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A INDEPENDÊNCIA NA REVISTA DO
INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO
OITOCENTISTA
Rio de Janeiro
abr./jun. 2016
73
Resumo: Abstract:
Este estudo pretende investigar a forma atra- This study explores how the Instituto Histórico
vés da qual o Instituto Histórico e Geográfico e Geográfico Brasileiro (IHGB) dealt with
Brasileiro (IHGB) se posicionou historiografi- Brazil´s independence through an analysis of its
camente em relação à Independência do Brasil, journal along the nineteenth century. There was
a partir da análise de seu periódico ao longo do at first silencing surrounding the event in com-
século XIX. Nota-se que, de início, houve certo pliance with the rhetorical maxim of the “court
silenciamento sobre o evento, usando-se a má- of posterity” which left to the future to evaluate
xima retórica do “tribunal da posteridade”, que the year of 1822 and its impacts. In many cases,
lançava ao futuro a capacidade de julgar 1822 e the recurrence of this term emerged so as to ren-
suas repercussões. Em muitos casos, a recorrên- der it applicable to the institute’s archival logic
cia desse termo emergiu para dar aplicabilidade concerning the turbulent events at the beginning
à lógica arquivística da associação no tocante of the century such as those leading to our po-
aos conturbados acontecimentos do começo litical emancipation which were considered too
do século, considerados ainda muito próximos close in time. However, since the present is a
temporalmente, como foi o caso da nossa eman- temporary condition, an array of topics express-
cipação política. Mas como o presente é uma ly prohibeted by the committees of the IHGB in
categoria provisória, a partir da década de 1850 the early decades began being explored - partly
uma série de temáticas negadas peremptoria- by specialists – after 1850. And one of them was
mente pelas comissões do IHGB nas décadas the Independence – although this movement was
iniciais passou a figurar como matéria de estu- slow and cautious.
dos, até certo ponto especializados, na revista
da associação. Tal foi o caso da Independência
– ainda que esse movimento tenha sido lento e
cauteloso.
Palavras-chave: Instituto Histórico e Geográfi- Keywords: Instituto Histórico e Geográfico
co Brasileiro; Independência do Brasil; Tribunal Brasileiro; Independence of Brazil; Court of
da Posteridade. Posterity.
6 – De forma geral, essas são as três linhas de análise evidenciadas pela historiografia
atual sobre o emprego da fórmula magistra vitae pelos sócios do IHGB oitocentista. Val-
dei Lopes de Araujo. “Sobre a permanência da expressão magistra vitae no século XIX
brasileiro”. In: Fernando Nicolazzi et. al. (Orgs.). Aprender com a história?: o passado e
o futuro de uma questão. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 131-148.
7 – Januário da Cunha Barbosa. “Discurso”. RIHGB, tomo I, p. 11, 1839.
8 – Valdei Lopes de Araujo. A experiência do tempo. Conceitos e narrativas na formação
nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008, p. 152.
Outro ponto a ser observado diz respeito à escolha das pessoas res-
ponsáveis pela elaboração do projeto. Ela demonstra o posicionamento
do IHGB em relação aos grupos políticos que atuaram no período, tendo
15 – Maria da Glória de Oliveira. Op. cit., 2009, p. 162-163.
16 – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. “Ata da sessão de 16 de março de 1839”.
RIHGB, tomo I, p. 51, 1839.
17 – Idem. “Ata da sessão de 10 de abril de 1839”. RIHGB, tomo I, p. 112, 1839.
18 – A partir da concepção moderna de História, verifica-se uma distinção entre fazer his-
tória (âmbito do político) e de fazer a História (trabalho para o historiador). Cf. François
Hartog. Op. cit., 2013, p. 23.
19 – A utilização do conceito foi inaugurada por Roderick Barman em seu livro Brazil: the
forging of a nation (1798-1852). Stanford: University Press, 1988, p. 76-77.
20 – Notória foi, portanto, a atuação desses homens na maçonaria no período imediata-
mente anterior à emancipação do Brasil: Gonçalves Ledo e Januário Barbosa eram mem-
bros da loja Grande Oriente. Para a relação de Januário da Cunha Barbosa e os outros
dois sócios do IHGB com a Independência, ver o verbete sobre o cônego feito por Lucia
Guimarães em Ronaldo Vainfas (Org.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 394-395.
21 – Januário da Cunha Barbosa. “Relatório dos trabalhos do Instituto durante o terceiro
ano social”. RIHGB, tomo III, p. 530, 1841.
ta, frisando novamente o fato de que os membros eleitos para dela tratar
na comissão especial tiveram grande parte na “glória da Independência
do Brasil”. O trabalho, apesar de ainda não ter ido a público naquele
ano, estaria bem adiantado e serviria “(...) para esclarecimento de alguns
pontos da época principal da História do Império, que alguém pretende
desfigurar”. Pretendia-se, assim, que a elaboração de tal memória pudes-
se colaborar com um conhecimento verdadeiro sobre o acontecido. Não
obstante, devido a “circunstâncias imperiosas, mas não invencíveis”, a
memória estava sendo adiada para “tempo oportuno”22 – tempo este que,
ao que parece, nunca chegou realmente, pois o estudo não foi concluído.
A proximidade com o período narrado pode explicar a definição de um
prazo mais longo para que o assunto pudesse ser destrinchado sem gran-
des problemas.
do Instituto (...)”. Por fim, não poderia ser esquecido que havia um prazo
para que as memórias fossem abertas, “(...) quando constar a morte do
sócio a que pertencem”27.
Manoel Ferreira Lagos, lendo seu relatório sobre o que foi feito pelo
Instituto no ano de 1844, insistia nas palavras do secretário perpétuo a
respeito do arquivamento de estudos da história recente do país:
(...) muitos (trabalhos) têm sido lidos em nossas sessões, que o Insti-
tuto julga não dever ainda publicar, ou por versarem sobre fatos mui
recentes da nossa história, ou por menos exatos em seu contexto; e
todos eles se acham recolhidos em nosso arquivo para saírem à luz em
tempo oportuno37.
zer que essa mudança aconteceu a partir da década de 1850, ainda que
muito gradualmente.
Muitos, ou melhor, quase todos esses heróis, quase todos esses com-
batentes em arraiais contrários, já gozam o descanso do túmulo.
Para eles raiou a posteridade, que lhes fará justiça, (...) pois que a
lousa do sepulcro é o crisol da verdade, o escudo onde se embotam as
espadas dos nossos inimigos, por mais pequeninos e mesquinhos que
54 – Poucas são as diferenças entre as duas edições. Uma delas diz respeito ao fato de o
autor tentar diminuir – e praticamente anular, diga-se de passagem – a atuação de Lord
Cochrane no apoio do Maranhão à emancipação política brasileira. Na primeira versão,
de 1884, Cézar Marques dizia que o Lord “(...) em coisa alguma concorreu para essa glo-
riosa página da História do Maranhão”. Já na seguinte, de 1886, essa frase simplesmente
desaparecera. Cochrane ainda era visto por Marques como de pouca importância para os
acontecimentos, mas não mais era negada a ele a evidência de que participara dos acon-
tecimentos. Apesar de o autor não dar muita notoriedade ao Lord no que dizia respeito
ao Maranhão, o fez tendo em vista a emancipação política em outras províncias. RIHGB,
tomos XLVII e XLVII (Parte Segunda), p. 246-247, 1884; p. 301-310, 1886.
Para elaborar sua análise, ele indicou duas obras sobre os referidos
acontecimentos às quais iria se contrapor. A primeira era a narrativa escri-
ta pelo próprio Lord Cochrane publicada em 1859, na qual este indicava
ter sido a independência no Maranhão concluída mais por um golpe de
astúcia do que pela proeza militar: ao chegar à região, o almirante, com
apenas um navio, aportou e revelou às autoridades portuguesas que lá se
encontravam que o seu exército estava pronto, contando com um grande
número de embarcações de guerra para tomar o Maranhão, como tinha
sido feito com a Bahia. Assim, através desse blefe, não tinha sido neces-
sária a guerra para garantir o lugar da província no Império do Brasil57.
65 – Idem. Ibidem, p. 121-122. Outro crítico voraz de Pereira da Silva, fora do IHGB, foi
Prezalindo Lery dos Santos, que, em 1880, indicou que o autor não soube guardar, mesmo
escrevendo alguns anos depois daquilo que relatava, “(...) a imparcialidade e a frieza de
historiador diante de acontecimentos que se passaram em uma época de efervescência
política em que as paixões tudo cegavam”.
66 – Temístocles Cézar demonstra uma série de modificações feitas na segunda edição
da obra. Segundo ele, em grande parte das vezes, Varnhagen buscou não apenas corrigir
os erros da primeira edição, mas também retirar marcas de subjetividade mais visíveis no
texto. Ver: “Em nome do pai, mas não do patriarca: ensaio sobre os limites da imparciali-
dade na obra de Varnhagen”. História, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 218, 2005.
67 – Lucia Guimarães. Op. cit., p. 571, 1995. Varnhagen faleceu em 1878. Esse texto foi
produzido por ele na década de 1870, quando vivia em Viena. Cf. Manoel Guimarães.
Historiografia e nação no Brasil (1838-1857). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011, p. 195.
68 – Francisco Adolfo de Varnhagen. História Geral do Brazil. Tomo II (1ª ed.). Rio de
Janeiro: E. & H. Laemmert, 1857, p. 442. Na Introdução da História da Independência do
Brasil, o autor comentava uma vez mais as dificuldades em analisar época tão complexa
da nossa história e antecipava, de certo modo, a ideia de uma possível publicação pós-
tuma: “Nunca nos passou pela mente a ideia da audaz empresa de escrever uma História
especial da Independência, e muito menos ainda a de publicá-la em vida, depois de haver-
mos, por vários motivos, abandonado o projeto, que chegáramos a conceber, de esboçar
em grandes traços certa crônica que devia abranger sua época. (...) Não desconhecemos
que o simples título desta obra revela tão grande responsabilidade, não só para o Brasil
como para com Portugal, e que, escrita com o amor à verdade que nela nos guiou, acima
de todas as considerações humanas, como deve ser escrita toda história que aspira a passar
à posteridade, não será provavelmente agora tão bem recebida, como o seria uma espécie
de novo memorandum justificando só os direitos de uma das partes contendoras. O autor,
porém, propôs-se a escrever uma história e não a adular ou lisonjear os sentimentos ou
prevenções de uns, nem de outros, nem por considerações com os descendentes vivos, em-
bora poderosos, de uma a outra parte, tratou de calar censuras, quando as julgou cabidas
e justas”. Cf. Francisco Adolfo de Varnhagen. História da Independência do Brasil até o
reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos
ocorridos em algumas províncias até essa data. Brasília: Senado Federal, 2010, p. 11-12.
69 – Armelle Enders. Op. cit., p. 124, 2010.
70 – “Essa consciência da pluralidade de interpretações de um mesmo evento é um dos
grandes estímulos para sua historicização. Afinal, pela narrativa era possível alinhar um
número variado de representações sem necessariamente confrontá-las”. Cf. Valdei Lopes
de Araujo. Op. cit., 2008, p. 182.
71 – Armelle Enders. Op. cit., p. 125-128, 2010.
Referências bibliográficas
ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo. Conceitos e narrativas na
formação nacional brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008.
____. “Sobre a permanência da expressão magistra vitae no século XIX brasilei-
ro”. In: NICOLAZZI, Fernando et. al. (Org.). Aprender com a história?: o pas-
72 – Eliete Tiburski. Escrita da história e tempo presente no Brasil oitocentista. 2011.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2011, p. 118 e p. 136.
73 – Francisco Adolfo de Varnhagen. “Historia da Independencia do Brasil, ate ao re-
conhecimento pela antiga metrópole, comprehendendo, separadamente, a dos successos
occorridos em algumas províncias ate essa data”. RIHGB, tomo LXXIX (Parte I), p. 7 e p.
11, 1917 (1916).
74 – Armelle Enders. Op. cit., p. 128, 2010.
EdUFF, 1999.
TIBURSKI, Eliete. Escrita da história e tempo presente no Brasil oitocentista.
2011. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2011.
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Janeiro: Objetiva, 2002.
Fontes
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1839.
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO. Revista Tri-
mensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1839;
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____. “O Dia 28 de Julho”. RIHGB, tomo XLVII (Parte Segunda), p. 301-310,
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ao reconhecimento pela antiga metrópole, comprehendendo, separadamente, a
dos successos occorridos em algumas províncias ate essa data”. RIHGB. Rio de
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____. História da Independência do Brasil até o reconhecimento pela antiga me-
trópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas
províncias até essa data. Brasília: Senado Federal, 2010.
____. História Geral do Brazil. Tomo II (1ª ed.). Rio de Janeiro: E. & H. Laem-
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____. História Geral do Brazil. Tomo II (2ª ed.). Rio de Janeiro: E. & H. Laem-
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