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Atlântico negro
A presença portuguesa na África – as feitorias
No século XV, após iniciarem a colonização das ilhas da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde,
os portugueses começaram a ocupar as terras continentais africanas, criando estabelecimentos
costeiros pontuais que funcionavam como bases de apoio à descoberta de um caminho marítimo
para as Índias. Logo esses locais foram transformados em feitorias, que eram ao mesmo tempo
fortificações militares e entrepostos comerciais.
Nas feitorias, funcionários da Coroa ou pessoas autorizadas por ela desempenhavam as funções
administrativas. Além de administrá-las, os feitores tinham que estabelecer relações amistosas
com povos e chefes locais para obter proteção, trabalho e produtos de valor comercial. Deviam
ainda organizar e proteger o estoque dos artigos obtidos por meio da troca e gerenciar seu
embarque nos navios que os levariam à Europa. Os portugueses estabeleceram contatos e
relações comerciais na África [doc. 1], e o continente foi deixando de ser o “meio do caminho”
para se transformar em um objetivo em si mesmo.
A primeira feitoria portuguesa na África foi criada na Ilha de Arguim, no litoral da atual Mauritânia,
em 1445. O objetivo era desviar para lá o comércio feito a partir da região ocidental do Sudão em
direção aos portos do Mediterrâneo, cruzando o Saara em caravanas de camelos. Em troca de
cavalos, tecidos, trigo, ostras e objetos variados de cobre, latão e vidro, os portugueses obtinham
marfim, ouro em pó e escravos, além de macacos e papagaios, que podiam ser vendidos a bons
preços na Europa.
A feitoria de Arguim prosperou, e o continente africano tornou-
-se cada vez mais atrativo para os investimentos de mercadores. Eles passaram a financiar e
organizar expedições para o sul do continente, licenciadas pela Coroa, que alavancaram a
expansão marítima e territorial portuguesa. Em 1482, foi construída a fortaleza de São Jorge da
Mina, na Guiné, que logo superaria em atividades comerciais a feitoria de Arguim. Em 1503, foi
construída a fortaleza de Axim, um pouco menor.
Colonização e assimilação
O comércio português na costa ocidental da África só prosperou porque, além dos investimentos
de outros governos europeus, contou com o amparo decisivo de chefes locais africanos. O
interesse português na obtenção de cativos levou os chefes que já praticavam esse comércio a
fazê-lo em escala bem maior.
Muitos portugueses subiam rios, penetravam na mata e cruzavam vastas regiões interioranas
para acompanhar a captura de nativos por seus aliados africanos. Nesse contexto, os
portugueses acabavam se instalando nessas regiões e assimilando, parcial ou totalmente, a
cultura local: abandonavam as roupas que usavam, aprendiam as línguas locais, praticavam os
mesmos cultos tradicionais africanos etc. Eram conhecidos como tangomãos ou lançados.
A Igreja e a escravidão
Embora as motivações econômicas de Portugal fossem a principal explicação para sua presença
na África a partir do século XV, havia outro fator importante: a religião. Movidos pelo
remanescente espírito cruzadista, os portugueses acreditavam ter a missão de cristianizar a
África e a Ásia. Esse sentimento tinha como base a sanção da Igreja, por meio da bula Romanus
pontifex, de 1455, que concedeu aos portugueses o monopólio do comércio com a costa atlântica
da África.
Entre os direitos obtidos pelos portugueses estava o de escravizar e comercializar africanos. A
principal justificativa apresentada pela Igreja no documento era uma história retirada da Bíblia: os
negros africanos descenderiam de Cam, filho mais novo de Noé, cujos descendentes foram
amaldiçoados pelo patriarca. A escravidão e a catequese seriam o caminho para os negros
purificarem-se de seus pecados e salvarem sua alma.
Sudaneses e bantos
A grande diversidade de povos que habitava a África subsaariana quando a região começou a ser
explorada comercialmente pelos portugueses dificulta o trabalho de classificação das várias
etnias em grupos identificados por semelhanças físicas e culturais. Mesmo assim, costuma-se
identificar dois grandes grupos étnicos, com base em semelhanças linguísticas:
• os sudaneses, que eram maioria na África Ocidental, no Sudão egípcio e na costa norte do
Golfo da Guiné;
• os bantos, predominantes na África Equatorial e Tropical, em parte do Golfo da Guiné, no
Congo, em Angola e em Moçambique.
Costuma-se atribuir aos povos sudaneses uma organização social mais complexa que a dos
bantos, bem como o conhecimento de técnicas mais sofisticadas de agricultura, pecuária,
tecelagem e metalurgia.
Durante o período do tráfico negreiro, os africanos escravizados eram classificados conforme
características físicas de interesse comercial (estatura, condição de saúde, gênero etc.). Os
registros portugueses, por exemplo, faziam referência apenas aos pontos de embarque na África.
As regiões fornecedoras de escravos na África variaram ao longo do tempo. Durante o século
XVI, a maioria dos africanos escravizados trazidos à América portuguesa era proveniente da
Guiné e da Costa da Mina. A partir do século XVII, tiveram preeminência os entrepostos de
Congo e Angola, mas sem que os demais desaparecessem ou cessassem suas atividades. De
Moçambique, os escravos passaram a ser exportados ao Brasil com regularidade apenas no
século XVIII. Nesse século e no XIX, voltaram a predominar os escravos originários da Costa da
Mina (até c. 1770) e, depois, do Benin. No Brasil, os principais portos de chegada dos africanos
eram Salvador e Recife, mas a partir do século XVIII o Rio de Janeiro tornou-se o principal.
Africanos escravizados
Os africanos escravizados compunham a maior parte da sociedade das Minas Gerais. Eram
submetidos ao árduo trabalho nas grandes lavras ou obrigados a trabalhar para faiscadores no
leito dos rios. As doenças causadas pelas condições de trabalho, além dos castigos físicos e
outras formas de punição, tornavam a mortalidade precoce uma realidade comum. A vida
produtiva de um escravo que trabalhava nas minas era de 7 a 12 anos, em média.
Nos centros urbanos, existiam os escravos domésticos, os de ganho e os de aluguel.
Os escravos domésticos realizavam atividades relacionadas à manutenção das residências dos
senhores: cozinhar, lavar e cuidar das crianças, entre outras tarefas.
Os escravos de ganho exerciam diversas funções remuneradas. Trabalhavam, por exemplo,
como transportadores de cargas e de pessoas, vendedores ambulantes, barbeiros, curandeiros,
prostitutas e “negras de tabuleiro”, que vendiam doces e quitutes. Parte do dinheiro obtido nesses
serviços era repassada aos senhores, e o restante era guardado pelos escravos para seus gastos
com alimentação, vestuário, compra de ferramentas e, eventualmente, obtenção da alforria.
Os escravos de aluguel, por sua vez, eram alugados pelos proprietários a terceiros para o
desempenho das mais variadas tarefas, estando sujeitos a duros castigos e torturas.
Contudo, a possibilidade da conquista da alforria contribuiu para ampliar a complexidade da
sociedade mineira. A mobilidade social no meio urbano era uma possibilidade também para a
população escrava