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Cândido Domingues*
Carlos da Silva Jr.**
A historiografia da escravidão é uma das peus e das Américas na disputa pelo merca-
áreas mais ricas e dinâmicas da historio- do de escravos e pela interiorização de sua
grafia brasileira. Desde a década de 1980, presença no continente (principalmente
os historiadores têm investigado a vida dos antes do século XIX). Enfim, o diálogo en-
escravos (e libertos), africanos ou nascidos tre as duas historiografias tem sido profí-
no Brasil, a formação de famílias escravas, o cuo e proveitoso.
processo de construção de identidades étni- No presente número da revista África(s),
cas na diáspora, a agência escrava e formas o leitor terá a chance de conhecer algumas
de resistência à escravidão, entre outros te- abordagens acerca da escravidão no atlân-
mas. O resultado desse interesse na história tico escravista. Os artigos do dossiê, escri-
da escravidão no Brasil, que de alguma ma- tos por historiadores de referência em suas
neira explica alguns dos dilemas brasileiros áreas de pesquisa, exploram os diferentes
contemporâneos, pode ser visto nas disser- contornos e dimensões do escravismo bra-
tações de mestrado e teses de doutorado sileiro ao longo do séculos XVII e se esten-
apresentadas anualmente nos diversos pro- dem até as primeiras décadas do século XX,
gramas de pós-graduação país afora. quando a escravidão já tinha sido extinta,
Ao mesmo tempo, a nossa historiogra- mas os últimos africanos e seus descenden-
fia beneficia-se do diálogo com a produção tes enfrentavam os seus nefastos efeitos. De
historiográfica internacional, sobretudo forma geral, o dossiê envolve questões va-
aquela relacionada à História da África e riadas, de múltiplos temas e momentos da
as dinâmicas mercantis – leia-se, o tráfico história da África, dos africanos e seus des-
de escravos, mas não apenas – na África cendentes através do Atlântico. Da história
pré-colonial. Similarmente, a historiografia africana, passando pela escravidão no Piauí
brasileira da escravidão tem influenciado colonial, da diáspora ocidental para o Rio de
a maneira como os historiadores da África Janeiro, e o sistema de redistribuição de es-
abordam a história do continente, sobretu- cravos no Brasil oitocentista, esse dossiê ilu-
do no que tange à agência das populações mina diferentes perspectivas sobre o estudo
africanas às investidas dos traficantes euro- da escravidão no atlântico.
cio atlântico que ligavam o Rio de Janeiro que lança luz sobre as dinâmicas entre as
à Costa da Mina. As historiadoras abordam autoridades africanas locais – os sobas – e
ainda a vida dos últimos africanos minas na as autoridades portuguesas em Angola du-
cidade do Rio de Janeiro na virada do século rante dois séculos. Como a resenhista res-
XX, os estereótipos que recaíam sobre eles salta, um dos pontos altos da obra é colocar
nos jornais da época, as rivalidades religio- os africanos no centro da análise. “Por sua
sas entre os diferentes grupos – os adeptos contribuição metodológica e seu constante
da religião dos orixás e os seguidores do Islã. diálogo com as fontes manuscritas e im-
O artigo final, de autoria de Maria de Fá- pressas, o livro deve ser lido por historia-
tima Novaes Pires, professora da Universi- dores interessados em como descolonizar o
dade Federal da Bahia, trata de um momen- passado”, nota Candido.
to importante da história da escravidão: o A outra resenha, de Bruno Véras, dou-
tráfico interprovincial, que ganha muscula- torando em História da África pela York
tura principalmente após o fim do tráfico em University, no Canadá, discute o mais re-
1850. Em seu artigo, Fátima Pires apresenta cente livro de Paul Lovejoy, Jihad in West
alguns dados sobre a demografia dessa mi- Africa during the Age of Revolutions.
gração forçada de escravizados – tanto afri- O trabalho, em grande medida fruto de uma
canos quanto crioulos – do sertão da Bahia discussão iniciada na academia brasilei-
para as áreas cafeeiras do oeste paulista. Lá, ra em 2014, analisa a série de revoluções
escravizados e trabalhadores livres pobres, islâmicas no Sudão Central e Ocidental e
imigrantes, conviviam e experimentavam de seu impacto na diáspora africana, princi-
diferentes maneiras, o trabalho nas grandes palmente na Bahia, mas também em Cuba.
propriedades da região. O uso de um núme- Nesse sentido, o Islã tem papel crucial para
ro variado de fontes – autos criminais, regis- o entendimento das transformações em cur-
tros de compra e venda, matérias e anúncios so na África Ocidental e no mundo atlântico
de jornais – permitiu que a autora forneces- na virada do século XIX.
se um quadro amplo da vida e das agruras Fica assim esboçado o conteúdo do dos-
dessa população desterrada – às vezes pela siê. Os organizadores gostariam de agra-
segunda vez – numa nova área escravista, decer aos autores que se comprometeram
as dificuldades impostas por um novo tipo com esse projeto, entregando textos de alta
de regime servil – a escravidão em largas qualidade, contribuindo assim para a difu-
plantations em comparação com o trabalho são dos estudos sobre a história da África
compulsório em pequenas propriedades do e da escravidão nas Américas. Ao mesmo
sertão baiano – e as estratégias de resistên- tempo, agradecemos aos editores da revis-
cia dessa população. ta África(s) pelo espaço para a divulgação
Fechando o dossiê, Mariana Candido, desses artigos, consolidando a revista como
professora da Universidade de Notre Dame, um fórum importante para discussões sobre
nos Estados Unidos, apresenta uma rese- a história africana e da diáspora no mundo
nha de Sobas e homens do rei, livro de atlântico. E aos leitores/leitoras, desejamos
Flávia Carvalho, professora da UFAL, obra uma boa leitura!