Você está na página 1de 8

PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER Aula

DISCIPLINA: História PROFESSORES: Ana Carolina, Diogo Alchorne e Fabrício Sampaio


Data: 2021

Atlântico negro
A presença portuguesa na África – as feitorias
No século XV, após iniciarem a colonização das ilhas da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde,
os portugueses começaram a ocupar as terras continentais africanas, criando estabelecimentos
costeiros pontuais que funcionavam como bases de apoio à descoberta de um caminho marítimo
para as Índias. Logo esses locais foram transformados em feitorias, que eram ao mesmo tempo
fortificações militares e entrepostos comerciais.
Nas feitorias, funcionários da Coroa ou pessoas autorizadas por ela desempenhavam as funções
administrativas. Além de administrá-las, os feitores tinham que estabelecer relações amistosas
com povos e chefes locais para obter proteção, trabalho e produtos de valor comercial. Deviam
ainda organizar e proteger o estoque dos artigos obtidos por meio da troca e gerenciar seu
embarque nos navios que os levariam à Europa. Os portugueses estabeleceram contatos e
relações comerciais na África [doc. 1], e o continente foi deixando de ser o “meio do caminho”
para se transformar em um objetivo em si mesmo.
A primeira feitoria portuguesa na África foi criada na Ilha de Arguim, no litoral da atual Mauritânia,
em 1445. O objetivo era desviar para lá o comércio feito a partir da região ocidental do Sudão em
direção aos portos do Mediterrâneo, cruzando o Saara em caravanas de camelos. Em troca de
cavalos, tecidos, trigo, ostras e objetos variados de cobre, latão e vidro, os portugueses obtinham
marfim, ouro em pó e escravos, além de macacos e papagaios, que podiam ser vendidos a bons
preços na Europa.
A feitoria de Arguim prosperou, e o continente africano tornou-
-se cada vez mais atrativo para os investimentos de mercadores. Eles passaram a financiar e
organizar expedições para o sul do continente, licenciadas pela Coroa, que alavancaram a
expansão marítima e territorial portuguesa. Em 1482, foi construída a fortaleza de São Jorge da
Mina, na Guiné, que logo superaria em atividades comerciais a feitoria de Arguim. Em 1503, foi
construída a fortaleza de Axim, um pouco menor.

A prática da escravidão na África


A escravidão e o comércio de escravos já eram práticas comuns na África antes da chegada dos
portugueses, no século XV. As principais rotas de comércio passavam pelo Saara, pelo Mar
Vermelho e pela África Central, em direção ao Egito e à Península Arábica.
Nas áreas rurais e urbanas africanas, muitos escravos (crianças, adultos e idosos) eram
utilizados como criados domésticos, concubinas (no caso das mulheres) e soldados. A maioria
das pessoas que se tornavam escravas era capturada em guerras ou sequestrada. Também
havia a escravização familiar, em que uma pessoa era vendida como escrava pelo pai ou pela
mãe para saldar uma dívida ou para amenizar uma situação de extrema pobreza.
A comercialização de escravos na África, no entanto, não era uma atividade econômica central.
Os portugueses se apropriaram da dinâmica da escravidão africana e a transformaram em uma
atividade comercial lucrativa intercontinental. No início, eles tentaram obter escravos realizando
expedições militares pelas regiões mais afastadas da costa africana, onde saqueavam e
destruíam aldeias desarmadas.
O apresamento direto de escravos era, porém, uma tarefa cara e perigosa, sobretudo porque os
portugueses desconheciam o interior da África. Era mais vantajoso utilizar as práticas já
existentes no continente, estabelecer alianças com chefes locais e aproveitar a escravidão e o
comércio de escravos para desenvolver a colonização de ilhas como Cabo Verde e São Tomé e
Príncipe.

Colonização e assimilação
O comércio português na costa ocidental da África só prosperou porque, além dos investimentos
de outros governos europeus, contou com o amparo decisivo de chefes locais africanos. O
interesse português na obtenção de cativos levou os chefes que já praticavam esse comércio a
fazê-lo em escala bem maior.
Muitos portugueses subiam rios, penetravam na mata e cruzavam vastas regiões interioranas
para acompanhar a captura de nativos por seus aliados africanos. Nesse contexto, os
portugueses acabavam se instalando nessas regiões e assimilando, parcial ou totalmente, a
cultura local: abandonavam as roupas que usavam, aprendiam as línguas locais, praticavam os
mesmos cultos tradicionais africanos etc. Eram conhecidos como tangomãos ou lançados.

A Igreja e a escravidão
Embora as motivações econômicas de Portugal fossem a principal explicação para sua presença
na África a partir do século XV, havia outro fator importante: a religião. Movidos pelo
remanescente espírito cruzadista, os portugueses acreditavam ter a missão de cristianizar a
África e a Ásia. Esse sentimento tinha como base a sanção da Igreja, por meio da bula Romanus
pontifex, de 1455, que concedeu aos portugueses o monopólio do comércio com a costa atlântica
da África.
Entre os direitos obtidos pelos portugueses estava o de escravizar e comercializar africanos. A
principal justificativa apresentada pela Igreja no documento era uma história retirada da Bíblia: os
negros africanos descenderiam de Cam, filho mais novo de Noé, cujos descendentes foram
amaldiçoados pelo patriarca. A escravidão e a catequese seriam o caminho para os negros
purificarem-se de seus pecados e salvarem sua alma.

A cristianização do Reino do Congo


Nesse espírito de expansão religiosa, houve, por parte dos portugueses, uma tentativa importante
de cristianizar o Reino do Congo. No final do século XV, o centro desse reino se situava no norte
da atual Angola e sua cidade principal era Banza Congo (depois chamada de São Salvador pelos
portugueses).
Os povos desse reino eram congoleses e ambundus, que trabalhavam com metais, têxteis e
esculturas, e usavam instrumentos como enxadas e machados. Cultivavam banana, dendê,
sorgo, milhete, inhame e cola; caçavam, pescavam e domesticavam animais como porcos,
cabras, cães e galinhas; e extraíam noz-de-cola. A população habitava casas de barro,
agrupadas em pequenas aldeias.
Para o Reino do Congo, os portugueses enviaram missionários, frades, artífices diversos
(pedreiros, serventes, ferreiros, trabalhadores agrícolas) e mulheres para “educar” as congolesas
e os ambundus de acordo com os hábitos domésticos europeus.

O tráfico negreiro - A diáspora africana


A diáspora africana — que se deu pelo comércio de indivíduos levados principalmente para a
América, entre os séculos XVI e XIX — foi um movimento populacional involuntário que subtraiu
da África milhões de pessoas.
O comércio transatlântico de escravos transformava em mercadoria pessoas de diferentes
origens do continente africano. Essas pessoas eram utilizadas como mão de obra nas plantações,
nas minas, nas residências e nas atividades urbanas da América e da Europa, constituindo um
dos maiores trânsitos populacionais de que se tem registro. Não é possível comparar, contudo, o
tráfico negreiro com outros grandes movimentos imigratórios, como o dos europeus para a
América nos séculos XIX e XX, pois os africanos escravizados eram retirados à força do
continente. Chamar o tráfico de imigração seria, portanto, comparar dois movimentos
essencialmente diferentes.

O comércio transatlântico de escravizados


Os primeiros africanos escravizados provavelmente chegaram ao Brasil com a instituição, em
1549, do primeiro governo-geral. Mas foi a partir da década de 1570 que o ingresso de africanos
escravizados começou a crescer, até consolidar a escravidão como regime de trabalho
preponderante na colônia. Um marco muito importante nesse processo foi a fundação, na África,
de São Paulo de Luanda (atual cidade de Luanda, capital de Angola) pelos portugueses, em
1576, que logo se tornou o maior entreposto fornecedor de escravos do continente.
O tráfico negreiro era realizado por navios chamados tumbeiros. Neles, a alimentação era
escassa e de péssima qualidade; as condições sanitárias eram precárias, levando à propagação
de doenças. Os escravos eram transportados em porões abarrotados: em média, 300 deles por
viagem. No início do século XIX, essa cifra cresceu para 400.
As viagens podiam durar de 35 dias (entre Angola e Rio de Janeiro) a três meses (de
Moçambique ao Rio de Janeiro). Por causa das péssimas condições dos navios, muitos dos
cativos não resistiam à travessia e morriam antes de alcançar seu destino.

Sudaneses e bantos
A grande diversidade de povos que habitava a África subsaariana quando a região começou a ser
explorada comercialmente pelos portugueses dificulta o trabalho de classificação das várias
etnias em grupos identificados por semelhanças físicas e culturais. Mesmo assim, costuma-se
identificar dois grandes grupos étnicos, com base em semelhanças linguísticas:

• os sudaneses, que eram maioria na África Ocidental, no Sudão egípcio e na costa norte do
Golfo da Guiné;
• os bantos, predominantes na África Equatorial e Tropical, em parte do Golfo da Guiné, no
Congo, em Angola e em Moçambique.
Costuma-se atribuir aos povos sudaneses uma organização social mais complexa que a dos
bantos, bem como o conhecimento de técnicas mais sofisticadas de agricultura, pecuária,
tecelagem e metalurgia.
Durante o período do tráfico negreiro, os africanos escravizados eram classificados conforme
características físicas de interesse comercial (estatura, condição de saúde, gênero etc.). Os
registros portugueses, por exemplo, faziam referência apenas aos pontos de embarque na África.
As regiões fornecedoras de escravos na África variaram ao longo do tempo. Durante o século
XVI, a maioria dos africanos escravizados trazidos à América portuguesa era proveniente da
Guiné e da Costa da Mina. A partir do século XVII, tiveram preeminência os entrepostos de
Congo e Angola, mas sem que os demais desaparecessem ou cessassem suas atividades. De
Moçambique, os escravos passaram a ser exportados ao Brasil com regularidade apenas no
século XVIII. Nesse século e no XIX, voltaram a predominar os escravos originários da Costa da
Mina (até c. 1770) e, depois, do Benin. No Brasil, os principais portos de chegada dos africanos
eram Salvador e Recife, mas a partir do século XVIII o Rio de Janeiro tornou-se o principal.

Os números do tráfico negreiro


Assim que chegavam aos portos do Brasil, os africanos escravizados eram levados a uma
alfândega, onde se fazia o controle sobre a carga do navio. Em seguida, eram encaminhados aos
mercados públicos, para ser comercializados. Seguiam para seu destino em lavouras, engenhos,
pastos ou centros urbanos, onde desempenhavam várias atividades.
Enquanto a escravidão vigorou no Brasil, do século XVI até sua abolição, em 1888, estima-se que
mais de 4 milhões de africanos tenham sido trazidos para cá na condição de escravos, sem
contar os milhares de afrodescendentes que nasceram aqui como cativos. Desde o século XVII, o
Brasil se transformou no principal destino mundial de escravos africanos.
Além dos interesses mercantis que envolvia, o tráfico transatlântico de escravos africanos
contava com os ventos e as marés favoráveis à navegação entre os litorais do Brasil e da África
Ocidental. Em uma época em que as navegações eram feitas em frágeis embarcações a vela,
poder contar com os fatores naturais era de grande ajuda.
A travessia do Atlântico entre Luanda, Benguela e São Tomé, de um lado, e Recife, Salvador e
Rio de Janeiro, do outro, era impelida por ventos muito favoráveis. Na contramão, entre o Brasil e
a África, a navegação conhecia boas condições mais ao sul, formando uma espécie de
engrenagem natural, um grande círculo de ventos no sentido anti-horário, que tornava os contatos
dos principais portos negreiros do Brasil com a África subsaariana mais fáceis que os contatos
dessas regiões com Portugal e o restante da Europa.

Os “negros da terra” e os “negros da Guiné”


Quando os portugueses começaram a ocupar o Brasil, no início do século XVI, utilizaram a mão
de obra nativa para explorar artigos de valor comercial na Europa. Até por volta de 1570, quando
a produção açucareira deslanchou na América portuguesa, o número de africanos escravizados
na colônia era relativamente pequeno em relação à mão de obra indígena.
Por muito tempo acreditou-se na visão equivocada e preconceituosa de que os “negros da terra”,
os índios, teriam sido rejeitados pelos “negros da Guiné”, os africanos, por serem fracos e
preguiçosos. Para entender as razões dessa mudança de mão de obra a partir de 1570, vários
fatores devem ser levados em conta: os conflitos entre portugueses e indígenas quando o
“escambo” se tornou desinteressante para os nativos; a alta mortalidade que as doenças trazidas
pelos europeus causaram na população indígena; o interesse dos portugueses em estabelecer
boas relações com os indígenas para tê-los como potenciais aliados na luta contra invasores
europeus; e, finalmente, a lei de proteção aos povos indígenas, promulgada pela Coroa
portuguesa em 1570, que admitia apenas a escravização de nativos que ameaçassem a
segurança dos portugueses no Brasil.
Mas há um fator mais importante: a introdução da escravidão africana no Brasil não apenas
garantia o abastecimento de trabalhadores, mas também impulsionava o tráfico negreiro, que era
uma fonte de grandes lucros para os comerciantes e para a Coroa. A lucratividade desse
comércio explicaria as posições “em defesa” dos povos indígenas. Quando havia africanos
suficientes para o trabalho no Brasil, Coroa e missionários “defendiam” que os indígenas
possuíam alma, considerando-os passíveis de salvação por meio da conversão ao cristianismo e
pregavam a necessidade de eles serem protegidos da escravidão. Mas, quando havia escassez
de africanos, como ocorreu durante a guerra entre portugueses e holandeses pela posse de
Pernambuco, as leis de proteção aos índios eram flexibilizadas.

Uma sociedade escravista


No Brasil, os escravos africanos estavam presentes nos engenhos e canaviais, nas minas, nas
fazendas de gado e em outras propriedades. Nas áreas rurais e nos centros urbanos, realizavam
tarefas domésticas e ofícios mais ou menos especializados, como de carpinteiro, sapateiro etc.
Havia também os escravos de aluguel e de ganho. No primeiro caso, eram alugados por seu
senhor para outras pessoas; no segundo, podiam exercer outros ofícios, desde que ao final do dia
entregassem certa quantia do ganho ao seu senhor.
A presença de escravos no Brasil era tão corriqueira que muitas pessoas nem questionavam a
existência da escravidão, tomando-a por natural. A escravidão foi uma das bases da organização
social e econômica do Brasil até o fim do século XIX, marcando profundamente os costumes e as
atividades produtivas. Por isso, os historiadores afirmam que o Brasil formou-se como uma
sociedade escravista.
O que define uma sociedade escravista é, em primeiro lugar, a existência da escravidão, que é
um tipo de trabalho baseado em um dispositivo jurídico que permite reduzir uma pessoa à
condição de propriedade. É necessário, também, que existam escravos em uma escala tão
grande que as características básicas dessa sociedade, como a hierarquia social, não possam
ser dissociadas da escravidão.
Em uma sociedade escravista como a do Brasil colonial, quase ninguém pensava na
possibilidade de um mundo sem escravos [doc. 3]. O padre Antônio Vieira, por exemplo, em seus
sermões públicos, comparava os sofrimentos que os negros padeciam nos engenhos aos
martírios de Cristo e afirmava que, ao ser escravizados pelos portugueses, eles tinham a
possibilidade de finalmente abandonar seu paganismo e viver em uma terra “verdadeiramente”
cristã: o Brasil.
Padres utilizavam a mão de obra escrava; produtores de açúcar ou de café compravam escravos
como se compravam bois ou carroças; pessoas de baixa condição alugavam escravos para
executar tarefas braçais, consideradas degradantes; por vezes, escravos queriam ter escravos; e,
claro, brancos, negros, mulatos, índios, homens livres, escravos e ex-escravos fundiam suas
culturas, seu sangue e produziram uma paisagem social complexa e diversificada até os dias de
hoje. Tudo isso teve origem na exploração colonial portuguesa e na sua lógica articulada de
expansão do comércio e da fé cristã.

Uma mão de obra valiosa: o escravizado africano


Matar um escravo era considerado contraproducente, pois no regime escravista português o
trabalhador cativo custava caro. Além de ter sua força de trabalho quase completamente
expropriada pelo senhor, o escravo tinha uma vida curta, dadas as terríveis condições de
existência, desde sua captura na África, passando pela travessia atlântica nos tumbeiros, até
chegar às lavouras, aos engenhos, às minas e às cidades. Segundo cálculos do historiador Stuart
Schwartz, o trabalho de um escravo compensava seu preço de aquisição após um período de 13
a 16 meses de trabalho.
Dificilmente um escravo passava dos 30 anos de idade. Hoje essa estimativa pode parecer
aterrorizante, e de fato é. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Japão,
por exemplo, o país com a melhor expectativa de vida do mundo em 2012, vivia-se em média
84,6 anos. No Brasil, essa expectativa, em 2012, era de 76,2 anos. Já populações da África
subsaa-riana, que seiscentos anos atrás conheceram as mazelas da escravidão, apresentam
dados de qualidade de vida semelhantes aos daquele período. Em Angola, em 2012, a
expectativa de vida era de 51 anos.

Africanos escravizados
Os africanos escravizados compunham a maior parte da sociedade das Minas Gerais. Eram
submetidos ao árduo trabalho nas grandes lavras ou obrigados a trabalhar para faiscadores no
leito dos rios. As doenças causadas pelas condições de trabalho, além dos castigos físicos e
outras formas de punição, tornavam a mortalidade precoce uma realidade comum. A vida
produtiva de um escravo que trabalhava nas minas era de 7 a 12 anos, em média.
Nos centros urbanos, existiam os escravos domésticos, os de ganho e os de aluguel.
Os escravos domésticos realizavam atividades relacionadas à manutenção das residências dos
senhores: cozinhar, lavar e cuidar das crianças, entre outras tarefas.
Os escravos de ganho exerciam diversas funções remuneradas. Trabalhavam, por exemplo,
como transportadores de cargas e de pessoas, vendedores ambulantes, barbeiros, curandeiros,
prostitutas e “negras de tabuleiro”, que vendiam doces e quitutes. Parte do dinheiro obtido nesses
serviços era repassada aos senhores, e o restante era guardado pelos escravos para seus gastos
com alimentação, vestuário, compra de ferramentas e, eventualmente, obtenção da alforria.
Os escravos de aluguel, por sua vez, eram alugados pelos proprietários a terceiros para o
desempenho das mais variadas tarefas, estando sujeitos a duros castigos e torturas.
Contudo, a possibilidade da conquista da alforria contribuiu para ampliar a complexidade da
sociedade mineira. A mobilidade social no meio urbano era uma possibilidade também para a
população escrava

Trabalho escravo e resistência


Chegando aos portos do Nordeste açucareiro, os africanos eram separados de seus familiares e
vendidos em leilões públicos ou em mercados privados. Os preços eram estabelecidos de acordo
com o sexo, a idade e as condições de saúde dos cativos. Os homens adultos eram os mais
procurados e, por isso, negociados por valores mais altos. A maioria desempenhava trabalhos
braçais, mas alguns produziam artesanato e outros executavam tarefas domésticas.
Os escravos africanos não tinham direitos, sendo submetidos a extensas jornadas de trabalho e a
violentos castigos físicos.
A fuga era uma das principais formas de resistência contra a escravidão. Os fugitivos refugiavam-
se nos quilombos (ou mocambos), locais que também abrigavam indígenas, criminosos
perseguidos pela justiça e até brancos, descendentes de europeus pobres. Seus habitantes
viviam da agricultura de subsistência, da pecuária, da caça, da pesca e da coleta de frutos, e
muitas vezes organizavam grupos para auxiliar fugas e assaltar propriedades.
No início do século XVII, muitos cativos que haviam fugido para as matas da Serra da Barriga, no
atual estado de Alagoas, ajudaram a consolidar o maior, mais duradouro e mais bem organizado
quilombo do Brasil: o Quilombo dos Palmares. Estima-se que Palmares concentrou mais de 20
mil escravos fugitivos. Seu principal líder foi Zumbi.
Diversas expedições enviadas para destruir Palmares fracassaram, e o quilombo só foi destruído
em 1694, sob o comando do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho. Zumbi foi assassinado
em 20 de novembro do ano seguinte, transformando-se em um grande símbolo da resistência à
escravidão e da luta pela liberdade. Em 2011, a data de sua morte foi oficializada como o Dia
Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no Brasil.
A fuga, contudo, não era a única forma de resistência utilizada pelos africanos escravizados,
como mostra o texto a seguir:
“Não se deve considerar como formas de resistência ao sistema escravista só as fugas ou as
rebeliões generalizadas e violentas. Existia também uma resistência quotidiana: defesa da vida
privada, sabotagem, roubo, atrasos intencionais, uso sutil do sarcasmo e da ironia em relação aos
brancos... A música e os cultos africanos – que sobreviveram a muitas perseguições e
dificuldades, misturando-se com o cristianismo em graus e modalidades diversos –
desempenharam um grande papel na manutenção da unidade de cada comunidade negra [...]. Os
contos populares, nos quais muitas vezes o negro – ou um personagem mítico que o representa –
leva vantagem sobre o branco ou um símbolo deste, foram também um elemento importante na
preservação da humanidade e da autonomia subjetiva do escravo diante dos seus próprios olhos.
Formas violentas de luta eram os suicídios, infanticídios e envenenamentos, por vezes reais, mas
em numerosos casos imputáveis à ‘histeria coletiva’ dos senhores [...].”
CARDOSO, Ciro Flamarion S. A Afro-América: a escravidão no Novo Mundo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.
63-64. (Coleção Tudo é história)

Você também pode gostar