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Conceito de texto

Rosângela Nogarini Hilário


Linguística textual/Análise da conversação
O que é texto?
• Uma sequência de
palavras?

Nem toda sequência de


palavras é um texto...
O que é texto?
• Uma sequência de frases?
Nem toda sequência de frases é um texto...

1) Pedro vai buscar bebidas. Sandra tem que ficar com os meninos.
Tereza arruma a casa. Hoje eu vou precisar da ajuda de todo
mundo.
2) Na rádio toca um rock. O rock é um ritmo moderno. O coração
também tem ritmo. Ele é um músculo oco composto de duas
aurículas e dois ventrículos.
Etimologia do termo
CUNHA, A.G. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed.
Rio de Janeiro: Lexicon, 2010.

Texto sm. ‘as próprias palavras de um autor, livro ou escrito’/ XIV texto
XIV / Do lat. Textum –i ‘entrelaçamento, tecido’ ‘contextura (duma obra)’

Contexto sm. ‘conjunto, todo, reunião’ ‘encadeamento das ideias dum


discurso’ 1813. Do fr. Contexte, deriv. do lat. Contextus – us //
contextura XVIII. Do fr. Contexture.
Fase inicial da LT
• o texto era então concebido como uma “frase complexa”, “signo
linguístico primário” (Hartmann, 1968), “cadeia de
pronominalizações ininterruptas” (Harweg, 1968), “sequência
coerente de enunciados” (Isenberg, 1971), “cadeia de
pressuposições” (Bellert, 1970).
Conceito de texto...
... sofre significativas alterações na história da disciplina Linguística Textual
• Na segunda metade da década de 1960 e a primeira da década de 1970, o texto era considerado uma
unidade linguística superior à sentença formada por “uma sucessão de unidades lingüísticas constituída
mediante uma concatenação pronominal ininterrupta.”(Koch, 2006, p. 4), ou como uma sequência
coerente de enunciados
• Na segunda metade dos anos 1970 tem-se a chamada “virada pragmática”, trazendo consigo uma nova
conceituação: texto, sob esse olhar, é uma unidade básica de comunicação ou interação humana,
compreendendo o contexto enquanto situação comunicativa.
• Já na década de 1980, por influência da “virada cognitivista”, a compreensão de que as ações em geral
acompanham-se de processos de ordem cognitiva motivou uma nova concepção de texto como “resultado
de processos mentais” (Koch, 2006, p. 21), isto é, o texto é resultado da ativação pelos parceiros da
comunicação de saberes acumulados na memória (linguístico, enciclopédico, cognitivos, sociointeracional
etc.) quanto aos diversos tipos de atividades da vida social.
• perspectiva sociocognitiva-interacionista - integração da virada pragmática com a perspectiva cognitivista - o
texto é o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se
constroem e por ele são construídos.

KOCH, I.G.V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2006[2004]
• o mesmo objeto pode ser concebido de maneiras diversas.
• o conceito de texto varia de acordo com o autor ou a corrente
teórica.
• manifestação verbal constituída por elementos linguísticos
selecionados e ordenados pelos co-enunciadores durante a
atividade verbal, permitindo-lhes na interação não apenas a
depreensão de conteúdos semânticos, como também a interação de
acordo com práticas culturais (Koch, 1992).
• Em suma, a LT trata o texto como um ato de comunicação unificado
no complexo universo de ações humanas (Koch)
Sistemas de conhecimento
acessados durante o processamento
textual
• Conhecimento linguístico – gramatical e lexical, responsável pela
articulação som-sentido.
• Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo – memória
de cada indivíduo
• Conhecimento interacional – acerca das ações verbais, isto é, sobre
as formas de inter-ação através da linguagem.
• Ilocucional (reconhecer objetivos ou propósitos do falante)
• Comunicacional (normas comunicativas gerais- quantidade de inforamção,
seleção da variante linguística etc.)
• Metacomunicativo (evitar perturbações ou sanar conflitos, reformular,
resumir, explicar etc.)
• Superestrutural (conhecer estruturas ou modelos textuais globais)
Conhecimentos mobilizados para o
processamento textual
Conhecimento linguístico
• conhecimento gramatical e lexical (articulação som-sentido).
Responsável, por exemplo, pela organização do material
linguístico na superfície textual, uso dos meios coesivos,
seleção lexical...
Conhecimentos mobilizados para o
processamento textual
Conhecimento enciclopédico ou de mundo
• armazenado na memória de cada indivíduo, seja declarativo
(proposições a respeito dos fatos do mundo), seja episódico
(“modelos cognitivos” socioculturalmente determinados e
adquiridos através da experiência.
Eu tinha lá em casa dez garrafas de cachaça, da boa.
Mas, minha mulher obrigou-me a jogá-las fora.
Peguei a primeira garrafa, bebi um copo e joguei
o resto na pia.
Peguei a segunda garrafa, bebi outro copo e joguei
o resto na pia.
Peguei a terceira garrafa, bebi o resto e joguei
o copo na pia.
Peguei a quarta garrafa, bebi na pia e joguei Para entender esse texto
o resto no copo. é necessário um certo
Peguei o quinto copo, joguei a rolha na pia conhecimento de mundo –
e bebi a garrafa. condição de uma pessoa
Peguei a sexta pia, bebi a garrafa e joguei embriagada, como ela se
o copo no resto. comporta.
A sétima garrafa eu peguei no resto e bebi a pia.
Peguei no copo, bebi no resto e joguei a pia na oitava
garrafa.
Joguei a nona pia no copo, peguei na garrafa e bebi o
resto.
O décimo copo, eu peguei a garrafa no resto e me
joguei na pia.
Conhecimentos mobilizados para o
processamento textual
Conhecimento sócio-interacional
• conhecimento sobre ações verbais, isto é, sobre as formas de inter-
ação através da linguagem. Engloba conhecimentos do tipo
ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural.
• Ilocucional: permite conhecer os objetivos ou propósitos do falante em
determinada situação
• comunicacional: normas comunicativas gerais, quantidade de informação
necessária numa situação concreta para que o parceiro possa reconstruir o
objetivo do produtor do texto...
• metacomunicativo: conhecimento sobre vários tipos de ações linguísticas que
permitem ao locutor assegurar a compressão do texto.
• superestrutural: conhecer textos como exemplares de determinado gêneros,
unidades globais que distinguem tipos de textos etc.
Organização da informação
textual
• O dado e o novo
• Retomada da informação se faz por remissão ou referência
textual – cadeias coesivas
• Remissão se faz não a referentes textualmente expressos, mas
a conteúdos de consciência (referentes estocados na memória
dos interlocutores), que a partir de pistas encontradas na
superfície textual, são (re)ativados.
Relações entre segmentos
textuais
• No interior do enunciado – progressão temática (tema-rema)
• Tema – informação dada
• Rema – informação nova
• Entre oração no mesmo período ou entre períodos no mesmo
parágrafo, por meio de conectores interfrásticos
• Entre parágrafos, sequências ou partes inteiras, por meio de
articuladores textuais

• O sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele


Segundo Koch
[...] texto é o lugar de interação de sujeitos sociais, os quais,
dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que,
por meio de ações linguísticas e sociocognitivas, constroem
objetos-de-discurso e propostas de sentido, ao operarem
escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização
textual e diversas possibilidades de seleção lexical que a língua
lhes põe à disposição. A essa concepção subjaz,
necessariamente, a ideia de que há, em todo e qualquer texto,
uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente
detectáveis pela mobilização do contexto sociocognitivo no
interior do qual se movem os atores sociais.
Koch e Elias (2017, p. 7)
• Ainda segundo Koch e Elias, os diversos conhecimentos acionados
para produzir sentido constituem diferentes tipos de contextos de
um contexto mais abrangente, ao qual dão o nome de contexto
sociocognitivo. Para haver compreensão, é necessário que haja
compartilhamento de contextos sociocognitivos.
• Ao entrar em uma interação, cada um dos parceiros já traz consigo
sua bagagem cognitiva, ou seja, já é, por si mesmo, um contexto. A
cada momento da interação, esse contexto é alterado, ampliado e
os parceiros se veem obrigados a ajustar-se aos novos contextos
que se vão originando sucessivamente (KOCH; ELIAS, 2017, p. 61).

“os interlocutores situam o seu dizer em um determinado contexto – que é


constituinte e constitutivo do próprio dizer – e vão alterando, ajustando ou
conservando esse contexto no curso da interação, visando à compreensão”
(Idem, p. 63).
FATORES DE TEXTUALIDADE

Fatores semântico-formais
Coesão → marca a continuidade do texto baseada na forma e assegura uma sequencialização linguística entre
os elementos que ocorrem na superfície textual.

Coerência → fator que marca a continuidade texto, estabelecendo uma relação de sentido entre os enunciados.

Fatores pragmáticos
Intencionalidade → princípio que marca a intenção com que os produtores realizam seu texto.

Aceitabilidade → conjunto de reações dos destinatários mediante determinados textos, situações intenções e
posicionamentos.

Situacionalidade → refere-se à relação entre o texto e o seu contexto, á ancoragem do texto em um determinado
ambiente, fato social ou cultural.

Informatividade → recurso essencial para postular o que se quer transmitir ou extrair como conteúdo informativo
para se apresentar ao leitor.

Intertextualidade → princípio constitutivo que trata o texto como uma comunhão de discursos e não como algo
isolado. Um texto é produzido a partir de vários outros textos.

BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1983


Circuito fechado
Chinelo, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para
cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoadura, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis,
documentos, caneta, chaves, lenço, relógio. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule,
talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Mesa e poltrona, cadeira, papéis, telefone, agenda,
copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com
plantas, quadros, papéis, telefone. Bandeja, xícara pequena. Papéis, telefone, relatórios, cartas,
notas, vale, cheques, memorando, bilhetes, telefone, papéis. Relógio, mesa, cavalete, cadeiras,
esboços de anúncios, fotos, bloco de papel,caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro,
fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeira, copo, pratos,
talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis,
telefone, revista, copo de papel, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel,
telefone, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e
caneta. Carro. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesas, cadeiras, prato,
talheres,copos, guardanapos. Xícaras. Poltrona, livro. Televisor, poltrona. Abotoaduras, camisa,
sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga,pia, água, escova, creme dental,
espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
Ricardo Ramos. Circuito fechado. Contos, 1978.
Texto
• unidade comunicativa – um conteúdo linguístico com uma
unidade de sentido e de forma e com características de
textualidade (coesão e coerência).
• Textualidade é a característica da língua de se organizar dentro
de uma unidade de forma e de sentido.
• é um conjunto de enunciados (orais ou escritos) relacionados
entre si e que formam um todo de sentido.
Texto e gênero
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam,
estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de
surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados
como as próprias esferas da atividade humana […] A utilização da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos,
que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana.
O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma
dessas esferas […] cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso
(Bakhtin, 1992, p. 290).
CARACTERÍSTICAS DE UM GÊNERO

são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os


gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;

além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;

trata-se de entidades escolhidas, tendo em vista as esferas de necessidade temática, o


conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor, sujeito
responsável por enunciados, unidades reais e concretas da comunicação verbal.

Koch: Elias, 2017, pp. 106-107


José [José], Carlos Drummond de Andrade

E agora, José? Está sem mulher, E agora, José? José, e agora?


A festa acabou, está sem discurso, Sua doce palavra, Se você gritasse,
a luz apagou, está sem carinho, seu instante de febre, se você gemesse,
o povo sumiu, já não pode beber, sua gula e jejum, se você tocasse,
a noite esfriou, já não pode fumar, sua biblioteca, a valsa vienense,
e agora, José? cuspir já não pode, sua lavra de ouro, se você dormisse,
e agora, você? a noite esfriou, seu terno de vidro, se você cansasse,
você que é sem nome, o dia não veio, sua incoerência, se você morresse...
que zomba dos outros, o bonde não veio, seu ódio — e agora? Mas você não morre,
você que faz versos, o riso não veio, Com a chave na mão você é duro, José!
que ama, protesta? não veio a utopia quer abrir a porta, Sozinho no escuro
e agora, José? e tudo acabou não existe porta; qual bicho do mato,
e tudo fugiu quer morrer no mar, sem teogonia,
e tudo mofou, mas o mar secou; sem parede nua
e agora, José? quer ir para Minas, para se encostar,
Minas não há mais. sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Um novo José, JOSIAS DE SOUZA

Calma, José. a noite ainda é fria, se você cansasse, Se voltar a pergunta:


A festa não recomeçou, o dia ainda não veio, se você morresse... José, para onde?
a luz não acendeu, o riso ainda não veio, O Malan nada faria, Diga: ora, Drummond,
a noite não esquentou, não veio ainda a utopia, mas já há quem faça. por que tanta dúvida?
o Malan não amoleceu. o Malan tem miopia, Ainda só, no escuro, Elementar, elementar.
Mas se voltar a pergunta: mas nem tudo acabou, qual bicho-do-mato, Sigo pra Washington.
e agora, José? nem tudo fugiu, ainda sem teogonia, E, por favor, poeta,
Diga: ora, Drummond, nem tudo mofou. ainda sem parede nua, não me chame de José.
agora Camdessus. Se voltar a pergunta: para se encostar, Me chame Joseph.
Continua sem mulher, e agora, José? ainda sem cavalo preto
continua sem discurso, Diga: ora, Drummond, que fuja a galope,
continua sem carinho, agora FMI. você ainda marcha, José!
ainda não pode beber, Se você gritasse,
ainda não pode fumar, se você gemesse,
cuspir ainda não pode, se você dormisse,

17/02/2021 Folha de S.Paulo - São Paulo - Josias de Souza: Um novo José - 04/10/1999
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0410199904.htm 2/2

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