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BRASIL
COLÔNIA
Introdução
A escravidão e o tráfico transatlântico transformaram o continente africano:
impérios e reinos formam reformulados; surgiu uma elite que comercia-
lizava escravizados que, anteriormente, eram utilizados de outra forma,
em uma “escravidão doméstica”; e, a partir da transformação na vida de
seres humanos, houve o enriquecimento de elites coloniais americanas
e metropolitanas europeias.
Neste capítulo, você estudará como se deu o processo de escravi-
zação dos povos africanos e a realização do tráfico transatlântico por
Portugal. Analisará as relações estabelecidas entre o reino português e
suas feitorias estabelecidas no continente africano, bem como as rela-
ções com os diferentes povos da África. Por fim, estudará a situação dos
africanos escravizados nas lavouras de cana e nos engenhos do nordeste
da América portuguesa.
2 Povos africanos e a escravidão no Brasil
Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles as-
segurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a
capacidade de autossustentação da linhagem. Não por acaso, nesse tipo
de cativeiro se preferia mulheres e crianças. A fertilidade das mulhe-
res garantia a ampliação do grupo. Daí que era legítimo as escravas se
tornarem concubinas e terem filhos com os seus senhores. Seguindo a
mesma lógica, a incorporação dos escravos na família se dava de modo
gradativo: os filhos de cativos, quando nascidos na casa do senhor, não
podiam ser vendidos e seus descendentes iam, de geração em geração,
perdendo a condição servil e sendo assimilados à linhagem. Assim, o
grupo podia crescer com o nascimento de escravos, fortalecendo as rela-
ções de parentesco e aumentando o número de subordinados ao senhor.
A integração dos cativos também explica a predileção pela escravização
de crianças, visto que elas mais facilmente assimilavam regras e consti-
tuíam vínculos com a família do seu senhor (ALBUQUERQUE; FRAGA
FILHO, 2006, p. 14).
A expansão dos árabes pela África se deu a partir da realização da jihad (“guerra
santa”), destinada a converter os povos ao islamismo seja por vontade própria, por
acordos comerciais ou pela força. Os “infiéis”, ou seja, aqueles que não aceitassem a
fé islâmica, eram escravizados.
Um dos primeiros povos a se converter ao islamismo, na África do Nor-
te, foi o povo berbere. As cáfilas, como ficaram conhecidas as grandes
caravanas que percorriam o Saara, eram formadas principalmente por
berberes islamizados. Foi assim, seguindo a trilha desses comerciantes,
que o islamismo ganhou adeptos na região sudanesa, na savana africana
ao sul do deserto do Saara. [...] Já na metade daquele século [século IX] os
escravos eram os principais produtos dos caravaneiros do Saara, que por ali
transportaram cerca de 300 mil pessoas. As cáfilas rumavam do Norte da
África para as savanas sudanesas carregadas de espadas, tecidos, cavalos,
cobre, contas de vidro e pedra, conchas, perfumes e, principalmente, sal.
No retorno, depois de meses, traziam ouro, peles, marfim e, cada vez
mais, escravos. Calcula-se que entre 650 e 1800 esse tráfico transaariano
de escravos vitimou cerca de 7 milhões de pessoas, sendo que 20% delas
morreram no deserto (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 16)
Havia, por exemplo, uma crença entre os africanos de que os europeus eram
ferozes canibais, capazes de devorar a carne negra e guardar o sangue para
tingir tecidos ou preparar vinho. Desconfiados de que os europeus podiam
prejudicar seus negócios, nada lhes foi facilitado. Nenhum chefe político
franqueou-lhes o acesso às zonas auríferas no interior da África, nem os
comerciantes os introduziram nas rotas transaarianas. Mas os europeus
persistiram. [...] A persistência portuguesa foi bem recompensada. Aos
poucos, foram sendo vencidas desconfianças, combinados preços satis-
fatórios, e foram crescendo os negócios com os africanos que viviam nas
proximidades do rio Gâmbia, gente do poderoso Império do Mali. Tanto
6 Povos africanos e a escravidão no Brasil
que, por volta de 1460, tinham com eles boas relações comerciais. Mas
o principal objetivo dos portugueses, que era se apropriar do comércio
transaariano, ainda não havia sido alcançado. Tampouco tiveram acesso às
minas de ouro, como sonhavam.
Os europeus levavam sal para uns, arroz, tecidos de lã e panos de algodão para
outros e, em contrapartida, recebiam ouro e escravos, que, por sua vez, eram
trocados por outros produtos, a exemplo da pimenta. Estima-se que, entre 1500
e 1535, os portugueses levaram para o castelo de São Jorge entre 10 e 12 mil
escravos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 25).
Essa relação manteve-se até meados do século XVI, quando cada vez
mais os africanos escravizados foram utilizados como moeda de troca, sem
o intermédio da nobreza ou do rei. A partir daí, disseminaram-se na região
guerras com o objetivo específico de capturar cada vez mais pessoas a serem
embarcadas nos navios portugueses.
Novamente, entretanto, os portugueses encontraram resistência nas
tentativas de conquista do interior do continente africano. Chefes políticos,
como a rainha Jinga (ou Nzinga), reagiram ao processo de colonização.
Somando-se aos problemas políticos, havia as doenças, a fome e a sede,
os insetos e a frustração de não encontrar ouro e prata. Essas dificuldades
fizeram com que os portugueses se decidissem por não investir na colo-
nização do continente africano, somente no comércio de escravizados.
Assim, a capital de Angola, Luanda, transformou-se em uma das maiores
cidades de comércio de cativos:
[...] desde fins do século XVI até a primeira metade do século XVIII,
foi o maior fornecedor de escravos para as Américas portuguesa e es-
panhola. Entre 1575 e 1591 foram embarcados da região de Ango-
la mais de 52 mil africanos para o Brasil (ALBUQUERQUE; FRAGA
FILHO, 2006, p. 33).
Povos africanos e a escravidão no Brasil 9
A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou con-
dutas, definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e
etiquetas de mando e obediência. A partir dela instituíram-se os lugares que
os indivíduos deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia
obedecer. Os cativos representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois
eram impossibilitados legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e
possuir bens, testemunhar em processos judiciais contra pessoas livres, esco-
lher trabalho e empregador (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 66)
O site intitulado Slave Voyages traz um ótimo banco de dados sobre o tráfico tran-
satlântico de escravos. Nesse memorial digital, você pode conhecer mais sobre o
comércio de seres humanos, com informações quantitativas, qualitativas e muitas
imagens, mapas interativos e animações. A referência completa pode ser encontrada
ao final deste capítulo, na seção Leituras Recomendadas.
10 Povos africanos e a escravidão no Brasil
Mary Del Priore e Renato Venâncio (2010, p. 50) também nos lembram
de outras diferenciações importantes na sociedade escravista colonial, em
relação aos escravizados:
ALBUQUERQUE, W. R.; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro
de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
DEL PRIORE, M.; VENÂNCIO, R. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995.
HARRIS, J. E. A diáspora africana no Antigo e no Novo Mundo. In: OGOT, B. A. (Ed.).
História geral da África V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: Unesco, 2010. p. 135–164.
INIKORI, J. E. A África na história do mundo: o tráfico de escravos a partir da África e a
emergência de uma ordem econômica no Atlântico. In: OGOT, B. A. (Ed.). História geral
da África V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: Unesco, 2010. p. 91–134.
14 Povos africanos e a escravidão no Brasil
Leituras recomendadas
ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
BAQUAQUA, M. G. Biografia de Mahommad G. Baquaqua. Revista Brasileira de História,
v. 8, n. 16, p. 269–284, ago. 1988.
CONRAD, R. E. Tumbeiros: o tráfico escravista para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FLORENTINO, M. Em costas negras: história do tráfico de escravos entre a África e o Rio
de Janeiro, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GATES, H. L. Slave Voyages. 2019. Disponível em: https://www.slavevoyages.org/. Acesso
em: 13 abr. 2020.
REIS, J. J. Notas sobre a escravidão na África pré-colonial. Estudos Afroasiáticos, n. 14,
p. 5–21, 1987.
SILVA, A. C. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2002.
SILVA, A. C. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004.
THORNTON, J. A África e os africanos na formação do mundo Atlântico (1400–1800). Rio
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VAINFAS, R.; SOUZA, M. M. Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo
da conversão corada ao movimento Antoniano, séculos XV-XVIII. Tempo, Niterói, v. 3,
n. 6, p. 95–118, dez. 1998.
VERGER, P. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos
os Santos: séculos XII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
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