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Quilombos e a cultura africana no Brasil

Prof.ª Renata Figueiredo Moraes

Descrição

A presença dos africanos no Brasil e a contextualização das


resistências empreendidas por homens e mulheres contra a escravidão.

Propósito

A história do Brasil precisa ser vista a partir da escravização de homens


e mulheres originários de diferentes partes do continente africano. Só
assim é possível entender a construção do Brasil na colônia e na riqueza
do Império, principalmente na agricultura e no cultivo do café, e o
empenho de transformar esse processo no pós-abolição, a partir dos
descendentes dos povos que lutaram contra a escravização, e pela
preservação de suas raízes e cultura.

Objetivos

Módulo 1

A escravização de africanos no Brasil


Identificar o processo de escravização dos africanos no Brasil e as
formas de atuação.

Módulo 2

Os africanos e a resistência à escravização

Identificar as diferentes formas de resistência à escravidão


empreendida pelos africanos no Brasil.

Módulo 3

Os africanos livres no Império

Reconhecer como homens e mulheres africanos tiveram uma vida em


liberdade durante a escravidão no Brasil.

Módulo 4

O pós-abolição e a resistência da cultura


africana

Listar nos estudos do pós-abolição sobre a presença de africanos e


afrodescendentes no Brasil.

meeting_room
Introdução
Os povos africanos foram escravizados pelos europeus durante o
processo de colonização das Américas. Homens e mulheres, de
diferentes idades, tiveram suas vidas arrancadas do seu local de
origem e na travessia do Atlântico viveram um tempo de morte.
Os que sobreviveram à violência do trajeto tiveram que recriar
formas de vida e de convivência, ainda sob o jugo da escravidão.

Este conteúdo propõe uma abordagem sobre os diferentes povos


que sofreram essa violência e que sobreviveram à escravidão no
Brasil. Os seus vestígios e as formas de resistência serão
abordados neste texto, pensando em suas trajetórias de vida
desde a escravidão até o contexto de liberdade e o pós-abolição.

O conteúdo foi divido em quatro módulos: o primeiro trata do


início da escravização dos africanos no Brasil, ressaltando que a
chegada dos portugueses no continente africano desestruturou
sociedades e afetou a forma como a escravidão era ali praticada.
Tratamos das identidades destruídas e reconstruídas na
escravização no Brasil e a atuação econômica desses africanos
escravizados. O segundo módulo indica as formas de resistência
à escravização que homens e mulheres africanos realizaram no
Brasil. Entre quilombos, revoltas e fugas, eram todas ações
legítimas e temidas por autoridades e escravistas. O terceiro
módulo aborda a categoria de “africanos livres” e outras histórias
de africanos que após a liberdade reconstruíram sua vida ainda
sob um ambiente de escravidão. O quarto e último módulo
aborda o pós-abolição como um campo de pesquisa para pensar
os africanos e seus descendentes após o fim da escravidão,
oferecendo novas chaves de leitura sobre a história do homem e
da mulher negro e negra no Brasil.
1 - A escravização de africanos no Brasil
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar o processo de escravização dos
africanos no Brasil e as formas de atuação.

Escravidão moderna

Escravismo

A escravidão não foi inventada por um único povo, ela é produto do


homem e está presente na sociedade desde a Antiguidade. A existência
milenar da escravidão não a fez menos cruel, à medida da passagem
dos séculos, pelo contrário.

Africanos escravizados sendo retirados de seu continente.

O marco da escravidão moderna é a chegada dos europeus no


continente africano, desestruturando sociedades e formas de
convivência, entre elas a escravidão ali existente. A escravização dos
povos africanos foi acentuada em um cenário de desenvolvimento das
redes comerciais e de conquistas, com a participação de grupos
africanos que já tinham estabelecidos rotas comerciais e de exploração
em outras regiões.

A emergência do mercantilismo e do colonialismo europeu causaram


uma mudança estrutural em relação ao passado africano e ao conceito
de escravidão existente até então, explorando ao máximo o trabalho do
ser escravo em proporções até então desconhecidas, atitude essencial
para garantir o sistema econômico e produzir enriquecimento de
mercadores e todos os envolvidos nesse lucrativo comércio de pessoas.

Tais considerações são essenciais para entendermos o fenômeno da


escravidão africana no Brasil nos primeiros anos da colonização.
Vejamos:

Objetificação do humano

A primeira violência da escravização africana promovida pelos


europeus foi a retirada de homens e mulheres, entre eles
crianças, do seu local de origem.
Homem escravizado sendo inspecionado para venda.

Essa primeira ação transforma o ser humano em “objeto” e o


insere em uma lógica mercantil, a fim de satisfazer uma
necessidade econômica impulsionada pelo avanço da
colonização.

Perda de identidade

Outro ponto dessa escravização moderna foi o apagamento das


identidades desses homens e mulheres trazidos às Américas. A
respeito dos que chegaram ao Brasil, a identificação foi dada a
partir dos esquemas econômicos escravistas.

Africanos escravizados sendo colocados à força em navio com destino às Américas e


Europa.

Ou seja, dependendo do porto de origem de determinada


embarcação, o grupo nele presente poderia ganhar uma
identificação totalmente distante da sua original.

Ainda sobre o apagamento das identidades, na maioria das vezes,


nomes e terminologias dadas aos africanos ocorreram a partir do tráfico
atlântico ou na sua chegada ao ponto da escravização. Muitos
historiadores se debruçaram sobre os registros paroquiais, a fim de
entender as primeiras gerações de africanos chegados ao Brasil e que
foram batizados, sepultados ou construíram matrimônio, deixando
nesses registros algum dado que pudesse servir para a construção de
uma trajetória de vida ou de um grupo específico.
Mas a tarefa é árdua visto que nem todos foram registrados por seus
senhores e nem todos os registros paroquiais foram preservados.
Assim, temos uma grande lacuna sobre os primeiros anos da escravidão
africana no período colonial, especialmente daqueles que foram
destinados para as plantações de cana-de-açúcar da região Norte, como
Pernambuco e Bahia.

A presença dos africanos e a


economia colonial

A economia escravista
Os africanos que chegaram ao Rio de janeiro foram destinados aos
engenhos de açúcar, especialmente os localizados na região chamada
de “recôncavo da Guanabara”, e atuaram junto aos indígenas
escravizados.

Durante algumas décadas do século XVII, foi próspera a área produtora


de açúcar, produzindo considerável quantidade de açúcar destinada a
Portugal (GOMES, 2012). Os registros paroquiais indicam para essa
região os africanos batizados e sua origem, a partir de uma
classificação dada a posteriori, ou seja, surgida com a escravização.

Curiosidade

De acordo com algumas pesquisas, a maioria dos africanos adultos


batizados são de origem “mina” e um segundo grupo tido como “guiné”
(GOMES, 2012).

Os dados de óbitos e nascimentos de crianças também são ferramentas


para entender as origens dos africanos escravizados nas lavouras de
açúcar no período colonial. Esse predomínio dos minas foi também
objeto de estudo de inúmeros pesquisadores, a fim de entender suas
identidades ou traçar trajetórias que os fizessem pertencentes a um
grupo, com características específicas relacionadas à:

celebration
Cultura
Religião

build
Modos de trabalho
As menções a “pretos minas” e “nação mina” indicam grupos de
africanos, escravos ou libertos, de procedência da costa ocidental
africana conhecida como Costa da Mina, por causa do Castelo de São
Jorge da Mina. No entanto, tal denominação não correspondia
exatamente à origem de muitos homens e mulheres que partiram dessa
região para as Américas.

Ou seja, o termo “mina” ou a ideia de “nação mina”


pode ser considerada uma construção criada a partir
do comércio negreiro e na experiência da escravização
vivida pelos africanos (FARIAS, 2013).

Se em um primeiro momento esses homens e mulheres tinham poucas


características comuns (étnicas, linguística e de origem), a experiência
da escravidão nas Américas permitiu que eles se reagrupassem e
redefinissem regras e limites de pertencimento a determinados grupos.

Pessoas em condição escrava numa fazenda do Rio de Janeiro.

O local de convivência, principalmente as ruas e as senzalas, permitiram


a construção de outra vida nas Américas e de novos padrões de
comportamento e convívio. Esse seria o momento de construção de
grupos mais amplos e com uma autoconsciência coletiva (FARIAS,
2013).

O escravismo e o Rio de Janeiro


Voltando para o caso do Rio de Janeiro, apesar dos registros paroquiais
de algumas regiões, os dados que os historiadores têm sobre a origem
dos africanos ainda é inconclusivo, mas é possível levantar questões:
Uma hipótese que não pode
ser descartada seria a
proeminência dos africanos
centrais, a partir do tráfico
de Luanda, e dos africanos
ocidentais, vindos da Alta
Guiné. A possibilidade de
africanos ocidentais
embarcados para o Brasil a
partir da Senegâmbia e Cabo
Verde e chegando –
diretamente ou por
intermediação – ao Rio de
Janeiro deve ser mais
investigada, em função das
redes de tráfico, existentes
ainda na primeira metade do
século XVII.
(GOMES, 2012, p. 66)

Ainda de acordo com Flavio Gomes (2012):

timeline Após analisar diversos dados demográficos, haveria


no Rio de Janeiro um grande número de africanos
ocidentais e de grupos mais dispersos da África
Central.
timeline A partir de 1740 haveria um predomínio dos
africanos centrais e em grupos mais concentrados.

timeline Duas décadas depois, permanecera na região uma


quantidade considerável de crioulos, descendentes
desses africanos centrais, com os ocidentais
chegando na segunda metade do século XVIII.

O que esses dados informam?

Demanda pela cana-de-açúcar


A região de produção de açúcar no Rio de Janeiro demandou
mão de obra africana, sendo um destino certo os negros
escravizados que chegassem à essa área.

Mudança pós-descoberta do ouro


Após a descoberta do ouro pode ter tido uma mudança nas
características da escravidão africana, principalmente com a
diferença entre as gerações de escravizados e com a constante
entrada de africanos de outras regiões.

O comércio transatlântico de africanos para o Brasil, especialmente para


área que demandavam mão de obra para as lavouras, proporcionou uma
constante alimentação de culturas e identidades africanas que no
contexto da escravização se transformaram e se ressignificaram.

Essa afirmação e mais outros dados representam o avanço das


pesquisas sobre demografia da escravidão africana no Brasil, sendo
essenciais para compreendermos a complexidade da formação cultural,
política e religiosa do Brasil, a partir desse grupo.

As variações da economia colonial


Explorações humanas e as expansões
do modelo
Os estudos sobre o volume de pessoas escravizadas do continente
africano nas Américas ganharam uma grande contribuição nos últimos
anos, principalmente após a junção de inúmeras pesquisas feitas em
diferentes países, que investigaram dados sobre as embarcações e os
preços dos africanos para a escravização.

Com essas pesquisas, é possível saber:

directions_boat
A trajetória de um navio negreiro, a sua origem, as paradas feitas por ele,
o seu destino, no Brasil ou nas Américas.

groups
Quantos homens e mulheres embarcaram e quantos chegaram vivos ao
fim da travessia.

As pesquisas de David Eltis e David Richardson são apenas uma de


tantas que contribuíram para a formação de um grande banco de dados.

Saiba mais
Tal banco de dados hoje está disponível no site Slavevoyages.com. Nele,
os interessados nos dados estatísticos sobre o comércio transatlântico
de pessoas conseguem informações preciosas, mas apenas de um
tempo em que esse comércio gozava de uma legalidade perante as
autoridades do Império do Brasil ou de outros países.

Citando alguns dados e estudos (GOMES, 2012):

Dados de Eltis Estudos de Mary


Karasch
Identificaram que no
período entre 1811 e Identificaram africanos
1830, cerca de 470 mil de diferentes origens:
arrow_forward congos, angolas,
africanos chegaram ao cabindas, benguelas,
Rio de Janeiro. caçanjes,
moçambiques.

A concentração de alguns africanos ou sua dispersão na cidade, assim


como em qualquer outra região, dependia das políticas de migração e
comércio intrarregional, uma vez que nem todos que chegaram em
cidades portuárias e tiveram essa entrada registrada pela alfândega
permaneceram nela.

Infelizmente, a frieza desses números não nos permite entender os


pormenores dessas travessias e das chegadas, muito menos saber
como teve início o processo de escravização desses sujeitos em solo
americano. Há ainda algumas lacunas sobre a história da escravidão no
Brasil para as quais a historiografia dificilmente conseguirá respostas,
uma vez que o interesse no registro do cotidiano da escravidão era
inexistente por parte daqueles que escravizavam e das autoridades.

Escravizados na colheita de café.

Além da legalidade ou não da escravização dos africanos, os senhores


tratavam os seus escravos como propriedade com os quais pudessem
obter grandes lucros, fosse na produção de mercadorias, como o café,
na região do Vale do Paraíba, fosse no comércio de africanos para as
regiões necessitadas de mão de obra.

Logo, possuir escravos e usar essa propriedade era algo


disseminado na sociedade do Império, que adaptava os
ideias liberais europeus à sua realidade escravista.

A expansão da produção do café ocorreu no Vale do Paraíba nas


décadas seguintes à independência e quando o tráfico de escravos
africanos era ilegal no Brasil.

No entanto, com essa ilegalidade, como ter mãos para a lavoura do


café?
calendar_today Antes de 1830

Nessa época houve um enorme volume de


africanos desembarcados no Brasil, principalmente
na região Centro-Sul, destinado às primeiras
fazendas de café do Vale.

calendar_today Entre 1831 e 1835

No período entre 1831, data da primeira lei, e 1835,


foi pequena a quantidade de entrada de africanos
de forma ilegal, por causa de uma vigília das
autoridades, uma vez que a lei deveria ser
cumprida.

calendar_today Após 1835

O volume de entrada aumentou, chegando a cerca


de 315 mil africanos até 1850. Grande parte desses
homens e mulheres foram para as grandes
fazendas de café. Os africanos foram os
responsáveis pela derrubada da mata, pelo plantio e
pela colheita do café, além de terem erguido
grandes construções que abrigavam senhores de
café e seus familiares.

A escravização de africanos também foi presente no contexto urbano,


com exercício de inúmeras atividades, desde as domésticas, até as mais
especializadas ou no comércio e nas ruas.

A africanização do Brasil era evidente nas vésperas da segunda lei do


tráfico, em 1850, e esse era um temor de muitos parlamentares que
temiam que esse processo fosse irreversível. O esforço para uma nova
lei que terminasse definitivamente com a entrada ilegal de africanos
para a escravização fez parte desse temor, além do pensamento de que
quanto mais africanos, maior o risco de revoltas e insurreições
escravas.
Mercado de pessoas escravizadas no Rio de Janeiro.

A todo momento se esperava uma grande revolta conforme ocorrera no


Haiti, porém, isso não ocorreu, mas os africanos e seus descendentes
resistiram à escravidão o tempo todo e de diferentes maneiras.

Sistema Econômico

A economia dependente da
escravidão?
Um complexo debate vem da forma e viabilidade do comércio de
homens. Valendo-se dos pensamentos dos séculos XVIII e XIX, afirma-
se ao menos uma superioridade material e intelectual para defender o
sucesso da empreitada escravista.

Outro grupo defende que o quadro de “barbárie” na África e o histórico


do escravismo muçulmano explica tudo, uma vez que os europeus só se
inseriram no comércio e nem precisaram capturar homens.

Essas explicações preconceituosas usam meias verdades


para legitimar suas maneiras de diminuir o peso da
Diáspora Africana.

O continente sente bastante o escravismo, mas não é isso que explica


muito de sua história, que seguiu e foi cuidadosamente explorada ao
longo do século XIX e palco da Guerra Fria no século XX.

O escravismo, entre os séculos XVI e XVIII, fez parte de um processo de


consolidação lenta e contínuo de um mundo comercial.

Pintura retratando o mercantilismo na Cidade de Goa, na Índia.

O mercantilismo transformava o mundo em mercadorias e tornava-se o


mecanismo de fortalecimento financeiro dos governos europeus.
Enriquecendo pela exploração e se estabelecendo em entrepostos
comerciais, inseria-se nas relações locais, aliava-se, disputava, buscava
produtos que podiam ser interessantes para sua inserção.
A consolidação de sistemas econômicos e a expansão e territórios –
muito menores do que o nosso imaginário – inicia um lento e contínuo
processo que se tornará, ao longo dos séculos seguintes, um grande
negócio. Pessoas, empresas e governos buscando esses sistemas
comerciais criaram verdadeiros sistemas de vendas de direitos, de
traficar, de negociar.

Porto francês no momento fundamental do mercantilismo.

Junto, veio uma lógica de status vinculado ao escravismo e a


diminuição do outro. Esse foi um fenômeno que nos ajuda a entender o
eurocentrismo e como o mecanismo marcou nossa Era Contemporânea
sem, no entanto, representar uma força indelével e superior para
sempre.

Vamos pensar um pouco mais sobre isso!

Eurocentrismo
Reflete a ideia de que a Europa é o centro cultural e a referência a todas as
outras sociedades do mundo.

video_library
A escravidão foi um modelo
econômico?
Professor Rodrigo Rainha e Renan Bayer fazem um videocast discutindo
o olhar para os estudos de escravidão como um modelo econômico.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

As práticas relativas ao escravismo no Brasil foram importantes


para a economia nacional. Esses grupos foram inseridos em que
setor da economia?

Principalmente nos serviços e nas práticas


A
domésticas.

B Especificamente na lavoura de algodão e pecuária.

C Nas práticas de guerra e polícia.

D Nos comércios da cidade como escravos de ganho.

E Setores diversos, em que se destaca a agricultura.

Parabéns! A alternativa E está correta.

A dinâmica econômica brasileira era complexa, variando de cidade


para cidade, mas passando a fazer do escravo parte do status quo
nacional, não somente como parte de um tipo de prática, como se
identifica na agricultura nacional.

Questão 2

A prática econômica do escravismo é um dos grandes problemas


históricos no que tange a seu papel. Se por um lado, é visto como
imoral, rompedor de práticas sociais e cultura, por outro, existem
grupos que defendem sua validade. Sobre o papel econômico da
escravidão podemos afirmar que
A sustentava o sistema colonial.

B era exclusivo do governo português.

C era mais um modelo social de status.

D era parte de uma dinâmica.

E só cresce efetivamente durante o período do café.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A economia colonial e depois imperial estava vinculada ao ideal de


status, dessa forma, a mercantilização dependia de mão de obra de
larga escala, ao mesmo tempo a própria mão de obra era lidada
como mercadoria, alimentando o sistema econômico como um
todo.

2 - Os africanos e a resistência à escravização


Ao final deste módulo, você será capaz de identificar as diferentes formas de resistência à
escravidão empreendida pelos africanos no Brasil.
Africanos? Resistência!

Quilombos
O processo de escravização dos africanos ocorreu simultaneamente à
resistência que homens e mulheres empreenderam contra essa
dominação.

De diferentes maneiras, foi possível resistir à escravidão e


reivindicar a liberdade.

Neste módulo, trataremos dessa experiência da resistência, a partir de


maneiras clássicas e já muito exploradas pela historiografia, como
fugas, aquilombamento e negociação. O cotidiano da escravidão foi de
resistência e faltam registros de todas elas.

Parte sul da Capitania de Pernambuco, com representação do quilombo de Palmares.

O quilombo de Palmares foi o maior de todos, pelo tempo de existência


e pela quantidade de pessoas abrigadas. Sua organização ocorreu na
região de Pernambuco e alguns escravizados aproveitaram a presença
dos holandeses em Pernambuco para a fuga e organização em região
afastada.

As autoridades pernambucanas e portuguesas fizeram


inúmeras expedições, a fim de atacar a ocupação.
Porém, mesmo com algumas vitórias, os membros de
Palmares se reerguiam e resistiam, durando até
meados do século XVIII.

As histórias sobre Palmares foram escritas por aqueles destinados a


acabar com o quilombo e, por isso, descreveram as batalhas e os
enfrentamentos contra o “inimigo” da Coroa portuguesa, principal
desafio a ser enfrentando após a expulsão dos holandeses da região.
Entre os escritos que relatam Palmares, há o texto do Padre Antônio da
Silva, uma testemunha dessas batalhas e que registrou o final de
Palmares. Vale a pena ler o início do seu texto, a fim de identificarmos a
grandiosidade desse quilombo:
Restituídas as capitanias de
Pernambuco ao domínio de Sua
Alteza, livres já dos inimigos que de
fora as vieram conquistar, sendo
poderosas as nossas armas para
sacudir o jugo que tantos anos nos
oprimiu, nunca foram eficazes para
destruir o contrário que das portas
adentro nos infestou, não sendo
menores os danos deste do que
tinham sido as hostilidades
daqueles. Não foi o descuido a
causa de se não conseguir este
negócio, porque todos os
governadores que nesta praça
assistiram com cuidado se
empregaram nesta empresa, a
impossibilidade das conduções
fizeram invencível a quem o valor
não fez poderoso. Os melhores
cabos desta praça, os mais
experimentados soldados desta
guerra se ocuparam nestas levas. E
não sendo pouco o trabalho que
padeceram, foi muito pouco o fruto
que alcançaram.

(LARA, 2021, p. 15-16)

No texto, o padre ressalta o desafio enfrentado por muitos governantes


e como eram resistentes o inimigo, no caso, os aquilombados que, não
necessariamente eram todos africanos. Algumas gerações se formaram
em Palmares e não conheceram a escravidão.

Ainda sobre o texto do padre, destacamos que o autor faz questão de


informar que após “os inimigos de fora”, fazendo menção aos
holandeses, compara os de Palmares com os holandeses e como não
foram suficientes todos os tipos de profissionais, armas e estratégias
para derrotar esse outro inimigo “das portas adentro”, que parecia mais
forte e poderoso que as armas usadas por seus opositores.

O relato do Padre continua dando uma noção da geografia do lugar e da


natureza até chegar a descrever como se reuniram em Palmares.
Confira!

A este inculta e natural couto se


recolheram alguns negros, a quem
ou os seus delitos ou a
intratabilidade de seus senhores fez
parecer menor castigo do que o que
receavam, podendo neles tanto a
imaginação que se davam por
seguros, onde podiam estar mais
arriscados. Facilitou-lhes a comédia
a estância e com presas que
começaram a fazer e com
persuasões da liberdade que
começaram a espalhar, se foram
multiplicando. Há opinião que do
tempo que houve negros cativos
nestas capitanias começaram a ter
habitadores os Palmares. No tempo
que Holanda ocupou estas praças
engrossou aquele número, porque a
mesma perturbação dos senhores
era a soltura dos escravos. O tempo
os fez crescer na quantidade e a
vizinhança dos moradores os fez
destros nas armas. Usam hoje de
todas, umas que fazem, outras que
roubam e muitas que compram são
as de fogo. Os nossos assaltos os
têm feito prevenidos e o seu
exercício os tem feito
experimentados [...] São
grandemente trabalhadores,
plantam todos os legumes da terra,
de cujos frutos formam
providamente celeiros para os
tempos da guerra e do inverno. O
seu principal sustento é o milho
grosso, dele fazem várias iguarias.
As caças os ajudam muito, porque
são aqueles matos abundantes
delas.

(LARA, 2021, p. 18-19)

O relato confirma a antiguidade do quilombo, desde quando existiram


escravos havia um quilombo. O autor mostra o aprendizado dos
aquilombados adquirido com os anos, principalmente no manejo das
armas, no apoio das vizinhanças e na agricultura.

A região de Palmares era forte e rica em alimentos e talvez por isso


tenha durado tanto tempo. O longo relato do padre caracteriza o
cotidiano dos moradores de Palmares, entre eles o que ele identifica
como Rei, Ganga Zumba. Haveria também uma cidade principal, capela
com batismos e demais cidades.

O relato informa as inúmeras tentativas de acabar com Palmares e


quem estava à frente da expedição. Em uma dessas batalhas, o autor
informa que um “negro de singular valor” de nome Zambi havia sido
ferido e aleijado de uma perna (LARA, 2021, p. 27).

Zumbi dos Palmares.

As batalhas se seguiram com feridos em ambos os lados, mas com


resistência singular dos habitantes de Palmares. A batalha vencida
pelos portugueses é relatada pelo Padre como um alívio. Veja!

Esta é a relação da ruína em


que vieram cair os Palmares
tão temidos nestas
capitanias e tão poderosos
na sua opinião. Chegou-lhe o
tempo da sua declinação
para ter Sua Alteza a glória do
seu vencimento, que como se
julgava impossível pelas
dificuldades, deve recrescer
na estimação pela fortuna. Já
se correm livres aquelas
montanhas que até agora
eram impenetráveis a toda a
diligência. [...] agora é que se
concluiu a restauração total
destas capitanias de
Pernambuco, porque agora se
acham dominantes do
mesmo inimigo que das
portas adentro as inquietava
há tantos anos.
(LARA, 2021, p. 47-48)

O padre admite o temor existente em relação a Palmares e o desafio


enfrentado por algumas tropas para adentrar e tomar a região. A
presença dos holandeses e dos homens de Palmares parecem
equivalentes, e com a vitória dos portugueses a capitania de
Pernambuco estaria totalmente restaurada. Nesse relato, o inimigo “das
portas adentro”, os escravizados e “negros rebelados”, parecem ter
desaparecido da história de Pernambuco.

Busto de Zumbi dos Palmares em Brasília.

Na historiografia, Palmares parece ser o único polo de resistência à


escravidão em Pernambuco, não havendo grande atenção às outras
manifestações de africanos e seus descendentes contra a escravidão.
Porém, não ter existido nada semelhante a Palmares não indica que
outras revoltas não existiram.
De acordo com Rafael Marquese, a atividade quilombola se ampliou no
século XVIII diante do aumento do tráfico negreiro transatlântico. Além
dela, outra modalidade de resistência surgiu e amedrontou autoridades:
as revoltas africanas, principalmente as coletivas, entre elas, as
ocorridas na Bahia já no Brasil Império.

Resistir além de Palmares

Formas de luta
De acordo com João José Reis, nem todas as revoltas eram destinadas
a destruir o regime escravocrata. Algumas eram para reduzir excessos
da tirania de senhores ou reivindicar benefícios específicos (REIS, 2018).

O autor estudou uma peculiar revolta de africanos, a greve negra


ocorrida em 1857, em Salvador (REIS, 2019). Durante essa paralisação, a
maioria dos carregadores de mercadorias da cidade eram africanos
escravizados e paralisaram suas atividades por dias, a fim de reclamar
do valor cobrado para a licença necessária para exercer a atividade.

O alto valor dessa taxa prejudicava esses escravizados e foi um dos


motivos para essa paralisação de grande porte ocorrida em uma região
portuária.

Antes disso, em 1835, também em Salvador, aconteceu uma grande


revolta de escravos africanos conhecida como a Revolta dos Malês. O
levante envolveu cerca de 600 escravos e libertos e foram liderados por
mestres muçulmanos. Na grande batalha nas ruas de Salvador, cerca de
70 rebelados morreram e poucas baixas do lado repressor foram
sentidas.

Revolta dos Malês.

As fugas também foram modalidades importantes de resistência à


escravidão e muitas informações sobre quem fugia e suas
características podem ser vistas nos anúncios de jornais, que indicavam
o nome do escravo, suas vestimentas e características físicas.
Esses anúncios alimentava um ofício peculiar, o de
capturar escravos fugidos por uma recompensa.

Por meio desses anúncios, foi possível perceber que os africanos


(homens e mulheres) eram os que mais fugiam no Rio de Janeiro, nas
primeiras décadas do século XIX, e entender a origem desses africanos:
minas, monjolos, benguelas, entre outros.

A resistência à escravidão foi vivida por todos escravizados,


principalmente africanos que haviam sofrido a violência ainda na
travessia. É impossível conhecermos todo o cotidiano da escravidão,
uma vez que faltam registros detalhados. Ainda assim, podemos afirmar
que o medo e a violência faziam parte dele, medo de revoltas e fugas e
violência para reprimir qualquer tentativa de ação por parte dos
escravizados. Enquanto isso, autoridades brasileiras criavam medidas
legislativas para evitar o aumento de africanos no Brasil. Entre essas
medidas estão as leis de fim do tráfico, que criaram outras categorias de
africanos.

Anúncio de jornal de captura de 1854.

Anúncio de jornal de captura de 1854.

Por que eu nunca ouvi falar disso?

Resistir é recuperar
A discussão sobre os olhares que as escolas construíram para a
escravidão é muito importante. Na ordem do discurso, devemos debater
sobre pessoas de culturas diferentes que por fatores econômicos foram
escravizados. Lutaram contra sua condição e conseguiram por meio
dessas lutas sua liberdade.

Mas esse não é o discurso que dominamos da escola. Ali ele aparece da
seguinte forma:
Os europeus escravizaram
os africanos, que eram
atrasados e ainda viviam
em condição tribal, por isso
foram vencidos.

Como escravos, foram


vendidos em mercados,
foram para as fazendas,
onde se tornaram os pés e
as mão do Brasil.

Converteram-se e contaram
com a assistência e a
proximidade dos donos de
fazenda.

Sempre existiram grupos


que defenderam o fim da
escravidão e graças à
Princesa Isabel, em 1888,
essa triste história acabou.

As coisas começaram a mudar muito com a ascensão de debates


acadêmicos que passaram a buscar e discutir mais sobre os
movimentos de resistência. O problema é que muitas documentações
foram perdidas ou estão em arquivos voltados à perseguição e ao
controle.

Exemplo
Querelas sobre a compra de direitos de liberdade, alforrias não
cumpridas e levadas à Justiça. Fugas são amplamente noticiadas nos
jornais, com prêmios e grupos especializados em capturas. Grupos de
quilombos menores, urbanos, formação de comunidades, mudanças de
estados são documentadas de forma frágil, mas demonstram a
existência. As ordem religiosas de homens pretos que escondia e
financiavam fugas, também não o fazem de maneira clara, mas é
presente ao longo de toda a história.

Por fim, uma relação como ganho, ainda que não seja uma resistência
direta, mas um processo de resistir dentro das brechas do sistema. Note
que não é só pela venda, mas também pelas trocas. Muitas religiões
afro-brasileiras são frutos das memórias reconstruídas nas ruas dos
grandes centros. Tradições de povos diversos dialogavam, as
potencialidades e os acordos entre os escravizados começavam a criar
e organizar uma nova identidade, coletiva, construída e que é matriz do
próprio movimento.

video_library
Resistências dos descendentes de
africanos no Brasil
Por favor, se habitue, não falamos de escravos, mas de grupos que
passaram pelo processo de escravidão, lutaram, se organizaram e
mesmo negados pela suas características físicas constituíram uma
cultura singular e importante. Professor Renan Bayer e Rodrigo Rainha
te apresentam um pouco mais da resistência dos descendentes de
africanos no Brasil.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Dentro da perspectiva de resistência, o quilombo pode ser


entendido como

A uma ruptura social.

B uma ruptura política.

C uma ruptura economia.

D uma ruptura do status quo.

E uma ruptura do tecido do trabalho.

Parabéns! A alternativa D está correta.

A escravidão impacta o social, o político e a economia, fazendo


com que essa relação de trabalho defina o molde social, o
quilombo, no entanto, mais do que uma ruptura de cada uma
dessas práticas – que de fato permanecem intactas –, mas do
status quo, pois representava uma subversão do universo social.

Questão 2

A história tradicional apresenta formas de resistência urbanas


como algo pouco visto. Um estudo apurado pode, muitas vezes,
surpreender. Por exemplo, uma forma de resistência urbana que
protegeu fugidos e comprou alforrias foi?

A Os governadores para mudar a economia.


B Os fazendeiros de café em fábricas urbanas.

C As irmandades religiosas de homens negros.

D Os terreiros das cidades e casas cômodos.

E As milicias de capoeiras.

Parabéns! A alternativa C está correta.

As irmandades atuavam na associação de escravos e libertos,


criando um espaço de proteção, mas também de subversão.

3 - Os africanos livres no Império


Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer como homens e mulheres africanos
tiveram uma vida em liberdade durante a escravidão no Brasil.

Africanos Livres
Vozes
A escravidão e a forma como eram trazidos homens e mulheres do
continente africano criou uma categoria singular: “africanos livres”,
aqueles que foram resgatados da escravização ilegal após o fim do
tráfico em 1831.

No período entre as duas leis contra o tráfico (1831 e 1850) houve um


aprofundamento da entrada de africanos via tráfico e com pouco
combate das autoridades do Império.

Africanos escravizados trabalhando.

Antes disso, no período da independência, 1/3 da população do Império


era de escravos e esse número poderia variar de acordo com a região,
podendo chegar a 2/3 da população, em áreas como Vassouras, que
contava com 2/3 de escravos e com uma grande quantidade de
africanos livres e libertos.

A fim de reduzir a entrada de africanos para a escravização, algumas


medidas foram tomadas, ainda com o Brasil sob domínio de Portugal.

calendar_today 1810

Foi assinado um tratado entre Portugal e Inglaterra


que “limitava o comércio português de escravos às
suas próprias colônias e territórios”.

calendar_today 1815

O tratado “reiterava a proibição desse comércio fora


das possessões coloniais portuguesas e vetava
expressamente aquele conduzido ao norte do
equador”.

calendar_today 1826

N t t ó i d dê i B il I l t
No contexto pós independência, Brasil e Inglaterra
assinaram um tratado que proibiria todo o comércio
de escravos para o Brasil, a partir da vigência em
março de 1830. A lei de 7 de novembro de 1831
confirmava essa proibição e declarava livres todos
os que entrassem no país a partir dessa data.

calendar_today 1850

Uma nova lei reforçava a proibição, diferenciando-


se da lei anterior a partir das penas impostas aos
que burlassem a lei.

A lei de 1831 no seu primeiro artigo determinava: “todos os escravos


que entrarem no território ou nos portos do Brasil, vindos de fora, ficam
livres”, criando a categoria de “africanos livres”. De acordo com Jaime
Rodrigues, a lei também previra a reexportação para a África daqueles
trazidos para o Brasil após 1831, mas enquanto o trâmite para essa
ação era feito, o governo deveria encontrar meios para a sobrevivência
desses homens e mulheres, os obrigando à prestação de serviços
(RODRIGUES, 1997).

Africanos trabalhando no Rio de Janeiro.

De acordo com Beatriz Mamigonian, especialista nesse campo de


estudo, eram africanos livres os que fossem emancipados em
obediência à repressão ao tráfico. Os considerados assim ficariam sob a
responsabilidade do Estado imperial e deveriam “cumprir catorze anos
de trabalho compulsório para alcançar a ‘plena liberdade’”. De acordo
com a autora, estiveram sob esse regime, entre 1821 e 1864, cerca de
11 mil pessoas. No entanto, estudos já mostraram que entraram no
Brasil, entre 1830 e 1856, cerca de 800 mil africanos para a escravização
ilegal (MAMIGONIAN, 2017).

Diante do não cumprimento do dispositivo que previa a reexportação


dos africanos apreendidos no Brasil, em 1834 houve uma determinação
do Ministério da Justiça, atendendo a um pedido do presidente de
província da Bahia, para que esses “ilegais” fossem empregados nas
obras públicas, estando proibida a arrematação dos africanos livres a
particulares.
Porém, no mesmo ano, foi concedida a permissão de arremate daqueles
que estavam na Casa de correção da Corte, sendo necessário o
pagamento, em juízo, de um salário ao curador dos africanos, cujo valor
serviria para a reexportação dos africanos.

Após a lei de 1850, que novamente proibiu o tráfico, aqueles que fossem
apreendidos estariam por conta do governo, sob sua tutela e atuando
em serviços do Estado sem poder estar sob a tutela de particulares. As
fraudes com o “uso” dessa mão de obra eram constantes, o que impedia
que os direitos desses africanos fossem respeitados, principalmente o
de reexportação.

Em 1853, voltou a permissão para a tutela de particulares, mas após


prestarem serviços por 14 anos, os africanos deveriam ser
emancipados, devendo permanecer no local determinado pelo governo e
com ocupação reconhecida (RODRIGUES, 1997).

Ou seja, colocariam esses homens e essas mulheres sob a condição de


trabalhadores com salários, mas com o estigma da escravidão diante da
não possibilidade de uma vida autônoma e livre, de acordo com seus
próprios parâmetros.

Africanos trabalhando na produção de cana-de-açúcar.

Funcionários públicos?

Formas de relação de liberdade


Os africanos livres tutelados pelo Estado foram usados como mão de
obra em muitas regiões, como em Manaus, onde atuaram em olarias e
serviram como pedreiros e carpinteiros, entre outras funções
necessárias para uma cidade em construção e desenvolvimento. Os
africanos livres que atuavam em obras públicas tinham a companhia de
outros tipos de trabalhadores, como indígenas e homens livres
nacionais.

O historiador Jaime Rodrigues pesquisou o uso de africanos livres na


fábrica de ferro Ipanema, em Sorocaba. Essa fábrica foi criada em 1811
e desde 1834 recebera africanos livres para o trabalho. As listas de
trabalhadores indicam homens e mulheres sob a condição de “africanos
livres” atuando em diversas atividades na fábrica.
Acompanhe a seguir:

A convivência entre africanos livres e as formas de trabalho


estabelecidas na fábrica fez com que houvesse constantes
problemas disciplinares. O depoimento do dirigente da fábrica
indica a ideia que faziam deles: “[...] eles são relaxados,
mostram sempre uma cara feia, e parece que são seduzidos
por algum mal-intencionado, pois há entre eles alguns de cinco
a oito fugidas, e não servem correções” (RODRIGUES, 1997).

Apesar dessas reclamações, havia uma forte demanda por


esse tipo de trabalhador para a fábrica.

No entanto, esse grupo de africanos passou a reivindicar sua


liberdade por acreditar que o trabalho que exerciam era
irregular. Para isso, mandaram um documento por escrito para
o juiz de órfãos local, tratando da sua condição.

De acordo com Rodrigues: “os africanos afirmavam terem sido


contratados para trabalhar dez anos e já trabalhavam 16.
‘continuavam a servir como escravos, quando são livres, e que
não estavam dispostos a se conservarem assim’, disse o juiz,
reproduzindo a conversa que manteve com os africanos
(RODRIGUES, 1997).

Esse caso demonstra a noção que muitos desses homens tinham sobre
a condição em que viviam no Brasil, semelhante a de escravos, mesmo
não estando legalmente sob o regime da escravidão. A reivindicação da
liberdade não era feita apenas por meio de fugas e revoltas, mas
também utilizando meios legais, como a solicitação feita ao juiz da
região. Assim, é visível por esse estudo que a realidade da escravização
africana no Brasil, até na sua ilegalidade, produziu inúmeras formas de
resistência e conceitos sobre trabalho e liberdade.

Exemplo

Entre essas funções, que apareciam como marginais, mas altamente


reconhecidas, temos as benzedeiras e produtoras de unguento, óleos e
garrafadas.
Muito se discute a influência e a troca das populações africanas com as
indígenas, que se manifesta também na religião – como a umbanda –,
para marcar o intercâmbio de conhecimentos sobre os produtos
naturais, os serviços de cura e afins.

Para que tenhamos ideia sobre esse papel, eles garantiam influências e
trocas. Recompensas e, muitas vezes, registros literários e jornais
reforçam que os médicos eram vistos com mais ressalvas do que os
donos desses conhecimentos.

Escravizados em prática de capoeira.

Outro papel utilizado pelos setores públicos era a força. Temos que
pensar em capoeiras, em serviços de proteção, carregadores e
armadores do porto, libertos que atuavam no saneamento e na limpeza
da cidade, além de funcionários que faziam papéis de cobranças e
papéis públicos.

Muito além de o longínquo imaginário de pés e mãos do engenho, as


cidades se relacionavam com esses grupos que iam ganhando espaço,
recuperando elementos de sua cultura e pressionando para que direitos
fossem reconhecidos.

No século XIX? Sim!

Ainda que alijados dos poderes políticos, iam ganhando


espaço na economia e na mecânica social.

No entanto, o cientificismo do século XIX vai prestar um perigoso e


complexo desserviço social, ao defender teorias de branqueamento,
apontar para a ideia de que o Brasil não pode ter duas raças, devendo
fazer suas escolhas, uma escolha que fica clara na política de imigração
empreendida entre o século XIX e o XX.

Ofícios

Barbeiros e quitandeiras
Outro caso interessante de mencionar é a respeito dos africanos que
viveram no Brasil, detentores de um ofício. Entre eles estão os barbeiros
sangradores.

A prática da sangria era regulamentada em Portugal, usada como uma


técnica de tratamento em diversos ambientes, não apenas em áreas de
hospital, e seu aprendizado era passado de forma oral e empírica pelos
mestres barbeiros (JEHA, 2017). Essa atividade era exercida no período
colonial e no Império majoritariamente por homens negros (africanos,
escravos ou livres) e foi bastante retratada por Debret.

Mulheres em barbearia.

Quintandeira vendendo caju.

Um ofício ocupado por muitas mulheres africanas era o de quitandar. As


vendas nas ruas eram feitas por mulheres, algumas forras ou
escravizadas africanas, e constituía em uma atividade lucrativa, sendo
regularizada pela Câmara, com o crescimento das cidades. Inúmeras
pesquisas já foram feitas sobre essas mulheres, buscando
características comuns e que identifiquem na arte da quitanda, ou seja,
a prática do comércio, uma ancestralidade africana.

De acordo com esses estudos, a prática da quitanda é uma invenção


social dos povos bantos da África Central, sofrendo adaptações no
Brasil, sendo, na África, um ofício exclusivamente feminino. Confira!

O termo quitanda é de origem


quimbundo, mas aparece em
todos os povos de língua
bantu de Angola. Em Luanda
colônia, as quitandeiras
vendiam seus produtos e se
distribuíam pela cidade de
forma muito semelhante ao
que ocorria no Rio de Janeiro
no mesmo período. Assim, as
quitandeiras ocuparam com
muita proximidade as duas
margens do Atlântico Sul,
ajudando a conformar
sociedades articuladas nos
dois lados do oceano, como
bem apontou Alencastro [Luiz
Felipe Alencastro]
(SOARES; GOMES, 2002)

No Brasil, essas mulheres africanas ocuparam as ruas, praças, os largos


e foram retratadas por Debret e descritas por viajantes e cronistas de
jornais. Para exercerem o ofício era necessário tirar uma licença anual a
fim de manter seu local de trabalho, pagando impostos e oferecendo
mercadorias em todas as partes da cidade. As atividades exercidas por
essas mulheres eram ouvidas por aqueles que passavam pelas ruas e
que ouviam os anúncios dos produtos vendidos.

Uma dessas africanas quitandeiras teve sua história contada por


historiadores que reconstruíram sua biografia a partir do processo de
escravização no Rio de Janeiro. A história de Henriqueta é semelhante à
de muitas mulheres africanas que chegaram ao Rio de Janeiro.

Sua dona a colocou nas ruas para exercer a atividade de ganho,


ou seja, tarefas para terceiros em troca de uma quantia que
deveria ser paga a sua dona.

Com tal atividade, Henriqueta ainda conseguiu acumular um


dinheiro que a permitiu comprar sua alforria.

Após liberta, continuou nas ruas da Corte, mas carregando


cestos com produtos e andando pelas ruas da região central
exercendo a atividade de quitandar.
Ela e tantas outras mulheres, africanas ou não, dominavam as ruas da
cidade com o uso de códigos que permitiam a ocupação de
determinadas ruas por um grupo específico. Além disso, parte dessas
mulheres e muitos outros homens tinham nas irmandades religiosas um
ambiente de encontro e sociabilidade. A Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário é um exemplo desse tipo de organização religiosa e agregou
muitos africanos entre seus membros.

Uma parte do conhecimento que temos sobre a vida dessas mulheres


passa pelos processos com os quais se envolveram ou pelas
reclamações feitas por autoridades sobre a presença delas nas ruas.

Sobre Henriqueta um pouco da sua vida foi conhecido por causa de um


processo movido por ela:

Henriqueta processou o seu então marido, um africano liberto


com quem se casou logo quando foi liberta.

Por conta das violências sofridas, Henriqueta solicitou e


conseguiu um divórcio eclesiástico. Ela não foi a única a fazer
tal reivindicação e inúmeros processos envolvendo casais de
libertos e africanos existem em arquivos eclesiásticos, sem
cuidado da historiografia.

A vida de Henriqueta mudou após conseguir a separação e ela


pôde reunir uma quantia que a permitiu ter a licença de duas
barracas no mercado localizado no Largo do Rosário, bem
perto da Igreja da Irmandade.

A história de Henriqueta foi objeto de estudos que associam a


presença de mulheres africanas nos espaços urbanos,
permitindo contar duas histórias: a da escravidão e a das
cidades escravistas.

O site desenvolvido pela Universidade Rice (EUA) sobre o cotidiano de


Henriqueta nas ruas do Rio de Janeiro em 1850 é uma valiosa fonte de
informação sobre o tempo de uma cidade africana, a corte do Brasil.

Africanos livres, homens e mulheres, estavam em toda a parte das


grandes cidades e no campo, e, mesmo sendo “livres” viviam sob o jugo
de outra forma de escravização, aparentemente ilegal. No entanto,
assim como no tempo da escravidão, esses “livres” tiveram que recorrer
a juízes ou outras autoridades para terem reconhecida sua liberdade.
Durante a vigência da escravidão, a liberdade ainda era um conceito em
construção.

video_library
Debret e os africanos no Brasil
Conheça Jean Baptiste Debret e a forma como foram retratados os
africanos no Brasil.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Sobre os modelos de ordenamento e cultura dos africanos no


Brasil, é importante pensarmos as formas como homens e
mulheres descendentes ressignificaram a cultura e o valor. É uma
manifestação que permite uma reflexão sobre essa questão

a presença política de nomes como André


A
Rebouças.

o processo social de transformação das


B
benzedeiras em médicos.
C o uso de capoeiras como policiais militares nas
grandes cidades.

a presença das quituteiras e suas formas de ganho


D
nas cidades.

E a adoção de funcionários remunerados na fábrica.

Parabéns! A alternativa D está correta.

Os escravos de ganho deixam como herdeiros as formas de ganho


financeiro e estruturam suas famílias a partir de uma economia
entorno das feiras e dos quitutes. A imagem que foi construída, os
trajes, os balangandãs nos ajudam a compreender as relações
políticas.

Questão 2

As vozes sobre os libertos não são restritas ao império, mas ali


ganhamos mais força e notoriedade. Sobre a questão dos libertos
podemos afirmar que

não existiam libertos verdadeiros, só escravos de


A
ganho.

libertos eram alforriados presenteados pelos


B
senhores.

libertos só entravam em relações políticas


C
complexas.

os ex-escravos trabalhavam na Igreja,


D
principalmente, agente de sua alforria.

E
libertos participavam da relação complexa do
império, tendo formas diversas.

Parabéns! A alternativa E está correta.

A liberdade dos grupos de descendentes africanos foi pouco


estudada durante muito tempo. Saindo de um olhar distante, nota-
se que as formas de presença na sociedade eram culturalmente
muito mais complexas.

4 - O pós-abolição e a resistência da cultura africana


Ao final deste módulo, você será capaz de listar nos estudos do pós-abolição sobre a presença
de africanos e afrodescendentes no Brasil.

A cultura dos descendentes africanos

Um novo mundo
O fim da escravidão em 1888 representou o início de um novo tempo
para homens e mulheres africanos escravizados e seus descendentes.
Esse fim somente ocorreu por causa das inúmeras lutas empreendidas
por esses sujeitos e combinado com uma conjuntura desfavorável para
a escravidão.
E para onde foram esses novos homens e mulheres livres?

Essa é uma pergunta constante por parte daqueles que leram uma
história republicana que apagou a presença de homens e mulheres
negros da sua história. Nas últimas décadas, novos pesquisadores se
debruçaram sobre o período conhecido como pós-abolição, a fim de
problematizar essa e outras questões.

Crianças negras em um rancho em Teresópolis.

Os estudos do pós-abolição recontextualiza os conceitos de cidadania e


liberdade e os seus significados para diversos atores sociais em
diferentes tempos, como ex-escravizados que ainda durante a
escravidão tiveram contestada a sua liberdade e para africanos que
mesmo livres não tiveram acesso à cidadania.

Esses estudos também tratam dos projetos dos libertos e as inúmeras


possibilidades surgidas com a conquista da liberdade, antes ou depois
da abolição.

O pós-abolição foi vivido de forma diversa em diferentes partes do país:

house Primeiros anos republicanos

O final do Império e os primeiros anos republicanos


foram de reconstrução de vidas de ex-escravizados,
alguns africanos, e seus descendentes. As opções
para viver a vida de liberdade passava pela cidade e
pelo campo, alguns preservando ofícios
anteriormente exercidos.

celebration Cultura e religiosidade

A cultura e a religiosidade, exercida de forma


distinta pelos diferentes grupos de ex-escravizados
ou de negros livres, foi uma via de leitura de
historiadores e outros profissionais que focaram
apenas nesse aspecto a vida de homens e
mulheres recém saídos da escravidão.
gavel Fora do “padrão”

Porém, muitos africanos e seus descendentes


exerceram atividades na política e em outro tipo de
cultura que não estaria dentro do espectro pensado
para homens e mulheres negros.

As pesquisas recentes sobre o pós-abolição indicam uma autonomia


desses homens e mulheres, ex-escravizados, para a decisão da vida em
liberdade, tirando o peso negativo que esse deslocamento tinha numa
historiografia anterior.

Uma dessas novas pesquisas indicam a migração como um ato


consciente e como desejado por aqueles que teriam as oportunidades
que a vida livre daria, apesar dos vestígios da escravidão e do seu
passado violento. Tal prática não seria novidade em países como Cuba
e Estados Unidos, que ao terem eliminado a escravidão, também
testemunharam casos de grandes migrações dos ex-escravizados.

Migrações de africanos no Brasil

Em busca de uma vida melhor


As migrações foram realizadas para os seguintes locais:

location_city agriculture
Corte ou cidades Áreas rurais

Com um contingente
arrow_forward Buscando se distanciar
populacional vindo do do antigo local de
campo. escravização.
Porém, para a Corte, nos primeiros anos, o aumento demográfico no
pós-abolição indica a região como sendo alvo desses ex-escravizados
até os primeiros anos iniciais da República e se intensificando ao longo
da década de 1920.

Para a região do campo, principalmente o Vale do Paraíba cafeeiro,


houve a permanência de um grupo de ex-escravizados nas fazendas
como resultado de uma estratégia usada pelos senhores para fixar
esses trabalhadores na região, surgindo posteriormente as
comunidades remanescentes de quilombolas e que foram reconhecidas
pela Fundação Palmares.

Outro caso encontrado no pós-abolição por Ana Maria Rios foi daqueles
que ficaram mudando de fazenda em fazenda, com trabalhos
temporários e instáveis, gerando ainda mais pobreza, violência e sem
construir laços de parentescos extensos.

Curiosidade
Segundo a autora, os centros urbanos cresceram no pós-abolição,
principalmente pelas gerações (filhos e netos) de ex-escravizados que
não conseguiram se manter no campo.

As causas para essa migração, segundo novos estudos, devem estar


associadas à busca por uma educação que pudesse alterar a
perspectiva de futuro dessas famílias, que não deveriam mais ficar
presas ao campo. Pesquisas que trataram de cidades mais afastadas
da Corte e capital da República indicam que os migrantes contemplaram
cidades próximas à área rural a fim de, talvez, aproveitar seus ofícios
ligados ao campo.

Diante das dificuldades que alguns historiadores tiveram em identificar a


origem desses migrantes, é necessário recorrer a outras fontes que
possam indicar a origem de homens e mulheres afrodescendentes em
algumas regiões, principalmente as cidades. O censo do Distrito Federal
realizado em 1906 é um valioso instrumento para vermos apenas uma
cidade nas primeiras décadas do século XX. No entanto, por esse
exemplo conseguimos problematizar a presença dos afrodescendentes
na capital federal.

Nesse censo, o objetivo era contabilizar apenas os moradores da cidade


do Rio de Janeiro, não sendo um censo nacional, nem inserido em uma
dinâmica específica.

As perguntas feitas eram simples e abrangiam nome, idade,


nacionalidade, estado civil, grau de instrução (se sabia ler ou escrever) e
profissão. A cor não era uma questão importante e desde o censo de
1890 não era perguntada. Porém, mesmo sem essa pergunta específica,
conseguimos identificar homens e mulheres africanos e africanas na
cidade.

Comentário
“Africano” era uma nacionalidade que não considerava a diversidade do
território do continente africano, não sendo contabilizado como
“europeu” os italianos, portugueses e espanhóis, por exemplo.

Os africanos contabilizados no censo de 1906 no Rio de Janeiro,


totalizara 274 homens e 428 mulheres, 702 no total, localizados em
diferentes distritos da cidade. Entre esses africanos existiam os
“centenários”, homens e mulheres com mais de 100 anos. Muitos
desses centenários estavam localizados no Distrito da Gamboa, local
chamado atualmente de “pequena África”.

Exemplo
Uma dessas centenárias é Maria das Dores, africana, com 105 anos e
que chegou ao Brasil com 5 anos de idade. No censo não há detalhes
sobre sua chegada, nem a indicação de que veio para ser escravizada.

Em 1906, a escravidão é apagada pelos recenseadores, desejo também


das autoridades do Brasil República.

Lugares de memória

Raízes ancestrais
O pós-abolição no Brasil também é marcado pelas novas pesquisas que
identificaram os lugares de memória da escravidão africana, projeto
apoiado pela Unesco e que envolveu pesquisadores de diversas áreas
do Brasil. Essa identificação quebrou o silêncio existente sobre a
história do tráfico, principalmente no período da sua ilegalidade. O
grande volume de escravizados ilegais que entraram no Brasil e que
produziram as fortunas do Vale do Café foi exposto em pesquisas
recentes e alguns desses locais podem ser identificados por
pesquisadores que não pretendiam silenciar a violência da escravidão.
Observe uma importante justificativa para esse projeto.
A estratégia de dar
visibilidade a estes temas
através da visitação dos
locais de memória não só
consolidava novas formas de
rememoração, para públicos
que desconheciam ou se
recusavam a falar desse
passado, mas também abria
caminhos de sustentabilidade
para os grupos que sofriam o
peso do estigma de serem
descendentes dos antigos
escravizados.
(MATTOS; ABREU; GURAN, 2014)

Esse movimento faz parte do processo de reconhecimento de


comunidades quilombolas do Sudeste e que envolveu historiadores e
antropólogos.

Logo, a memória dos africanos escravizados não


poderia ser apagada junto com a história que muitos
pretendiam apagar após a abolição da escravidão.

Para esses pesquisadores, a publicização da história da escravidão e do


tráfico era uma forma de reparação moral e possibilidade de construção
de uma sustentabilidade econômica para comunidades negras
presentes nesses locais e herdeiras de um patrimônio (MATTOS; ABREU;
GURAN, 2014).

Ex-escravizada da Reserva Extrativista do quilombo de Frechal.


O pós-abolição é um campo de estudo profícuo para a história da
escravização de diferentes grupos africanos no Brasil iniciada por volta
de 1530. Não é mais possível pensar nesses sujeitos apenas como
escravizados e com a sua história encerrando em 1888, com o fim da
escravidão.

Antes e depois da abolição, muitos homens e mulheres


lutaram pela liberdade com inúmeras estratégias. São
essas lutas que os estudos do pós-abolição mostram,
tirando do silenciamento vozes importantes para a
compreensão total da história do Brasil.

Um debate recente e complexo dessas relações se manifesta nas


religiões afro-brasileiras.

Note-se que herdeiros das práticas urbanas foram tratados de maneira a


tornar presente a organização e ressignificação de processos religiosos.
Tambor de Mina, Umbanda, Candomblé são manifestações, entre muitas
outras, que reorganizam e explicam as relações de poder das
comunidades.

Ao mesmo tempo, eram manifestações toleradas pelo status quo


cristão, desde que mantidas em segundo plano. Mais recentemente,
vivemos ataques relativos a esses grupos e o reposicionamento de seus
seguidores por aspectos políticos, modificando suas relações
ancestrais.

Reflexão

Quando se discute os lugares de memória, fazendo uma relação direta


com essas ressignificações devemos pensar sobre o efeito do
pensamento colonial, que constrói uma história em que as tradições
vinculadas aos grupos africanos foram associadas às memórias da
escravidão, e de alguma forma como algo a ser vencido, segundo
nomes como Rui Barbosa, até apagado.

O branqueamento populacional, de alguma forma, também foi ícone de


um processo de esbranquiçar as manifestações vinculadas a essa
memória.

video_library
Memórias esbranquiçadas
Assista ao vídeo e pense um pouco sobre essa questão.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Com a abolição, podemos afirmar que a situação das populações


descendentes de africanos no Brasil caracteriza-se por

A indigência e abandono.

B organização de comunidades.

igualdade de direitos e possibilidades com os


C
cidadãos.

D indiferença, pois a abolição não mudou nada.

E cultura dominante que marca o Brasil.

Parabéns! A alternativa B está correta.


A estrutura política demonstra que a ideia de comunidades
dependentes é clássica, mas não se sustenta. Os materiais falam
que os grupos vão se reformulando, migrando e se reestruturando.

Questão 2

Uma das formas de agressão afrodescendente foi a negação e o


apagamento da memória. Esse processo foi reforçado por
dinâmicas diversas, entre elas podemos sinalizar

A política de perseguição.

B política de branqueamento.

C políticas afirmativas.

D políticas de controle religioso.

E políticas voltadas a uma história separada.

Parabéns! A alternativa B está correta.

As práticas relativas ao branqueamento em uma lógica que se


pretendia científica permaneceram vivas no novo século e acabam
por marcar muito das relações e identificações experimentadas.

Considerações finais
O texto oferece caminhos para entender as diferentes formas como
homens e mulheres africanos e africanas viveram a vida na escravidão e
na liberdade do Brasil do século XIX e primeiros anos do XX.

Os africanos que chegaram ao Brasil eram um grupo heterogêneo, mas


perderam essa distinção na experiência da escravidão, que tendia a
torná-los um só, sem vida e sem identidade. Porém, uma forma de
resistir era o de construir identidades e laços com outros grupos e
assim promover formas de viver a escravidão sempre em busca da
liberdade.

A historiografia dedicada aos estudos dos africanos escravizados, seus


descendentes e o pós-abolição inseriram esse grupo como sujeitos da
história, permitindo que a sociedade brasileira conheça com maior
profundidade não só o processo da escravização mas, principalmente,
as diferentes formas de buscar a vida em liberdade.

As pesquisas que enfocam a memória da escravidão cobram das


autoridades o reconhecimento dos direitos desses povos não só à terra
mas também a uma história que revele com maior cuidado e eficácia a
trajetória de vida de tantos homens e mulheres escravizados. O pós-
abolição é um novo campo de estudo e abordagem e por meio dele
devemos pensar nos africanos e afrodescendentes.

headset
Podcast
Para encerrar, ouça sobre os principais aspectos dos quilombos e a
cultura africana no Brasil.

Explore +
Confira as indicações que separamos especialmente para você!
Conheça O cotidiano de Henriqueta nas ruas do Rio de Janeiro nos
anos de 1850, um story map de Sandra Lauderdale Graham e Alida
Christine Metcalf, com tradução de Ludmila de Souza Maia.

Assista aos vídeos:

Labuta – Mundos do trabalho e independência #01 – com Beatriz


Mamigonian;

Historiografia brasileira sobre a escravidão/ ONHB Formações:


África e Cultura Afro-Brasileira,com Silvia Lara.

Assista ao filme Memórias do cativeiro.

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escravidão.

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