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Ensino de língua

portuguesa no século XXI -


pesquisa, teoria e prática
Leituras, identidades e
seleção de textos
Profª Beatriz Feres (UFF)
beatrizferes@id.uff.br
semiolinguistica.uff.br

2
PCN BNCC

TEXTO
Ponto de Ponto de
partida chegada

3
Não há língua
sem texto!

4
Texto 1

5
TEXTO
O texto, unidade comunicativa, corporifica ideias e avaliações
compartilhadas socialmente e conformadas de acordo com
convenções apropriadas para cada tipo de troca; é
programado de acordo com as intenções do produtor, que são
direcionadas a um leitor/interpretador presumido. É preciso,
portanto, re-conhecer o(s) código(s), os arranjos textuais, seus
modelos genéricos, a intencionalidade e a temática
recorrentes para cada tipo de texto, além de todo o
conhecimento acumulado acerca do mundo que o sustenta.
6
Textos 2 e 3

#nãoénão

7
Ler é, até certo ponto, reconhecer,
identificar, interpretar. Desse ponto
em diante, é compreender, avaliar,
criticar.

8
Texto 4

9

O ato de ler ultrapassa o código, contempla a
organização dos signos, perscrutando um sentido
contextualizado, amarrado naquilo que se
identifica de textos anteriores, de outros autores,
de outros ambientes, de outros sujeitos.

10
Sobre o título
“Leituras, identidades e
seleção de textos”

11
Leituras
✘ Ato de ler = construção interativa do sentido de um texto, seja
ele escrito, oral, imagético ou multissemiótico – com destaque
aos gêneros digitais, mais recentemente.
✘ Estímulo ao desenvolvimento da capacidade crítica dos
estudantes, a fim de que eles, leitores em formação, sejam
efetivamente levados a construir o sentido – e a reconstruí-lo se
for preciso – na relação estreita entre a leitura da palavra (e de
outras linguagens) e a leitura do mundo que os cerca, tornando-
os sujeitos de suas próprias leituras – e não alvo de ideias pré-
fabricadas.
12
Identidades (significativas)
✘ O caráter dialógico da construção interativa de sentidos
textuais, que se funda na relação entre o eu e o outro,
enfatiza a pertinência de se resgatar o conceito de
identidade como conjunto de características pelas quais são
reconhecidos não só os recursos discursivos (gêneros de
textos, seus modos de organização, sua motivação
semiótica) e os rituais das trocas comunicativas, mas,
sobretudo, os indivíduos e as coletividades representados
nos textos. Todos esses elementos são considerados
identidades significativas.
13
Seleção de textos
✘ A seleção (contextualizada) de textos na sala de aula deve partir
das sugestões feitas pelos alunos até que, por analogia de forma
ou de conteúdo, o professor também proponha algo de seu
universo, ou de um universo diferente daquele trazido pelos
estudantes.
✘ Com o objetivo de a escola promover o multiletramento dos
alunos, um ponto importante relacionado à seleção de textos
abrange, então, a necessidade da inclusão de obras multimodais,
de gêneros discursivos próprios do universo digital, assim como
aqueles considerados mais populares ou marginais, ou da cultura
de massa, sempre na direção da diversidade cultural a que o leitor
frequentemente estará exposto.
14

“Da mesma maneira, imbricada à questão dos multiletramentos, essa
proposta considera, como uma de suas premissas, a diversidade
cultural. Sem aderir a um raciocínio classificatório reducionista, que
desconsidera as hibridizações, apropriações e mesclas, é importante
contemplar o cânone, o marginal, o culto, o popular, a cultura de
massa, a cultura das mídias, a cultura digital, as culturas infantis e
juvenis, de forma a garantir uma ampliação de repertório e uma
interação e trato com o diferente.” (BRASIL, 2018, p. 72)

15
A apreensão dos sentidos

16
Em sentido amplo, ler
é “um processo de
compreensão de
expressões formais e
simbólicas, não
importando por meio
de que linguagem”. Maria Helena
Martins
17
Níveis de leitura
Maria Helena Martins
✘ Sensorial → percepção
✘ Emocional → reação afetiva; patemização
✘ Racional (≠ intelectual) → relações lógicas,
inferências, acionamento de conhecimento
prévio e de esquemas mentais; filtro cultural;
estereótipos e preconceitos.

18
Aldo Bizzocchi (2001)
“A partir de percepções sensoriais, construímos
representações mentais que permitem adquirir novos
dados da experiência e reconhecer dados anteriormente
adquiridos. (...) Aplicamos ao real um filtro biológico e outro,
cultural, transformando dados de nossa experiência em
conceitos e, em consequência, em signos, por meio dos
quais pensamos, constituindo um universo semiótico
tridimensional (eu-aqui-agora), onde interagem os
conceitos.”
Ezequiel Theodoro da Silva (1981)
“A leitura não pode ser confundida com decodificação de
sinais, com reprodução mecânica de informações ou com
respostas convergentes a estímulos escritos pré-
elaborados. Esta confusão nada mais faz do que decretar a
morte do leitor, transformando-o em consumidor passivo
de mensagens não-significativas e irrelevantes. (...) O ato de
ler sempre envolve apreensão, apropriação e transformação
de significados, a partir de um documento escrito. Leitura
sem compreensão e sem recriação do significado é
pseudoleitura.”
✘ Adotamos aqui a concepção de leitura fundada na interação
(FERES, 2016; CAVALCANTE, 2012; KOCH; ELIAS, 2006) – ou
seja, em um processo dialógico, acionado pelo leitor diante
do material significativo que se lhe apresenta e o afeta.
✘ A escola é colocada diante do desafio de pensar em uma
pedagogia da leitura cujas atividades captem o leitor em
formação, provocando-o a pensar, refletir, criar
expectativas, interpretar, compreender e questionar aquilo
que se impõe como direcionamento, estimulando o
estudante a investir seu conhecimento prévio e suas
vivências na construção de sentido dos textos, a partir de
“seu” mundo – e a “desconfiar” do que lê.
21
1º passo
a materialidade do texto:
observação das identidades significativas e
das convenções comunicativas

22
Texto 5

De repente dá certo, de Ruth Rocha:

E então a gente foi almoçar e tinha fígado de novo. Por que é que
as pessoas têm mania de comer essas porcarias? Na casa da Fanny,
outro dia tinha dobradinha. Na minha casa, quando eu tiver uma casa só
minha, vai ter bife com batata frita todo dia!
Então minha tia chegou e começou a encher, que eu estava
muito magra – “essa menina precisa comer es-tu-pi-da-men-te”.
(ROCHA, 1986, p. 7)

De repente dá certo (1986), de Ruth Rocha, teve sua primeira edição em 1986. Tendo como
protagonista uma adolescente, Beatriz, que precisa aprender a conviver com Pedro, filho do novo
marido de sua mãe, a história atrai os leitores adolescentes, que, em geral, conseguem se identificar
com o comportamento e as inquietações das personagens. Narrativa pouco extensa, dinâmica, de fácil
captação do leitor da fase do Fundamental II.
23
“Não!”, de Marta Altés Texto 6

(Brinque-Book, 2012)

24
25
26
27
Texto 7

28
2º passo
o processo de interpretação

29
Dois níveis de compreensão

✘ Decodificação => compreensão do “sentido aberto”


✘ Texto + contexto => compreensão específica do sentido

INFERÊNCIAS

30
1º NÍVEL DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NA
PERSPECTIVA DO SUJEITO INTERPRETANTE
CHARAUDEAU (2019)

COMPREENSÃO DO SENTIDO LITERAL /COMPREENSÃO DO SENTIDO EXPLÍCITO é


compartilhada por todo sujeito que tenha conhecimento da língua. A compreensão
literal do sentido é obtida ao término de uma ATIVIDADE INTERPRETATIVA baseada
em elementos categorizados e repertoriados no sistema de uma língua
(gramática e dicionário), resultado de uma decodificação do sentido,
compartilhado pelo locutor e pelo interlocutor. Trata-se de uma “compreensão
habitual”. Está no âmbito da “semântica do enunciado, FORA DE CONTEXTO”. O
sentido construído é literal e objetivo. É o SENTIDO DE LÍNGUA, da ordem do
provável.
2º NÍVEL DE CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NA
PERSPECTIVA DO SUJEITO INTERPRETANTE
CHARAUDEAU (2019)

COMPREENSÃO DA SIGNIFICAÇÃO INDIRETA/COMPREENSÃO DO SENTIDO


ESPECÍFICO, dado pelas circunstâncias de produção e de recepção do ato de
linguagem. A compreensão específica do sentido é obtida ao final de uma atividade
interpretativa que se dá através de relações estabelecidas entre componentes do
enunciado com outros elementos que lhe são externos e dos quais depende: o
contexto discursivo e a situação de produção do enunciado. Trata-se de um sentido
específico inferido, um sentido de discurso, isto é, a SIGNIFICAÇÃO.
A significação é intersubjetiva; não pode ser categorizável nem repertoriada a priori; é
da ordem do plausível.
TIPOS DE INFERÊNCIAS (texto verbal)
(CHARAUDEAU, 2019)

Necessárias para a obtenção do SENTIDO DE


INFERÊNCIAS LÍNGUA.
CENTRÍPETAS INTERNAS Operadas de acordo com regras do sistema de
língua utilizada na troca.

Necessárias para a obtenção INTERDISCURSIVAS


(baseadas em
do SENTIDO DE DISCURSO ou saberes de conhecimento e de
INFERÊNCIAS CENTRÍFUGAS
da SIGNIFICAÇÃO. crença)
EXTERNAS
Operadas a partir de SITUACIONAIS
elementos exteriores ao (baseadas nas circunstâncias
enunciado. da troca comunicativa)
LEITURA = INTERPRETAÇÃO COMPREENSÃO

processo inferencial

34
Expressões nominais, ilustrações, símbolos visuais,
SENTIDO “LITERAL”

IDENTIFICAÇÃO
símbolos sonoros, gestos, expressões fisionômicas
(INFERÊNCIA INTERNA)
etc.
Elementos repetidos, expressões sinônimas, formas
COESÃO TEXTUAL
pronominais, expressões referenciais, hiperônimos,
(COERÊNCIA INTERNA)
hipônimos, conectores, paralelismos etc.
Contrato comunicativo estabelecido pelo gêneros
INFERÊNCIAS
SIGNIFICAÇÃO

textual; enunciador e seu papel social;


SITUACIONAIS
INDIRETA

endereçamento do texto etc.


Saberes de conhecimento e de crença;
INFERÊNCIAS
representações sociais; avaliações coletivas;
DISCURSIVAS
estereótipos etc.
35
Texto 8

Caulos,
Errar é humano

(1977)

36
SENTIDO “LITERAL”

Imagens de cafifas.
IDENTIFICAÇÃO
Expressão de alegria e de tristeza.

Conjunto de cafifas presas pela linha abaixo


COESÃO TEXTUAL
daquela que voa, solta.

INFERÊNCIAS Contrato estabelecido pelo cartum, que pressupõe


SIGNIFICAÇÃO

SITUACIONAIS crítica, publicado em 1977.


INDIRETA

INFERÊNCIAS Época da ditadura militar (saber de


DISCURSIVAS conhecimento). Liberdade e repressão.

37
Texto 9

20/04/2022

38
ESTRATÉGIAS DE
ELEMENTOS ACIONADORES
INTERPRETAÇÃO
Imagem de Mariele Franco.
SENTIDO “LITERAL”

IDENTIFICAÇÃO Placa da Rua Daniel Silveira.


Gesto de destruição da placa.

Enquadramento da imagem de Mariele destruindo


COESÃO TEXTUAL
a placa.

Contrato estabelecido pelo meme, postado em


INFERÊNCIAS
SIGNIFICAÇÃO

20/04/22, dia em que foi julgado, condenado e


SITUACIONAIS
INDIRETA

cassado o ex-deputado Daniel Silveira.


Intericonicidade com foto de Daniel Silveira
INFERÊNCIAS
destruindo placa da Rua Mariele Franco. Ex-
DISCURSIVAS
deputado foi punido por exaltar a ditadura etc.
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COMPETÊNCIAS LEITORAS
LINGUÍSTICA/ SEMÂNTICA, SINTÁTICA, LEXICAL, SOCIOLETAL;
SIMBÓLICA SEMIÓTICA (imagética, plástica, sonora etc.)

ENCICLOPÉDICA SABERES DE CONHECIMENTO

SISTEMAS DE VALORES; LUGARES SOCIAIS DE


AXIOLÓGICA
POSICIONAMENTO – SABERES DE CRENÇA

PRAXEOLÓGICA SITUAÇÕES COMUNICATIVAS E SEUS SCRIPTS

40
(Baseado em Emediato, 2007)
3º passo
Fomento da criticidade:
representação e representatividade

41
Texto 10

HUMOR E CRÍTICA
SOCIAL: circuito
triangular de
comunicação: o
produtor, o leitor e o
alvo da crítica
42
Identidades significativas = recursos discursivos,
rituais comunicativos, indivíduos e coletividades

✘ Por representações entendemos as imagens criadas


sobre os indivíduos ou sobre as coletividades – muitas
vezes preconceituosas – e referendadas socialmente.
✘ Por representatividade entendemos toda ação ou
expressão de resistência, cujo objetivo é dar visibilidade
às causas das minorias, como, por exemplo, a inclusão de
personagens negros nas novelas ou na publicidade.

43

“O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem
da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos
escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação, sendo
exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras
literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e
acadêmicos; realização de procedimentos; conhecimento, discussão e
debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a reivindicação de
algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento
que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras
possibilidades.” (BRASIL, 2018, p. 71)
44

“Da mesma maneira, imbricada à questão dos multiletramentos,
essa proposta considera, como uma de suas premissas, a
diversidade cultural. Sem aderir a um raciocínio classificatório
reducionista, que desconsidera as hibridizações, apropriações e
mesclas, é importante contemplar o cânone, o marginal, o culto,
o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a cultura
digital, as culturas infantis e juvenis, de forma a garantir uma
ampliação de repertório e uma interação e trato com o
diferente.” (BRASIL, 2018, p. 72)
45
Seleção de textos de
acordo com a BNCC
6º a 9º anos

46
Com “exercício de interpretação mediada pelo professor”,
entendemos toda atividade de leitura acompanhada pelo
professor, com o objetivo de observação das marcas textuais que
levam a inferências (internas e externas) no processo de
interpretação, necessário para que se alcance a compreensão
global do texto. Não se trata exclusivamente de questionários
sobre textos, mas de roteiros de leitura, organizados pelo professor
e seguidos pelos estudantes por meio de sua mediação, voltados
para a decifração dos signos e dos códigos e para o
estabelecimento da relação entre texto e contexto e, em
consequência, para sua compreensão.

47
CAMPO JORNALÍSTICO-MIDIÁTICO
(notícias, reportagens, cartas do leitor, resenhas críticas, crônicas,
anúncios publicitários, memes, charges, dentre outros)
Texto 11

48
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Personagens (pelos signos imagéticos: corporeidade, Internas, relacionadas à


LINGUAGEIRA indumentária) como duas crianças, branca e negra, e um identificação dos signos
policial; “nota fiscal”; “senhor”/pronome de tratamento. e dos códigos.

Nota fiscal como prova de posse de um bem (no caso, das


Externas, relacionadas
REFERENCIAL bicicletas); policial como autoridade responsável pela ordem e
ao conhecimento de
pela segurança; atitudes de abuso de autoridade e injustiça
mundo.
cometidas por policiais de forma recorrente.

O valor do branco e do negro em uma sociedade racista; a Externas, relacionadas


AXIOLÓGICA
hierarquização das posições sociais (policial e crianças; policial aos valores instituídos
e negro). socialmente.

Gênero tirinha e sua intencionalidade crítica (no circuito Externas, relacionadas


PRAXEOLÓGICA cartunista/leitor); script de uma abordagem policial; expressão ao conhecimento sobre
de posição social em uma troca (no circuito de fala das as trocas
personagens, o emprego do pronome “senhor”). comunicativas.
49
atividade
1) Observe as personagens: quais são suas características principais?
2) De acordo com o que sabemos a respeito das abordagens policiais, pela fala do
Armandinho no 1º quadro, o que o policial teria perguntado para as crianças?
3) O que é e para que serve uma nota fiscal? Por que o policial teria perguntado por
ela?
4) O que o ponto de exclamação ao lado do de interrogação em “Nota fiscal?!”
expressa?
5) Ao responder ao policial, Camilo se refere a ele com o pronome de tratamento
“senhor”. Por quê?
6) Por que Armandinho se surpreende com a possível exigência feita pelo policial e
Camilo não?
7) Você acha que o policial agiu corretamente? Por quê?
8) Você já viu uma situação como essa acontecer na vida real? Conte como aconteceu.
9) A tirinha, assim como a charge e o meme, tem como característica principal ser
veículo de uma crítica social. Que crítica está sendo feita por meio desse texto?
50
Texto 12

51
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Identificação por expressões nominais (“homem negro”; “dois


homens brancos”, “um PM”; “João Alberto Silveira Freitas, 40 Internas, relacionadas à
LINGUAGEIRA anos”); estrutura sintática dos períodos; emprego de aspas e identificação dos signos
de códigos visuais (caixa-alta; negrito; fonte em tamanho e cor e dos códigos.
não diferenciados).
Apagamento e/ou destaque dos agentes como recurso de
Externas, relacionadas
REFERENCIAL omissão e/ou ênfase dos culpados;
ao conhecimento de
parcialidade/imparcialidade do enunciador/jornal em relação
mundo.
ao fato noticiado.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA Valor atribuído à cor da pele (em destaque na descrição das
aos valores instituídos
pessoas); racismo; abuso de poder e injustiça social.
socialmente.

Externas, relacionadas
PRAXEOLÓGICA Gênero manchete e sua (apenas) aparente imparcialidade no ao conhecimento sobre
relato de fatos. as trocas
comunicativas.
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Campo da atuação da vida pública
(regimento, projeto cultural, carta aberta, carta de solicitação, carta
de reclamação, abaixo-assinado, petição on-line, requerimento, turno de
fala em assembleia e em reuniões, edital, proposta, ata, parecer,
enquete, relatório) Texto 13
Agora já sem clima de amor.
Na tarde de ontem, dia dos namorados, eu estava esperando minha namorada em frente ao
shopping Leblon
Quando do nada me aparecem esses dois jovens com as seguintes frases:
“VOCÊ PEGOU ESSA BICICLETA ALI AGORA, NAO FOI?”
“É SIM, ESSA BICICLETA É MINHA!” - replicou a jovem moça
E daí, eu sem entender nada, fui tentar mostrar pros dois que a bicicleta é minha, com fotos
antigas com ela, chave, o que foi possível naquele momento de segundo.
Porém eu só consegui provar que a bicicleta é minha, quando sem minha autorização, o lindo
rapaz pega o cadeado da minha bicicleta e tenta abrir
53
Frustrado com sua tentativa, ele diz que não me acusou, afinal, o rapaz só estava perguntando...
Moral da história, esses filhos da puta não aguentam nos ver com nada, no mesmo lugar que
eles?! Piorou
Eu não era alguém pedindo esmola ou vendendo jujuba...
Um preto numa bike elétrica?! No Leblon???!
Aaah só podia ser, eu acabei de perder a minha, foi ele...
São coisas que encabulam o racista.
Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado dele, não importa o quanto
você prove
Então eu quero que todos vão se foder, quem pensa igual, quem acha que é mimimi, mas
principalmente quem não vê maldade em situações como essa. Isso não foi um desespero de
quem foi furtado, isso o é o desespero do racista quando vê a gente perto.
Ela não tem ideia de quem levou sua bicicleta, mas a primeira coisa que vem a sua cabeça é que
algum neguinho levou
E pra você, que é pretin igual eu, seja cuidadoso ao andar em lugares assim. Eles vão te culpar,
pra depois verem o que aconteceu.
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COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Identificação por expressões nominais (“dois jovens”; Internas, relacionadas à


LINGUAGEIRA “bicicleta”); coloquialidade; expressividade; estrutura da identificação dos signos
narrativa e suas convenções gráficas. e dos códigos.

Externas, relacionadas
REFERENCIAL O episódio de racismo vivido pelo enunciador do texto
ao conhecimento de
e fartamente noticiado; “lugar de fala”. mundo.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA Acusação relacionada à cor da pele; racismo; abuso de poder e
aos valores instituídos
injustiça social; marcas de representatividade.
socialmente.

Externas, relacionadas
PRAXEOLÓGICA Gênero CARTA ABERTA e a expressividade/subjetividade no ao conhecimento sobre
relato de fatos. as trocas
comunicativas.
55
campo das práticas de estudo e pesquisa
apresentação oral, palestra, mesa-redonda, debate, artigo de divulgação
científica, artigo científico, artigo de opinião, ensaio, reportagem de divulgação
científica, texto didático, infográfico, esquemas, relatório, relato (multimidiático)
de campo, documentário, cartografia animada, podcasts e vídeos de divulgação
científica

56
Texto 14

57
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Internas, relacionadas à
LINGUAGEIRA Gráfico e suas convenções; linhas, eixo, escalas etc. identificação dos signos
e dos códigos.

Externas, relacionadas
REFERENCIAL Título do gráfico e da reportagem indicam o tema e
ao conhecimento de
despertam informações anteriores. mundo.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA
Racismo estrutural. aos valores instituídos
socialmente.

Externas, relacionadas
PRAXEOLÓGICA Gênero “infográfico” e notícia, orientando para a criação de ao conhecimento sobre
expectativa relacionada a dados objetivos. as trocas
comunicativas.
58
Campo artístico-literário
peças teatrais, músicas e filmes, slams, canais de booktuber, resenhas (com
comentários de ordem estética e afetiva e justificando suas apreciações) em
jornais, blogs e redes sociais, vlogs e podcasts culturais (literatura, cinema,
teatro, música), playlists comentadas, fanfics, fanzines, e-zines, fanvídeos,
fanclipes, posts em fanpages, trailer honesto, vídeo-minuto

59
Texto 15

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Excerto
O colo de minha avó eram as minhas férias. Por que eu não podia ser igual a uma
Naquele janeiro, fui para o sítio. princesa?

A minha casa tem guarita, portão eletrônico, Ela não repetiu “minha filha, você é uma
cachorro. O sítio tem mato, rio, sapos. princesa”. Mas riu bastante. Minha neta,
que tipo de princesa você quer ser?
Ela percebeu. Na hora.
Nem precisei não brincar com borboletas Hã? Como assim “que tipo de princesa”?
e não contar estrelas.
Acho que falei com os olhos. Minha avozinha riu mais ainda,
como sabiá na laranjeira.
Minha avó me deu um banho,
cantando enquanto jogava água em mim.
No balde, muitas folhas.
A água tinha perfume e carinho.
61
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Identificação por expressões nominais ; poeticidade; Internas, relacionadas à


LINGUAGEIRA expressividade; estrutura da narrativa e suas convenções identificação dos signos
gráficas. e dos códigos.

Cena evoca relação familiar amorosa; banho cheiroso Externas, relacionadas


REFERENCIAL
e cantando evoca prática ancestral; “tipo de princesa” ao conhecimento de
evoca pluralidade x universalidade; metáforas. mundo.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA Racismo estrutural; reconstrução de identidade;
aos valores instituídos
representatividade. socialmente.

Gênero CONTO ILUSTRADO, expectativa de uma Externas, relacionadas


PRAXEOLÓGICA história ficcional, interação de personagens, ao conhecimento sobre
ambientação e tempo da narrativa; discurso indireto as trocas
etc. comunicativas.
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Texto 16

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66
67
68
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Identificação por expressões nominais e ilustração com traços


Internas, relacionadas à
“infantis” e colorido farto; imagens de cenas da favela e de
LINGUAGEIRA identificação dos signos
elementos significativos em destaque; expressividade;
e dos códigos.
estrutura da narrativa e suas convenções gráficas.

Externas, relacionadas
REFERENCIAL “Mostração” de uma favela diversa daquela que a
ao conhecimento de
mídia apresenta; “lugar de fala”. mundo.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA
Combate à segregação socioespacial. aos valores instituídos
socialmente.

Externas, relacionadas
PRAXEOLÓGICA Gênero CONTO ILUSTRADO e a ao conhecimento sobre
expressividade/subjetividade na descrição da favela. as trocas
comunicativas.
69
Texto 17

Eva contra as almas deformadas, de Eliane Brum.


Crônica publicada em 14 de agosto de 1999 e,
posteriormente, em 2006, na coletânea A vida que
ninguém vê (Arquipélago Editorial – Porto Alegre)

Esta é a história de uma mulher que cometeu um crime que a humanidade não perdoa.
Recusou-se a ser vítima. Eva Rodrigues preenchia todos os requisitos para a sentença. Era
mulher: coitada. Era negra: coitada. Era pobre: coitada. Ainda não era tudo. Eva nasceu de um
parto sofrido. Teve paralisia cerebral. O corpo todo tremia, ela derrubava a comida, caminhava
mal, era toda um desajeito. À Eva, o mundo reservava apenas um destino: o de ser coitada. Eva
poderia estender a mão e pedir esmolas. E receberia olhares de profunda pena. Em troca da
moeda, devolveria ao doador o alívio não apenas da caridade, mas outro, secreto: a garantia de
que a deformidade, assim como a loucura, está sempre no outro.
Eva rebelou-se. Decidiu que não seria coitada. Que o mundo se virasse com isso. (...)
O que não perdoam a Eva é, sendo mulher, negra, pobre e deficiente física, ter completado a
universidade. E neste país. (...) 70
COMPETÊNCIA IDENTIDADES SIGNIFICATIVAS INFERÊNCIAS

Identificação por expressões nominais e foto; Internas, relacionadas à


LINGUAGEIRA poeticidade; estrutura da narrativa e suas convenções identificação dos signos
gráficas. e dos códigos.

Externas, relacionadas
REFERENCIAL Descrição de uma mulher com características para ser
ao conhecimento de
discriminada socialmente. mundo.

Externas, relacionadas
AXIOLÓGICA Combate ao preconceito estrutural, de gênero e
aos valores instituídos
contra os portadores de necessidades especiais. socialmente.

Gênero CRÔNICA-REPORTAGEM e o misto Externas, relacionadas


PRAXEOLÓGICA ao conhecimento sobre
expressividade/subjetividade e as trocas
informatividade/objetividade. comunicativas.
71
Para finalizar

72
Desfragmentação das aulas de LP
✘ Ainda que seja realmente preciso um momento
dedicado a algum aspecto gramatical; outro, para
leitura mediada; e outro, para produção de textos, essas
atividades precisam mostrar uma continuidade,
migrando de uma tarefa para outra em torno de algum
aspecto comum, eleito para estudo. É uma opção
pedagógica factível, mas exigente de algum tempo para
elaboração de atividades em sequência e em
convergência.
73
✘ É preciso que a escola esteja atenta para não voltar a
priorizar o trabalho quase exclusivo do texto escrito
(formal e/ou canônico) e da norma padrão sem
proporcionar uma interface entre os conhecimentos,
sem oferecer uma variedade ampla de textos, de
gêneros discursivos, de ambientes de comunicação, que
aguce a observação da abundância de formas e de
intencionalidades próprias da comunicação humana –
incluindo a indispensável entrada da multimodalidade
como objeto de estudo/ensino-aprendizagem.

74
• Destaca-se, mais uma vez, o importante papel do
trabalho com o texto literário na escola, principalmente
por talvez ser essa a única oportunidade de o aluno
entrar em contato com esse tipo de bem cultural, que
desenvolve, de modo singular, não só a capacidade
interpretativa do leitor, mas sua humanidade. A leitura de
contos, crônicas literárias, poemas (em suas variadas
vertentes, incluindo letras de música, raps, slams) oferece
uma experiência estética e ética inestimável, que não
deve ser ignorada.

75
referências
✘ ANTONIO, Luiz. Uma princesa nada boba. Ilustrações de Biel Carpenter. São Paulo: Cosac
Naify, 2011.
✘ BIZZOCCHI, Aldo. Cognição: como pensamos o mundo. Ciência Hoje, v. 30, n.º 175, setembro
de 2001.
✘ BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
✘ CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012.
✘ CHARAUDEAU, Patrick. Compreensão e interpretação: interrogações em torno de dois
modos de apreensão do sentido nas ciências da linguagem. 2019. Disponível em
https://ciadrj.letras.ufrj.br/wp-content/uploads/2019/11/ARTIGO-CHARAUDEAU-
20193.pdf. Acesso em: 06 jan. 2022.
✘ EMEDIATO, Wander. Contrato de leitura, parâmetros e figuras do leitor. In: MARI, Hugo;
WALTY, Ivete; FONSECA, Maria Nazareth (orgs.). Ensaios sobre leitura 2. Belo Horizonte,
MG: Editora PUC Minas, 2007.

76
✘ FERES, Beatriz dos Santos. O ato de ler numa perspectiva
interativa: os níveis de construção de sentido dos textos. In: DIAS,
André; FERES, Beatriz dos Santos; ROSÁRIO, Ivo da Costa do (orgs.).
Leitura e formação do leitor: cinco estudos e um relato de
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✘ MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1982.
✘ ROCHA, Ruth. De repente dá certo. Ilustr. Graça Lima. 14. ed. Rio de
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