF do número:

http://memoria.bn.br/pdf/717649/per717649_1850_00001.pdf

4 de fevereiro

O Anunciador, número 4, página 1, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/717649/5

Link para o PDF do número:

http://memoria.bn.br/pdf/717649/per717649_1850_00004.pdf

5 de fevereiro

O Anunciador, número 5, página 3, primeira coluna.


http://memoria.bn.br/docreader/717649/11

Link para o PDF do número:

http://memoria.bn.br/pdf/717649/per717649_1850_00005.pdf

12 de abril

Periódico dos Pobres, número 13, página 4, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/709697/50
Rua do Ouvidor, 158, no Google Street View (setembro de 2017)

https://www.google.com.br/maps/place/R.+do+Ouvidor,+158+-
+Centro,+Rio+de+Janeiro+-+RJ/@-22.9042872,-
43.179311,3a,75y,325.6h,99.37t/data=!3m6!1e1!3m4!1sLA4GrI_2aDl_9p9oUo2uWg!2
e0!7i13312!8i6656!4m5!3m4!1s0x997f5e76b9b863:0xac239cc165c519c5!8m2!3d-
22.9042236!4d-43.1792994

23 de maio

Periódico dos Pobres, número 16, página 4, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/709697/62

29 de maio

Periódico dos Pobres, número 19, página 4, segunda coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/709697/74

18 de agosto

Jornal do Comércio, ano XXV, número 225, página 4, terceira coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/1026

19 de agosto

Correio da Tarde, número 960, página 4, última coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/616028/2932

27 de agosto

Correio Mercantil e Instrutivo, número 215, página 4, quarta coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/217280/3762

28 de agosto

Correio Mercantil e Instrutivo, número 216, página 4, quarta coluna.

http://memoria.bn.br/docreader/217280/3766

29 de agosto

O Grátis, 1º ano, número 29, página 1, terceira coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/719676/51

31 de agosto

Periódico dos Pobres, número 50, página 4, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/709697/226

3 de setembro

Periódico dos Pobres, número 58, página 4, segunda coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/709697/230

19 de setembro

O Grátis, 1º ano, número 32, página 2, terceira coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/719676/74

23 de setembro

Periódico dos Pobres, número 69, página 4, segunda coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/709697/274

26 de setembro

O Grátis, 1º ano, número 33, página 2, terceira coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/719676/59

26 de setembro (caderno de anúncios)

O Grátis, 1º ano, número 33, página 2, terceira coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/719676/61

3 de outubro

O Grátis, 1º ano, número 34, página 1, terceira coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/719676/62

14 de novembro
Periódico dos Pobres, número 88, página 4, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/709697/350

3 de dezembro

Periódico dos Pobres, número 96, página 4, segunda coluna.

http://memoria.bn.br/DocReader/709697/382
Fany ou o Modelo das Donzelas

Apresento abaixo o texto atualizado de Fany, inédito na internet. Em seguida vêm as


imagens do texto original (1847), como foi publicado em 1935. Como o escritor
Fernando Luís Osório Filho faleceu em 1939, o texto da obra já caiu em domínio
público devido ao final do período de 75 anos após a morte do autor, podendo ser
compartilhado sem violação ao direito autoral.

Tanto as historinhas de Fany e Daciz quanto o romance inacabado Dedicação de


uma Amiga integravam-se à missão de vida de Nísia Floresta: educar as jovens
brasileiras do seu tempo no sentido da moralidade e da instrução diversificada
(incluindo as ciências, as artes e os idiomas), para que se tornassem cidadãs com pleno
controle de seus comportamentos e conscientes de seus direitos.

Visando concretizar esse ideal, Nísia valeu-se da ficção, da não ficção e também de
esforços práticos, como a criação de um colégio para meninas em Porto Alegre (em sua
própria residência), na segunda metade da década de 1830, e outro no Rio de Janeiro (o
Colégio Augusto, fundado em 1838). Neste último, atuou como diretora e professora até
1849, quando deixou o país.

Em Fany, o propósito didático de Nísia se torna mais evidente devido à extensão


exígua do texto, em contraposição ao contexto de Dedicação de uma Amiga, uma
história em dois volumes repleta de peripécias.

Lembrando: com esta história (Fany ou o Modelo das Donzelas), Nísia Floresta se
tornava a segunda autora de ficção da literatura brasileira. A trama tem como cenário a
Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.
FANY OU O MODELO DAS DONZELAS

POR N. B. AUGUSTA

Em 8 de Abril de 1847

Colégio Augusto

________

Ao ilustre Dr. Fernando Osório, em cujo

arquivo histórico melhor figurará este interes-

sante manuscrito, oferece

BORGES DE MEDEIROS.

Porto Alegre, 23 - 12 - 1934.

A capital de S. Pedro do Sul está situada em uma risonha e agradável colina, à


margem oriental do rio Jacuí.

O habitante de Porto Alegre goza do ponto de vista o mais encantador e que pode
despertar no homem a ideia sublime do seu Criador. De um lado, veem-se as águas
dormentes do vasto rio lambendo as fraldas da colina e trazendo ao porto embarcações
carregadas de diversas mercadorias de outras províncias do Império e de diferentes
nações do mundo; de outro, avistam-se férteis campinas, semeadas aqui e ali de uma
multidão prodigiosa de flores, cujas diferentes cores, formando o mais agradável
contraste, trazem à imaginação o quadro que se nos traça desse Éden feliz onde a
soberana bondade de Deus colocou o primeiro homem; quadro que é completado pela
simplicidade e lhaneza [afabilidade] dos excelentes habitantes desses campos que ora
descrevo. Chácaras, onde abundam saborosos frutos da Europa, se oferecem aos olhos
do contemplador, que se extasia à vista da simetria com que ali brotam as roseiras e os
cravos de todas as qualidades, sem exigirem difícil cultura. As frentes da maior parte
dessas chácaras, coroadas de rosas e como que situadas por entre o azul do céu e o verde
das montanhas, apresentam no delicioso outubro um panorama digno do pincel de
Rafael.

As vinhas pendentes com o peso de seus crescidos cachos esperam o outono para
oferecer o néctar sob a cor da pérola ou do roxo-violeta. O aveludado pêssego, o
saboroso damasco, a rubra maçã, a roxa cereja e a linda amora sucedem a estação das
flores e dão a Ceres [deusa da agricultura] um triunfo sobre Flora [deusa das flores].
Este delicioso país oferecia em seu seio, até 1835, tudo quanto o homem pode desejar
sobre a terra: a paz, abundância, simpleza e a doce influência de um clima sadio.

Gozava de todos estes bens na cidade de Porto Alegre uma família que se compunha
de seus chefes e nove filhos.

Fany, a primogênita deles, contava apenas treze anos, e as felizes propensões que ela
anunciava já, prometiam aos caros autores de seus dias [seus pais] uma ventura que
nada parecia disputar-lhes.

Fany frequentava um colégio da capital, cuja Diretora, fazendo justiça a seu


merecimento, lhe havia conferido depois de algum tempo o título de Monitora. Nesse
lugar, a jovem educanda, longe de inspirar às suas companheiras um sentimento
desfavorável, atraiu em pouco tempo, pela sua doçura, amabilidade de caráter e terna
perseverança em transmitir-lhes as lições que recebia da Diretora, a geral estima mesmo
das colegiais que não estavam sob a sua direção. Seus progressos foram rápidos, todos
que a conheciam admiravam-na, todos estavam maravilhados de suas nascentes
qualidades, somente ela as ignorava porque a mais perfeita modéstia coroava todas as
outras virtudes.

Ela estava certa de que a obediência filial e o desempenho exato dos deveres de uma
donzela era uma lei que Deus escrevera no coração desta, e estranhava que o simples
cumprimento desta Lei pudesse atrair-lhe tantos elogios. Demais, o monstro devorador
das qualidades das mulheres, a desprezível vaidade, não havia infeccionado sua alma
cândida com seu pestilento hálito; e quando nos salões ela ouvia o seu elogio passar de
boca em boca, o mais lindo rubor lhe assomava às faces e, procurando ocultar-se por
entre as outras, dir-se-ia que ela havia cometido alguma falta que desejava subtrair aos
olhos de todas.

Esta rigorosa modéstia era tanto mais apreciável quanto Fany possuía, já na idade de
quinze anos incompletos, qualidades que lhe atraíam por toda a parte repetidos
encômios [louvores]. Mas ela sabia que, se era bela, não era a si que devia esse fútil e
frágil atrativo que nenhum merecimento só de per si tem. Se mais progressos fazia nos
estudos do que suas companheiras, atribuía-os não à menor capacidade daquelas, mas
sim a um ato em seu favor da sábia Providência, que lhe tendo dado onze irmãos depois
dela, a destinava talvez para dirigir um dia a educação de alguns deles.

Vestida sempre com asseio e gosto, mas sem nenhuma afetação em seus atavios que
eram sempre os mais simples, Fany não aspirava a outra ventura que ser útil a seus pais,
a quem amava com a mais profunda dedicação.

Que quadro interessante representava ela quando, voltando do colégio, punha de


parte os livros e se achava rodeada na casa paterna de seus irmãozinhos, ocupada em
pensar ela mesma nos mais pequenos e poupando à sua boa mãe o peso dos trabalhos
domésticos que, longe de desdenhar, sabia, ao contrário, que é a pratica deles que,
reunida a outras qualidades, pode conferir à mulher o nobre título de — boa mãe de
família!

Quando acabou a sua educação, era ela quem dirigia, sob as ordens de sua mãe, todo
o governo da casa: cosia a roupa de seus irmãos, tratava de sua mãe com uma devoção
angélica e, longe de assemelhar-se a essas jovens que, apenas deixam de ser colegiais,
folgam de haver recobrado uma coisa que chamam liberdade e que lhes permite
dormirem até alto dia, passarem a maior parte dele despenteadas ou à janela,
aborrecendo os [sentindo aversão pelos] livros, em que grande parte delas não pegam
mais ou leem sem fruto, Fany, no meio de tantas ocupações, achava tempo de empregar-
se em cultivar os estudos que havia aprendido e conservar uma correspondência diária
com aquela que havia cuidado de sua educação.

Aproximava-se, porém, o momento em que tão brilhantes qualidades e virtudes iam


ser submetidas à mais rude prova. O Anjo de paz, que até então havia preservado aquela
fértil província dos golpes da rebelião, que nas mais [outras] províncias do Império
tantos e tão assinalados estragos há longos anos fazia, voando para a etérea morada
pareceu abandoná-la durante quase dez anos! Os clarões da aurora do memorável vinte
de Setembro de 1835 [início da Revolução Farroupilha] desdobraram aos olhos dos
habitantes da capital o primeiro painel da rebelião daquele ponto, até então asilo feliz
dos perseguidos por ela nas demais províncias. O rio estava coberto de iates que
conduziam de uma a outra de suas margens os rebelados, e em menos de uma hora a
capital estava em poder deles; o presidente e as demais autoridades, assim
surpreendidas, foram obrigados a depor o Governo entre as mãos dos que para ele foram
nomeados, a despeito da Lei que os excluía.

Enquanto tinha lugar esse grande movimento, e quando mesmo entre as mulheres,
algumas, esquecendo as virtudes pacíficas de seu sexo, elevavam o grito amotinador de
particulares vinganças, profanando o santo nome de liberdade em seu fatal entusiasmo,
Fany, no recinto de seu quarto, dirigia ardentes preces ao Divino Autor da Natureza para
que protegesse os dias de seu pai, que imprudente comandava uma das forças rebeldes;
seu pai que, surdo à voz do dever que o chamava junto a uma esposa virtuosa e doze
filhos, correra a empenhar-se em uma guerra civil, murchando destarte [desse modo] os
louros que havia colhido nas fileiras legais quando combatera outrora o estrangeiro em
defesa de sua pátria!

Entretanto, o primeiro sucesso dos rebeldes, tendo excedido a toda sua expectativa,
deu às famílias destes uma esperança de haverem de tocar a meta da felicidade, e
frequentes aplausos pareceram assegurar a sua causa.

A mãe de Fany seguiu a torrente tempestuosa de um entusiasmo que contrastava


singularmente com a harmonia de suas doces paixões, até então; deslumbrada pelo bom
resultado daquela primeira tentativa, via em seu marido um dos principais reformadores
do Governo que se pretendia estabelecer, e exaltando-se em uma ocasião em que foi
necessário seu marido ir à frente de uma força combater uma outra contrária, ela
exclamou, como uma antiga espartana: "Vai, eu cuidarei em tua ausência de nossos
filhos; repele os inimigos de nossa pátria e não voltes se não voltas vitorioso!". A
sensível Fany, pelo contrário, sem proferir uma palavra que ferisse o que seu pai
chamava nobre patriotismo, com sua mãe apresentava, em sua nudez [mudez], um
contraste singular com aquele entusiasmo, que tão pouco se acordava [harmonizava]
com a doçura e timidez natural de seu excelente caráter. Ela implorava ao Criador pelos
caros autores de seus dias [seus pais], e continuava com mais ardor nos seus exercícios
diários, sem que aquela mudança política tão vantajosa para seu pai tivesse em nada
influído sobre seus hábitos ordinários.

A caridade era uma de suas primeiras virtudes, e da qual sua mãe lhe tinha em sua
infância dado o mais edificante exemplo, e nunca sua bondade se ostentava mais do que
quando ela tinha um pobre a consolar em sua miséria.

E assim ela recebia ao mesmo tempo as economias dos grandes e as bênçãos dos
indigentes para quem obtinha sempre de sua mãe algum socorro.

Todos repousavam tranquilos na cidade de Porto Alegre na noite de quinze do mês


de junho de [18]36, quando uma reação do Governo legítimo foi ali operada, e aqueles
da rebelião que não se puderam evadir foram trancados em duras prisões.

O sol veio esclarecer uma cena bem diversa daquela que há meses ali tinha sido
representada. Aqui começou a perseguição dos rebeldes, a que não escaparam mesmo as
famílias destes que outro crime não tinham senão o de terem seguido em silêncio,
muitas, as opiniões de seus esposos, irmãos ou pais.

Umas presas, outras deportadas, sofriam agora a pena que somente aqueles haviam
merecido, e aquelas que haviam ficado em suas casas na capital estavam expostas a toda
a sorte de insultos, que o povo nestas circunstâncias nunca deixa de dirigir ao oprimido.

Enquanto na capital se passavam essas cenas desagradáveis, consequência sempre de


uma guerra civil, no campo dois formidáveis exércitos se batiam, ambos rio-grandenses,
ambos irmãos de armas, um contra o outro, fazendo assim gemer a humanidade
lacerando seu próprio seio!! As famílias dos rebeldes que se puderam livremente
escapar da capital achavam-se confusamente de entre [entre] os exércitos em que
combatiam seus chefes, expostas como estes às balas inimigas. Em um renhido combate
entre os dois exércitos, uma das carretas que conduziam estas deploradas famílias
aproximou-se imprudentemente do lugar onde o fogo era mais vivo, e, de repente, um
chuveiro de balas caiu sobre ela! Quais serão as vítimas que ela contém!! Era Fany, sua
mãe e seus irmãos, que, vendo seu pai e seu esposo empenhado no calor da batalha,
quiseram, em sua desordem, aproximar-se dele e subtraí-lo, se fosse possível, à morte!!
Fany, a mais modesta, a mais tímida das donzelas, não hesita então de entranhar-se pelo
meio de uma tropa de guerreiros sempre ferozes no calor das batalhas, para seguir sua
mãe que, delirante, quer ver e quer livrar seu pai da morte que adejava sobre sua cabeça!

Tão heroica coragem, tão sublime sentimento filial achou apoio no seio da
Divindade, porque Fany e sua família ficaram ilesas das balas que, em direção da
carreta em que elas iam, caíram a seus pés, deixando apenas espavoridos de susto os
seus mais jovens irmãos. Foi então que Fany desenvolveu grandemente todas as
virtudes de seu sexo: animava com as suas doces carícias a mãe abatida, cuidava [d]os
irmãos, prestava socorros aos que caíam feridos a seus pés, rompendo suas roupas para
estancar o sangue que corria de suas feridas e impondo um religioso respeito aos
soldados, que a contemplavam tão bela e tão jovem no meio deles!

Cessou o fogo, a vitória declarou-se pelo partido de seu pai que comandava naquele
ponto, mas ai de Fany! Alguns dias depois, esse pai que ela amava ternamente e que
tinha resistido ao furor dos combates, cai vítima de uma traição na passagem de um
bosque onde não cria [estar] o inimigo.

Ei-la, pois, órfã com uma numerosa família, no meio de uma campanha, onde bem
depressa novos combates ensanguentaram a terra, não lhe deixando quase os primeiros
recursos da vida. Mas aquele que protege a inocência e prepara a coroa à virtude podia
desamparar Fany em sua orfandade? Não, por certo, que é na adversidade onde os seus
filhos diletos experimentam mais os seus benéficos efeitos. Em sua desgraça,
desprovida daqueles meios que mais deslumbram os homens quando tratam de fazer
uma união, ela teve partidos [pretendentes], mas querendo viver somente para sua mãe e
seus irmãos, ao menos por alguns anos ainda, renunciou ao casamento e encarou
resignada com sua mãe a pobreza e o desdém de um povo, cuja causa seu pai não havia
seguido. Sempre boa, sempre dócil aos conselhos dessa mãe que ela adorava, sempre
modesta e atenciosa com toda a sorte de pessoas. Fany, em sua pobreza como no tempo
de sua prosperidade, atraía a admiração dos que a conheciam. E se ela gemia sob o peso
de seu infortúnio, era pela perda de um pai, de cuja morte nunca se consolou, ou porque
o seu bem-estar passado não vinha agora adoçar ao menos os dias de sua triste mãe e
irmãos, por quem ela somente sentia a privação de sua fortuna.

Oito anos volveram-se assim para Fany, durante os quais jamais uma queixa contra
os Decretos da Providência saiu de sua boca. Era verdadeira filha cristã que sofria em
consequência dos males que seu pai havia atraído sobre sua cabeça, sem murmurar, nem
levemente, da conduta desse pai cuja memória ela religiosamente respeitava!

Era tempo do [de o] Eterno enviar-lhe a coroa que lhe haviam preparado suas
virtudes.

O Governo Imperial compreendeu as necessidades daquela famosa província e


empregou, afinal, os meios de a chamar [a]o seu grêmio. Uma anistia geral fez esquecer
ódios inveterados, e por uma bondade especial do chefe da Nação, todos os rebeldes
ficaram em seus antigos empregos, gozando dos seus direitos.

Fany era de uma das principais famílias daquele país, e, por consequência, achou-se
de posse de todos os bens que pertencem agora à sua mãe, do meio soldo de seu pai e, o
que é mais, da estima geral de um povo, que apregoa as suas virtudes, e entre o qual ela
vive hoje no gozo dos mais puros prazeres domésticos, rodeada de sua família, ocupada
ela mesma na educação de seus irmãozinhos a quem ama com idolatria. Ao vê-la assim,
ou nos melhores círculos da capital, recebendo com a sua inalterável e encantadora
modéstia os respeitos de todos, crê-la-iam perfeitamente feliz, se uma lágrima não
traísse, às vezes, a saudade e a dolorosa lembrança de seu pai.

Possam todas as donzelas, e principalmente aquelas para quem escrevi estes ligeiros
traços da história de Fany, imitar suas virtudes e excitarem uma pena mais hábil do que
a minha para descrevê-las!

______________________________

Três observações.

1. Fany (1847), Daciz (1847) e Discurso que a suas Educandas Dirigiu Nísia
Floresta Brasileira Augusta (1847), são textos breves compostos por Nísia Floresta para
apresentação ante as alunas de seu colégio. Já o livro seguinte, o romance histórico
inacabado Dedicação de uma Amiga, lançado em 1850, era bem volumoso (mais de 400
páginas, apenas nos dois volumes dos quatro idealizados pela autora) e destinava-se às
leitoras em geral, mães e filhas.

Nessas quatro obras, o propósito didático-moralista norteou as ideias, os juízos e, no


caso da ficção, o enredo criado por Nísia.

2. A história de Fany é contada, e não narrada ― assim como, provavelmente, a de


Daciz. Não há diálogos, descrição específica de várias ações e reações dos personagens,
nem tudo aquilo que atualmente associamos a um enredo de ficção.

3. Como se pode apreciar no texto acima, a modalidade de feminismo adaptada à


estrutura patriarcal da época e à doutrina da Igreja Católica, proposta por Nísia Floresta
às suas alunas nessas obras, dificilmente seria denominada como "feminismo", hoje em
dia. Baseava-se na obediência estrita aos pais, no apego à conduta aprovada pela
religião, no desenvolvimento de "virtudes femininas" e na absoluta resignação ante o
destino, além de exaltar a timidez e a modéstia, a um ponto extremo.

Devido à evolução dos costumes e à visão contemporânea sobre o lugar da mulher na


sociedade, o único ponto atualmente concordante entre essas concepções, tão distantes
quanto as suas épocas, talvez seja o incentivo à instrução feminina: pela primeira vez no
Brasil, um educador propunha e praticava o ensino integral das meninas, não
direcionado apenas à vida doméstica.

É interessante observar que Nísia considerava a instrução como o polo oposto ao da


vaidade, o "monstro devorador das qualidades das mulheres", estabelecendo uma
dualidade mutuamente exclusiva que a História provou ser errônea.

No campo social, Nísia Floresta lutou também pela abolição da escravatura e pela
instituição da República, outros exemplos de ter sido ela uma mulher à frente do seu
tempo.
Texto escaneado de Fany, da página 54 à 71 do livro Mulheres Farroupilhas, de
Fernando Luís Osório Filho
Retrato de Nísia reproduzido no livro Mulheres Farroupilhas (1935).
Um texto inédito de Nísia Floresta

O texto a seguir não faz parte de nenhuma obra sobre a autora. Também não
encontrei referência ao texto na internet ou em teses acadêmicas.

Um apelo à caridade feminil foi publicado em 24 de setembro de 1855 no jornal


Correio Mercantil, Instrutivo e Político, do Rio de Janeiro (RJ), na página 2, quinta
coluna.

Nesse ano, Nísia realizava um trabalho humanitário em hospital do Rio de Janeiro,


ajudando a tratar doentes durante a epidemia de cólera.

Eis o texto integral:

Um apelo à caridade feminil.

Fluminenses! Brasileiras! Quando o grito de dor, arrancado pelo mais terrível dos
flagelos que têm oprimido tantas populações diversas, retumba do norte ao sul do nosso
caro Brasil, consenti que invoque os sentimentos generosos que Deus gravou em vossos
corações em prol da humanidade sofredora!

Nos tempos de calamidade, mais do que nos de bonança, a mulher deve satisfazer à
grande missão de caridade que lhe foi transmitida pela mãe de Deus.

Reunamo-nos, pois, de comum acordo para socorrer os indigentes desvalidos,


levando-lhes palavras de consolação e recursos às suas casas, e até mesmo nos hospitais
se mister for; formemos um núcleo de obras pias, concorrendo com o nosso óbolo
[apoio financeiro] e, mais ainda, com os nossos serviços pessoais para reanimar a
pobreza e a dor que propagam seus lamentos por esta grande cidade do Rio de Janeiro; e
destarte [deste modo] teremos pago o melhor tributo à humanidade, que nos bendirá
perante Deus. A que vos fala está há um mês mergulhada na dor da mais irreparável
perda ─ a de uma boa e adorada mãe; mas quando a humanidade geme, as dores
individuais devem calar-se. Eia! Sigamos o exemplo que nos dão tantas caridosas
mulheres de outras nações, e a nossa obra será mais meritória, porque mais do que elas
temos que vencer os prejuízos [preconceitos] da nossa terra e os hábitos de três séculos
e meio!

Reassumamos enfim por uma primeira prática de caridade pública, nesta tremenda
quadra, o lugar a que mais direito temos na sociedade ― o de suavizar, quanto ao nosso
alcance estiver, os sofrimentos do nosso semelhante.

Brasileira Augusta.

23 de setembro de 1855.
http://memoria.bn.br/docreader/217280/10929

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