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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 31, pp. 169 - 170, 2012.

M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Tomo II


(Do século XIX aos nossos dias). Tradução de Manuel Resende,
revisada academicamente por Daniela Moreau, Valdemir
Zamparoni e Bruno Pessoti. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa
das Áfricas, 2011, 754 p.

Rosemberg Ferracini*

África Negra, escrito em 2008 pelo pesquisador Sahel, Walata e Tombuctu, que serviam de parada
congolês Elikia M’bokolo, professor na Universidade nos portos mediterrâneos. Na parte ocidental,
de Kinshas do Congo, foi traduzido para o português em particular do Senegal a Angola, podem-se
em 2011 pela Editora da Universidade Federal da encontrar as zonas agrícolas coloniais do azeite
Bahia e é fruto do projeto editorial Histórias ao de dendê, óleo palmiste, algodão e o amendoim.
Sul, coordenado por José Murilo de Carvalho, Lilia Os dois primeiros desempenharam uma forte
Moritz Schwarcz e Valdemir Zamparoni. influência em demais países da África Oriental,
Além do título explicitamente geográfico, como Madagascar.
a obra é composta por sete minuciosos capítulos Temas presentes no segundo e terceiro
acompanhados de diversos documentos capítulos são os das plantações escravagistas.
cartográficos, que discutem as adjacências da Coloca-se em pauta uma discussão ausente na
Geografia, passando pelas “Guerras e Estados: Geografia brasileira: a migração de africanos
a África política no século XIX”, a “A África como escravos. Por meio de quadros e tabelas, o
independente”, as “Economias e sociedades do autor apresenta dados da população masculina,
século XX” e o “O avanço das fronteiras”, em feminina e de crianças que foram arrancados
conteúdos que se comunicam reciprocamente. e transpostos à força pelo Atlântico para as
Nos dois primeiros capítulos, que Américas. As informações passam pelas antigas e
apresentam um conjunto de mapas, encontramos novas formas do tráfico humano clandestino, do
as disputas territoriais que retratam as guerras século XVII ao XIX, entre a ascensão e declínio do
santas, a consolidação e a dissolução de reinos tráfico, seus métodos utilizados no processo, o
como Asante, Njoya e Sudão; e a formação dos comércio, a repressão e as leis abolicionistas. Estes
Estados na África Ocidental de Furta Toro, Futa estão presentes nas páginas da obra que tratam
Jalon, Kaarta, Khasso, Abomey, Oyo, Tio, Lunda, dos acordos “ilícitos” entre franceses, ingleses e
Cassanje, Ovimbundo, Lozi, Meyene, dentre portugueses para manter o comércio escravagista.
outros. Da África Central e Oriental, aprende-se a No terceiro e quarto capítulos percebemos
respeito dos Estados de Bornu, Wadai, Darfur, Funj, que, com o desequilíbrio demográfico africano,
Cazembe, a ocupação de Hausa, Nzakara Zande, a Geografia assume seu papel: entre réguas
Reinos Interlacustres, Zona de influência de Omã e compassos é efetivada a partilha da África.
e Imerina. Demais representações gráficas trazem O tema da fronteira é posto na mesa: criando
informações sobre a rede comercial do Saara por uma Geografia e uma História que pertencem
meio da rota dos camelos nas zonas desérticas em particular mais à Europa do que à África.
e toda a zona mediterrânea da Argélia, Tunis, Isso porque, como afirma o autor, os africanos
Alexandria, Porto Said, as principais cidades do não tinham o sentimento de estarem sendo
*Universidade de São Paulo/Geografia Humana. E-mail: rosemberggeo@yahoo.com.br
170 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 31, 2012 FERRACINI, R.

“descobertos” ou “explorados”. Um dado em das cidades e demais instrumentos de colonização


particular que a obra discute é a ausência de fontes racista.
escritas desse fato. Nesse sentido o texto traz nove Os dois últimos capítulos aprofundam os
mapas que expressam especificamente as feitorias caminhos da emancipação política da África. Em
e as colônias no continente africano que foram três representações cartográficas o texto nos traz
ocupadas pelos catequistas, padres e pastores as resistências e revoltas contra a colonização
portugueses; docentes, operários e empregados na África Negra, acompanhado de esquemas que
franceses; comerciantes e funcionários ingleses, analisam a tipologia dos movimentos religiosos,
as rotas de partida e eixos de exploração de o pan-africano, as independências, os comitês
espanholas e os povoamentos italianos e boers, e demais autonomias africanas. Com essas
mantendo cada qual o seu estilo de exploração e informações o leitor passa a entender o despertar
colonização. político de uma elite constituída de jovens que
O quinto capítulo abarca a chamada “era tinham aprendido a língua europeia, mas que
colonial”, posta em cheque por alguns africanistas, buscavam lutar contra o nacionalismo racista.
entre os quais Elikia M’bokolo, por não durar Dessa forma, acreditamos que o livro África Negra,
algumas décadas. A abordagem entre o período de Elikia M’bokolo, contribui para os geógrafos
da Primeira e Segunda Guerra Mundial trata da brasileiros, uma vez que seus atributos consistem
violência dos europeus para com a população na perspectiva de que as guerras envolvem
africana na constituição de seus exércitos. estratégias militares como processo de crescimento
Tal fato levou a contradições e a incoerências e desenvolvimento dos impérios, no tratamento do
coloniais, como a criação de novos sistemas de tema das diferentes construções estatais africanas
administração, classes, estatutos, regras e outros do século XIX e XX, além dos conflitos armados
quadros de instabilidade entre os autóctones. dos anos 1960 a 1990 e demais fatores que
Diversos fatores favoreceram essa instabilidade, caracterizam a geopolítica e a restauração estatal
como o cristianismo dócil, o sistema de ensino, as no território africano e seus desafios para o século
modificações nos sistemas agrícolas, a expansão XXI.

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