Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
cenas de africanos recém chegados no Rio de Janeiro, em 1819-1920, como pode ser visto
na imagem abaixo
Referência “Recently Arrived Enslaved Africans, Rio de Janeiro, Brazil, 1819-1820", Slavery
Images: A Visual Record of the African Slave Trade and Slave Life in the Early African Diaspora,
accessed March 5, 2021, http://www.slaveryimages.org/s/slaveryimages/item/1881” Metadata is available
under Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International.
dos cativos, entre os quais havia crianças, especialmente na terceira década do século
XIX, como pode ser vista nessa imagem que o artista francês Jean Baptiste Debret fez de
um mercado no Valongo.
Toda essa região, que ficou conhecida como Pequena África, era o coração do Rio
de Janeiro escravista, onde seres humanos eram vendidos, como pode ser visto nas
litografias do Henry Chamberlain e do Jean-Baptiste Debret. O Projeto Passados
Presentes, liderado pelas historiadoras Hebe Mattos (UFF), Martha Abreu (UFF) e Keila
Grinberg (UNIRIO), que tem a participação de Monica Lima e Souza (UFRJ), organizou
um aplicativo através do site para organizar um roteiro de visitas guiadas na Pequena
África, além de outros roteiros em localidades vinculadas à história da presença africana
no Rio de Janeiro.
Entre tantas pessoas que circulavam pela Pequena África no século XIX estava
Dona Florinda Josefa Gaspar, comerciante, natural de Benguela, mulher livre, filha de
um soba (uma autoridade centro-africana), que parece ter viajado entre Benguela e o Rio
de Janeiro várias vezes. Ao contrário dos escravizados que chegavam em situação
vulnerável no Rio de Janeiro, Dona Florinda Josefa Gaspar parece ter vivido com um
certo conforto. Nascida em Benguela na década de 1790, ela batizou um filho em 1806
4
na Igreja Nossa Senhora do Pópulo, igreja que segue de pé naquela cidade. No registro
de batismo, o pequeno José Ferreira foi identificado como filho legítimo de Dona Florinda
e Francisco Ferreira Gomes, natural do Rio de Janeiro, degredado em Benguela desde o
início do século XIX e que seria integrante do batalhão dos Henriques, o batalhão de
homens negros e pardos do Império Português. O registro de filho legítimo revela que o
casal havia se casado pela Igreja Católica apesar do registro ainda não ter sido localizado.
O casal atuava como sócio comercial, mantendo negócios em regiões próximas a
Benguela, como o Dombe Grande e a Catumbela. Após a independência do Brasil, em
1822, Francisco Ferreira Gomes foi acusado de envolvimento em um movimento
separatista e expulso de Benguela. O segundo exílio do Ferreira Gomes, no entanto, não
significou o fim da união. Instalado no Rio de Janeiro, Ferreira Gomes manteve o
envolvimento no tráfico de seres humanos escravizados, com dois diferentes navios,
Florinda d'África e o brigue Maria.
Em 1836, Dona Florinda Josefa Gaspar desembarcou no Rio de Janeiro no brigue
Maria, acompanhada de quatro menores. Além da Dona Florinda e das quatro jovens, 444
africanos escravizados vinham a bordo do navio. Não está claro se Dona Florinda teve
contato com os cativos, se escutava lamúrios, choros ou conversas. Os documentos
históricos disponíveis não fazem menção à cor da Dona Florinda Josefa Gaspar, mas não
deve ter passado despercebido a chegada de uma negociante de Benguela, filha de uma
autoridade africana e esposa de um traficante de escravos. Uma mulher negra livre, uma
africana que cruzava o Atlântico no convés, não no porão.
Outros africanos livres também haviam circulado pelo Rio de Janeiro, como por
exemplo Francisco Franque, filho de uma família importante de Cabinda (região na parte
Norte de Angola atual), que morou quinze anos na cidade, entre 1784 e 1799, aprendendo
sobre negócios e montando sua rede de parcerias. Muito provavelmente ligada a essa
experiência, uma comitiva de comerciantes importantes e chefes locais de Cabinda vem
ao Brasil realizar uma visita de cortesia ao Príncipe Regente Dom João, em 1812, na
busca por estabelecer boas relações com o governo e manter - e fortalecer - suas alianças
comerciais.
Poucos sabemos sobre a vida de Dona Florinda durante as três décadas em que
viveu no Rio de Janeiro. Sabemos, no entanto, que era uma mulher de posses, que
inclusive investiu na compra de onze homens escravizados e três mulheres escravizadas,
entre elas Joana e Genoveva, duas lavadeiras, e Joaquina, quitandeira. Provavelmente
Dona Florinda alugava os serviços de seus cativos na região do Valongo, e estes
5
Referência: “Escravos Benguela,” Johann Moritz Rugendas, Voyage Pittoresque dans le Brésil
(Paris: Engelmann & cie, 1835). Imagem em domínio público
7
Referência: “Mulher negra de Benguela, vendedora de frutas, com sua filha/ Schwarze
Obsthändlerin aus Benguela nebst ihrer Tochter,” In Wagner, Robert, Júlio Bandeira, and Thomas Ender.
Viagem ao Brasil nas aquarelas de Thomas Ender: 1817-1818 (Petrópolis: Kapa Editorial, 2000), Plate
number or page: 421. Imagem em domínio público.