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<,ócs livies quando passam livremente de um lópi- A psicanálise não dá soluções iniédiaias para os
i o a oui.ro na sessão/ sintomas ou para a vida dos pacientes. ÍZla prcípicia
Nessa liijerilade de movinienlo psíquico existem uma relação que [lermile ao analisando dar atenção
resistências ao iclorno do que é indesejável - isto é, ao que a sua vida inconsciente diz e à insistência de
auics repudiado - , assim como outras defesas contra a Freud em que o material mais valioso|se encontra no
dor psíquica dccoiTenie dessa libendade de pensamen- que é aparentemente irrelevante - uma espécie de
U). Assim, a associação livre é sempre uma "transigên- busca tiivial, resultante das suposições modernas de
cia" entre as verdades psíquicas e o esforço do eu em c|ue, para compieeirder um objeto (uni período histó-
evitar a dor provocada }>or lais verdades. Muito ironi- rico, um romance, uma pessoa), deve-se examiná-lo
(amcntc, no enlanio, a fala liviie transmite o prtKesso no seu sentido normal, c.não prejulgá^lo con\-
mental do analisatido, rcvcbudo o esforço inerente ao ções hierarquizadas.
l>ensamento cm si mesmo. Se virmos na crença no cotidiano uma fotiie valiosa
Para os pacienies do lempo de Freud e de hoje, da verdade humana que teve uiício no Renascimento,
rnirctanlo, o método sempre pareceu indiferente ao teve continuidade na preferência do romantismo jie-
seu estado quase de propósito. "O que você quer las vidas conmns e chega aos dias ílej hoje nos estu-
dizer com só lhe dizer o que passar na minha ca- dos àcadênúcos que acreditam que as informações do
beça?" "VocC não {>odc me dar alguma orientação?" dia-a-dia são objeto fimdamenlal da pesquisa erudita,
"limão, por que você tiào faz umas perguntas que então a leoiia das evidências de Freud é a jisicologia
eu consiga responder?" "Wbas você sem dúvida tem do tempo aluai. Até mesmo o preceito pós-moderno
experiência e salx um |iouco |X)r que estou sofrendo de que qualquer verdade se decompõe em verdades
» puí que moiivo. Por que iiâo me explica isso?" t , nieiioies - que de seu lado se multi[)licarii poi meio
mais conmm ainda: "Me desculpe, mas não aguento de iligressões epistêmicas em fragmentos da sua antiga
esse troço do Treud. Preciso consultar alguém (^ue asserção - é uma conseqiiência significativa óo método
realmente me ajude". de ítssociação livre. Na associação livre de um sonho.
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Ass.:)Oi«ç>o LIVRE
OAK.iiiSiAl;nivA\i)n
não só o paciente fornece evidências que permitirão '
render ao seu inconsciente, o analista consegue usá lo
ao psicanalista entender certos aspectos do sonho, mas para "captar o Iluxo" do inconsciente do paciente. Hui
também, como veremos, o método subdivide a unida- outras palavras, a psicanálise funciona por meio dn co-
de do sonlio em linhas de pensamento díspares - a municação inconsciente!
princípio condensadas pela consimção onírica - , que .
Qualquer paciente à pnxrura de u m especialista
então disseminam possibilidades infinitas.
que tenha respostas fícaría ainda mais desconceriatlo
se soubesse como esse "clínico da saúde mental" ira-
O ANALISTA ENLnVADO balha: uma vez capturado pelo fluxo do outro, o que o
Se o paciente achar a sua tarefa incômoila, o que ele i psicanalista diria ao paciente? Talvez não muita coisa.
|)ensará da função do |isicanalista? • Na verdade, o segredo da tarefa do analista é dispersíir
a sua consciência não se concentrando ein nada, nãí^
A expehinda logo wosíron í|Uf a aliliuk que o ni^diro (inti- procurando nada, não se lembrando de naila. I\*rj>.un-
Usta poílería adolar com grandf pioveito seria rtndn-se ò tar ao analista o que ele está i:)ensando eníjuanic^ ouve
sua íiíiviclíit/e mentai Incpnscieníí', num i^sUuh de aten(,ão o paciente seria quase o mesmo que despertar alguém
imparcialmente enlevada, jmra evitar ao ináifiiní» a rejle- ! que meditava.
xão e a elaboração de expectativas conscientes, tentar não O método de Freud era tão perturbador que até
gravar especiíilmeníf iiíi memória nada que tenha ouvido os seus seguidores não puderam aderir às suas ins-
t, com esses artifícios, captar o jhcxo do Incorisdfnfe do truções explícitas e às consequências delas. Os psi
ptif jenle com o seu intonsrieníei' ! canalistas preferiram concentrar-se em outras parles
da obra de Freud, especialmente na ideia de c)ue a
Esse modo de escutar é revolucionário. psicanálise procura tomar conscientes os conlhios m
O analista não deve refletir sobre o material; não conscientes, para que o paciente possa refletir cons
deve elaborar conscientemente ideias sobre o material; cientemente com mais liberdade. Sem dúvida isso
não deve lembrar-se de nada. F. por quê? Porque, ao se corresponde à verdade, até certo ponto. Por meio dn
II.
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aíisociação livre, o psicanalista realmente toma co- tlirigir o seu inconsciente como um órgão receptor para
rihccimento de alguns dos pontos de vista reprimidos o inconsciente transmissor do paciente."O
do paciente e, nos monientps de revelação - quando Poderíamos muito bem nos perguntar como isso
a linlia de pensamento de repente se torna clara na acontece, ainda mais porque Freud - afora as ineiá-
mente do analista - , o psicanalista diz o que pensa foras - não esclarece quais são os pressupostos da
ou babe, talvez aumentando o cpnhecmiento que o conumicaçâo mconscienie. L certo ípie ele não se
paciente leni de si. referiria ao seu modelo topográfico de repressão,
No entanto, o método tem implicações mais amplas porque, se fosse assiin, seria uma teoria da ilusão
do (lue a transformação já impressionante de ideias in- |ior distorção: como pode uma pessoa transmitir as
conscientes em conscientes: ele realmente desenvolve suas ilusões a um ouvinie tjue supostamente age de
as habilidades incõnseicnics do pacierilíE e d õ psicana- nuido parecido?"
lista. Isso, como veremos, é uma nova forma de criati- Procuremos as pistas no pár freudiano: o anali-
vidade |x)ssível apenas no espaço |3SÍcanalíUco. sando em associação livre, o analista imparciahneiue
enlevado.
COMUNICAÇÃO INCONSCIENTE Uma sequência de pensamentos revela-se num
"É muito surpreendenle que o inconsciente de um encadeamento de ideias que parecem desconexas.
ser humano cotisiga reagu de acordo com o de outro Um paciente fala em ouvir a Missa cm Si Memr, de
sem passarpelo consciente"*, escreveu Freud em 1915. Bacli; após uma pausa, fala em ir à Selfridges lloja
liutão. ((uando o paciente fala livremente e o analista de departamentosi para comprar um taco de críque-
SC enleva com imparcialidade, o método tiansforma-se le para o seu filho; depois menciona uma conversa
em meio de comunicação inconsciente. Aliás, Freud com um amigo cujo tema foi o significado da lealda-
havia comparado a comunicação inconsciente com um de, depois se refere a uma recordação da juventude,
telefonema em que o iTcceplor faz da mensagem uma quando ele achou um carro abandonado que fora
lala c<)crenle. C]'ara dizer na forma de leceila: ele deve roubailo alguns dias antes, assunto que o paciente

IG
A !-io8«IHíiAi + I»11Viic.>riMt.1,1

agora percebe ter relação com um sonho da noiíe cntker lisso não se faz; isso não é correio|, assim como

anierior; e assun por dianie... os diversos sentidos da palavra hal [iãco\m vários con-

Qual a ligação entre Missa/Bach e SellVidges/crí- lextos difenentes: righí ojflhe bat (agora mesmo; sem he-

(luete e todo o resio? É difícil responder, não? Se o sitai |, í)ltf bat Ivelhí^ rabugento). Mas mesmo assim esses

temjx) jjermilisse, devenamos acuui|)anhar as outras significantes cruzam com outras palavras prováveis no

associações do paciente até chegarmos a uma revela- limiar da consciência. Talvez você consiga ouvir a jiala-

ção - |xinio em que depararíamos com um padião de vra gel em akkd ou hail (mau; ruiml em bat. Enquanto

pensamento composto dessas linhas de ligação entre o analisando faz associações livres, apresentando uma

ideias díspares. pittfusão de sons. o analista recebe um rede complexa

Voltando um pouco, a lógica dessa sequência curta de correlações - quase sempre inconscientemente.

pode revelar o seguinte pensamento: "Hu estaria numa Oxiste, então, não um único encadeamento de |jen-
enrascada se, por causa do meu desejo íle enriquecer samentos, mas, como veremos, linhas múltiplas de
l'sel/-rifh-es'l, eu não jogasse cricket \Jau\y] com meus interesse psíquico, que transitam por momentos dá
amigos, ainda mais se me deixasse levar jcarrol por vida como uma inteligência brilhante e silenciosa. O
ideias roubadas de outras pessoas"*. analista, ao entrar no estado de atenção enlevada e im-
No entanto, essa interpretação das associações seria parcial, coloca-se sob influência da ordem inconscien-
inevitavelmente incompleta. Cenas palavras, como Sel- te. Guiado pela lógica do encadeamento de ideias ilo
íridges, suscitam outras, e assim, além das ciladas, pode- paciente, a analista descobre reirospeciivamenie, em
mos também depreender el/, rigid t)u jrigfd lelfo, rígido ceno momento, o significado (ao menos parcial) do
ou frígidol; talvez seja lembrada a expressão "íhíif's not que o paciente disse até então.

* As associações, cbro, sâo em itiglCs. Assim, my wish to enrkh mysélj (meu


A SUBJETIVIDADE DO PSICANALISTA
desejo de enriquecer) dá a entender "sel/-rich-e>" (cuja pronúncia leinbi-a
Sellridges); ploy criei»! (literalmenie, "jogar crlqueie") é tarnt)ém expres- Nós nos comunicamos inconscientemente, por-
são idioDiãiica que significa "ser leal", t to be carned o(/(deixar-se levar)
contém a palavra car (carro) (N. do T.) tanto, quando cedemos ao modo como o pensamento

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iuconsciciuc ocorre - pela associação livre de ideias, continua existindo - uma aptidão de conduta em (jue a
t|uc revela uma ordem ocuíla do pensamento. O in- alividatle do inconsciente do analista não intervém, as-
consciente do analisla reconhece essa forma de i x n - sim como um motorista dirige um carro sem se deixar
sar como sua c assume a incumbência de apreender os influenciar por seus [>ensanientos passageiros.
patirões de pensameitto, alguns dos quais |X)dem ser O leconhecimentíi do padrão é a capacidade do ego
levados a consciência. de i^iceber a realidade paralelamente aos conteútios
E como fica a "reação subjeiiva" do psicanalista? inconscientes dele [)róprio t)u aos estados emcxionais
Será que o analista distorce o que ouve? Levando lia mente. Se o analisando pensa por meio de fala livre,
em conta a dinâmica do inconsciente do analista, usando, |X)rtanto, o analista como intermediário do
como conliar que ele vai captar o encadeamento de liensamenio, então ambos os participantes usam uma
0
associações? i'V'-'"' parte do ego habituatia à aiividade de lecefiçãt) incons-
Diante do falo de que o psicanalista reprime cer- ciente. [Issa recepção se inicia na infância, quaiitlo a
tos conteúdos do paciente, condensa vários materiais mãe transmite ao l>ebê mensagens complexas por meio
psíquicos na sua miríade de pensamentos, distorce tie Jornas de compoilaniento - padrões recorrentes - ,
ou altera informações confonne a construção onírica assimiladas jielo bebé como fonnas internas (|ue ser-
tio inconsciente, como afimiar a nossa capacidade de vem para compreender a vivência.
discernir, receber e inlcgrav a lógica de associação do A cuipacidade de seguir a lógica da seciúência é uma
paciente e se comunicar com ela? t|ualtdade íonnal do ego - um tipo de inteligência -
O problema é da fonna contraixjsta ao conteúdo. que não sofie influência funtlamenial da vida interna
A vida inconsciente do analista altera as informações do receptor nem das circunstâncias da relação dos que
transmitidas |>clo padenlc, elaborando-as oniricamen- dela pailicipani.'
le nos complexos inconscientes criados pelo próprio De fato, no diált)go livre, quando duas pessoas fa-
analista. Ao mesmo tempo, porém, a capacidade do zem assticiações livres numa conversa longa, como cos-
ego de acompanhar a estrutura da lógica inconsciente tuma ocorrer com amigos íntimos, elas criam linhas de

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R i i / v m s i t CM» IO

pensamenio inconsciente, aluando assixiaiivamenie, à sando salnrem onde se encontram e por que estão aí
medida que passam de um assunto paia o outro. V. fácil quando criam juntos a psicanálise.
íazer isso porque admitimos essa influência mútua in- Nesta altura, é inteiiessante apresentar outros laio-
consciente quando estamos descontraídos na presença res que têm contribuído para o entendimento e o nso
de um outro. da associação livre na psicanálise contein|x»iàhea.
Mesmo que o inconsciente do analista busque em
outros lugares a lógica associativa - não fazendo nada RELAÇÕES DE OBJETO
mais que reconhecer o modo como as (jessoas, antes Melanie Klein e seus seguidores descobriram que,
de tudo, |iensam fracionadamente - , o analista elabora quando fafamos livremente, quase sempre parecemos
o material do |>aciertte córao num sonho: condensan- lalar de partes nossas.
do palavras e imagens, substituindo ideias; em outras O paciente faz associações livres usando "objeios"
palavras, translomiando o conteúdo conforme a sua cjue substituem "partes" do eu em relação aos seus
leitura inconsciente. Mais adiante trataremos das "Ire- objetos mentais, geralmente formas diferentes de re-
qúências" da comunicação e da gratide piubabilidade presentação de outras pessoas. Então, a sequência Mis-
de a recejição do analista dos conteúdos do paciente sa/Bach, Selfridges/iaco de críquete, amigo/lealdaile.
variar conforme as linhas divergentes tias associações juventude/carro roubado etc. poderia ser um drama
anteriores de que ele se lembra. de desenvolvimento livre em que as partes díspares
Q inconsciente do analista salie onde está quando do eu iiiyetivam um conflito no teatro da associação
"em análise", assim como o inconscienie de um com- livre. Nesse caso particular, diríamos que o paciente
positor ou de uin pintor sabe a diferença entre o en- põe uma pane solene de si mesmo na massa de objetos
volvimento necessário à composição ou à pintura e os e de|)ois. angustiado com uma compreensão parcial,
muitos outros momentos da vida. como ir a um banco tenta livrar-se dessa dor psíquica.
ou ler um livro. A perce|3ção inconsciente do lugar in- A sequência dessas interpretações pí>de ser a se-
consciente do eu é crucial para o analista e o anali guinte:

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Eftiios Fsrei lAis

t. "Você está ouvindo uma parte sua deprimida." Klein, de acordo com a lógica da projeção. Assim,
2. "Você cfucr fingir para fugir da depressão." numa sessão o paciente pode abandonar o modo de
3. "Uma parle sua senle que nào é leal ignorar a pensar sequencial para |:)ensar por meio da pi ojcção;
depressão." da mesma forma, o analista, por motivos diferenies,
^ "Você vai descobrir que, para ler esse comporta- pode deixar de escutar como Freud para escuiar à
mento fingido, basta encontrar soluções dos outros maneira da relação de objelo.
que você já havia rejeitado." ^ ' *l
t i EITOS USPECIAIS
O modo freudiano de escutar demora nmito a des-; A teoria das relações de objelo concebe ouira forliia
cobrir a lógica da sequência - quando nào se descobre de comunicação incoiisciente, a que se dá pela transfe-
um encadeamento, ixxle-se passar sessões inteiras em rência e |)ela contratransferência.
silêncio - , ao passo c(ue a léciiica da relação dc olijelo Os pacientes pensam interagindo com o psicana-
niitc a significação imediata. Se o jicnsameuio freu- lista; nesse scnti<lo, falar é sempre uma "ação períor-
diano afirma c|uc o texto manifesto nunca apresenta o máiica" - [íara usar a expressão do filósofo inglês John
inconsciente e t sempre um disfarce maior, o |x>nto de L Austin - , pois temos um objetivo implícito ao falar
vista da relação dc objelorcconlieceno texto manifes- e pnivocamos efeitos diferenies naquele que escuia.
U) um quadio preciso de partes do eu, iTiesmo que se Obviamente, tia maioria das vezes a ação é benéfica:
duviíle do que é retratado. o pacienie usa a mente do analista como intermediária
Na verdade, a psicanálise contemporânea tende do |)ensamento |x>r associação livre. Todavia, a fala do
a oscilar ciilrc essas duas pers|)cclivas de escuta e [íaciciite costuma aluar sobre o analista para obter al-
c iniluenciada [tor ambas.'" Aliás, é provável que guma tesixísta precisa, (]uase sempre perturbada.
o analisando use formas discrepantes de associa- Taula I leimann apresentou uma questão interessan-
ção livre, dc acordo com o pensamento dc Fieud, te no começo dos anos 1950 quando |iergunlou a um
sr};undo a lógica da sequência, ao pensamento de pacienie que fazia a.ssociação livre: "quem está falando,

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t u 111 í. T i l l i

para quem, sobre o quê e por que agora?"" Margaiet eu edipiano com uma parte da personalidade da sua
Liule. embora não lenha feiío uma correlação explí- mãe, depois falar com a idade atual com uma parte tio
cita, propôs uma série de perguntas complementares: seu eu adolescente e então falar com o seu eu peno
"o que estou sentindo, sobre o quê e \)or que agora?"" da casa dos 30 anos. No decorrer de uma semana íle
Os psicanalistas britânicos acabaram se aproíundando análise, essa pessoa lalará com partes da sua perso
no estudo de como o j^aciente transmite o seu mundo nalidade e também com partes da sua mãe ou ilo seu
interior por intermédio dos vários efeitos que ele pro- pai, e cada uma das vozes se ligará a um outro implí-

voca no analista. cito ou explícito.

Por exemplo, um paciente sempre lalava com uma Veja o que um paciente disse no início de u m a
voz entrecortada toda vez que oanalisia se releria aos sessão:
I

seus sentimentos. O analista passou a evitar lalar da


vida emocional do paciente. Em determinada sessão, Puxa! Que tempo hoiroroso! Estou tão exausto que vim
o paciente se queixou de qvte ninguém podia sentir o arrastando os pés. (Risos. Depiris ek se recompõe.} União,
que ele enfrentava na vida. O psicanalista disse que en- mãos ã obra. Então... o que aconteceu na última sema-
tendia o que ele queria dizer e explicou que evitava na? iFaz uma pausa.] Ahn... Não sei mesmo. Talvez não

tocar nos seus sentimentos porque, quando o fazia, o muita coisa. Vi Erank. que. como sempre, aproveitou muito

paciente reagia com rispidez e arrogância. O pacien- hemofmílesemana^ielc.}.

te achou que isso fazia sentido e ilisse que não queria


que ninguém se aproveitasse dele t|uando ele se sentia O paciente inicia a sessão não só falando como a
vulnerável, o que provocou uma investigação das an- sua mãe mas com a interiorização de uma parte dra-
gúsiias e das necessidades inconscientes antes ocultas mática e narcísica da personalidade dela. Ele ri como
nessa forma de iransíeréncia do pat ienie. quando se refere a ela, mas não tem consciência de i\iw
A teoria das relações de objeio ajudam a ver vomo essa risada representa a sua diversão com a mãe cjue
num moiuenlo a |)essoa pode falar por iniennédio do acalKm de apresentar A ordem discreta de pôr mãos

?6 •27
a obra não só lembra a voz do seu pai, mas deixa essa são elementos da |x:rsonalidade do cu cjue (Kii|iam os
|)aric da sua (icrsonalidade numa posição lipicamenle diveisos pi(x:essos mentais do analista numa "jx-ça de
paralisada, o que o leva a um comentário um lanto elementos'*".
<lcscspcrado de que ele não sabe - uma voz e um es-
latlo interno comuirs quando o pai o advertia na fase O DlbCURSO DO C A R A T E R
dc latência. A |?crsonagcm l^ranl< é uma projeçáo do U caiater de uma (x:ssoa e ouiuj ^x) de asstKmçao
cu atloicscente do |wcicnte, um cu c|ue costumava re- livre. Ele contém pressu|x>sições sobre o modo de ser
solver jirt)blemas psicológicos e íamiliarcs por meio de e os relacionamentos que a princípio não são passíveis
surtos de alividade. Assinr, nos primeiros miimtos de de rcilexào, mas são reveladas |iela língua í^ue ex[)rime
uma sessão, o analisando fala de várias facetas da sua a própria identidade.
pfiwnalidadc que participam de uiiia est^écie de diá- O caráler è o eu como forma.
logo iiiirapsfquico. Pense num |)oema. Um poema é expressão decla-
lim certas ocasiões, a fala livre lembra um teatro de iTtada. "Os poemas comunicam antes de ser eníendi-
cus múltiplos e de outros niergulliados numa ójKra dos, e a estrutura repercute no leitor, ou dentfo <lele,
complicada, com identidades que "[lensani" em algo enquanto as palavras se infiltram na consciência", es-
l>or meio da representação; E em geral lais identidades creve o |X)ela ameiicano Edward Hirsch. "A forma é o
apieseiitam siinullaneantenie panes da esUMitwra caráter da interpretação do pqema, e é ela que estniln-
l)ci^onalidadc do eu: uma parte malenial, uma parle ra a nossa |)ercepçào."'^ ^
adolescente, uma parle edipiana. Portanto, ao fazer- Os estudantes de poesia (ou de música ou de ar-
mos associações livrescas vezes damos vazão a uma tes plásticas) desenvolvem uma noção inconsciente
discussão acirrada entre as partes e as fuiições vaiiáyeis da identidade formal dos seus objetos de estudo,
da nossa personalidade e, alatefados, escolhemos solu- dc modo que, mesmo que não tenham lido, ouvido
ções incotiscienles para diversos interesses e conflitos ou visto o objcto específico, cies quase sempre são
inconscientes. Ou, como eu disse antes, essas jiartcs capazes de identificar o escritor, o compositor ou

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O aiiisia pelos efeilos formais imediatos do objeio. Hssa é a nossa alteridade.

Uma prova fmal de poesia, por exemplo, pode ler Tiil qual o movimento da linguagem transmitida

30 ou mais amostras de diversos poetas, e o aluno por qualquer indivíduo e vivido pelos seus outros,

lem de associar o nome ao estilo a alteridade ao mesmo tempo é e não é propriedade

O mesmo acontece com o caráler. De um moílo liem de c^da lún: embora ela provenha do eu, só pode ser

mais complexo que u m poema, trma música ou uma vivenciada por outro. A comunicação da nossa alteri-

obra de artes plásticas, todas as pessoas se expressam dade é o caminho que o nosso ser adota em vida. O

pela açào: representam a linguagem do seu modo de ser estilo de u m poema "tanto cria a superfície da vida i n -

da mesma maneira que dào forma ao muralo dos objeios consciente profunda quanto a invoca, e a evoca"'\e

- imia iniciativa estética (|ue sem tluvida gera outras. Ma modo semelhante ao da alteridade do eu. Se os outros

verdade, a ouua |)essoa deve nos "conhecer" |X)r niei(» foiein receptivos a qualquer manifestação do eu a res-

desse efeito fomial, exatamente como Hirsch descreve a Ijeiío da sua alteridade - e é claro que existem nrmiios

repeirussão de um ix)ema na ])essoa fjue o lê. impedimentos a essa receptividade, como inveja e lídio

Poderíamos também recorrer a uma metáfora - . a liberdade de associação, que é o deslocamento tio

musical e dizer que o caráter é uma sinfonia do caráter, fará surgir uma profundidade equivalente nos

eu que usa o outro como instrumento para tocar a outros que são receptivos. Como forma de coirtunica-

sua linguagem - uso que o outro conhece, por ter ção na psicanálise, o caráter evoca uma profundidade

sido formado para tanto. Esse emprego, loilavia, só de iTecepçâo no analista - aluando no registro da for-

em parte chega à consciência. Podemos considerar ma, não do conteiido - . que por sua vez traz à tona

esse as|)ecio da associação livre uma iniciativa do caracteríslicas mais profundas do modo de ser de todo

"conhecido impensado": de algo que se conhece, indivíduo. Os pacientes costumam regredir na análi-

que na verdade diz m u i t o do modo de ser e dos se, revivendo modos de ser muito precoces no que t)S

relacionamentos de qualquer indivíduo, mas deve psicanalistas chamam de período pré-edipiano ou pré-

ser v i v i d o e só pode ser descrito precariamente. verbal. Essas iTegnessões só ocorrem se o analista for re-
(< |)(ivo ao caiáler do analisando, que inevilavclnienie Hm certo sentido, a resposta é decepciorianle de ião
M- exjMcssa pov meio dc iniciativas grosseiras de "uso simples.
(lo objcio". Esses movimentos se manifestam antes que Ao ouvir (|ualquer paciente (|ue fale livrenieiile, o
as palavras sejam significativas: existem no mundo cm psicanalista vez ou outra acha surpreendente determi-
(|uc a lala era a reprcscutaçào de algo - quando a pala- nada palavra, iinagen», movimento rorpoial ou expres-
VI a ciú a coisa em si. são, file não sabe |x>r quê (lembie-se de que o analista
não deve saber necessariamente por t|ue está tão co-
O liCO FUÈUDIANO movido). Quando o paciente pára de fazer associações,
Cada gerarão dc psicatialislas volta à Freud não íjuase sempie o analista acha sugestiva a ultima palavta
apenas para estudar as origens da psicanálise, mas dele. "Vi meu colega ontem num jogo tie futebol, e ele
porque os textos dele eram tão profundos que se estava com um estranho." locado com a palavra "es-
descobre um parágrafo àqui e uma frase ali que tranho", o analisla a re|M:te. Se ele está se comunican-
provocaiix uma reavalia<;ão das hipóteses contcm- do inconscientemente com o paciente, a lepetição de
|)orancas. l2 bastante estranho - e, para alguns, uma palavra evocativa estimula novos pensamentos.
muito embaraçoso - descobrir, ao reler Freud, uma Quanto ao estranho, aliás, o paciente não só o descre-
linha dc pensamento voltada para o futuro, que de veu como cometeu um lapst) e se referiu a mangcr,
inicio se {icnsava abandonada por ele, talvez por associação que acabou levando à fantasia de qiíe o seu
falia de tempo, c por seus seguidores, talvez fjor colega estava acom|}anhado de uma figura que eia o
lalla de capacidade: ín-.íi-r* , novo messias do mundo dos negócios.
Rcioimtndo o trecho do psicanalista imparcialmen- Ao repetir as palavras do paciente, o psicanalista
le enlevado (página 14), repilo a pci^unta: onde estaria rende-se à sua jicrcepção emocional das informações
o psicanalista ao escutar com aquela disposição e como transmitidas pelo paciente, pela qual ele jxjde saber em
seria possível saber se ele se comunica inconscienle-
Esse lapso ocorre sã em tngles. pela semelhaina sonora de sUangr.r (f .stra-
MKUlc com o pacimle? ntío) com manga (tnajedoura). (N. do T.)

33
ASSDCWÇAO IJV»«

seguida se esiá sinionizado com o pacieuie. Se esie fica lado, no entanto, se o psicanalista não ouve à maneira
em silêtu io on pede um esclarecimenui. jieialnu^iue se freudiana; leremos de tlizer que o inconsciente ÍIO pa-
Irala de uin indicio de que o analista não estava sinio ciente nâo peicelíe um equivalente e não enconiraiá o
luzaclu com ele. seu desejo durante a análise.

O ESPELHO FREUDIANO DESLIZES


O eco freudiano é uma forma dt* ieflext>: o |:>sicaua- A associação livre revela o inconsciente. Cia funcio-
lisia relleie a fala do paciente, transformando-a de uma na como urri caminho cada vez mais apurado para a
palavra "comum" inserida numa sequência de ideias articulação de ideias inconscientes, independentemen-
em algo diferente. A palavra ganha um valor psíquico te de onde venham: a lógica da sequência; a lógica da
mais elevado e passa a residir no inconsciente do pa- projeção; o teatro das partes do eu que conversam en-
ciente como uma força dinâmica (ou "nó"), que atrairá tre si e com os objetos parentais; ou o movimento do
ideias correlatas e criará novos significados. personagem.
Em resultado dessa reflexão, o inconsciente do pa- Esse acesso ampliado propicia uma espécie tie
ciente sente a presença do seu equivalente no outro. É jKrmeahúidade à medida que o analisando transmit
como se um francófono que vivesse numa cultura de cometidos inconscientes, em ^ral por meio de uma
língua inglesa ouvisse (ou ouvisse subliminarmente) quantidade de lapsos verbais cada vez maior. Por
o analista falar em francês. Assim, o paciente poderia exemplo, na metade de uma terapia, a paciente tanto
começar a falar francês e ouvir em i^esposta a língua se esforçava para refletir sobre pensamentos a respei-
desejada - ou, poderíamos dizer, á língua do desejo. to da lelação com a sua mãe quanto tentada resistir a
Isso porque aspecto do par freudiano, que abre o eles. A analisanda sempre idealizara a mãe, mas nes-
discurso à permeabilidade do líensamento e da influên- sa altura já conseguia fazer associações livres. Então,
cia inconscientes, é quase com cerieza uma forma de numa sessão em que ela disse que leve "uma forte
desejo própria do pensamenlo iiuonsciente. Por ouiio explosão emocional com a minha mãe", em lugar de
(|uc (cvc " u m a f o i l e ligação e m o c i o n a l com a m i n h a l ! m u i t o im|3ortaiue o falo de os pacientes achaieni
luAc". a pacienie logo se deu c o n l a d o significado da um discurso tjue lhes permite tanto lllierar o incoiis-
lOiTcvão d o seu inconscicnle. cJeiHc quanto o u v i - l o . Os analisandos " e m " associação
A m e d i d a q u e o m é í o d o da a s s o c i a ç ã o livre a u m e n - livre taniljéni o u v e m o íluxo de ideias; essa relação de
ta a (Kirmeabilidade da fala - p r e d i s p o n d o o discui^so objeto iulra-subjetiva (relações de parte d o sujeito"^')
(lo cu a uma csi)écic de parapraxia fcila [xii essa pa- cria ein cada j^essoa u m a relação radical e inteiramente
( i c í u c - . é quase c o m o se o inconsciente da analisan- nova c o m o c u . Se o psicanalista fosse o l i n i c o intér|íre-
ila entendesse astutamente a psicanálise c o m o uma te da íala d o paciente, estaria eliminada a possibilidade
loriurt de arte para a sua expressão e, t e n c b s i d o f r u s - dessa iKwa forma de ser (consigo m e s m o ) . Felizmente,
Uiido n o "seu" desejo de representar os i)ensamentos p o r é m , os analistas afeitos à teoria freudiana da técnica
verdadeiros d o e u , entrasse n o e s p a ç o analítico c o m .sabem que u m a das grandes conquistas da psicanáli-
uni certo prazer. se é o pacictite descobrir uma nova relação c o m a sua
A fala l i v r e é a f o n n a p e c u l i a r d e pensar d o i n - vitla inconsciente.
c o n s c i e n t e . "Pensando e m v o z alta", q u a l q u e r um

descobre o q u e achava que n ã o sabia, mas t a m b é m FÉ H OBJETIVIDADE


descobre nessa f o n n a d e r e p r e s e n t a ç ã o u n i a n o v a A representação estereotipada d o freudiano é u m
t é c n i c a de r a c i o c í n i o . I r o n i c a m e n t e , a afronta " v o c ê i n d i v í d u o bastante autoritário c o m u m c o n j t u i t o p o d e -
n ã o sabe d o q u e eslá falando" a d q u i r e u m c a r á t e r loso de verdades c o m p i o v a t l a s , esperando o m o m e n t o
liastantc |X)SÍlivo na p s i c a n á l i s e , na q u a l o analisan- cei to para d o u t r i n a r o pacienie na ideologia freudiana.
d o a p r e n d e e x a l a m c n t e isso. N a v e r d a d e , ele não Dá u m alívio e t a n t o saber que n ã o é assim, mas tani-
sabe d o (]ue está falando, mas a l i b e r a ç ã o l h e per- liém u m a d e c e p ç ã o irónica. Na realidade, os psicana-
m i t e d e s c o b r i r q u e o inconsciente fala p o r m e i o da listas que trabalham c o n í o r m e o par freudiano n ã o sa-
c o n s c i ê n c i a d o e u c, r e t r o s p e c t i v a m e n t e , p o d e ser bem durante n u i i t o I c m p o o significado d a q u i l o (jue os
c o m p r e e n d i d o de vez e m q u a n d o . pacientes d i z e m . Raramente c o m u m a ideia na ponta

36 3/
Fi r dl.» iv» w €

da língua, o psicanalista freudiano está na verdade jier- do paciente de ser dominado pelo conhecimento dò o\x-
dido em meio às informações do paciente. É necessário ITO. Portanto, essa é uma razão mais que suficiente paia
ler uma autodisciplina e uma fé consideráveis para ser refletir sobre a sensatez extraordinária de um métixlo
liei a esse modo de escuia. que impõe ao analista que dispense suas recordações e
A|.)esar disso, o psicanalista seiia capaz de transmi- intenções conscientes, em vez de se render a uma fornia
tir pomos de vista e doutrinas pessoais? de escuta que o priva da capacidade de transmitir sna
Qualquer pessoa que ouça outra potle oferecer um ideologia - seja freudiana, seja qual for. Em vez disso, o
conselho inflexível, no qual se inclui a recomendação de analista só tem à disixjsiçào a fé freudiana: a crença de
seguir os decretos ideológicos do ouvinte. E o psicana- que, ao se livrar de si mesmo (de todas as suas teorias)
lista, se tivesse propensão para tanto, poderia deixar de e se entregar às suas experiências emocionais, o |Tensa-
lado o par freudiano para fazer o mesmo que qualquer mento inconsciente do paciente acabará se revelando.
um faz. Fieud sem dúvida deixou de lado o seu método Freud usou a palavra "fé" para descrever a disposi-
várias vezes para aconselhar os pacientes e doutriná-los ção necessária para usar esse método:
em uma ou outra das suas opiniões a res|Teito do con-
flito humano. Aliás, é de esfjerar í|ue a psicanálise, jx)r Eu sei t]we é pedir àémais, não só ao paciente como tamhhn
ser uma leoiia do conílito, esteja sempre cheia de i<léias ao méâico. que eks abram mão dos seus objetivos intendo
jjitdelerminadas tiíinsmitidas ao paciente pelo analista. nais conscieiííes, os quais, d despeito de tudo. ainda nos pa
Essa é uma característica da psicanálise que pode ser recém "íicidenfais". Mas posso dizer que se é recompensado
a|X)ntada de imediato por qualquer um dos seus detra- toda vez que se resolve ter Jé nos próprios princípios teóri-
tores, porque eles sabem, com base na sua perstnialida- cos e se decide não disputar a orieitíação do inconsciente
de, que qualquer eu tem dogmas. Então, o que compen- para determinar correlações^
sa esse tiíiço universal infeliz? \
O méttxlo da associação livre subverte as tendências A fé freudiana se apoia na inteligência intuitiva do
autoritárias naturais do psicanalista assim como o anseio analista, a qual espelha a sua receptividade inconscien-

38 39
(e. L btisláiile piodulivo fazer eco aos comcnlários do Os \K.nsamenUys onfntos a que sonios levados pela mletpic-
paciente Inanindo simplesmente da própria çcrc€[)çào lação mio podem, pela nalweza das coisas, lerjmais defmi-
da elaboração inconsciente dele. De modo muito lite- dvos; eles estão jadados a st ramificar em Iodas as direçõcs
ral, esse eco extrai do paciente mais material e é, assim, pela nede intrincada do nosso mundo do pensamento. No
tremendamente obietivo (resulta em meãs objetos men- fwi/o em cpie essa trama é paíiicularmenle fechada, o desejo
tais). Uma intersubjetividade profunda produz uma ihsonluicnesce, wmo um cogumelociesce do micélio.^'^
forma própria de objetividade.
Ao deixar de lado as opiniões pessoais e as teorias "Trama" é a tradução de James Slracliey' da palavra
|>sicanalílicas |>ard dar a|ioio ao i>ensamenlo incons- alrinâ Ge/lcílií, que taniljém significa "rede" e "trabalho
ciente do analisando, o psicanalista não só contribui de vime". Essa ramificação ocorre na análise com as
para a produção de mais pensamentos, mas também associações livres do analisando, ao longo da lerapia,
assiste o paciente na detenninaçào das verdades da sua . os ramos do pacienie criam uma rede de pensamenlos
própria análise. O |jaciente será o autor da sua signifi- que constitui a matriz do inconsciente dele, pois ela
cação. O paciente, e não o atialista, é que dotará a psi- alua no espaço psicanalítico. Ao pedir associações li-
canálise de eami^os de sl^ficado, criando uma rede vrtis e recebê-las com uma disposição muito particular,
complexa de associações que se lornem profundamen- o (isicanalista aumenta não só a rede de conhecimento
te infuimaiivas. conto tamljéin, simultaneamente, o alcance do inc;ons-
ciente do paciente.
A riL\MA 1! O INCONSCIENTE RECEPTIVO O psicanalista desenvolve a capacidade inconscien-
Freud acreditava que o inconsciente se desenvol- te do analisando.
vesse ("o inconsciente é vivo e capaz de desenvolvi- Usando a teoria de Donald Wmnicott do eu Verda-
la

mento lc| t acessível às impressões da vida''"0 df iro c falso - distinção que ele fez em primeiro lugar
No livro dos sonhos ele dâ uma pista de como esse * James Suachey foi o iraduloi |>ara o inglês das obras conipleias tie Fieiíil
desenvolvimento ocoite: No caso ciiaclo |>elo autor, ele empregou a (>alavra meshwoik. (N. do 1.)

m 4)
AãâCCMÇAOtjVRE

para ilisconier sobre a |iesst)a coinplacenle que abiíu sem dúvida se sujeita à premissa de fazer associações
ruão dos seus desejos e crenças a fim de se adaptar às livres - e certamente Freud às vezes insistiu muito em
exigências do outro -, vemos que o par freudiano pos- que o paciente aceitasse essa exigência -, está claro que
sibilita a articulação do eu verdadeiro do analisando. a regra é paradoxal. O paciente deve adaptar-se ao in-
Com "eu verdadeiro" iiào queremos dizer "verdadei- tennediário que promove a anicuiaçào do seu mcons-
ro" conio fator absoluto, nem mesmo "verdadeiro" no cienie: ele cede à liberdade de expressão.
sentido purista de comparação com o eu falso, como • O analisando freudiano, livre para dizer o que lhe
se este não representasse tamisem o caráier da jjessoa. venha à mente, acostuma-se gradativamente com a
Winnicolt quis dizer que o eu verdadeiro de qualquer passagem de um tópico para o outro, à medida que
pessoa era o gesto espontâneo - no modo de ser. no o dia anterior, lembranças de sonhos, observações a
lazer, na fala ou nos relacionamenios - que servia de respeito de si mesmo, recordações e os interesses cor-
evidência da expressão momentânea ÍIO ílesejo do eu riqueiros da vida cotidiana vêm à mente na sessão
de apresentar ou representar a sua língua particular. analítica. Nenhum paciente diz tudo, mas Freud não
Quando alguém se espreguiça ou boceja ou olha para esperava um relatório completo. Todos guardam se-
um objeio, o eu pode romper a convenção do momen- gredos, sejam de lembranças de formas diversas de
to (fazendo isso ao mesmo tempo que conversa com indiscrição, de ideias sexuais que pareçam muito ínii-
outro, por exemplo), mas esses movimentos são indí- mas para se revelar, de ações antigas que atormeniem
cios de es[x>ntaneidade. o eu com culpa. O importante na prática freudiana é
O eu verdadeiro é a liberdade de linguagem com que o analisando fale, movendo-se de um tópico para
que o eu se percebe nas formas da vida coiidiana, en- o seguiitte, sem tentar (conscientemente) discernir o
quanto o eu falso representa a adoçào de formas que que tudo significa, e tolerando a inexistência relativa
restringem tal liberdade. do comentário analítico,
O par freudiano revoga a complacência comum es- A\)ós certo tempo, o paciente e o psicanalista en-
perada. Embora se possa argumenlar que o analisando contram um rumo próprio no método, ein que snr-
)',om variações sutis. O pacienle íica frcquenlemen(e enconlrando-se no estado de atenção imparcial-

vm silencio, mcigulliaclo num pensanienlo associativo mente enlevada, ocupa-se das suas associações l i -

|)roíimclo qtic nãn será revelado. O i%»canalista tam- vres t o m o material do paciente. Como mencionei,

l)cm laz muitas associações do que o paciente disse, o analista sempre se surpreenderá com uma palavi a

<iuc iKriuanecerào guardadas. O analista quase sempre ou imagem particular e, no momenlo adequado, a

porcelx: (luc, quando faz um comentário, o paciente rcatnniará, atitude determinada tão-somenie pela

parece estar desligado. ^ noção pré-associativa que o analista tem do valor


da palavra. Com o tempo, entretanto, o psicanalista
O psicanalista descobre que a sua interpretação é
terá tecido uma rede vasta de associações interiores
, usada udo por causa da aparente precisão, mas como
em torno das informações dadas pelo pacienle, e
uma espécie dc Torma evocaliva: como o analista
essa rede se tornará o cainpo psíquico por meio do
lala, curiosamente o paciente tem a Uberdade de não
c|ual o analista filtra a história corrente do pacienle
ouvir! Porém, ao não ouvir, o paciente parece vol-
cm análise.
lar-sc intrapsiquicamcnle para outra interpretação.
Quando o artalisla lhe pergunta se ele está pensando
em outra coisa, o paciente responde que, enquanto REPRESSÃO OU RECEPÇÃO?

o analista falava, ele pensava em x - uma interpre- Ambos os participantes estão envolvidos numa

tação do inconsciente do analisando que difere da alividade inconsciente, mas a cooperação obtida no

interpretação do analista; mas x não teria sido pos- par freudiano oferece uma noção do inconsciente

sível se a interpretação do analista não tivesse feito complementará que Freud privilegiava. Freud desta-

diferença naquele momento. cou ó inconsciente reprimido na tentativa de discutir

A teoria freudiana da "trama" também nos |ier- o destino mental das ideias indesejáveis. Cm 1923,

milc entender melhor a compreensão inconsciente todavia, ele ficou perplexo com o que parecia ser uma

que o analista tem das informações transmitidas contradição na sua teoria do inconsciente.^" Além da

pelo pacienle. O tempo todo, claro, o psicanalista. existência de conteúdos repiimidos, havia também

45
uma instância da mente que realizava a repressão, uma pressuposição complexa da capacidade receptiva
que era em si inconsciente. O que ele deveria fazer do ego (e a devolução do recebido) nas muitas formas
com esses dois inconscientes? diferentes de comunicação - na fala, na pintura, na
Freud nunca solucionou esse problema fonnahnen- composição ou na movimentação do corpo.
le, mas é liem fácil encontrar nps seus textos uma solu-
ção tácita da aparente contradição. A instância repres- GÉNEROS PSÍQUICOS
sora era, obviamente, o ego. que opera os mecanismos Qualquer eurecebee altera a realidade, organizan-
da meiíte. O ego conduz a construção onírica, forma os do a vida em bancos de memória (ou "tramas"), nos
sintomas, armazena durante o dia momentos valiosos quais as percepções se ordenam em matrizes psíquicas
para a psique e organiza toda e qualquer característica extremanrieme condensadas.
da vida inconsciente do eu. O ego tem um interesse in- A vida nos interessa de maneiras diversas. Em prin-
questionável na |ience|)çiio da realidade, em organizá- cíjiio curioso, o nosso desejo busca prazer em inú-
la e iiansrnili-la aos outros. Se no início da liuinanitla- meros momentos gratificantes, memoráveis em giaus
de essa organização foi essencial para a sobrevivência, variailos. A psicanálise é uma teoria do desejo fia me-
em circunstâncias menos adversas ele se tornou unia mória, de experiências que. lendo produzido determi-
forma de prazer por si só. E, ao mesmo tempo que a re- nado valor, se tornam a base de interesses correlatos
pressão de ideias indesejáveis é uma defesa necessária subsequente. Com o tempo, qualquer eu organiza mi-
contra os sentimentos desagradáveis provocados por lhares de interesseis (e a história de cada um deles) em
elas, a recepção da realidade é uma condição necessá- regiões psíquicas que possibilitam novas perspectivas
ria para a sobrevivência e o prazer do eu. na visão que o eu tem da realidade.
Freud não criou formalmente uma teoria do in- Essas estruturas mentais têm início na forma de
consciente receptivo em contraposição ao inconsciente perguntas derivadas de experiências simples. "Como
reprimido, mas a sua teoria dos sonhos e a sua con- posso sentir de novo esse prazer?" "Como evitar esse
vicção no uso da comunicação inconsciente revelam tipo de dor?" "O que me interessa?" As perguntas são
GíM nos Ppii» «(XIS

( uviiiclas \ic\o inconscicnle a lufares psíquicos difercii- ciou rapidamente as cores do deserto a íipos diíerf nics
ics (|uc lidam com questões parecidas. No começo da de vegetais e animais nativos do Arizona. O paricn-
vida, por exemplo, o seio é um objeto de desejo. "O le então se recordou de uma mulher da sua infância
(pie c isso?" constitui o paradigma de todas as |iei;gun- chamada Tucson Peg, que ele conhecia por ser uma
las. e qualquer eu organiza uma estrutura psíquica em amiga próxima dos seus pais que os visitava todos os
unno do desejo e da sua história que nào só motivará verões durante alguns dias. Em meio a esse coinplext)
mais curiosidade, mas também fomentará perce|)ções de ideias, o paciente disse subitamenlei "Eu me lembif)
mentais im(X)rtanlcs, ou epifanias, c^ue desenvolvem de c|ue um dia me senti ntuilo atiaído pela minha mãe,
O CU. • • "••*••'. jwr ter achado que ela era lindíssima de maio. Percebo
Um paciente, por cxciVipíò, trabalhoti inconscien- que desisti de procurar qualquer coisa ligada à beleza
te mente durante meses cm questões que pareciam ter dela |3orque é proibido".
rclagào com cor c luz. Numa semana, ele fala em pintar Como as associações anteriores se sonmin a essa per-
um Cômodo; em outra, esse lema reaparcce na ilumi- ceijção? Nunca saberemos. Podemos inferir que o inte-
nação de objetos que ele pretende executar num pro- resse crescente do analisando por cor tinha alguma le-
jcto profissional; e em outra semana ele leni uma série lação com a Ijcleza da sua mãe, poique após essa sessão
dc stjnlios ((ite, cm paite, rclralam inlciiesses na cor da ele foi mais pieciso, lecordando a cor do n\aiô e a lirtcla
|x:lc. Certo dia o paciente chega |)ara a sessão defjois pele dela. Também se lembrou de tuna pinluia da casa
dc ler passado |x:la padaria, onde notou a opacidade de - um letiato nmito colorido de ntulher -, i^la tjual ele
um li|X) dc bacele. Ele pensou estar no limiar de uma senrpre leve um gosto esfiecial. Ele se lembrou de t|ue
revelação, e na sessão, ao falar nas próximas férias de achava Tucson Peg uiuito atraente. E a prójiria cidade
verão, disse: "Acho que quero ir a Tucson". Ele pensara de lucson ele associou com a liberdade e a beleza do
cm llicson antes, mas nunca sentira premência dc ir Oeste dos Estados Unidos.
lá. Numa série de associações velozes - mais parecidas Vemos, assim, que o paciente trabalhou por vários
com a formação de uma i)eicc|ição -, o |)acientc asso- meses no que ix)dcmos chamar de génen>s psíquictis^'

48 4d
As» »3»*«An l-Mie
- a aglulinavão de impressões em uma região da viila inicialmente da exploração feita \ie\o bebé no ciupo
psíquica do eu -, a fim de reunir o maierial meiíial da mãe (real ou imaginado) e da sua avidez etiipiana.
ilatjuilo que viria a ser uma.iiova |jers|jeciiva de si mes- A atividade de recepção também é impulsionada |iel(i
mo, do seu passado e do seu fuiuro. Hssas consielavões desejo do ego de domínio (da sua realidade psíquica),
interiores de inienesses lormam-se durante o dia por expresso na sua organização das impressões da vida.
meio de associações de pensaihentos, geralmente em As áreas de interesse são cotejadas e annazenadas no
resposta a episódios distintos da vida, em raz2|o de de- íirconsciente até o momento em que gerem (se gera-
sejos há muito presentes no eu. Quando a estrutura rem) uma nova perspectiva, momento em que existe
atinge uma epifania - entendida ac|ui como um mo- alguma forma de reconhecimento emocional tia e.xis-
mento de descoberta que penriite ao eu aimieniar sua lência de uma descoberta recente.
capacidade de reflexão a pessoa vê a si e aos outros A atividade de recepção diferencia-se da de repres-
de luna maneira um tanto nova. são no sentido de que recepção é o desejo de acolher
Uma das características intrigantes da análise é o e organizar impressões a fim de ter mais acesso aos
fato de os pacientes terem essas composições internas prazeres da vida, ao passo que repressão representa a
organizadas que, como um ímã. atraem mais impi^s- atividade da angústia, que expulsa as impressões de-
sões e servem de núcleo da aniculação do eu para criar sagradáveis para a consciência. As organizações rece(:>-
as próprias composições internas. Os géneros psíqui- tivas, porém, estão abertas a fenómenos reprimidos, e
cos recebem as impressões da vida, íomeniam novas no exemplo acima fica claro que a figm^i de Tucson
perspectivas para a existência do eu e ao mesmo temjw) Peg resulta em parte de desejos pela mãe do paciente
se empenham em representá-las no modo de ser, no reprimidos.
lazer ou nos relacionamentos. Os psicanalistas gostam que os pacientes se mos-
Os géneros espelham a aiividade de recepção, que trem irnersos em atividades inconscientes diferentes.
segue o instinto episiemofílico do eu: o desejo de saber. Em qualquer momento da análise, o paciente desen-
Trabalhar no saber é uma forma de prazer, decorrente Ví)lve inúmeras composições inconscientes; como tal.

50 st
O i E S l f i E S n r i DIA

O comcnlário sobre questões da vida reí|ele uma scle- para eles ao longo de "um caminho iiregular e smuo-
{,.10 inconsciente motivada pelo desejo de cada c(jm- so", e - mais ímportanie - que "esse arranjo (em um
posiçílo. O psicanalista, inconscientemente receptivo caráler dinâmico"", file então acrescenta:
à conuuiicação do paciente, participa do trabalho de
com|X)SÍçào. O mauicanienlo lógico conesixindc não só a unw Unhu cm
Sc a lepiiessào tenta proibir o indesejável, a recep- úguczdguc, sinuosa, mas sim a um sistema ik Unhas rami-
ção reúne o desejável. E se, às vezes, o que é desejá- ficado €, meus imiiicularmcnlc, a um sistema convergente.
vel estiver presente no indesejável numa forma mais Ele contem ponlos iwdais, em que duas ou mais Unhas se en-
agradável, o ego também buscará a representação de contram € daí paliem como uma; c, cm geral, várias linhas
qualquer u m dos seus interesses. Fora da análise, ele que correm indciKndenlcmcnlc ou são conectadas cm vários
lauibcm o faz numa escala bem menor durante o dia, pontos iHtr caminhos laU:rais desembocam IKJ núcleo."
([uaiido organiza as coisas interessantes do dia no so-
nho daquela noite. Esse pode ser o paradigma dos gé- Esses |X)nlos ntKlais sào géneros. Eles se reúnem
neros psíquicos. Os interesses do dia, que pov sua vez de diversas fontes c|ue encontram numa rede efémera
esiAo ligados a toda a história do eu até aquele instante, algum tipo de hileresse compartilhado, que então se
juniam-sc em gruix)s de pressão que incitarão o ego a torna "sobredelenninado" - u m interesse agora mais
formar sonhos naquela noite. Esses pontos de aglutina- forçoso que, entre outras consequências, exigirá uma
ção sào géneros psíquicos cjuc desejam ter domínio da representação.
tirganização a fim de obter o prazer da representação.

l i c u d apresentou eni boa medida uma teoria do QUESTÕES D O D I A

í(uc aqui denominamos "géneros" no seu conceito de O curioso laboratório da psicanálise ní)s dá a
"pontos nodais". Ele acreditava que a vida psíquica fos- oportunidade de ver como as pessoas pensam incons-
se cslratilicada concentricamente, com diversas linhas cientemente. Em geral uma sessão parece a|)resentar
lógicas emanadas de núcleos psíquicos ou dirigidas (juestões imj)lícitas ou exphcitas. O paciente potle co-

53
meçar com uma queixa de algum aspecio da vida. tal- Os pacientes quase sempie se surpreendeiii com
vez uma afinTiação como "detesto quando as pessoas |3ergimtas bem explícitas e - ainda mais interessante
não obedecem aos sinais de trânsito". Essa declaração - costumam dar uma resposta inconsciente. Ao falar
aos poucos resulta na pergunta "por (]ue o paciente da sua ansiedade em visitar um tio. um paciente diz:
detesta quando os outros desobedecem aos sinais de "Não sei por que estou preocupado com a visita a ele .
trânsito?", que, numa associação posterior, se desdo- Faz uma pausa, di? "Ora, bem", e começa a falar de
bra em várias r)ergunias. O "/KI//ÍÍ. sigmil" (sinal ile algí» (jue parece inteiramente difeienie. "F.ii saí com a
irânsitol pode dividir-se em"/rt(//it" e "signa!", e a pa- minha amiga Alice, fomos a u m restaurante e, s:ibe.
lavra 'Uraffic" Ttrânsito" e também "tráfico"! leva en- eu tinha esquecido que ela fala alto demais c|uando o
fim à angiislia do paciente com a sua filha, que passa assunto é o seu ex-namorado. Meus Deus. loi cons-
o tempo com traficantes de drogas. A palavra "signííi" trangedor." Seguindo a lógica dessa associação, o psi-
pode, l u i m primeiro moinento. continuar ligada à sua canalista poderia i^erguntar mais ou menos isio; "Vcxê
angiistia, pois o paciente vem a perguntar, de íaio, se l^ergunlou por que está preocupado em visitar o seu
ele atentou (rara os sinais dados por sua filha; mas no tio. Se a sua associação for uma resposta, você estai ia
(im a palavra |)ode se desdobrar em "sjngle", "sigiis" e com medo de que ele o constranja?"
"sjglis", e daí em "siglils" e outn>s sons com "si-", que É grande a probabilidade de que isso seja verdade:
dis|)ersam as condensações contidas no significante.* como a lógica da associação é uma forma de pensa-
O que de início era uma afirmação bem simples i m - mento inconsciente, se o paciente faz uma pergunta
plica naturalmente várias perguntas, que por sua vez direta, pára u m instante e depois se põe a falar de algo
se Iransfonnam em outras, sob o leitiço mutanie da completamente diferente, é liem provável que o tema
associação livre. seguinte seja uma forma de resposta.

Não demora muito para que o analisando comece


* lissas associações só sào lattiveis em irit>l£s siíjud (sinal), sín^tir (sol
a apreciar o pensamenio associativo. Afinal, o material
leiro/a). signs (sinais, intilcios), sighs (suspirus) e iights Uisias; a(rd<.õt:s
luifsticas). usado }iek) analista vem. nesse aspecto, loialmenie do
("WOIIENIMS

I»,u K iiic. A íolUe da verdade, tal qual ela é, resulta do Alg\uis padrões de associação livre parecem ler in-
l»MK<.s.so de pcnsainenlo do analisando. Contudo, as tervalos de frequência amplos, com a linha de pensa-
nn|)licações dessa forma de trabalho são amplas e mul- menlo manifestando-se por um período mais longo do
(o iniriganlcs. que a alividade mais familiar da lógica associativa re-
levante. As vezes os sonhos particularmente vívidos e
I KIQUENCIAS tocantes condensam questões com cjue o eu liilou [)or
(guando as pessoas se referem à comunicação muito tem|K).
(om os outros, podem dizer que estão na mesma Isso não deveria ser surpreendente.
"Ircquôncia". Temos uma ideia parecida na psicaná- Durante o dia, certas [lessoas, lugares e aconleci-
lise (juando examinamos a "frequência" das associa- menlos têm um efeilo mais emocional do ((ue outros
ções do paciente. no indivíduo, e o seu valor psí(]uico vai lutar |)ara criar
l-rcud se concentra na lógica da se(|úência no um sonho naquela noite. IZssas experiências, entretan-
aqui-c-agora, uma lógica que acaba revelando uma to, sempre lerão lai valor por estarem circunstancial-
mlerprclação precisa do paciente a respeito da sua mente na rola de um itiieresse prioritário que agora
vivência. Mas o analista também nota certas pala- se cncoiuia em processo de disixirsão. Cada linha de
vras, imagens, recordações, sonhos e padrões de interesse sempre cticontra algo na vivência que se junta
pensamento predominantes que sào recorrentes tias magneticamente a ela, foniiando centenas de milhares
sessões. Aliás, talvez venha a ser claro que um pa- de interesses nucleaies. O paciente sonha - fazendo
ciente que comente sobre ó transatlântico Qucen Eli- sempre novas correlações entre os interesses priorilá-
zabeth II e o preço de uma passagem para Nova York rios - e nasce um novo dia, durante o c|ual o sonho e
potlc ter tido duas semanas antes um sonho em que suas muitas parles se fragmentam com novas associa-
cic eslava a bordo de um navio, o que por sua vez se ções livres e acontecimentos aleatórios na realidade.
ligou à sua lembrança da viagem a Santander numa O paciente em associação livre, no enlanio, con-
grande balsa de carros. tinuará a pensar em ideias (jiie estão presentes desde

!)() 57
a infância, muitas das quais lêm freqitências bem es- sobre a frequência da "rede". Na verdade, se acontecer
paçadas, tieiíiorando até anos para reaparece?. Podem de o analisando falar a cada três semanas da sua relação
passar anos até que um sonho recí)rrenie retorne, mas com o pai. podemos pressupor que a cada três sema-
a sua repetição diz respeito a uma hnha de pensamen- nas o inconsciente do analista estará sintonizado nessa
to específica, sustentando os seus interesses ao longo frequência.
da vida do eu. Não há dúvida de que certos eventos da vida ocor-
O par freudiano constitui uma temporalidade se- rem a intervalos regulares. No final do mês. o contra-
quencial mista. Embora a sessão faça parte de algum cheque sempre fornece algum material sobie o (lue
inieiesse mais pontual e retina muitos interesses prio- fazer com o dinheiro. Os meses do ano têm uma signi-
ritários num espaço cornum por certo tempo, ela é ficação cultural c|ue provoca uma série de associações,
também uma colagem iem]>oral. pois ao mesmo tem- como nos dias específicos do Natal, da Páscoa, do ano-
po estão presentes linhas de pensamento seguidas em novo e assim por diante.
vários ritmos temporais diferentes. A receptividade A data de aniversário do analisando, a data da mt)rte
do psicanalista lhe permite estar sob a influência de da mãe ou do pai, a data em que o paciente se mudott
qualquer frequência de i:)ensamento, seja ela qual for. de um país jjaia o outro - todas ocorrem em ititeiva-
Na verdade, o psicanalista pode perceber no incons- los regulaitrs e provocam séries de associações. Mas a
ciente uma linha de pensamento que surge momen- vida humana tem um calendário psíquico mais preciso
taneamente mas tem uma história muito anletior à e muilo denso que contribui para a repetição e cria
análise, privando-a de qualquer possibilidade de tra- intervalos cjue não são conscientemente claros para o
dução em consciência. paciente e para o analista.
O j^icanalista é dotado de urna capacidade tempo- Será que o paciente se lembra de que em 5 de abril
ral que atua em frequências diferentes? A rejietição de de 1951 sua mãe dirigia um carro e atrojjelou uma
conjuntos de associações que ocorram em tempora- ciiança? Ou que em 14 de outubro de 1953 o pai pet-
lidades diferentes iníomia o inconsciente do analisia deu o emprego? Ou que em 22 de fevereiro de 1956

58
PiiFajÉMOivs

a mãe leve um aborto? É improvável que essas datas ferenles de interesse inconsciente, que permeiam
.sejam lembradas conscieiílememe pelo analisando, (lualquer período de associação livre, se sobrepõem
mas elas estão armazenadas no inconsciente. E, quan- {lara formar um movimento sinfónico do incons-
do cada uma das datas se repele no calendário anual, ciente. Uma paciente vê um acidente de carro na
elas ixxiciu evocai lembranças inconscientes ligadas a noite anterior à sessão e, à medida que o contar, o
todos os acontecimentos significativos na vida do in- acidente já terá ativado outro conjunto de associa-
dividuo. ções ligadas à ocasião em que a mãe dela atiopelou
Aliás, é quase sempre por essa repetição de humor uma criança em 1951. Esses não serão os únicos
que o analisla descobre algo bem esquecido. Por exem- assuntos da sessão, pois haverá outras experiências
plo, depois de ateiider um paciente \io( ivts anos, o emocionais do dia anterior, sonhos da noite ante-
analista notou que lodo mês de abril o paciente fica- rior e associações feitas antes da sessão que se te-
va deprimido. Só de|X)is de jieiguntar se alguma cousa rão reunido em áreas de interesse sepaiadas. TodDS
desagradável ocorrera com ele em abril é que o analis- esses interesses, porém, tornam-se parte do mesmo
ta soube que a mãe do analisando cometera suicídio momento no lempo inconsciente e são ajustados
nesse mês. Pôde-se observar que nos meses de abril pelo ego do paciente à construção onírica da as-
sulxscc|uentes a mesma coisa acontecia. O incomum sociação livre comum, na qual o paciente passa de
nesse momento é o analista conseguir descobrir a in- um tópico para o seguinte sem sc dar conta dc indo
terferência do intervajo, uma vez que normalmente ijue cie piocessa no aqui-e-agora.
ele dcsconlicce o seu significado e também uào saije Podemos notar que, analogamente, o atialista ou-
coiiscknlcmente que ele próprio está em alguma írc- vinte tem algo em comum com a plateia tle um con-
(jiiência recorrente lodo ano ao mesmo tempo, que só certo. Isso porque se trata de uma ação que pressupõe
voltará a ocorrer no ano seguinte. a capacidade de acompanhar representações díspares
l'ara tornar as coisas mais complicadas - mas - algumas repelidas, outras muito novas - (|ue (xor-.
mais precisas -, podemos dizer que essas ondas di- rem no mesmo momento.

00 61
AssiiTMCÃo Lure

O IMPULSO PARA REPRESHNTAR perto, mas não se trata, ao contrário do que a escola
Freud nunca conseguiu responder à jiergunta que clássica argumentaria, de que todo pensamento hu-
ele se fazia com frequência: será que iodo sonho é a mano é um cotejo entre instintos individuais deriva-
realização de um desejo? dos. Essa é uma teoria do conteúdo exagerada, que
Ele topou com sonhos que pareciam estar alem do confunde forma e conteúdo
desejo humano. O instinto infantil - um arco intrapsíquico da sua
O erro de Freud foi confundir conteúdo mental fonte ao seu objeto - é um paradigma da representa-
com foima mental. Ele costumava ater-se ao exame de ção. Para satisfazer o instinto, o eu precisa coiistiiuir
conieúdos memais es|)ectlico|S - sonhos angustiantes , um objeio. Trocando em miúdos: se o instinto é' o im-

e assim por diante - , que o desafiavam a encontrar o pulso da fome, o objeio seria o pensamento "estou com

desejo oculto naquilo que, de outro modo, pareceria fome" oú uma imagem de algo comestível. Isso se reple-

uma atividade mental bastante desagradável. te ao longo de toda a infância; não comporta o destino

O que ele não conseguiu jierceber m bem simples: de nenhum instinto individual em si, mas contribui
para o impiilso tle representar o eu.
cjualquer sonho realiza o desejo de sonhar - assim,
lodo sonho é a realização ile um desejo. O impulso para a representação é que torna o ser

O sonho é uma forma de represeiuação inrons- humano singulannente humano.

cienie. O desejo de representar o eu pressupõe a crença tio

Ao equiparar o sonho a um sinioma, Freud notou eu num objeio bom, que por sua vez se fundamenta

que o ego escolhia formas diferentes para representar nas informações do eu sobre os estados infantis pri-

conteúdos inconscientes. Por não ter atentado para mordiais transmitidos à mãe, que, em maior ou me-
nor medida, recebeu e transformou essas informações.
o impulso humano de representar, contudo, Freud
Podemos imaginar que o prazer dessa representação e
não conseguiu alentar para o iinpulso latente do ego
sua recepção sobrepujem a dor de qualquer conteúdo
e para tnuiias das questões í|ue exjilicam a comuni-
específico representado. Portanto, o princípio d<^ pra-
cação inconsciente. .Sua teoria dos instintos chegou

62
A .V > l/V An 11

/ ( I (la icpieseiilação ini|)cle o eu a se comunicai com


apresetuação da linguagem |KIO analisando para ou-
«> • M i n o , c parte dessa açào complexa t o invcsiimento tras atlit ulações.
iiit «íiiscicnic do eu iia procura da sua verdade.
A associação livre na lelação analítica difere das
asscKiações comuns do cotidlano devido ao processo
A riíOniRA DA VERDADE dc falar de si mesmo na presença do outro. A mater-
O c|iie significa buscar a própria verdade? nidade do analista, por assim dizer, glorifica esse tipo
S() pode sempre significar a lentaiiva de reaprcscn- de comunicação, e a verbalização do analisando reflele
lai lonlliios inconscicnies a fim de que Q processo de o ntovimetUo do eu como uma forma manifesta. Ao
K prcscnlaçáo em si íx)ssa começar (no mínimo) a exe- fazerem associação livre, os pacientes se assemelham
culai a tarefa da aulolibeitaçào. O prazer da represen- a artistas que demonstram um estilo profundamente
tação encontra outro prazer: o prazer da aulodescober- subjctivo na fonna da sua repiTesentação, assim como a
la c de ser compixrendido. marca dc um poeta se revela não pela mensagem con-
Vollando ao par freudiano, agora podemos ver que tida no poema, mas \m sua foima. ^
o pixKcsso de associação livre atende ao prazer tio eu Ura nessa fonna de iece|íção (lue Winnicolt sem
(Ic rrprcscnuir, esjiccialmenle por servir de motivação diivida [K-nsava quando compaiou a concentração Ao
para representar os interesses inconscicnies do cu. O psicanalista a "contenção". Bion também a[)onta paia
analista, num estado dc enlevo imparcial - discreto, e ^ asjxicto da iielação psicanalítica (|uando diz (|«e o
concentrado, receptivo, onírico - depreende essa ha- analista "contém" o i^aciente. Aliás, Bion prescreve que o
l)ilidadc de representação dos coiii|x>nentes da criati- analista não tenlia "nem memória nein desejo", o que é
vidade materna. Assim como a mâe recebe e transfor- fundamental se ele pretender atingir um estado mental
ma as informações do seu filho, transmitindo em cada muitti esjTecial f(ue Bion chama de "rêverie"*. Ao "con-
momcnio do ofício maienial uma espécie de devoção ter" o paciente jjor meio da vtvtm, o psicanalista recebe
ao desenvolvimento da linguagem do bebe, também
a função do psicanalista na ordem maternal induz a * "l>Fvane»o", em ítínKês. (N. tio í J

G5
OS líiovimenios iiiconscieiues do })acieme. cjue não st) diano e acaba por criar urna linguagem do analisan-
lomecerão mais iníoimavões a iies))eiio da vida inierioi do compreensível inconscientemente. Os comentários
e dos conflilos passados dele, mas ianil)éni faciliiatão a passageiros do psicanalista são, com mais frequência,
aniculaçào do analisando, como foima de expiessào. "ecos" de palavras ou frases que por algum motivo me-
Podemos agora aciescenlar outra dinrensào ao eri- xeram com ele. sem dúvida decorrentes da sua colabo-
teridimenio de como a associação livre possibilita a co- raçiío inconsciente com o paciente. O vaivém implícito
municação inconsciente. Ao assimilar o ser-conio-foiíiia nesse método loma-se uma nova forma de pensar e
do {jacienie - transmitido na prática não só jiela lógica tanto reúne os pontos psíquicos fortes da vida do pa-
das associações dele como pelo foimato criado pelas ciente - de sonhos, grupos de associações, imagens,
verbalizações -, o psicanalista estruiura-se intemamen- recordações - quanto os separa, à medida que essas
te conlorme a "linguagem do caráier"^"*. Com o tempo, organizações momentâneas se alastram em razão de
ele se acostuma ao ser-conio-fonna de cada paciente e mais associações.
consegue ir jjercebendo inconscientemente mais carac- Na metade de uma terapia psicanalítica, o paciente
terísticas do estilo do analisando. É muito provável que tem uma capacidade substancialmente ampliada para
esse "aprendizado da linguagem" explique os muitos refletir sobre o inconsciente. Além do mais, ele já terá
momentos da análise em que, estranhamente, o psica- participado de uma forma de relação inconk:iente que
nalista parece saber o que o paciente dirá (e em geral terá ampliado a capacidade do eu de receber, organi-
lomece a palavra seguinte) ou. com base numa mistu- zar, criar e se comunicar com o outro. Embora todas
ra de associação verlial, gesticulação corporal e humor, as pessoas formem representações mentais do outro,
consegue "sentir" a significação dó paciente. na forma de objetos internos, a psicanálise não apenas
privilegia a repiesentação de lais objetos como contri-
EXPANSÃO DA MENTE bui para a capacidade do eu de transmitir ao outro a
A associação livre produz mais "objeios falados", estética da vida do indivíduo. De certa forma, isso per-
deteimina com o lempo uma 'trania" para o par freu- mite ao eu apresentar a sua alleridade.
fi7
As.S(c*w;A»-» l i v r e PsirVVN/'j.lS£ E C-IMltvl£>Alt

lim certo seiUiflo, a realização cia psicanálise c nie- dinâmica de conexões que servem para perceber "rea-
iKís iiuiclar a |ícssoa e mais receber o analisando. E o lidades" subsequentes de profundidade crescente. O
icsullado eíicaz de uma psicanálise pode muilo bem curso das associações estabelece padrões de interesse
ser. cm grande paite, a exjKriência profundamente psíquico que constituem a eslmtura do inconscieme.
siiMiilicaiiva {|ue a jTCSsoa vive ao transmitir o seu cu a Au evocar um cíwjunto de derivados do ínt ons-
um outro - talvez realizando uma necessidade latente cienle após o outro, a psicanálise amplia o alcance e a
por milhares de anos na nossa cs|)écie que só agora profundidade do |)ensamento inconsciente e, porian-
encontrou uma fornia evoluída própria para c^a ne-' to, cxpamle a próiiria menie inconsciente.
ccssidadc.
Quando o analisando desenvolve a capacidade de rSlCANÂUSli t CÚÍ/VTIVIDADC
|irnsar, conmnicar e receber nesses níveis inconscicn- A associação livie é uma forma de criatividade |)es-
ur,, podemos dizer t(ue a iisiauiálise contribui i>ara o soal. Os pacientes se soltam para exprimir as impics-
t rcscimcnto da mente do paciente. Embora essa ex- sõcs da vida, sem saljer tjuc ti[X) de padião se revelará
pansão inclua a consciência, na medida em que. ob- a cada tlia; cada sessão é, cm certo sentido, iricpio-
viamente, ambos os participantes sào receptores coiis- duzível e bastante dilercntc de qualquer outra sessão.
i icnies dos efeitos da alivtdade inconsciente, o maior Infalivelmente, os pacientes se surpreendem com os^
valor desse aspecto da {)slcanátise está no desenvolvi- seus padrões de pcnsametUo e a lógica dos seus in-
mento das aptidões inconscientes. teresses inconscienles. No entanto, ao mesmo tempo,
Na verdade, a associação de ideias, ou "ti^ma", é o algo parece invariável, algo que faz paite da linguagem
nuonscienlc. Os pensamentos, aíinnou Bion, exigem do modo de ser do eu.
nm |x;nsador: a mente se origina da necessidade de O par freudiano permite ao analisando sentir o eco
|)cnsar ijcnsanieiuos nascentes. De modo parecido, a da sua existência no método, no (|«al ele mesmo é um
liislória das ideias associadas do eu não só representa participante vital. É como ver a própria alma num es-
m(( rcsscs psíquicos )iaiticulares, mas deixa uma trilha pelho especial. As sessões são variadas, os interesses

m m
inconscientes são infiniiamenie diversos, mas o modo "fiquei tocado com aquele livro" ou "achei essa exjje-
de o indivíduo compor a si próprio, compor os outros riência emocionante".
dele e o seu mundo revelam um estilo que é exclusivo Os afetos - angústia, depressão, euforia etc. - são a
dele. inseparável da sua identidade. base da vida emocional, mas não equivalem, jienso eu.
Os pacientes notam que a psicanálise desenvolve as ao que queremos dizer com emoção. Isso porque nmn
aptidões inconscientes, aumentando a articulação da emoção é algo profundamente ideacional que envol
sua linguagem por meio de uma modalidade de repre- ve uma condensação de muitos pensamentos e afetos
sentação |)eculiar ao par freudiano. Eiijbora essa nova diferentes, cuja reunião forma uma nova unidade de
forma de criatividade (no modo de ser e no relaciona- experiência de si mesmo.
mento) seja incompreensível e faça parte da realiUade O paciente e o analista compartilham ideias e aíe-
imaterial, ela pode ainda assim ser sentida e é um gran- tos entrelaçados na matriz da criação do par freudiano.
de talento emocional adquirido. : Esse campo de pensamento e afeto constitui o campo
inconsciente em que a análise ocorre e, como já men-
AFCTOS. EMOÇÕES, SIiNTlMl-NTCS cionei, se potieria dizer que na maior parte do lernpo

A palavra "sentimento" implica que certos aleios ambos òs pariicipantes dizem o que dizem guiados por

nos penniiem "tocar" um ao outio. Sentir uma emo- seu estado emocional no momento. Mas esses estados

ção e i(x:ar um ohjeto dizem resi-ieiío ai> mesmo sig- mentais são na verdade organizações inconscientes

nificante. As "emoções" - palavra derivada do latim complexas daquelas questões que preocupam o pa-

motio Imoviuíenlo. fierturbação) - sân "exjieriem ias ciente, as qtiais. quando articuladas por meio do mé-

comoventes", em reconhecimento de um conjunto de todo analítico, originam organizações emocionais em

afetos e ideias cuja estrutura se revela com o temp«v o cada participante. Por que o analista repete determi-
nada palavra e não outra? Porque ele sente que ela é
iiulivíduo se move por grupos de ideias e afetos. cuja
importante, sem saber o motivo. O analista se comove
luiidade completa constitui uma "exjieriência eincw io-
com uma imagem e não com outra.
nal". Talvez por isso as pessoas digam frequentemente
ArE1i>S. EM(.«,-<XS, StNI».«rllli)S
Asv» J-V.A<.1 IJMV.

Vendo assim, podemos dizer que os senlimenlos repetição dessas eslmluras vividas ou das experiências
s;\ uma decorrência da capacidade emocional. Se a comoventes aumenta a capacidade de seniir, (jue de-
vida cinoUva dc uma |X3soa é desenvolvida, essa pes- corre da aptidão para a cnii><ão.
soix icm a capacidade de sentir as impressões da vida. Todas as pessoas sentem afetos. 12 é difícil iuiaginar
A empatia - a capacidade de se colocar na ix)sição do alguém que não irnha {lelo mrn(i<; um ponro tlp \ruh\

ouiro - t uma faculdade desenvolvida; aprende-se a emocional. Algumas [lessoas, porém, são ião precavi-
scnlir como é sentir-se no outro. Por meio da asso- das contra os afetos que sua vida emocional é cxlrenia-
i ia<;ão livre c da atenção imparcialmente enlcvaila, a menle limitada, como no caso dos chamados "alexiif-
vivf.ncia emocional do analista ^xjssibilita uma capaci- niicos", que têm uma parca capacidade de sentir. .
tladc atnpliada dc perceber o paciente, essa capacidade Os senlimenlos, então, são capacidades em evolu-
dc scnlir decoriente do efeito instrucional cumulativo * ção, e a psicanálise desenvolve essa faculdade de sen-
da vivência emocional. tir, que por sua vez é uma caracleilslica importante da
l:mlx)ra as palavras "afeto", "emoção" e "sentiinen- aptidão para intuir. A intuição é uma inteligência sen-
lo" sejam permutáveis, é bom distingui-la, ao menos sorial - a habilidade que qualquer indivíduo tem de
i om Hns psicanalilicos. Isso porque podemos veriftcar discernir algo sobre o outro por meio do cjue hoje se
(|uc a condensação de ideias - uma parte impoilanle denoiriina "aprendizado emocional". Se uma das melas
da teoria do inconsciente de Freud - é também uma da psicanálise é tornar o inconsciente consciente, en-
»•
tão outio objetivo - ou um benefício espaniosamenie
cxiKLiencia afctiva densa, uma vez que essas ideias, se-
involuntáiio - é desenvolver aptidões inconscientes e
paradas, Qvocam eni si um afcto diferente. Quando lais
assim (entre outros efeitos) desenvolver a intuição.
ideias estão reunidas numa unidade, como um sonlio,
Pintores, romancistas, composiloies e ouuos dos
V« a elucidação dessa compactação por meio da associa-
"ofícios criativos" seinjire se interessaram pelo niclodo
ção livre sempre envolve uma experiência emocional,
kl de lieud, ainda mais (juantlo se concentram na asso-
SC jxir isso entendermos aquela "experiência como-
ciação livre. A (écnica freudiana ceiíamenle iníluen-
vcnle" rcsultanle da organização emocional vivida. A

?2 73
ciou o recurso surrealisia das imagens contíguas desco- acreditarmos nele. certo dia uma paciente lhe pt^diu
nexas que se associam de um modo inconsi:iente; e o que ficasse em silêncio para que ela pudesse aj^nas
loinance de "fluxo de consciência" também influencia lalar, e a associação livre assumiu o posto da hipnose
o sigtuficado do pensamento seíjúencial. n provável, compulsória.
no entanto, que essas adoções fomiais de aspectos do Nâo píxlemos nos des|)edir desse tópico sem fa.^er
método psicanalítico sejam metáforas de um sentido considerações sobre o que o método psicanalítico da
mais profundo de afinidade com a psicanálise como associação livre realiza simplesmente por ser empre-
modalidade criativa. Aliás, seria difícil sustentar que os gado. Incentivatlo a contar seus sonhos na sessão, o
escritores, os pintores e os músicos realmente usam o paciente seiue-se escudado para trazer à luz algo da
método freudiano em suas obras; é mais provável que
I

sua relação infantil, |>ois o sono é uma retomada das


eles reconheçam no método psicanalítico algo que seja posições fetais e do pensamento alucinatório do bebê.
uma fonua aparentada de criatividade. Como os psicanalistas consideram o sonho um vestígio
As maneiras como a psicanálise desenvolve a pró- do corpo da mãe, eles^estimulam o paciente, até cer-
pria inenie, as maneiras como ela se torna uma riova to jwnto, a levar para o espaço analítico a sua relação
forma de criatividade na vida e seus efeitos secundá- com a mãe. Já na sessão, o paciente é instado a contar
rios na vida subsequente do analisando - todos aimla o sonho. Cm certo sentido, portanto, uma faceia da lei
aguardam o reconhecimento adequado, por menos do pai - definida por Ijtcan como todas as obiigaçóes
que lenham sido estudados ou recebido o que lhes determinadas pela posição ilo indivíduo na hierarquia
é devido. patriarcal - está presente nesse relato, mas aintla assitn
a exigência é muito branda: apenas dizer o que vem à
SONHO COM A MÃE E mente em associação com o sonho.
PTíNSAMENTO DO PAI O analista não interroga o paciente nem exige
Freud reconheceu que seus pacientes o ajudaram c|ué ele dê sentido ao sonho. O paciente faz mais
a descobrir o método da associação livre - aliás, se do que simplesmente se ater ao texto do sonho, va-
SONHO C<*I A MAE E P E f « A H E N i o DO PAI

iciido-sc da sua íorma e falando sem saber muito o (|ue insere nesse encontro a lei do pai e afasta o anali-
c|uc cie significa, mais ou menos como o sonhador sando da crença de que a mãe sabe tudo.
dciiUo do seu sonho. No entanto, à medida que o IZxiste nas culturas modernas um desprezo genera-
icmpo passa e o analisando acompanha Unhas de lizado pela vida inconsciente, em contraposição gritan-
liriisanicnlo diferentes, a unidade do sonho pare- te com o interesse que liavia na c i x K a de f leiíd j)clas
ce fragmcntai-se e as associações fazem o sonhador associações, ixrlos trocadilhos e pelos acontecimentos
SC distanciar muito da experiência do sonho. Na do inconsciente. As críticas à psicanálise são críticas
verdade, esse processo se assemelha a uma viagem mal disfarçadas à própria vida inconsciente. Uma das
luiuo a signittcados diversos, alguns dos quais aos realizações notáveis do par freudiano é possibililar a
ptiucos se tornam claros para o paciente. O sonho volta do atialisando ao sonho (e às origtns niaiernais)
como acontecimento, que poderia parecer claro em c (auíl3éni promover uma separação e uma individua-
si mesmo, passa a ser uma vaga lembrança. A(iuele ção validadas inteiramente |)elas próprias associações
aspecto oracular do sonho - o oráculo maternal <(ue (kl paciente.
conteve dentro de si o sonhador, sussurrou no seu O que distancia o paciente do desejo de perma-
ouvido, fez surgir acontecimentos visionários nos necer dentro do oráculo materno ou subordiíiado^ãs
olhos do próprio sonhador - é suplantado pela vida verdades interpretativas do analisla-pai é a lógica das
mental daquele que sonha. associações livres do analisando. Com o tempo essas
Desse modo comum e ao mesmo lem|M) admirável, ass(KÍações consubstanciam a linguagem do pensa-
;i psicanálise juiila o aiialisando ao mundo maternal, menio do paciente e propiciam a base da qual ele pode
iuíLs harmoniza esse mundo com a oídeni |)al£rnal,, apreciar o valoi da criaiividatle inconsciente do eu.
uma vez que o paciente precisa manter vivo esse pro-
ccsst>, mesmo que esteja ciente de que se afasta do so-

nho. Sempre que isso acontece, a psicanálise promove


o reencontro do paciente com a mãe, ao mesmo \tmpo

77
NOTAS 7. Fieutl. S., "Recommendatíons to Physicians PraclisinR Psyciii»
Analysis" (1912). in ES, vol. XII. p. 115. |"Recomendaçôes aos
1. Freud. Sigmund. "On Beginning lhe Treacmein" (1913), in Stan- . Médicos que Exercem a Psicanálise", in ES, vol. XII.|
dard Edition the Compiete Psychologkal Vfoiks of Sigmund Freud, 8. Veja em "Communications of the Unconscious". no livro
Londres. Hoganh Press (doravante, :>t),, vol. XU. p. 135 | Edi- Cracking Up, de Christopher Bollas (Nova York. Ilill and
ção brasileira: "Sobre o Inicio do Tratamento", in EdiçúoStandaiú Wang. PP 9 29t uma explanação sobre a distorção que o
Brastietro das Obras Pãcoiógícas Coinpklas de Sigmund Freud (do- , inconsciente do psicanaUsta provoca no material do pui ieii-
tavante, ES), vol. XII. Rio de Janein>: Imago. 1986.| te e como isso. muito ironicamente, constitui a comunitaçílo
2. A ideia de Lacan de que o inconsciente íunciona como o Outro inconsciente.
verdadeiro - o outro dentro do eu - não é nunca tão evidente 9. Nos estados psicóticos ou quando o paciente não está fa?eiulo
quanto no pensamento associativo livre. A ênfase rigorosa na fala associações livres, mas manifesta uma forma de resistéiuia, o
do analisando na' sessão é uma das coiitríbuições mais impoctan- psicanalista não conseguirá usar a parle do ego que é evolimla
tes para a psicanálise. í psiquicamente para acompanhar o padrão do outro.
3. Freud, S.. "Two Encyclopaedia Anicles" (1923). in SE. vol. XVIH. 10. Cotiheça uma explicação interessante sobre as muitas "(lerspec-
p. 238. |-Dois Nferbetes de Enciclopédia", in ES. vol. XXIll.l tivas de escuta" diferentes na psicanálise em {.islcning Pf rspeí tivcs
4. Alguns psicanalistas pressupõem erroneamente que. por não in Pjychotlierflpy, de Lawrence Hedges (Northvale, New Jersey:
conseguirem acompanhar a linha de pensamento do paciente, Jason Aronson. 1983).
este está criticando os elos entre as ideias, de modo que o ana- ' 11. Veja Helmann; P, 1956, "Dynamics of Transferencc Inierpreia-
lista não só não consegue acompanhar o sentido como lamliém tions*, Inlernalionfli Journal of Piychoanalysii, n. 37, pp. 303- lU.
po<le achar que a sua cabeça está sendo atacada. Infelizmen- i 12. Veja Bollas. C , introdução de Thr Shadow of the OhjiXt. 1-ontlres:
te, isso distorce a diferença entre os elos criados inconscien- l Free Associations Press. 1987, p. 2. (Edição brasileira: A Som-
temente e os elos feitos com base no conteiido manifesto. Se > ara do Objeto, IIad. Rosa Maria Bergallo, Rio de janeiío: Imago,
o psicanalista trabalha com a perspectiva freudiana, ele parte | 1992.1
do principio de que não é [Xissfvel acompanhar o material do i 13. Veja na primeira parte de Forces of Desiiny. de Christopher
aqui-e-agora no âmbito consciente - na verdade, quando se i Bollas (Londres: Free Associations Press. 1987), uma expli-
tenta fazer isso se refuta a própria natureza da comunicação | cação de como a associação livre constitui uma represeniação
inconsciente. £ uma demonstração de que alguns psicanalistas | da vida mental do psicanalista e do paciente. {Edição bra-
se afastaram muito do paradigma original da psicanálise de que " sileira: Forçai do Destino, trad. Rosa Maria Bergallo. Rio de
muitos analistas exigem de si mesmos, dos seus colegas e dos Janeiro: Imago. 1992.|
seus alunos a "capacidade" de acompanhar o que o paciente 14. Hirsch. Edward. Hoiv to Reud a Pocm. New York: llarcomt and
quer dizer no aqui-e-agora. ^ Brace. 1999. p 31.
5. Freuil, S.. 'Two Encyclopaedia Anicles". til., p ?39 .| 15. Hirsch. Edward. i»/>. cit., p 146.
6 Freud. S . " lhe Unconscious" (1915). inSH. vol. XIYp. 194 TO \ 16. Veja luna ex|K>siçao mais apnilundada ila "leiHia das rclacõi-s de
Inconsciente", in ES, vol. XIV.| ^ objeio" em Forces Dtstiny, de Christopher Bollas. op. cit
17. Pieiitl, S.. "Tlif HaíulUng of Dreani Inlerprciation in r.sycho-
Analysis" (19.11), In 5C. vol. XII. p. 94. TO Manejo tia Inlciprc-
lavát> tios Sonitos na Psicanálise", in E5, vol. Xll.|
18. r-reud. S-, "lhe UiKonscious", op. tií.. p. 190.
19. ricud. S., The InleiímialUm of Dmtms, in SE, vol. V. p. 525. \A
tnlajnvk^do «te Sonhos, in ES, vol. V.|
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