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HAHNE~
A MULHER BRASILEIRA
.e suas lutas sociais e políticas: .
1850-1937
Copyright© June E. Hahner
Tradução:
Maria Thereza P. de Almeida
Heitor Ferreira da· Costa
Capa:
Moema Cavalcanti
Revisão:
Newton T. L. Sodré
Rosane Scoss Nicolai
[P
editora brasiliense s.a.
01042 - rua barão de itapetininga, 93
são paulo - brasil
A minha mãe.
r
fNDICE
Prefáeio .................................. . 9
Intre~ão ..............................•.. 13
1. M-mulheres e os direi-tos da mulher ao B,asil de mea-
dos de séeule XIX ........................... · 24«r--
II. O início da imprensa feminina ................. . 34
III. Associações de mulheres e o movimento abolicionista 44
IV. O feminismo e o desenvolvimento da imprensa femi-
nina 51
V. Ed\Jcação superior e profissões para as mulheres .... 66 <i--
VI. 0-su&ágio feminino e a A.ssembléia Constituinte de
--... 1-89¼- .•..............•.•.............••...• 77
·~ Madan9as de atitudes 110 séeulo XX ............ . 88·-;--
vJU5,_ ,,-'-
Organizando se para o sufrágio feminino .. ~ .•..... 96 ~ - ,1
IX. O voto· ..........· .......................... . 112
-'\) A.pmtliees
I. As nessas assigeantes ........................ . 126
li; O que _queremas? ........................... . 128 ~--- ·
Igualdade de diffites ......................... . 131-(-f---
Ili-:- O- nosso aniYersário ••.•. : .••..•...•..•.•..... 135
IV:--<::artas de mulher ............................ . 138
PREFÁCIO
Sinto,' como historiadora e como mulher, que esta hijtória JUNE E. HAHNER
perdida precisa ser recobrada. As mulheres devem ter sua história.
As corajosas pioneiras feministas do Brasil do século XIX e suas
sucessoras precisam ser conhecidas por esta geração. Era meu
dever, e uma tarefa excitante, escrever este livro.
Boa parte da pesquisa necessária foi realizada na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Também importantes foram os acer-
vos do Arquivo Nacional, especialmente do arquivo da Federação
Brasileira para o Progresso Feminino, e as coleções do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Municipal da Cidade
do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
e do Arquivo do Estado de São Paulo. Sou profundamente grata
pela ajuda que me foi dispensada pelos membros dessas institui-
ções. Tive também a sorte de poder consultar os escritos pessoais
de Carrie Chapman Catt, a líder sufragista norte-americana, na
Biblioteca Pública de Nova York, além de materiais relacionados
ao assunto na Sophia Smith Collection do Smith College.
INTRODUÇÃO
Uma razão importante para essa desatenção diz respeito à para que merecessem exame. Com a ascensão da história econô-
natureza da história tradicional assim como àqueles que a escre- mica e da história social e com o interesse crescente pelos grupos
vem. Os homens, enquanto transmissores tradicionais da cultura marginalizados do poder, a mulher passará a receber mais atenção.
na sociedade, incluindo o registro histórico, veicularam aquilo que Mas a história dos últimos séculos, seja a história da América La-
consideravam e julgavam importante. Na medida em que as ati- tina, da Europa, dos Estados Unidos ou de qualquer outra parte
vidades das mulheres se diferenciam consideravelmente das suas, do mundo, ~inda tem sido escrita, geralmente, como se os impor-
elas foram consideradas sem significação e até indignas de menção. tantes processos de industrialização, urbanização, modernização e
Por isso as mulheres permaneceram à margem das principais re- até de reprodução da população acontecessem, aparentemente, sem
lações do desenvolvimento histórico. Na medida em que os his- a participação, ou mesmo a presença, do sexo feminino. A mulher
toriadores, em geral pertencentes ao sexo masculino, devotavam tem sido sujeitada não apenas à negligência mas também aos es-
seus maiores esforços à investigação da transmissão e exercício do tereótipos e à distorção dos fatos históricos. Ainda se presume,
poder, a mulher continuava a ser basicamente ignorada. Na his- demasiadas vezes, que o que se afirma a respeito do homem é
tória política, diplomática e militar havia pouco lugar para a mu- igualmente verdadeiro para a mulher. Muitos historiadores e cien-
lher, que há muito tem estado bastante afastada da estrutura de tistas sociais ainda perpetuam conceitos sobre a realidade que são
poder. Mas, nas últimas décadas, a tradicional concentração da meras representações ou percepções de um grupo masculino do-
história nas elites e nas classes superiores e em grandes aconteci- minante, grupo esse que elabora um constructo parcial como se
mentos públicos, como eleições nacionais, guerras, lutas civis e fosse a complexa totalidade social.
revoluções, vai cedendo lugar a novas abordagens. Os estudiosos O desenvolvimento da história da mulher foi facilitado em
começaram a achar e a exibir informações sobre grupos sociais grande parte pela ascensão da história social e pelo interesse cres-
previamente considerados muito insignificantes ou demais obscuros cente pelos acontecimentos locais e pela vida familiar e cotidiana
das pessoas. Por sua vez, a própria história social pode bene-
camente úteis ao escrever essa Introdução acham-se: DAVIS Natalie ficiar-se de uma história da mulher e das questões que esta suscita.
Zem?s. "W~men's History in transition: the European case." 'Feminist
~tud1es. ~r1mave~a-verão de 1976, III:83-103; KELLY-GADOL, Joan. A história social pode tirar proveito do acréscimo do sexo, como
Th~ so~1al re~atl~ns of the sexes: methodological implications of Wo- fator para análise, aos já bem conhecidos conceitos de classe, raça
~en s H1story. S1gns: Journal of Women in Culture and Society. Ve-
rao de 1976, 1:809-823; LERNER, Gerda. "New approaches to the e etnicidade. De há muito que a história social tende a ignorar as
study of women in American History". /ournal of Social History. Ou- mulheres e a interação entre os sexos. Os estudos de casamento
ton? _d_e 1969. 111:53-62; ~~RNER, Gerda." Placing women in History:
def1mt1ons and challenges. Feminist Studies. Outono de 1975 III ·5-14·
0
ou da vida da classe trabalhadora não podem excluir as ligações
S~ITH, Hilda. "Fe~inism and th~ met~odology of Women's History.! entre os feitos dos homens e os das mulheres.
Irt. CARR(?~. Bem1ce A. (ed.) L1beratmg Women's History. Theoreti-
cal and criticai essays. Urbana, University of Illinois Press 1976 p Embora venha a acontecer uma fecundação cruzada muito
368-384. ' . .
A maior e mais completa bibliografia sobre mulheres na América rica entre a história da mulher e a história social, as relações
espan~ol~ é KNASTER, Meri. Women in Spanish America: an annota- entre as dua,s permanecem complexas, intrincadas e de difícil aná-
ted b1blwgraphy from Pre-Conquest to Contemporary Times. Boston, lise. As duás não são idênticas e a história da mulher não é apenas
G. K: J:Iall, 1977: Podem-s~ encontrar bibliografias mais curtas e mais
espec1_ahzadas, ta1! como A bibliography on Cuban women in the um ramo da história social. A história da mulher tomou-lhe de
twentieth ~entury. ln: Cuban Studies Newsletter. Junho de 1974. IV. empréstimo muito de seus temas, perspectivas e fontes. Da mesma
~ ~undafªº Carlos Chagas, em São Paulo, está trabalhando numa
l b1bhograf1a ~e~al re~e~nte ~ mulheres no Brasil, tendo já publicado: forma que boa parte da história social, também a história da mu-
\ J.!~lher Brasileira. B1blwgraf1a anotada. Vol. I. São Paulo, Editora Bra- lher luta por uma visão de um grupo subordinado da sociedade.
siliense, 1979.
16 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 17
Partilha com a história social a recusa de uma conceituação de Contudo, não podemos esquecer que qualquer investigação do
história como área de eventos políticos ou de indivíduos heróicos. status das mulheres, isto é, de sua posição e poder, deve estar vin-
Também lida com a dicotomia entre o comportamento ideal e o culada e relacionada aos papéis e à posição que as mulheres man- '
real. No entanto, mesmo assim, a história da mulher poderia pos- têm na sociedade enquanto comparados aos ocupados pelos homens.
sivelme~te ser considerada como ·uma derivada lógica da história O passado das mulheres não pode ser estudado num vácuo. As
social; ela diverge da história social numa premissa básica: mu- mulheres fqram uma parte da sociedade em que viveram e cujos
eres e homens ocupam posições diferentes na sociedade, e não valores absorveram. Devemos esforçar-nos em aprender como sua
odemos automaticamente estudar homens e mulheres dentro da experiência distinta afetou essa absorção, não as isolando de seu
·~
· esma estrutura conceituai. Devemos recusar a aplicação, à mu- cenário histórico.
··lher, de critérios explicitamente masculinos, pois, quando se em-
pregam tais critérios no exame do passado, a mulher desaparece São grandes as dificuldades envolvidas na realização de um
em grande parte, da história. estudo da mulher. Não é fácil reconstruir o passado do ponto de
vista feminino, ponto de vista, lembr.emos, de mulheres de diferentes
Em vez de perguntar por que a mulhe~ detém tão poucas classes e camadas sociais.
realizações de "importância histórica", devemos questionar os pa-
drões que foram e estão sendo utilizados para avaliar o que é Primeiro, devemos considerar como pode ser abordada a pro-
efetivamente de significação histórica. Se as mulheres são virtual- blemática da mulher, Como se pÚde desenvolver uma estrutura
mente invisíveis na esfera pública, então até que ponto será sig- -cõnceitual útil e válida para o estudo da mulher? Como podemos
nificativa esta esfera? A história das mulheres precisa enfocar mesmo conceptualizar a mulher? Enquanto geralmente maioria da
também locais particulares. Em lugar de perguntar qual foi o papel humanidade, as mulheres claramente constituem o maior "grupo"
1 das mulheres em determinado movimento, devemos indagar que do mundo, embora também participem de quase todos os outros
\ luz aquelas atividades irradiaram sobre os papéis das mulheres; do grupos dentro da sociedade. As mulheres estão distribuídas por to-,
·contrário, a maioria das mulheres são definidas como marginais à da a população e, excluindo-se organizações com interesses espe-
história. ciais, elas ainda não se uniram. Essa unidade e diversidade simul-
tânea confundiram qu~se t.º~?s ~s que tentaram lutar com ~la. ParD ~-
Se um dos objetivos-chave da história da mulher é transcen- tomar o problema mais d1f1c1l amda, as mulheres se constituem Iio ·
der .0 preconceito masculino, conseqüentemente a característica único grupo que, como uma totalidade, geralmente recebe trata- ~-V·
distintiva dos escritos históricos sobre a mulher está nessa perspec- mento desigual, e cujos membros vivem em maior intimidade com
tiva feminina, embora esta perspectiva não seja de fácil definição. seus "opressores" do que entre si mesmas.
Mas certamente as mulheres precisam ser estudadas nos seus pró-
prios termos, à luz das atividades que executam e das posições que Alguns estudos que tratam da história da mulher utilizaram
ocupam em suas próprias sociedades. Devem-se trazer novos pres- outros grupos distintos como modelos para fazer comparações, de
supostos na consideração da mulher na história. Devemos rejeitar modo que a posição das mulheres foi igualada à dos escravos ou à
conscientemente, a aplicação, à mulher, de critérios implicitamente das minorias raciais ou étnicas oprimidas ou à de grupos economi-
masculinos.(Pode-se ver a história da mulher como o estudo de sua camente carentes. Estas comparações são, no entanto, realmente
>~
//
experiência de vida, atividades, valores, funções, ~roblemas comuns.
e percepções, como mudaram no tempo, entre divers~s pov~ .en\_
diferentes lugares, enquanto estudados de uma perspectiva femmma;
inadequadas. A comparação com os escravos é antes um artifício
retórico que uma afirmação factual. Ainda que as leis negassem
igualdade de cidadania às mulheres, não lhes era negada liberdade \.
__)
18 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 19
física. Por outro lado, os escravos poderiam eventualmente fugir Como devem, então, ser tratadas e discutidas as mulheres na
ou comprar sua alforria, enquanto a femililidade era inelutável para história? Quais são as abordagens para a história das mulheres?
as que nela nasceram. A escravidão foi de modo geral uma experiên- Alguns dos primeiros estudos sobre mulheres foram sobre mulhe-
cia coletiva, enquanto as mulheres, por comparação, freqüentemen- res notáveis, mulheres "importantes" omitidas da história tradicional.
te sofreram em isolamento. De qualquer modo, mesmo sob a es- Esta é uma forma de história compensatória, uma espécie de con-
,1 cravidão, as escravas eram oprimidas diferentemente dos escravos. traparte neçessária daquilo que se tem chamado de teoria de "mu- .
A comparação com os grupos minoritários é também um tanto lheres amestradas", ou então história convencional, com as raízes
insatisfatória. Com poucas exceções, todos os membros de um gru- patriarcais que dominam a historiografia tradicional, que não vê as
po minoritário que sofre discriminação geralmente compartilham o mulheres de nenhuma maneira especial, e que nega a necessidade
status inferior de todo o grupo. Mas as mulheres podem ser esposas de aplicação de quaisquer critérios especiais; as mulheres deveriam
de presidentes e irmãs de banqueiros, e podem até casar-se com ter sido unicamente percebidas quando surgissem em papéis que
membros desse status, ao contrário da maioria dos membros dos lhes eram atribuídos pela sociedade dominada e definida pelos ho-
grupos minoritários. Logo,· o paralelo com minorias raciais ou étni- mens, ou quando elas eventualmente surgissem em papéis normal-
cas não é exato. Nunca é possível excluir as mulheres da mesllla mente reservados para os homens. Essa visão tradicional das mu-
forma como é possível excluir outros grupos marginais, devido à lheres é aquela das mulheres como um "segundo sexo", como um
importância vital das mulheres em satisfazer as necessidades mas- desvio do sexo masculino dominante. Assim, para corrigir esta
culinas de prazer e procriação. As mulheres são uma categoria por espécie de história convencional, uma das primeiras formas de
si próprias. Analogias com minorias ou outros grupos sociais podem história das mulheres foi, logicamente, uma espécie de história te-
aproximar-se da posição das mulheres, mas essas analogias não rapêutica ou compensatória, alguma coisa de que ainda se tem
conseguem defini-la adequadamente. necessidade em diferentes formas. Esta é a abordagem que per-
As mulheres formaram geralmente a maioria da/ população, gunta: Quem são as mulheres ausentes da história? Quais são as
não uma pequena minoria, e não eram uma minoria oprimida uni- mulheres de feitos e que feitos realizaram? Contudo, essa aborda-
formemente e não integrada. Embora por séculos a maioria das gem ainda representa uma tentativa de encontrar mulheres adequa-
mulheres fosse excluída das posições de poder, algumas mulheres, das para ajustá-Ias às categorias já existentes da história cronoló-
como membros de famílias, como irmãs ou esposas, estavam mais gica. Esta abordagem fala-nos antes de mulheres notáveis, excep-
próximas do poder real do que muitos homens. Enquanto algumas cionais, do que da massa de mulheres na história.
mulheres estavam entre os mais explorados dos trabalhadores, ou-
tras achavam-se entre os exploradores. Se algumas mulheres expres- Podemos também encontrar outros estudos sobre as mulheres
savam insatisfação com suas oportunidades limitadas, outras que descrevem suas contribuições para a sociedade, tanto quanto
pareciam ajustar-se à sua posição na sociedade e algumas vezes seu status na sociedade dominada pelo macho. No entanto, essa
combateram os esforços para mudá-la. Diferentemente de grupos abordagem ao estudo das mulheres parece algumas vezes uma des-
verdadeiramente marginais, as mulheres estão distribuídas por to- crição, ao menos potencial, daquilo que os homens mandavam-nas
dos os grupos e classes sociais e têm operado com os machos de fazer ou do que eles pensavam que as mulheres deveriam ser. Em-
seu grupo e classe. As mulheres têm sido e sempre serão a metade bora devamos estudar imagens e estereótipos e a sua importância,
da população de suas regiões e países, e suas atividades têm sido aplicação e freqüente negação na realidade - de fato, toda a ação
sempre parte essencial e integral da história de seus países, ainda recíproca entre imagem e realidade - , devemos também ir além
que geralmente não reconhecidas como tal. destes ao analisar as atividades das mulheres. Certamente, os pa-
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péis sexuais devem ser examinados cuidadosamente em termos de sua participação nas estruturas econômicas, regionais tanto quanto
sua fluidez assim como de sua complexidade. nacionais. Registros de paróquia e batismais para o período colonial
e recenseamento e registros civis para o século XIX e inícios do
Relacionadas às questões da contribuição das mulheres à so- século XX fornecem informação básica que permite aos historiado-
ciedade e de seu status na sociedade, estão as relativas à opress.ão res reconstruir a família e estabelecer padrões de índices de casa-
das mulheres e seu contrário - a luta pelos direitos da mulher. mento e de .fertilidade. Podem ser utilizadas fontes impressas ainda.
Estas são questões bastante válidas, e a elas se tem dado mais aten- mais convencionais, como debates em congressos, jornais e revistas,
ção do que a outros tópicos. Certamente prestam-se bem a estudos para o esclarecimento de uma variedade de itens, como divórcio,
comparativos. Mas isto tampouco é suficiente. sufrágio feminino ou feminismo, incluindo tanto conceitos tradicio-
A história das mulheres não pode ser vista apenas como uma nais quanto os pontos de vista reformadores acerca das ipulheres e
história exclusivamente de protesto, nem como uma história de con- da família. Novas metodologias, como história oral, d!mografia,
tribuidoras, focalizada em mulheres famosas. Também não pode- história quantitativa, biografia coletiva, iconografia, psico-história,
mos estudar apenas imagens de mulheres, ou seus papéis sexuais, e o uso de métodos comparativos entre-nações têm muito a contri-
embora tudo isso seja importante e merecedor de exame erudito buir para o estudo sobre as mulheres. Deveríamos esforçar-nos pa-
minucioso. Deve-se investigar a gama total de experiências de vida ra recolher o material necessário para explorar os efeitos de mudan-
das mulheres, suas atividades, funções, problemas, percepções e ças demográficas e geográficas na estrutura familiar e nos sistemas
valores. Mas não há uma única forma de se fazer isso. Nenhuma de parentesco, ou para investigar os efeitos de movimentos ·filosó-
explicação de um fator, de quatro ou de oito fatores pode servir ficos e religiosos sobre as percepções que as mulheres têm de seus
para dar conta de tudo que a história das mulheres abrange. Isto papéis e sobre as relações de poder entre homem e mulher, ou
não seria suficiente para estudar os homens, e certamente também então para pesquisar a presçrição de papéis e a insatisfação com
não basta para as mulheres. A própria complexidade de experiên- eles e tentar relacioná-los ao comportamento real.
cia das mulheres, a dualidade dessa experiência, torna nossa tarefa
ainda mais difícil e desafiadora, pois as mulheres permanecem tanto Procurando acrescentar as mulheres ao lastro do conhecimento
no centro como na margem, assim entre os oprimidos como entre histórico, a história das mulheres pode fazer importantes contribui-
os opressores. ções à historiografia, abalando algumas bases conceituais normati-
vas do estudo histórico e aumentando a perícia e habilidade dos
Como se deve reconstruir essa complexa realidade? Não serão historiadores. O estudo dos papéis sexuais deveria estender o trei-
suficientes apenas os métodos e fontes tradicionais, especialmente namento interdisciplinar daqueles que o executam, para o benefí-
as velhas abordagens políticas. Embora as metodologias de história cio geral da profissão de historiador. As questões históricas amplas,
social e de história familiar mostrem-se muito úteis, não devemos como as de propriedade, poder e estrutura social, adquirem novas
limitar-nos a estas tampouco. Devemos explorar novas abordagens dimensões. As teorias da periodização precisam ser revistas. A his-
e novas fontes e conjuntos de dados, variando desde baladas e crô- tória das mulheres desilude-nos da noção de que a história da
nicas de acontecimentos memoráveis de famílias até às atas de reu- mulher seja a mesma que a história dos homens, e de que os pontos
niões de organizações de mulheres. O emprego de documentação, de mudança significativos na história exercem o mesmo impacto
como testamentos, registros notariais ou judiciais, possibilitou dis- num sexo como no outro. Por exemplo, não houve "renascença"
tinguir o ideal formal do comportamento das mulheres expresso alguma para as mulheres na Europa; ao menos não durante a Re-
pela lei da extensão real das atividades das mulheres, incluindo nascença. Ao contrário, houve uma manifesta restrição do campo
22 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 23
de ação e dos poderes das mulheres. Além disso, essa restrição arruinaram movimentos feministas em vários países não-socialistas
surgiu desde o exato desenvolvimento pelo qual a era é registrada. e o feminismo tem estado expressamente subordinado à luta de
Na verdade, as mulheres estavam em melhores condições na Idade classes no feminismo socialista. Devemos esfçrçar-nos por com-
Média, quando a ignorância geral tanto dos homens quanto das preender as conexões entre as mudanças nas relações de classe e
mulheres era maior, e a falta de instrução não era considerada um de sexo, e devemos investigar as mudanças nos papéis dos homens
sério defeito. Embora a Renascença abrisse novas oportunidades e das mulh~es à luz de mudanças fundamentais nos modos de
educacionais aos homens, não podemos supor que tenha feito o produção.
mesmo pelas mulheres. Devemos olhar cuidadosamente para o que A h~tória das mulheres pode levar-nos a alguma coisa de
aconteceu a ambos os sexos durante um período determinado na maior extensão na história humana. Pode ajudar-nos a ver como a
história, de modo a avaliar que progresso as mulheres poderiam sociedade funciona, como o poder e os papéis são distribuídos,
estar fazendo. Se os homens deram passos de gigante, como foi o como operam os mecanismos de controle social, quais são as pré-
caso com muitos homens durante a Renascença, e as mulheres condições para as mudanças sociais e quais são as experiências in-
moveram-se apenas um passinho, como ocorreu com mulheres da dividuais comuns e quais as diferentes, baseadas em sexo, raça e
mesma classe durante aquele período, então elas deveriam estar em classe. Em potencial, a história das mulheres na '\'erdade representa
condições bem piores do que antes de seu frágil progresso. o oposto do interesse estreito e sectário que lhe foi atribuído por
A história das mulheres também pode contribuir muito para alguns críticos. Concentrar-se na "outra metade" da humanidade
as categorias de análise social e de mudança histórica. O sexci é fornece uma oportunidade inestimável para escapar do quadro li-
uma categoria tão fundamental para a análise da ordem social mitado da história tradicional, e ajudar-nos-á a alcançar uma visão
quanto outras classificações, como classe e raça. Os historiadores mais abrangente do passado.
precisam considerar as conseqüências provenie~tes do gênero do
mesmo modo como fazem com as de classe. A relação dos sexos,
como a de classe e a de raça, é antes social que naturalmente cons-
tituída, com desenvolvimento próprio, variando com as mudanças
na organização e na estrutura social. Engastada pela ordem social
e por ela moldada, a relação dos· sexos deve ser integral para qual-
quer estudo dessa ordem social.
A análise de classes pode ser estendida às mulheres. Podería-
mos seguir as raízes do status secundário das mulheres da história
até à economia, visto que as mulheres, enquanto grupo, tiveram
uma relação característica com a produção e a propriedade em
quase todas as sociedades. As conseqüências pessoais e psicológicas
do status secundário podem ser vistas como oriundas dessa relação
especial ,para com o trabalho. Mas uma coisa é tentar estender os
instrumentos de análise de classe às mulheres e outra coisa é sus-
tentar que as mulheres são uma classe. Melhor, as mulheres perten-
cem a diferentes classes sociais. As divisões de classe romperam e
26 JUNI! E. HAHNER
vemos perguntar o que aconteceu no Brasil quando as questões da a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, as mu-
emancipação e dos direitos da mulher passaram de uma posição lheres da classe superior começaram a seguir mais os modos de
marginal a uma forma aceitável de atividade de elite. comportamento europeu. De acordo com dois cientistas bávaros,
Johann B. voo Spix e Karl F. P. von Martins, as mulheres partici-
De acordo com o estereótipo comum da família patriarcal bra-
pam "na mudança que a transferência da corte para cá ocasionou
sileira, o marido autoritário, rodeado de escravas concubinas, domj..-,__
e são agora mais freqüentemente vistas no teatro e ao ar livre". 5
nava seus filhos e a esposa submissa. Esta se transformou numa
Pela metade do século, Daniel Paris Kidder e· James C. Fletcher,
criatura indolente, passiva, m-antida em casa, que gerava muitos
dois missionários protestante norte-americanos, observaram uma
filhos e maltratava os escravos. Relatos de diversos viajantes es-
tendência crescente das mulheres da classe superior no Rio de Ja-
trangeiros dão testemunho dessa imagem. Por exemplo, John
neiro de aventurar-se a ir a festas, à igreja e ao teatro. Mas, como
Luccock, um comerciante inglês, em 1888, comentou causticamente
John Luccock décadas atrás, afirmaram que essas mulheres torna-
o envelhecimento precoce e o crescente mau humor e gordura das
vam-se rapidamente corpule11tas em virtude da falta de exercício ao
mulheres da classe superior no Rio de Janeiro, que ele atribuiu a
ar livre e que estavam constantemente cercadas de escravos. 6 Um
hábitos de reclusão e indolência.2 Todavia, o estereótipo da fêmea
naturalista norte-americano, Herbert H. Smith, viajando pelo Ama-
pura, protegida, não era universalmente válido. O comportamento
zonas, relatou que diminuía a reclusão de mulheres da classe supe-
real variava conforme a classe. As mulheres da classe inferior
rior na cidade de Belém, mas não em cidades menores da área. 7
conheceram maior liberdade pessoal, assim como trabalho físico
árduo. Mesmo entre a elite, nem todas as mulheres eram confina- Poucos sinais do pensamento ou de atividades feministas surgi-
das à esfera privada do lar e excluídas da esfera pública, entregue ram entre as mulheres do Brasil durante a primeira metade do sé-
aos homens, como no caso de viúvas ativas que dirigiam fazendas. 3 culo XIX. Nísia Floresta Brasileira Augusta, talvez a mais destacada
Nas cidades, as mulheres de elite que permaneciam em grande parte intelectual brasileira do período e uma das primeiras feministas do
reclusas em suas casas, freqüentemente administravam grandes esta- país, mostrou ser a exceção 1 Nascida no Rio Grande do Norte, em
belecimentos, cheios de parentes, servidores e escravos. Tais mu- 1809, Nísia Floresta, como muitas moças brasileiras, foi forçada a
lheres puderam exercer influência indiretamente, nos bastidores, so- casar-se jovem. Mas logo separou-se de seu marido e mudou-:se pa-
bre homens que ocupavam cargos de importância na esfera pú- ra a cidade de Olinda, onde formou nova aliança. A morte de seu
blica. Contudo a autoridade do marido e do pai permanecia suprema companheiro deixou-a sozinha em Porto Alegre na idade de 24
e a esposa era-lhes sujeita. 4 anos, com duas crianças e a mãe idosa para sustentar. Como algu-
Visitantes estrangeiros do século XIX relataram que lentamen- mas feministas posteriores e outras mulheres brasileiras, ela dirigiu-
-t/te ocorriam mudanças na vida· das mulheít\s da elite urbana. Após
promulgação do Código Civil em 1916, as mulheres eram menores perpé-
tuos sob. a lei. Ver ARARIPE, Tristão de Alencar. Código Civil Brazi-
2. Ll!CCOCK, John. Notes on Rio de Janeiro and the Southem Parts of • leiro, ou leis civis do Brazil dispostas por ordem de matérias em seu
Brazil taken during a residence of ten years ( ... ) 1808-1818. Londres; estado actual. Rio de Janeiro, H. Laemmert & Co., 1885. Além do
S. Leigh, 1820. p. 111. mais, o novo Código Civil de 1916 na verdade não alterou a matéria.
3. O reverendo Robert Walsh, capelão do embaixador britânico, em via- 5. VON SPIX, Johann B. e VON MARTIUS, Karl F.P. Traveis in Brazil
gem por Minas Gerais, no fim da década de 1820, observou que "as in the years 1817-1820, trad. de H.E. Lloyd. Londres, Longman, Hurst,
esposas de _fazendeiros freqüentemente deixadas viúvas, dirigiam por Rees, .Orme, Brown & Green,, 1824. 1:159.
conta própna as fazendas e os escravos, e em tudo assumiam o papel 6. FLETCHER, James C., e KIDDER, Daniel Paris. Brazil and the Brazi-
e os encargos do marido". WALSH, Robert. Notices of Brazil in 1828 lians portrayed in historical and descriptive sketches. 7. ed. Boston,
and 1829. Londres, Frederick Westley and A. H. Davis 1830. 2 v. 11:28. Little, Brown & Co., 1897. p. 163-170.
4. S~b a estrutura de dir«:ito civil vigente, uma extensão do Código Fili- 7. SMITH, Herbert H. Brazil. The Amazons and the coast. Nova Iorque,
ptno de 1603, que basicamente permaneceu em vigor no Brasil até a Charles Scribner's Sons, 1879. p. 50, 122-123.
30 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 31
se para o magistério, estabelecendo-se no Rio de Janeiro, onde fun- lheres da classe superior urbana e trariam mais oportunidades para
dou uma escola que permaneceu firme por dezessete anos. Sua tra- que mulheres menos excepcionais que Nísia Floresta também ex-
dução livre da obra pioneira da feminista inglesa Mary Wollsto- pandissem seus horizontes. Os avanços tecnológicos europeus eram ·
necraft, Uma reivindicação pelos direitos da mulher, apareceu ini- exportados para o Brasil assim como para muitos outros países. O
cialmente em 1832. Nísia Floresta continuou a advogar mais e(_u- advento da estrada de ferro, do barco a vapor e do telégrafo esti-
cação e uma posição social mais alta para as mulheres, assim como mulou o rjpido crescimento de muitos centros urbanos, tanto em
liberdade de religião e a abolição da escravatura. Ela também pu- área física quanto em população. Aumentou o desequilíbrio regio-
blicou um livro de preceitos e conselhos morais para moças, em nal no Brasil. O equilíbrio de renda e população transferiu-se mais
1842, e uma coleção de artigos sobre educação feminina, em 1853, decisivamente para o sul. A organização sociaJ no sul sofreu rápidas
como também matéria para diversos jornais. Em 1856 mudou-se pa- mudanças, com um número crescente de trabalhadores assalariados
ra a Europa, onde se encontrou com intelectuais franceses, causou tanto nas plantações de café como nas cidades, aumento da imigra-
impressão a Augusto Comte e outros em virtude de seu espírito ção européia e agricultura baseada em pequenas fazendas dos esta-
brilhante, converteu-se ao positivismo, fez muitas viagens e publicou dos ~o extremo-sul. Rio de Janeiro e, em seguida, São Paulo servi-
vários outros livros. Com exceção do período entre 1872 e 1875, ram como centros de exportação de café e se beneficiaram finan-
permaneceu no Velho Mundo, desfrutando daquela agradável ceira e politicamente do desenvolvimento da economia cafeei-
atmosfera intelectual, até sua morte em 1885 na idade de 76 anos. 8 ra. Sede· do poder nacional e de longe a maior cidade do Brasil, o
Rio de Janeiro manteve-se como líder intelectual, cultural e econô-
O Brasil de meados do século XIX que Nísia Floresta aban-
donou era uma nação atrasada em muitos aspectos, com uina socie- mico do país. 9 Mais do que as outras cidades brasileiras, o Rio de<
dade altamente estratificada e uma economia dependente do sistema Janeiro serviu como centro para as primeiras manifestações dos
de trabalho escravo. Os sete milhões de habitantes desse país es- sentimentos feministas entre algumas mulheres cultas das classes
média e superior.
parsamente colonizado, com 8.511.000 km quadrados, estavam con-
centrados na costa. A maioria da população vivia na área rural, Embora as oportunidades educacionais para moças permane-
cultivando a terra com técnicas primitivas. Através da primeira me- cessem limitadas mesmo nas cidades, algu~~ progressos ocorreram
tade do século XIX, a maioria das cidades continuava a ser locais durante a segunda metade do século XIX,j' Mas apenas uma pe-
pacatos com ruas lamacentas, transitadas por mulas de carga, por- quena parte da população do Brasil tornou-se alfabetizada. A edu-
cos e galinhas, embora também servissem como centro social, re- cação era em grande parte uma prerrogativa daqueles a quem se
ligioso e de comércio para as áreas vizinhas. Os meios de transporte
9. Para discussões a respeito ,.:e mudanças sociais e econômicas nas últi-
eram rudimentares e as indústrias de manufatura eram praticamente mas décadas do Império, ver: GRAHAM, Richard. Britain and the
inexistentes. onset of modernization in Brazil, 1850-1914. Cambridge, Cambridge
University Press, 1968. p. 23-50; IANNI, Octavio. Industrialização e
Mudanças de toda sorte surgidm mais rapidamente na segunda desenvolvimento social no hrasil. Rio de Janeiro, Civilização Bfasilei-
metade do século, incluindo aquelas que afetariam a vida das mu- ra, 1963. p. 75-114. COSTA; Emília Viotti da. Da senzala à colônia.
São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966. p. 428-441.
10. Quanto à educação no Império, ver a série em diversos volumes de
8. LEMOS, Lígia. "Pioneiras do intelectualismo feminino no Brasil." For- MOACYR. Primitivo. A instrução e as províncias. 3 v. São Paulo,
mação. (novembro de 1947), 51-52; Lins, Ivan. História do positivismo Companhia Editora Nacional, 1939-40, e A instrução e o império. 3 v.
no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967. p. 19-26; São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938. O melhor e mais
SAFFIOTI, A mulher na sociedade de classes, p. 270; MORAES, Tan- extenso estudo de educação feminina, mas apenas a respeito de São
credo. Pela emancipação integral da mulher. Rio de Janeiro Editora Paulo, é RODRIGUES, Leda Maria Pereira. A instrução feminina em
Pongetti, 1971. p. 88-90; SABINO, Jgnez. Mulheres illustres do Brazil. São Paulo. Subsídios para sua história até a proclamação da República.
Rio de Janeiro e Paris, H. Garnier (1899), p. 171-177. São Paulo, Faculdade de Filosofia Sedes Sapientis, 1962.
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 33
32 JUNE E. HAHNER
outorgavam seus benefícios por nascimento ou posição. De acordo norte-americano: "o próximo passo na vida [das moças brasileiras]
com o censo de 18 72, o Brasil tinha uma população total de é o casamento" .15
10.112.061 habitantes. Mas apenas 1.012.097 homens Iivrés
A primeira legislação relativa à educação de mulheres surgiu
550.981 mulheres livres e 958 escravos e 445 escravas sabiam ler
em 1827, mas a lei admitia meninas apenas para as escolas ele-
e escrever. 11 Em 1873, o império possuía apenas 5,077 escolas pri-
mentares, não para instituições de ensino mais adiantado) A tônica
márias, públicas e particulares. Essas escolas tinham um total de
perm.anecià na agulha, não na caneta. Criaram-se relativamente pou-
114.014 alunos e 46.246 alunas.12 Nas famílias mais ricas, as crian-
cas escolas públicas para . meninas, e os baixos salários oferecidos
ças muitas vezes não eram educadas nas escolas (freqüentemente
aos professores não se mostravam atraentes. As mulheres que ensi-
mal dirigidas) , senão em casa.
navam menina eram ainda menos treinadas e bem menos pagas do
A educação das meninas permanecia atrasada em relação à que os homens que instruíam os meninos. A inadequação tanto
dos meninos. Até a leitura das mulheres, de acordo com Luccock, dos professores de escolas públicas quanto de particulares estimu-
''não devia ir além dos livros de orações, porque seria inútil para lou a criação de escolas normais para treinar professores primários.
uma mulher, nem tampouco deveriam elas escrever, como era Embora a primeira escola aparecesse em Niterói em 1835, seguida
sabiamente ressaltado, a fim de que não fizessem um mau uso da pela da Bahia em 1836, as escolas normais permaneceram em
arte". 13 Mas lentamente a idéia de escolarização para meninas foi- número pequeno, insignificantes ell\matrículas e em situação pre-
se acrescentando à idéia mais antiga de educação doméstica, em- cária até os últimos anos do impérig} Por exemplo, a escola normal
bora não uma educação idêntica · àquela ministrada aos meninos. para rapazes estabelecida em São Paulo em 1846 acrescentou uma
Com o tempo, as meninas ricas não só aprendiam a fazer bolos e seção para moças trinta anos mais tarde. Mas no final do século
doces e a costurar e a bordar, mas também podiam estudar francês XIX essas poucas escolas profissionais urbanas disponíveis eram
e piano, de modo que proporcionassem companhia mais agr3:dável geralmente co-educacionais, e não só preparavam moças para o
e atraente em ocasiões sociais. Conquanto Kidder e Fletcher na magistério como também lhes forneciam uma das poucas oportuni-
metade do século XIX acreditassem que o número de escolas para dades disponíveis para continuarem sua educação. 16 Contudo mui-
meninas estivesse aumentando, sustentavam que, "em oito entre dez tas jovens ainda recebiam instrução sumária em casa ou em escolas
casos, o.pai brasileiro julgava que cumpria seu dever quando envia- particulares, algumas orientadas por religiosos e outras dirigidas por
va sua filha por uns poucos anos para uma escola da moda mantida estrangeiras.
por algum estrangeiro: na idade de 13 ou 14 anos, ele a tirava da
escola, acreditando que sua educação estivesse concluída".14 Como Na relativa proximidade da vida urbana, alguns membros des-
observou com desdém Elisabeth Agassiz, mulher de um naturalista sa crescente minoria de mulheres instruídas tentariam mover-se pa-
ra novas direções. De suas legiões surgiram as primeiras defensoras
11. B'RAZIL, Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento da população da emancipação das mulheres no Brasil e a audiência para os esfor-
do Império do Brazil a que se procedeu no dia 1.º de agosto de 1872. ços e exortações publicados, dessas pioneiras.
21 v. ln 22. Rio de Janeiro, Typ. Leuzinger, 1873-76. XXI (Quadros
Gerais), 1-2; 61.
12. BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições com- 15. AGASSIZ, Luís e AGASSIZ, Elisabeth C. A journey in Brazil. Boston,
plementares da instrução pública. v. X, t. I, de Obras completas de Ticknor and Fields, 1868. p. 479.
Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde. 1947. 16. SAFFIOTI. A mulher na sociedade de classes, p. 202-210; BUSH, Rey-
p. 9-11. naldo Kuntz. O ensino normal em São Paulo. São Paulo, Livraria Re-
l
13. LUCCOCK. Notes on Rio de f aneiro. p. 111. cord, 1935. p. 41-43; RODRIGUES. A instrução feminina em São
14. FLETCHER E KIDDER. Brazil and the Brazilians. p. 164. Paulo. p. 151-162.
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS. . . 35
inteligência. Além do mais, o século XIX foi "o século das luzes"
e a América do Sul não deveria ficar isolada e imóvel. Como as
futuras editoras de jornais feministas no Brasil, Joana Paula Manso _,
de Noronha acreditava fortemente no progresso e estava atenta
aos exemplos colocados pelas nações européias e pelos Estados Uni-
dos, que ela visitou em 1846. Uma vez que muitos membros da
elite brasileira eram em teoria favoráveis ao progresso e reagiam à
liderança estrangeira em outros assuntos, ela argumentava que o
Brasil não devia ficar isolado, "quando o mundo inteiro marcha ao
progresso e tende ao aperfeiçoamento moral e material da Socie-
dade" .1
II
Embora Joana Manso negasse que erguia um exemplo de re-
belião ou que era utópica, mas que, pelo contrário, desejava usar
O IN1CIO DA IMPRENSA FEMININA de persuasão como sua arma principal, ela sentiu-se obrigada a
culpar os homens e o egoísmo masculino pela condição desafortu-
nada em que as mulheres se encontravam. Para ela, a emancipação
moral da mulher precisava incluir "o justo gozo dos seus direitos,
que o brutal egoísmo do homem lhe rouba, e dos quaes a desherda,
porque tem em si a força material e porque ainda se não convenceo
que um anjo lhe será mais util que uma boneca". Cumpria melho-
Durante a segunda metade do século XIX, surgiram nas ci- rar a educação das mulheres e os homens deviam deixar de consi-
dades brasileiras alguns periódicos audaciosos editados por mu- derá-las "como sua propriedade".2
lheres, começando com O Jornal das Senhoras, cujo primeiro nú-
O quadro que surge das páginas de O Jornal das Senhoras,
mero foi lançado no Rio em 1 de janeiro de 1852) Esse jornal foi
no que toca ao modo como os homens brasileiros encaravam as
editado por Joana Paula Manso de Noronha, uma argentina que,
mulheres, não é diferente daquele pintado pelos viajantes estran-
separada de seu marido, um compositor e violinista português,
geiros. Décadas antes John Luccock também percebeu as brasilei-
viveu no Rio, onde lecionou, colaborou para jornais e publicou ,
ras "vistas pelos homens como bonecas ou crianças mimadas".3
vários trabalhos literários. 1,No editorial introdutório, afirmou sua.
intenção de trabalhar para "o melhoramento social e para a eman- 1. O Jornal das Senhoras. Rio de Janeiro. 1 de janeiro de 1852. p. 1; 11
cipação moral da mulher"} Reconhecia a novidade que era para de janeiro de 1852. p. 12 e 14; GUERRERO, César H. Mujeres de
uma mulher editar um jornal no Brasil. As pessoas perguntariam: Sarmiento. Buenos Aires. Artes Gráficas Bartolomé U. Chiesivo, 1960.
p. 79; SILVA, Innocêncio Francisco da. Diccionario bibliográphico
"que bicho de sete cabeças será". Ela sabia que "falar nos direitos; portuguêz. 22 v. Lisboa, Imprensa Nacional, 1858-1923. X: 144, XI :275.
na missão da mulher" e em sua educação provocaria afirmações Ver também LEVY, Jim. "Juana Manso: Argentine feminist". Artigo
avulso n. 1. Bundoora, La Trobe University, Australia, Institute of La-
de que "isto não é .leitura que se deva permitir nas casas de familia". tin America Studies, 1977.
Mas Deus deu à mulher uma alma e a fez "igual ao homem" e "sua 2. O Jornal das Senhoras. 1 de janeiro de 1852. p. 6; 11 de janeiro de
1852. p. 12-13.
companheira". As mulheres não eram inferiores aos homens em
3. LUCCOCK. Notes on Rio de Janeiro. p. 114.
' 36 JUNE E. HAHNER
l
5. lbid. 11 de janeiro de 1852. p. 12-13.
38 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 39
negada influência política e econômica fora do lar, sendo ela bas- seus filhos; essa idéia de uma superioridade injusta". Para cumprir
tante influente dentro dos limites do círculo familiar. Os apelos fer- seus deveres, as mulheres tinham de ser educadas e tratadas com
vorosos da editora franca e determinada de O Jornal das Senhoras respeito. Como Joana Manso retorquiu a uma crítica masculina
para que os homens vissem suas esposas como a personalidade cen- feita a seu jornal, quanto "mais illustrada for a mulher ( ... ) mais
tral, em torno de quem todos os membros da família deveriam agru- amplamente preencheria essa missão sagrada de esposa e de mãe". 7
par-se espiritualmente, unidos pelo sentimento, são provas de que
Embo;a impossível de avaliar plenamente, a reação aos ape-
"sua missão desconhecida" não era reconhecida freqüentemente. 6
los fervorosos de O Jornal das Senhoras parece incluir tanto hos-
Mais uma vez, a imagem não combina com a realidade.
tilidade masculina quanto timidez e indiferença femininas. Ele
Conquanto mais tarde algumas mulheres achassem desconfor- enfrentou a ambos num grau maior do que o fariam seus sucesso-
tável a posição num pedestal, isto evidentemente teria sido um res. No primeiro exemplar, Joana Manso solicitava colaboradoras,
progresso notável para muitas mulheres da elite brasileira de mea- recomendando com insistência para que não 'temaes dar expansão
dos do século XIX. Se pudessem subir ao pedestal, poderiam elevar a vosso pensamento', pois prometia ser o 'confidente discreto das
sua posição e não mais seriam tratadas com brutalidade ou como vossas producções )iterarias', publicando suas contribuições anoni-
uma posse, assim como não mais seriam ignoradas ou relegadas à mamente, e reassegurava com firmeza que 'não temaes confiar-mo-
cozinha. las'. Algumas de suas leitoras, mulheres suficientemente cultas para
traduzir trabalhos em idiomas estrangeiros, reagiram com entusias-
O caminho para o pedestal, para tornar-se um anjo em vez mo a seu convite insólito para imprimir seus textos, enquanto ou-
de uma boneca, passava pela família, com a assistência de Jesus de tras mostraram hesitação e temor. Uma leitora, que tomara co-
Nazaré. Ele "foi o primeiro que te levantou de teu oprobrio! Ele foi nhecimento da publicação por meio de um anúncio num jornal
o primeiro que revelou tua missão ao mundo". Embora algumas importante do Rio e que pedira a seu pai que fizesse uma assinatu-
mulheres mais tarde pudessem pensar que a Virgem Maria lançou ra, expressou seus 'votos de gratidão' à editora. Era como se eu
uma sombra muito escura sobre suas vidas, O Jornal das Senhoras 'estivesse com muita sede e calor, e a senhora me offerecesse um
tentava recrutar Sua assistência e a de Seu filho em seus esforços sorvete'. Lamentou que as mulheres no Brasil fossem 'quasi pas-
para melhorar a sorte das mulheres. Mas talvez de importância mais sivas na sociedade'; mas O Jornal das Senhoras "veio-nos abrir um
imediata fosse o apelo constante ao interesse pessoal masculino co- campo ·de actividade" no qual poderiam exercitar seus talentos e
mo uma forma de melhorar a posição das mulheres. Afinal, os "sair do nosso estado de vegetação". Outra leitora elogiou a "no-
homens estavam preucupados com o futuro de seus filhos, e este bre coragem" da editora e lhe agradeceu pelos seus esforços em
deveria incluir sua educação. A forma pela qual as mulheres pode- desenvolver a inteligência das mulheres e em lutar pelos seus di-
riam "ter .outra influencia que não seja sobre as panellas" ou "outra reitos. Para mostrar-lhe gratidão, tornar-se-ia uma colaboradora,
missão além das costuras" era através da "educação de seus fi- se fosse tão capaz qmmto a editora. Mas tudo que podia fazer
lhos", pois estes aprendiam com sua mãe as primeiras lições e os era oferecer ao jornal algumas traduções de textos sobre a ami-
princípios morais. Esta tarefa nobre de educar os filhos deu valor zade, sob a condição estrita "de me conservar incognita mesmo com
às mulheres. Além do mais, uma forma de mudar a mente dos vosco, de quem sou". Até a autora da seção de modas mostrava-
homens era moldando a dos meninos. As mães poderiam ajudar as se muito temerosa de um possível ridículo e, admitindo que lhe
mulheres com "desarraigar esse preconceito funesto do espírito de faltasse a coragem da editora, requereu que seu anonimato fosse
6. Jbid. 11 de janeiro de 1852. p. 14. 7. Jbid. 1 de janeiro de 1852. p. 6; 11 de janeiro de 1852. p. 13-14.
JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 41
40
mantido. 8 Dentro de quatro anos ocorreram algumas mudanças e Senhoras não poderia sobreviver apenas de exortações ou ensaios
umas poucas mulheres passaram a assinar os artigos com suas literários femininos. 1 º
iniciais. Surgiram alguns colaboradores mascuJinos, que deram o Como editora, Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Vellas-
nome por completo. co acentuou a superioridade emocional da mulher e suas muitas
qualidades espirituais pelas quais deveria ser venerada. Usando
As fraquezas desse pequeno e incipiente movimento feminista argumentos• semelhantes aos de sua predecessora, afirmava que
foram demonstradas pelos problemas financeiros enfrentados por / "aquelle que pode ser venerado, com muita justa razão pode ser
O Jornal das Senhoras. Sua primeira editora, Joana Paula Manso Y LIVRE". Exatamente como o homem, a mulher era "apta para
de Noronha, que carecia de renda particular, sentiu-se obrigada a ~ os trabalhos da intelligencia". D. Violante também não descuidou
deixar a editaria seis meses após ter começado. De modo a salvar das exigências pelo progresso nem dos exemplos mostrados pelos
o jornal, ela o passou para Violante Atabalipa Ximenes de Bivar países mais adiantados. Ela também apelou para os próprios in-
e Vellasco, viúva de João Antonio Boaventura e a filha culta de teresses do homem e para a necessidade de cumprir seu dever
Diogo Soares da Silva de Bivar, membro do Conselho Imperial, moral, demonstrando que, quando os homens negam educação às
fundador e diretor do Conservatório Dramático Brasileiro do Rio mulheres, estão pondo em perigo a sociedade e a própria existência
de Janeiro. Antes de colaborar em O Jornal das Senhoras, D. Vio- deles. Se os homens confiavam seus filhos à esposa, então deveriam
lante traduzia comédias italianas e francesas, sendo que apenas uma educar e libertar também as mulheres. O Jornal das Senhoras ten-
delas encontrou forma impressa, e também fez críticas de algumas tou utilizar o papel da mulher como mãe de modo a elevar sua
peças para o Conservatório Dramático, que detinha o poder de li- posição. A "mulher cheia de instrucção e da religiosidade que lhe
berá-las ou de censurá-las. Além do mais, provavelmente tenha é sempre natural" exerceria melhor "suas sagradas funcções de
sido ela a hesitante autora da seção de modas em O Jornal das esposa e de mãe" .11
Senhoras que aprendeu a ser mais resoluta e corajosa. 9 Mas D~
Violante deixou a editaria após um ano, entregando-a a Gervásia Apesar de Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Vellasco ter
Nunezia Pires dos Santos, uma colaboradora que assinava apenas declarado sua intenção de "seguir a senda que se ella [Joana Manso]
Gervásia P., e cujo marido podia ajudar o jornal. O Jornal das traçou na redacção deste jornal", seu entusiasmo e prioridades di-
feriam. D. Violante empregou a figura da Virgem Maria mais do
que D. Joana em seus esforços para ajudar a mulher brasileira a
8. Ibid. 1 de janeiro de 1852. p. 1 e 2; 11 de janeiro de 1852. p. 14;
8 de fevereiro de 1852. p. 44.
subir ao pedestal e tomar-se um venerado símbolo de amor. Ape-
9. Ibid. 4 de julho de 1852. p. 1. SILVA, Innocêncio Francisco da. sar da aptidão da mulher brasileira para a educação e de seu di-
Diccionario bibliográphico portuguêz. VIl-450; BLAKE, Augusto Vic- reito à liberdade, O Jornal das Senhoras projetou uma imagem
toriano Alves Sacri:mento. Diccionario bibliográphico brazileiro. 1 v.
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1883-1902. 11:182-186; VIl:386-387; dela como uma figura passiva e gentil, por elª ser "essa santa com-
Primeiro secretário ,io Conservatório Dramático Brasileiro a Violante panheira, essa irmã de Maria, simples e humilde". Cristo, que amou
Atabalipa de Bivar e Vellasco, Rio de Janeiro, 3 de julho de 1850. Bi-
blioteca Nacional, Seção de Manuscritos, I, 2, 725; VIDAL Omio Bar-
profundamente Sua mãe, manteve-a como uma mulher arquetípica,
ros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro, A Noite, 1955. p. 121-131. e Ele "queria que a mulher fosse tida e avaliada na humanidade
Em seguida a uma crise familiar - e à queda do ditador argentino Juan
Manuel de Rosas em 1853, D. Joana e suas duas filhas regressaram à
Argentina, onde empreendeu uma carreira notável mas difícil como edu- 10. O Jornal das Senhoras. 19 de setembro de 1852. p. 89-90; 3 de outubro
cadora e seguidora dos princípios educacionais de Domingo Faustino de 1852. p. 106-107; 5 de junho de 1853. p. 177; VIDAL, Barros.
Sarmiento. Ela também publicou um jornal para mulheres, A/bum de Precursoras brasileiras. p. 131.
senoritas. Cf. GUERRERO, Mujeres de Sarmiento. p. 81-101; LEVY, 11. O Jornal das Senhoras. 25 de julho de 1852. p. 82; 19 de setembro
"Juana Manso: Argentine feminist." de 1852. p. 89-90; 3 de outubro de 1852. p. 106-107.
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 43
42 JUNE E. HAHNER
como um ente privilegiado". E Maria continuou a ser a advogada primeira sessão ,para trinta e sete na quinta. Através de suas dis-
das mulheres. 12 Talvez, apenas depois que as mulheres subiram cussões, novos pontos de vista e idéias foram trazidos à tona e
ao pedestal e foram aceitas como símbolos da cristandade e do elas puderam expressar-se mais livremente.13
amor, feitos na imagem de Maria, puderam elas avançar e tornar-se Pelos padrões de hoje ou daqueles de O Jornal das Senhoras
seres humanos iguais, absolvidas da necessidade suprema de ca- em seus primeiros meses, não era radical nem a linguagem empre-
sar-se e de serem vistas apenas como esposas e mães. gada pela editora e pelas colaboradoras de O Bello Sexo., nem sua
Na medida em que idéias como as defendidas por O Jornal meta de ajudar "o progresso social" e auxiliar o desenvolvimento
das Senhoras ganharam uma maior aceitação, elas puderam ser da inteligência e das aptidões femininas. Até o cabeçalho do jor-
utilizadas para ajudar a melhorar a posição das mulheres. As edi- nal proclamava suas intenções moderadas, como um "Periodico
toras seguintes de jornais feministas não exigiam tão insistentemente Religioso, de Instrucção e Recreio, Noticioso e Critico Moderado".
um lugar no pedestal. Elas admitiam que a feminilidade, especial- Mas não agradavam a ninguém suas brandas atitudes e a deferência
mente a maternidade, era respeitada e desfrutava de uma posição mostrada tanto pelas leitoras quanto por outros órgãos de imprensa.
um tanto elevada. Empregavam esse apreço em seus esforços para Um homem, explicando sua recusa em fazer uma assinatura de
auxiliar as mulheres a ultrapassar o restrito círculo familiar e a O Bello Sexo, reclamou que não só não tinha tempo de lê-lo como
melhorar sua posição no mundo exterior. Talvez fosse mais fácil também achava o jornal carente de "discrição" e insultuoso "àquel-
a um anjo que a uma boneca tornar-se um ser humano igual e les a quem se pretende levar uma convicção".14 Dúvidas das pró-
ativo. Mas, anjo ou boneca, o caminho continuou igualmente prias mulheres somaram-se a restrições e pressões sociais para im-
difícil. pedir o desenvolvimento de uma consciência feminista.
Embora as colaboradoras de O Jornal das Senhoras demons-
trassem uma grande timidez, deram um pequeno passo na estrada
em direção a superar seus medos e a se tornarem mais conscientes
dos problemas que enfrentavam. Um novo despertar, e agora fa-
cilitado por um método diferente, tornou-se evidente com a publi-
cação de O Bello Sexo, no Rio de Janeiro em 1862, menos de
uma década após o fechamento de O Jornal das Senhoras .. As co-
laboradoras, mulheres com educação secundária, não m~is iriam
sentir a necessidade do anonimato total, embora se mostrassem
relutantes em assinar o nome completo em seus textos, apesar da
insistência da editora, Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar, de que
artigos sem assinatura não seriam publicados. Nem, o que talvez
seja ainda mais importante, queriam elas permanecer desconhecidas
umas das outras. De fato, um grupo de mulheres encontrava-se
uma vez por semana a finí de discutir temas para publicar em
O Bello Sexo. O número delas aumentava prontamente, de dez na 13. Bello Sexo. Rio de Janeiro. 21 de agosto de 1862. p. 1-2; 12 de se•
tembro de 1862. p. l.
14. lbid. 21 de agosto de 1862. p. 1. 31 de agosto de 1862. p. 1; 28 de
12. Jbid. 4 de julho de 1852. p. 1; 3 de outubro de 1852. p. 106; 10 de setembro de 1862. p. 1.
outubro de 1852. p. 113-114. -
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS. . . 45
trabalho de caridade, essa nobre causa podia seguramente evocar PROPRIETARLl E REDACTORA-D. FR~NCISCA S. DA M. D/NIZ.-r.OLUBORADORAS, DIH!RSAS.
alguns esforços femininos, vistos como uma extensão da tradicio- 1licados ousão atirar a face da mulher,
O Sexo Feminino.
nal benevolência da mulher. e o que é mais as vezes, em plena socie-
dade familiar ! ! !
As atividades e os papéis das mulheres na campanha abolicio- A. eduea!!A• da mulher, Em ,·ez de paes de familia mandarem
nista refletiram sua situação subordinada na sociedade. Elas aju- ensinar suas filhas a coser, engomar,
Zombem muito embora os pessimistas lavar, cosinhar, varrer a casa etc., etc.,
daram a levantar fundos para libertar escravos, em vez de parti- do apparecimeuto de um novo orgão na mandem-lhes ensinar a ler, escrever.
cipar de debates públicos sobre a emancipação. Árias ou concertos imprensa-O Sexo Feminino; t11pem os contar, grammatica da lingua nacional
de piano executados pelas filhas ou esposas dos líderes abolicionis- olhos os indifferentes para não verem a perfeitamente, e depois, economia e me-
luz do progresso, que, qual pedra des- dicma dome1tica, a puericultura, a litte-
tas davam graça aos encontros abolicionistas. Desde que as mu- prcndido. do rochl'do 11lcantilado, rola ratura (ao menos a nacional e portugue-
lheres da elite de há muito vinham divertindo reuniões sociais fe- violentamente sem poder ser impedida za), a philosoph1a, a historia, a geogra-
chadas, poucos brasileiros poderiam achar inconveniente que a ta- em sru curso ; rião os curiosos seu riso phia, a physica, a chimica, a historia na-
sardonico de reprovação á idéa que ora tural, para coroar esses estudos a u11-
lentosa Luiza Regadas do Rio de Janeiro emprestasse sua adorável s11rge brilhante no horizonte da cid'Jde trucção moral e religiosa; que estas meni-
voz a vários encontros para levantamento de fundos para a causa da Camp11nha ; agourem bem ou mal o nas assim educadas não dirão quando
111,scimcnto, vida e morte do Sexo Femi- moças estas tristes palavras :
abolicionista. Como outras abolicionistas, ela também vendia flo- nino ; persigão os retrogrados com seus
res e saborosos docinhos em favor da causa. Algumas mulheres diterios de chufa-e mofa nossas conter- « Si meu pai, minha mãi, meu ir-
raneas, chamando-as de utopiltas : O mão, meu marido morrerem o qne será
eram enviadas por membros masculinos de clubes abolicionistas de mim!!"
.,·ero Feminino apparece. hade luctar, e
às portas de cemitérios e igtejas para angariar fundos. 6 Embora luctar até morrer : morrêrá talvez, mas Não sirva de cuidado aos paes que
essas atividades exigissem uma certa resolução e determinação para sua morte será gloriosa e a posteridade suas filhas, assim educadas e instruídas,
julgará o persl'guidor e o perseguido. não saib:~o coser, 1,war, engomar, cortar
suportar o desconforto físico, tal como permanecer na chuva du-
O seculo XIX, 8eculo das luzes, niío se um11 camisa, etc. etc.
rante todo o dia, também podiam reforçar a imagem feminina de findará sem que os homt•ns ,;e conven- A riqueza intellectual produzirá o di-
nobreza e auto-sacrifício. ção de ,1ue m11is de metade dos males nheiro, e com estll. se satisfarão ai, ne-
que os opprimcm é dc\·iJa ao descuido, cessidades.
que elles lt>m tido ria rrlucaçào das mu-
5. Quanto ao movimento abolicionista, ver: CONRAD, Robert. The des- . O dinheiro, Deos? dá e o diabo póde
lheres. e ao falso supposto de pensarem tirar ; mas a sabedoria q11e Dcos dá-o
truction of Brazilian slavery, 1850-1888. Berkeley e Los Angeles, Uni- que a mulln·r w\o passa de u,n traste d,
versity of California Press, 1972; e TOPLIN, Robert Brent. The aboli- diabo não a roubará.
tion of slavery in Brazil. Nova Iorque, Atheneum, 1972. {'asa, grosseiro e hrnsro grnc,~jo que in-
6. SABINO, lgnez. Mulheres illustres do Brasil. Rio e Paris, H. Garnier. r,:lizmenle alguns imfüiduos ml'nos de- •·•''N\l'.N\N'-
(1899). p. 251-257; Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 5 de outubro
de 1880. p. 2; Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de novembro de PRIMEIRO NúMERO DE O SEXO FEMININO (CAMPANHA. MG,
1880. p. 2; MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista (1879- 7/9/1873).
1888). Rio de Janeiro, Editora Leite Ribeiro, 1924. p. 24.
48 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 49
'
Algumas mulheres estabeleceram suas próprias sociedades em 1887. Mais tarde ela se tornou uma colaboradora-líder no fran-
abolicionistas, freqüentemente mantidas ou sugeridas por homens co jornàl feminista A Familia, continuando também a viajar e a
abolicionistas. Entre as organizações femininas fundadas nas di- realizar conferências. 9 Contudo ela não constituiu uma visão sur-
ferentes ·cidades brasileiras incluíam-se a Sociedade da Libertação, preendente para suas contemporâneas como o foi um grupo de
instalada no Rio de Janeiro em 27 de março de 1870, a partir de mulheres norte-americanas, advogadas da reforma do vestuário,
uma sugestão feita num encontro maçônico; a Sociedade Redemp- que viajou •ao Brasil mais de trinta anos antes para promover o
tora, estabelecida em São Paulo, em 1O de julho de 1870, sob a uso de calções. Mas aquelas mulheres, ativas no movimento abo-
inspiração de Martim Francisco; Ave Libertas, sediada no Recife licionista nos Estados Unidos, tinham experiência em falar em pú-
em 20 de abril de 1884; e o efêmero Clube José do Patrocínio, blico e em debater assuntos, que as brasileiras demoravam mais
no Rio, que era centrado na casa do sogro de José do Patrocínio. para adquirir.10 Talvez apenas na sala de aula as brasileiras tives-
As experiências que essas mulheres adquiriam poderiam ter au- sem, uma oportunidade de dirigir-se a uma audiência, embora esta
mentado sua capacidade para lidar com o mundo exterior e desen- fosse uma audiência menos exigente ou voluntária.
volver sua habilidade organizacional. Mas poucas brasileiras fa-
. laram alguma vez publicamente nos tópi<;os envolvidos na abolição, Embora algumas brasileiras tenham ajudado a campanha abo-
embora a presidenta da Ave Libertas, Leonor Porto, tenha publi- licionista, permaneceram em posições secundárias e auxiliares, e
cado artigos e panfletos. 7 Editoras de jornais feministas, como suas contribuições mostram-se bem menos significativas que as de
Amélia Carolina da Silva Couto e Francisca Senhorinha da Motta suas irmãs norte-americanas. Não somente a maioria das associa-
Diniz, veicularam declarações abolicionistas em seus jornais; de ções abolicionistas femininas continuaram sob o domínio dos ho-
fato, Francisca Diniz devotou mais atenção na Voz da Verdade mens como também seu quadro de membros contou apenas com
em 1885 à abolição do que aos direitos da mulher. 8 Mas apenas uma única mulher excepcional, como Leonor Porto, que fazia
uma rara mulher, a pernambucana Maria Amélia de Queiroz, en- parte do semiclandestino Clube do Cupim, sob a liderança de José
frentou o ridículo e proferiu palestras públicas sobre a abolição Mariano, no Recife.11 Embora os abolicionistas nos Estados Uni-
dos não tivessem admitido mulheres em suas organizações recém-
7. RIBEIRO, José Jacintho. Chronologia paulista; ou Relação histórica formadas na década de 1830, e sugerido a constituição de socieda-
dos factos mais importantes ocorridos em S. Paulo desde a chegada de
Martim Afonso de Souza em S. Vicente até 1898. 3 v. São Paulo, n. p., des auxHiares de senhoras, algumas das importantes sociedades logo
II, parte I, 59; "Galeria Nacional, Vultos proeminentes da história bra- aceitaram membros femininos. As mulheres serviram nos comitês
sileira." 6.º fascículo. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1933. p. 562-563;
BARRETO F.º, Mello, e LIMA, Hermeto. História da policia do Rio executivos desses organismos de liderança, como a Sociedade Anti-
de Janeiro. Aspectos da cidade e da vida carioca. 3 v. Rio de Janeiro, escravagista Americana e a Sociedade Antiescravagista da Filadél-
Editora A Noite, 1944. 11:148; MORSE, Richard M. From community
to metropolis. A biography of São Paulo, Brazil. Gainesville, University fia. Contudo, as mulheres nos Estados Unidos provavelmente fi-
of Florida Press. 1958. p. 147; Gazeta da Tarde. 5 de outubro de 1885. zeram maiores contribuições à causa abolicionista através da orga-
p. 1; MORAES, A campanha abolicionista. p. 41. Ver também CRES-
CENTI, Maria Thereza Caiuby. "Mulher e libertação de escravos" nização de muitas sociedades vigorosas antiescravagistas femini-
(mimeo). Artigo apresentado ao II Simpósio de História do Vale do
Paraíba, Pindamonhangaba, 19-24 de julho de 1976. Contém informa-
ções sobre o que diferentes escritores e fontes registraram quanto às
mulheres e à abolição, inclusive atividades e textos filantrópicos fe. 9. SACRAMENTO BLAKE. Diccionario bibliográphico brazileiro. VI, p.
mininos. 225; A Familia. Rio de Janeiro. Número especial de 1889. p. 3; 31 de
8. Echo das Damas. 6 de fevereiro de 1886. p. 3; O Sexo Feminino. 7 de dezembro de 1889. p. 7.
novembro de 1875. p. 2-3; Voz da Verdade. 12 de maio de 1885; 28 10. Novo Correio de Modas. Rio de Janeiro. I, 3. 1852, p. 37.
de maio de 1885 e 25 de junho de 1885. 11. MORAES. A campanha abolicionista. p. 230.
50 JUNE E. HAHNER
O
.
FEMINISMO
--, --- ____ E -------
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O DESENVOLVIMENTO
/ - ------- --
./ -- -- - --·---
' -
-
DA IMPRENSA FEMININA
Maria, como fizera O Jornal das Senhoras duas décadas antes, ela ligiosa", juntamente com a educação física, para fortalecer seus
esforçou-se por alertar as mulheres quanto às suas condições, ne- corpos. D. Francisca não apenas argumentava que "as mulheres
cessidades e potencial. Francisca S. da M. Diniz viu que o inimigo tem a necessaria capacidade intellectual, para aprender todas as
com quem lutavam estava escondido na "ignorancia da mulher", sciencias", mas também afirmava que elas ultrapassariam os ho-
que "é defendida pela sciencia dos homens". Ela não podia esque- mens nessa área, de vez que possuíam mais da "precisa paciencia
cer os males causados pelo homem, que considerava sua mulher para estudgs superiores como o sejão: os da physica, da pharmacia,
apenas "um utensilio de casa", privando-a de educação e de conhe- · da medicina". 6
cimento do mundo exterior. Mas preferiu atacar a falta de conheci-
Do mesmo modo como Francisca S. da M. Diniz inverteu as
mento e de consciência das mulheres. A maioria vivia em igno-
crenças tradicionais com relação às diferenças entre homens e mu-
rância de seus direitos, mesmo daqueles que lhes eram devicJos por
lheres de modo a reivindicar a superioridade feminina em novas
lei. Elas não percebiam nem ao menos como seus maridos podiam
áreas, como as ciências, ela também utilizou a velha noção de
gastar seu dinheiro, deixando-as endividadas, ou abandoná-las e a
esferas separadas de atividades para homens e mulheres, de há
seus filhos. Agora esse "cordeiro humilde" precisava "deixar de
muito empregada para manter as mulheres das classes médiá e
subjugar-se" e de andar "sempre manietada, opprimida e domina-
superior em casa, para conquistar outros domínios para elas. As
da" pelos homens. Elas precisavam abrir seus olhos para "as in-
funções maternais e de nutrição poderiam facilmente ser estendi-
justiças, o domínio e a postergação de direitos", de que eram víti-
das, para além do lar, até à sala de aula. D. Francisca não apenas
mas. Com a educação, poderiam recuperar os direitos perdidos,
declarou que as mulheres eram melhores professoras primárias co-
criar seus filhos adequadamente, ter compreensão das finanças e
mo também que este campo deveria ser entregue exclusivamente a
dos negócios de suas famílias, . e serem a companheira, não a es-
elas, abrindo assim a chance de mais empregos para as mulheres.
crava, do marido. "Com a instrucção conseguiremos tudo, e que-
Por sua vez, alguns campos, especialmente aqueles que envolviam
braremos ainda as cadeas que desde séculos de remoto 9bscurantis-
violência ou força bruta, como a soldagem, deveriam ser deixados
mo nos rodeão."5
exclusivamente aos homens. Mas D. Francisca insistia em que to-
Uma das mais ardorosas editoras de jornal feminista,/Fran- das as outras carreiras fossem abertas às mulheres, uma vez que
cisca S. da M. Diniz não tinha dúvidas quanto à capacidade e as elas não eram inferiores aos homens. Através do trabalho e da
realizações potenciais das mulheres. A mulher era "dotada com as educação correta, as moças poderiam "adquerir meios de obter o
mesmas faculdades do homen, com a intelligencia e a razão abertas necessário á subsistencia e mesmo até fortuna", e tomar-se "inde-
a receber o cultivo das letras, das artes e das sciencias, para ser pendentes do homen". 7 D. Francisca defendia a idéia essencial de
util á patria e desempenhar a sua missão na sociedade". Em vez que a dependência econômica determinava a subjugação feminina
de os pais mandarem suas filhas aprender a costurar, lavar e cuidar e de que uma educação melhor poderia ajudar a elevar o status
da casa, eles deveriam dar-lhes instrução, como ler e escrever, e, da mulher.
em seguida, educá-las em ciências como "a literatura, ( ... ) a phi- A sociedade como um todo também beneficiar-se-ia dessas
losophia, a historia, a geographia, a physica, a chimica, a historia
natural, para coroar esses estudos [com a educação] moral e re- 1 6. lbid. 14 de setembro de 1873. p. 2; 14 de janeiro de 1874. p. 2; 18 de
abril de 1874. p. 1.
7. Ibid. 8 de novembro de 1873. p. 2; 29 de novembro de 1873. p. 2;
5. O Sexo Feminino. 1 de setembro de 1873. p. 1; 14 de setembro de
1873. p. 2; 20 de setembro de 1873. p. 1; 25 de outubro de 1873. p.
t.
' 14 de janeiro de 1874. p. 2; 22 de julho de 1875. p. 2; 29 de julho
1875. p. 2; 5 de setembro de 1875. p. 1-2; 10 de outubro de 1875.
de
p.
1-2. 3; 31 de outubro de 1875. p. 1-2; 12 de dezembro de 1875. p. 1.
JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... S7
S6
mudanças. D. Francisca estava convencida de que a sociedade também buscaram inspiração e provas das aptidões das mulheres
brasileira não se "regeneraria" até que todas as mulheres tivessem em realizações femininas em outros países, assim como em mulhe-
uma "educação completa". Ela sustentava que "mais de metade res famosas na história. Os Estados Unidos, asseverava o Echo
dos males que os o~primem [aos homens]" eram devidos a esse das Damas, davam "os mais aproveitaveis exemplos dos melhora-
descaso para com a educação das mulheres e "ao falso supposto mentos moraes e materiaes" colhidos por uma nação que não ape-
de pensarem que a mulher não passa de um traste de casa". 8 nas progredia em tecnologia e indústria mas também cultivava a
inteligência das mulheres. Como D. Francisca e D. Amélia, D.
A fé de Francisca Diniz no poder da educação estava estrei- Violante sustentava que o progresso de um país dependia de suas
tamente relacionada à sua crença no progresso. Constantemente mulheres; essas pessoas que não lhes concedessem seu lugar legí-
afirmando que seu século era o das "luzes", como afirmara Joana timo, "mereciriam sempre o epitheto de bárbaros".1 º Com a edu-
Paula Manso de Noronha, ela observou "passos gigantescos do cação, as mulheres brasileiras poderiam ocupar seu lugar de di-
progresso". Graças a estes, um pai brasileiro não mais ousaria reito no mundo.
"impunemente dizer ( ... ) não é precisd, não quero que minha
filha aprenda a lêr, como outr'ora dizião nossos antepassados". Apesar de sua forte defesa do direito das mulheres pela edu-
Os contrários à "emancipação racional da mulher" encontrar-se-iam cação superior e do amor que dedicava à vida intelectual, Violante
"isolados em frente do progresso da actualidade". Vendo alvore- A. de Bivar e Vellasco demonstrou maior ambivalência do que
cer em diferentes países "uma nova era de prosperidade e de jus- Francisca S. da M. Diniz no que diz respeito ao papel das mulhe-
tiça para o nosso humilhado sexo", D. Francisca ansiosamente res e aos objetivos de sua educação. D. Violante enfatizou forte-
relatou exempios específicos dos empreendimentos das mulheres mente o amor maternal e a importância da maternidade e da reli-
em O Sexo Feminino. Nos Estados Unidos, seu país preferido, que gião. Para ela, o valor da educação da mulher se encontrava no
deram "o grito da independencia da mulher", a mulher estava "li- domínio da moralidade e do dever. Ela não pensava em termos·
vre dos preconceitos ridículos que a vexão nas velhas sociedades, de sobrevivência econômica ou de auto-realização, embora sentisse
é um elemento vivo de progresso, uma comparticipante zelosa do que "os prazeres do estudo são, talvez, os unicos que lhe enchem
engrandecimento e prosperidade da sociedade". 9 Embora as mu- completamente a alma". 11 · As mulheres precisavam de uma edu-
lheres brasileiras enfrentassem uma luta mais difícil pela sua liber- cação igual àquela ministrada aos homens, de modo a educar seus
dade, D. Francisca continuava confiante num futuro sucesso. filhos adequadament~ e a serem boas esposas.
Outras editoras de jornais feministas, como Violante Ataba- · Talvez porque fosse mais velha que Francisca S. da M. Diniz
lipa de Bivare Vellasco em O Domingo e Amélia Carolina da Silva ' e tivesse uma renda independente, Violante A. de Bivar e Vellasco
Couto no Echo das Damas, defendiam as mulheres brasileiras e não tenha vinculado tão fortemente educação e trabalho. Apesar
seus direitos com muitos dos mesmos argumentos empregados por de sua crença na igualdade das mulheres, previa menos oportuni-
Francisca Senhorinha da Motta Diniz em O Sexo Feminino, em- dades de carreira para elas do que D. Francisca. Invejava as es-
bora um tanto menos vigorosamente. D. Violante e D. Amélia trangeiras que, ao contrário das brasileiras, podiam entrar para o
jornalismo, a medicina, o direito e os negócios, mas ainda recomen-
8. lbid. 7 de setembro de 1873. p. 1; 18 de abril de 1874. p. 1.
9. lbid. 7 de setembro de 1873. p., 1; 20 de setembro de 1873. p. 1; 27
de setembro de 1873. p. 1; 18 de outubro de 1873. p. 2; 8 de novem- 10. O Domingo. 30 de novembro de 1873. p. 1; 14 de dezembro de 1873.
bro de 1873. p. 4; 28 de janeiro de 1874. p. 3-4; 7 de abril de 1874. p. 3; 21 de dezembro de 1873. p. 3; 28 de dezembro de 1873. p. 3; 18
p. 1; 2 de maio de 1874. p. 2; 18 de julho de 1874. p. 4; 22 de julho de janeiro de 1874, p. 3; Echo das Damas. 18 de abril de 1879. p. 1.
de 1875. p. 2; 29 de agosto de 1875. p. 3. 11. O Domingo. 7 de dezembro de 1873. p. 1.
58 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 59
dava o campo das letras e da literatura como os em que as mu- das Senhoras, deixando os caros clichês de moda e motivos de bor-
lheres poderiam melhor se distinguir sem perder a feminilidade. dado aos seus competidores não-feministas.
Para D. Violante, a profissão principal da mulher ainda era "amar Durante essas décadas, uma diversidade de periódicos publi-
e agradar os homens", ser esposa e mãe, embora essa não fosse cados por homens também era dirigido às mulheres brasileiras.
sua única profissão. Como muitas outras feministas brasileiras, Alguns davam destaque à moda, outros, à literatura. Muitos du-
colocava os interesses da família acima de todos os outros. Des- raram décadas, outros, apenas algumas semanas. Muitos contavam
crevia a mulher bem-educada como "a deusa terrestre, que derrama com homens como colaboradores, embora alguns publicassem tra-
um suave perfume de candura e bondade, que tudo domina pelo balhos literários femininos. Poucos tentaram fornecer mais do que
amor, carinho e affabilidade". 12 Permanecendo fiel à velha imagem entretenimento, não interferindo na questão da ordem estabelecida.
da mulher brasileira como mãe terna e esposa devotada, D. Vio- Um jornal até procurou explicar como "a emancipação da mulher
lante tentou empregar esses papéis para elevar a posição real das não deve ser, como alguns insistem, igual à do homem; porque, pa- -
mulheres. ra a mulher, a religião é tudo, e sua influencia se manifesta em
Jornais feministas como O Domingo ou O Sexo Feminino não todos os seus actos, em todos os seus passos". Outros jornais
podiam contar apenas com defe,sas da maternidade ou dos direitos ape~as comparavam as mulheres a flores ou as louvavam como o
e aptid~es da mulher para manter a atenção e a lealdade de suas "sorriso do mundo" .15 Mas a maioria preferia limitar suas opiniões
leitoras. Aquelas mulheres queriam conhecimento prático em áreas a assuntos de moda, bailes e teatro. Muitas leitoras, sem dúvida,
como saúde e cuidados domésticos, e apreciavam notícias de moda achavam esses jornais menos desafiadores ou embaraçosos e mais
e teatro. Enquanto seus horizontes científicos podiam ser expan- agradáveis que os jornais feministas. Mas as defensoras dos direi-
didos por artigos sobre locomotivas e agricultura em outros países, tps da• mulher continuaram a lu~zendo pressão em novas dire-
era-lhes dada também instrução de como matar mosquitos ou fazer ções e, pelo final da década de ~_89', alguns jornais acrescentaram
essência de rosas. 13 Os jornais feministas sentiam-se obrigados a inclusive notícias nacionais e internacionais e comentário político.16
oferecer tanto entretenimento quanto informação, apresentando Julgar a natureza da reação aos jornais feministas e à sua
quebra-cabeças em O ·sexo Feminino, e notícias de teatro, no Echo mensageru. não é mais fácil do que avaliar a influência direta de
das Damas, assim como romances folhetins encontrados em todos outras idéias novas. Algumas leitoras escreveram para expressar
os tipos de jornal, inclusive nos diários de grantle circulação. Em que concordavam com as noções que expandiam a mente apresen-
seus esforços para conseguir um público maior, "com entrada fran- tadas num periódico como O Sexo Feminino, da mesma forma
ca no seio das famílias", um periódico como O Sexo Feminino como se dirigiram a O Jornal das Senhoras duas décadas antes,
acentuava "o cuidado especial com que é redigido", e publicava assim como para estimular outras a publicar seus pensamentos,
artigos sobre moralidade e religião. 14 Os jornais feministas também pois era tempo de [vós], as mulheres brasileiras, "imitardes, senão
serviam como escape para as energias literárias femininas, en- de excederdes, as vossas contemporaneas" de outros países. Fran-
chendo páginas e páginas com poesia, contos e ensaios de suas cisca S. da 'M. Diniz manifestou satisfação e orgulho quando figu-
compatriotas. Contudo, davam menos ênfase à moda que O Jornal ras importantes como o Imperador D. Pedro II e sua filha, a Prin-
12. lbid. 14 de dezembro de 1873. p. 1; 18 de janeiro de 1874. p. 1. 15. Leque. São Paulo. 16 de janeiro de 1887. p. 1; A Violeta. São Paulo.
13. Primaveira. 16 de setembro de 1880. p. 2-3; 17 de outubro de 1880. 17 de junho de 1887. p. 1.
p. 2; O Sexo Feminino. 22 de julho de 1875. p. 3; 14 de agosto de 16. Voz da Verdade. 28 de maio de 1885. p. 1 e 3; Echo das Damas.
1875. p. 3. 7 de agosto de 1886. p. 2; O Quinze de Novembro do Sexo Feminino.
14. O Sexo Feminino. 8 de agosto de 1875. p. 1. 15 de dezembro de 1889. p. 1, 4.
60 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 61
cesa Isabel, fizeram uma assinatura de O Sexo Feminino. Talvez Por quase três anos, O Sexo Feminino sobreviveu sem diluir
alguns membros da elite que desejassem manter-se em dia com os sua mensagem ou comprometer seu padrão num Brasil repleto de
últimos acontecimentos intelectuais - como o Imperador, com sua jornais efêmeros, que não resistiam a um ou dois números. Então
cultivada reputação de erudito - sentiam-se obrigados a comprar uma epidemia de febre amarela forçou Francisca S. da M. Diniz
e possivelmente ler O Sexo Feminino e outros jornais feministas. a deixar o Rio e a suspender O Sexo Feminino em 1876. Embora
Em outros tempos, contudo, D. Francisca sentiu-se desencorajada, esperasse .um retorno rápido, viu-se compelida a permanecer nas
pois a maioria das mulheres no Rio de Janeiro parecia nunca ter províncias para ajudar no "restabelecimento de saude de pessoas
ouvido falar de seu jornal.17 que nos eram caras" .21 Decorreram quatro anos antes que ela
Ela transferiu O Sexo Feminino de Campanha, em Minas Ge- pudesse começar um outro jornal no Rio de Janeiro. Primavera
rais, onde ele se mostrara bem-sucedido, para a capital da nação, surgiu em 1880, mas não sobreviveu um ano, sendo seguido pelo
em 1875, com grande esperança de estender seu trabalho entre o efêmero Voz da Verdade, em 1885. Em 1889, O Sexo Feminino
povo do Rio, "sempre .enthusiastico pelas idéas do progressio". ressurgiu e encontrou mais sucesso do que antes, alcançando uma
Durante um ano em Campanha, O Sexo Feminino alcançou uma circulação de 2.400 exemplares.22
\ tiragem de oitocentos exemplares, com algumas assinaturas de di- . Em 1890, o número de mulheres que editavam esses jornais
,,' versas partes do Império.18 De vez que apenas 1.458 mulheres ou ~eles escreviam era suficientemente grande para proporcionar
em uma população de 20.071 em Campanha sabiam ler e escrever apoio mútuo e intercâmbio intel~ctual. O aumento do número de
em 1872,19 O Sexo Feminino provavelmente conseguiu uma por- mulheres alfabetizadas nas principais cidades possibilitou um pú-
centagem considerável da populaçã.,o alfabetizada feminina local, blico maior para este e outros jornais feministas, mas um público
assim como um público além dos limites da cidade. De fato, a ainda restrito às mulheres de classe média e alta. A proporção de
reação das leitoras levou D. Francisca a reimprimir 4.000 exem- alfabetizados entre a população feminina total do Rio de Janeiro,
plares dos dez primeiros números, a fim de satisfazer novos assi- por exemplo, subiu de 29,3% em 1872 para 43,8% em 1890.23
nantes e para venda no Rio de Janeiro. Mas publicar no Rio mos- Nas décadas de 1880 e 90, surgiram mais jornais feministas, novos
trou-se mais custoso e difícil do que em Campanha. Sem renda ou relançados. O Damingo parou sua publicação em 1875, com a
particular, D. Francisca não podia subvencionar seu jornal, como morte de Violante A. Ximenes de Bivar e Vellasco na idade de
fizera D. Violante A. Ximenes de Bivar e Vellasco. Somente se 57 anos. O número de assinantes não era suficiente para pa-
aumentasse o número de assinantes o seu jornal poderia sobreviver, gar as despesas.24 O Echo das Damas, de Amélia Carolina
pois D. Francisca recusava-se a chegar ao "extrehio de privar sua da Silva Couto, suspenso em 1880, retomou em 1885, defendendo
familia de pão" a fim de propagar suas idéias e ajudar as mulheres. a igualdade da mulher e seu direito à educação com mais força do
A indiferença, como ela sabia, pode ser mais mortal que a hosti- que antes. Apareceram novos jornais feministas: O Direito das
lidade. Nem todas as mulheres reagiram a idéias de "liberdade" Damas, de Idalina d'Alcantara Costa, no Rio de Janeiro em 1882;
ou "emancipação". Muitas preferiam gastar seu tempo euidando da
aparência física a cultivar seu espírito. 20
21. O Sexo Feminino. 2 de abril de 1876. p. 1; Primaveira. 29 de agosto
de 1881. p. 1. ·
17. O Sexo Feminino. 15 de novembro de 1873. p. 2-3; 14 de julho de 22. O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. 15 de dezembro de 1889.
1875. p. 2; 29 de julho de 1875. p. 3; 29 de agosto de 1875. p. 3. p. 3-4.
18. lbid. 1 de setembro de 1874. p. 1; 22 de julho de 1875. p. 1.
19. Recenseamento da população do Império do Brazil ( ... ) 1872. IX (Mi- 23. Recenseamento do Brazil realizado em 1.º de setembro de 1920. IV, 4.
nas Gerais). 1070. parte, xiü. .
24. O Domingo. 22 de março de 1874. p. 1; VIDAL, Barros. Precursoras
20. O Sexo Feminino. 15 de novembro de 1873. p. 4; 8 de agosto de 1875. brasileiras. p. 138.
p. 1; 21 de novembro de 1875. p. 2·.
62 JUNE E. HAflNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 63
A Familia, de Josefina Alvares de Azevedo, iniciado em São Paulo Francisca S. da M. Diniz. Na década de 1850, Joana Paula Manso
em 1888 e transferido para o Rio no ano seguinte, e A Mensageira, de Noronha afirmava que "toda a familia necesita de um chefe, e
dirigido por Presciliana Duarte de Almei~a em São Paulo em 1897. que o chefe natural da familia, é o homen". 27 Josefina de Azevedo
O Rio, a maior cidade do país e seu centro intelectual e político, pensava de maneira diversa, prevendo até, em alguns casos, a do-
continuava o terreno mais fértil para os jornais feministas; muito minância de uma mulher na família. Considerava o homem "sem-
poucos surgiram em outros lugares. Através de seus jornais, as pre um dcspota", tentando exercer qualquer domínio que pudesse
feministas brasileiras demonstraram interesse por um número maior sobre "os outros indivíduos da sua especie". Quando forçado por
de assuntos, incluindo o status legal da mulher, relações familiares, circunstâncias a conceder poder a outros homens, ele aumentava
acesso a uma educação e carreira mais elevadas e, finalmente, o sua preponderância dentro do lar em proporção às suas perdas fora
voto das mulheres. dele. Contra isso rebelou-se D. Josefina, enfrentando "toda a idéa
Em O Sexo Feminino, Francisca S. da M. Diniz incitava as de preeminencfa do ser masculino". Achava absurda a idéia de
mulheres a se conscientizarem de sua propriedade e de outros di- que "no homem residirá sempre o princípio da autoridade" dentro
reitos, embora reconhecesse que estes eram insuficientes; as mulhe- da família, como na "constituição actual da sociedade". Se a mu-
res sofriam de seu status de menores perpétuos diante da lei. Ao lher era superior ao homem em inteligência, educação ou em outras
contrário das mulheres em países avançados como os Estados coisas, "se nas qualidades da mulher reside a superioridade do ca-
Unidos, que desfrutavam de "maiores privilégios", as brasileiras sal, porque é que á simples selecção do sexo se ha de conceder os
attributos de authoridade?".28
suportavam "o jugo despotamente exercido pelo poder marital".
Embora se sentisse obrigada a falar indiretamente acerca, de deter- Ao contrário de muitas brasileiras, feministas ou não, Jose-
minados assuntos ocorridos em algumas famílias, advogou com fina de Azevedo era favorável às leis do divórcio, que permitiam
vigor mudanças legais que aplicassem, para esses crimes, punições a dissolução dos laços do casamento já partidos por acordo mútuo.
iguais para ambos os sexos.25 Mas as mulheres tinham conseguido De outro modo, dizia ela, a lei seria tirânica. Se uma mulher "pu-
algumas vitórias. {As mulheres solteiras podiam administrar sua desse repudiar o marido que os pais lhe impuzeram sem consultar a
propriedade. O código comercial de 1850 permitia que as mulhe- sua affeição", ela iria controlar "seu destino" mais do que as mu-
res donas de negócios casassem sem perturbar seus direitos e lheres qu~ sacrificavam "a existencia inteira a um capricho da
obrigações comerciais. Além disso, as tµulheres casadas poderiam autoridade paterna".29 Francisca S. da M. Diniz considerava 0
entrar para o comércio com a permissão de seu marido. Esses di- contrato de casamento indissolúvel. 36 Algumas mudanças fora do
reitos, ~º'Q)l)_;xr.Pti.-; marcaram "um começo de emancipa- lar dar-se-iam mais rapidamente que outras dentro da família ou
ção ;raticaj26 da estrutura legal.
\.Em assuntos de relações familiares, Josefina Alvares de Aze-
vedo, membro de família bem situada, e uma das mais vigorosas 27. O Jo~nal das Senhoras. !1 de janeiro de 1852. p. 14. O homem perma•
necer1a o chefe da família de acordo com a lei brasileira até a modifi•
das novas vozes feministas surgidas nas décadas de· 1880 e 18"' cação do Código Civil em 1962. Ver BUENO, Ruth [Maria Barbosa
era favorável a mais mudanças do que suas predecessoras, inclusive Goulart.]. Regime jurídico da mulher casada. 3. ed. Rio de Janeiro e
São Paulo, Forense, 1972.
28. A Fami1ia. 14 de novembro de 1889. p. 4.
25. O Sexo Feminino. 9 de junho de 1889. p. 1; O Quinze de Novembro 29. AZEVEDO, Josefina Alvares de. A mulher moderna. Trabalhos de
do Sexo Feminino. 30 de setembro de 1890. p. 2; 6 de dezembro de pr~paganda. ~io d~ Ja~eiro, Typ. Montenegro, 1891. (Muitos de seus
1890. p. 1. ar~os para Jornais, discursos e peças em favor do sufrágio foram
26. O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. 6 de dezembro de 1890. reimpressos neste volume.)
p. 1. 30. O Sexo Feminino. 16 de junho de 1889. p. t.
/
64 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 65
Confiante no progressc:r,' como outras feministas, Josefina de dos maiores homens do seo tempo", sofria da típica fraqueza fe-
Azevedo afirmava que, "em breve, o mesmo complexo de igualida- minina e decapitou Maria Stuart em virtude da inveja da reputação
de que se está vendo em toda a América, chegará até nós". Ela de sua beJeza. 33
igualmente ressaltava a necessidade de educar bem as mulheres,
tanto em seu próprio benefício como para "o engrandecimento do
Brasil", porque a "base principal do verdadeiro progresso é a edu-
cação". Apelando ao interesse próprio e ao patriotismo dos ho-
mens, ela lhes perguntava: "Quereis viver uma vida de prazer e
de encantos? Educae a mulher e vereis a vossa casa transformada
n'um verdadeiro eden". Contudo, até então, "o egoismo dos ho-
mens, desmedido, fanatico, intoleravel, não nos concedia nada do
que nos era devido, na escala das nossas aptidões". Nem mesmo a
Revolução Francesa, com os Direitos do Homem, "havia ampliado
as faculdades civicas da mulher". Mas as mulheres •aprenderiam a
se rebelar contra o tratamento de "escrava do homem, e não sua
amiga ou companheira". 31
Como parte de sua "propaganda pela emancipação" das mu-
lheres, Josefina Alvares de Azevedo publicou umc1. coleção de bio-
grafias de mulheres eminentes, utilizando o formato tradicional de
livros sobre homens notáveis. Os papéis ativos e individualizados
que ela prefigurou para as mulheres brasileiras tomaram~se evi-
dentes a partir de sua escolha. Não apenas rainhas e figuras polí-
ticas, de Joana d'Are a Isabel de Espanha, mas também mulheres
menos respeitáveis, como Cleópatra e George Sand, serviram como
"heroínas". 32 Suas seleções podem ser comparadas com as damas
de caridade, esposas virtuosas e filhas obedientes que enchiam as
1
páginas de um trabalho anterior realizado por Joaquim Manuel çle
Macedo, um professor de história e educador, que foi contratado
pelo governo imperial para lecionar em escolas primárias públicas
no Rio de Janeiro. Apenas uma escritora e umas poucas mulheres
enérgicas foram incluídas nas fileiras desses "exemplos excelentes"
com que as moças competiriam. Mas Joana d' Are foi "excepcional,
fora das condições ordinarias", e a vã Elisabeth da Inglaterra, "um
Brasil que faz timbre em ser submisso imitador da Europa e dos - Rio .. a~ ...i,;,-;;.. fllnll "· IQZO
Para a mul~Pela mulher
Estados Unidos em todos os progressos, porque não legisla a fim
de que as mulheres em nossa terra possão ser graduadas nas scien-
cias mais indispensaveis aos uzos da vida?". "Será", questionava A· mulher brasileira • burocracia
sarcasticamente, "que os governos se arreceie de alguma revolução
resultante de sciencia feminina?". D. Francisca acentuava os bene- - -e no magisterio IE,.,,2
fícios morais e econômicos que advêm a um país cujas mulheres SO!lMl JOll~.\I. -•n111"l'1'-~·
hujr a he1-11.1at·• d,1 '14'11 •~-., a
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l111k,·i..-, 11o1 ad111i ■ i"l'IIC'ii• .,.ltlira. cio rrmi11h;n1n ""' nu190 pail~ t-:. ,·m ultimn m•nlr lon~ dr ft'\"t'IIJI' 111..,in,, u111 n..-CIC"r
que poderia interessar àqueles brasileiros esperançosos de mo- Sã.. _. .. 1-:,. ...... Sr11"· n.
,Ir M.-llu, 1n·ol,·,..,w■• iH11fi.-11or■ r•.rul•r. 11,,.
t-:..tlk-r 1'"9r.-ira 11n1lyw-, qu,· r. na l'l'11idad1•, o frmini,nm:'
..\ e.ndeDC"MI f'ln■ 1~lpeda 1k um wxn ~
dr ln•Pl'f'thwlk'ia ho•til. l111it,, :1111 ,·1111trario
nin ha ni111••• •IUI' 111iu loun\ C'll■I ,•s.p,•11•
,11,·~11.. ~r•
diri1cir • t-:,.,..,111 S11r111al d.-,.,.
dernizar e desenvolver sua pátria. 4 Todavia, até a década de 1880, ,·apitai . ., Dr■. MyrtN d• t:■ •P,,.. t ■ lrnlo'WI
A l•la i-lo Ntaw1elar ■ lo d,· N"h-indk~·,u
co■tra o r1nl111111 d1.- homr1111! .\ tW1noN1!llr1-
t11wn pr11ur. o f'Mpi'llllln 1111 mulh,•r hraii-
lf'ira, j ' J•NIC'■ra1Mlo • 1k•í,•,11 u1ur11l • ,...,,,·i111I
.,ilu,,:ad:i, 110111rad ■ ln..,...lur• """ºI•"' 11•• cin pntlu ele- qlll' • ••lhu 1,01i.ul" q11alida- ,.. ,a as l"n•al ■ ra., i11fl'lia1•, dn '"-'U ""'!ó". ji
qualquer jovem brasileira que desejasse treinamento médico tinha 1ll ■ IIIC'IIJ.ll"' • • ldnUrH nw 1ap,l'rioft11 b do hontl"lll, bu1C"1ndo on-•par, por Ml'iu• 11b,.,,lutaar11tr
Xr1l;1 llk"'llla •~•Wiu •11r:.1P-IUl!1 lr1lt11l:.ir 1a1ttpliv1"i1 df' -.e rr,·rl1ft111 por t'Hll"C' 1111 rxi- lmnrollll11 r hrilhanh·,, n, P'"''""' q•., HA 11■-
de viajar ao exterior para prosseguir seus estudos. E muitas o ,, .,r.110 da 110,.'lll •d•lraçiu :.i uma jn,rm r lrlk"iu do pru•r,·,'° t' d1 t'h·ilin(io!
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nó,, 11n1:1 l'l1i,a "• ... bnimu,:i, ilu1 ...·111'1r11,rl,
1
70
mem se podem dedicar ao estudo das sciencias". :e preciso que as lheres - isto elas exigiam em nome da moralidade e das "leis da
mulheres "reco~heçam que os homens são injustos para com ellas, igualdade". Esperavam que outras brasileiras tomassem seu exem-
julgando-as incapazes de concepções sublimes e comettimentos plo, que caminhassem "pressurosas em demanda da instrução su-
scientificos", e que apenas a insuficiência de s:ua educação impediu-
as de estar no mesmo nível que eles. Elas citavam testemunhos
1 perior", e esperavam ser seguidas por uma "legião" de doutoras no
Brasil.8
da história, da ciência e da "evolução da civilização moderna"
para provar que "a mulher é intelligente, e digna de grandes co-
mettimentos". Mas para elas, como para outras feministas brasilei-
ras, os Estados Unidos, "o paiz dotado por Deus para ser o berço
'
t
Mesmo depois que o governo brasileiro abriu, em 1879, as
instituições de ensino superior do país às mulheres, capacitando-as
assim a ingressar em profissões, apenas um pequeno número de
mulheres pôde seguir esse caminho para empregos de prestígio.
da emancipação feminina", forneciam os melhores exemplos. Atra-
vés de A Mulher, t~ntaram informar suas compatriotas das reali-
zações e das atividades das mulheres norte-americanas em cam-
pos que abrangiam o direito, a medicina, a filantropia e o movi-
i Além de superar as pressões e a desaprovação social, as jovens
tinham que assegurar os estudos secundários, freqüentemente dis-
pendiosos, mas indispensáveis para continuar. Nunca de fácil obten-
ção para os que não eram membros da elite, a educação secundá-
mento pela abstinência do álcool. 6
ria permanecia esquiva mesmo para mulheres cqm pais influentes.
Como outras feminisfas brasileiras, tais como Francisca S. Algumas escolas elementares e normais matriculavam tanto me-
da M. Diniz e Violante Á. Ximenes de Bivar e Vellasco, essas ninos quanto meninas, mas em geral aceitavam-se essas "escolas
duas estudantes de medicina acreditavam no trabalho ético e na mixtas" apenas em caso de necessidade econômica, particular-
necessidade de preparar as mulheres para que pudessem sustentar- mente em cidades pequenas, onde instalações separadas para am-
se a si mesmas. Elas estavam "convencidas de que, sem trabalhar, • bos os sexos mostravam-se muito caras. Nessas, como nas escolas
se não consegue vida mais ou menos independente". Qualquer exclusivas para meninas, as mulheres podiam lecionar em troca
"mulher que entender que por ser mulher não tem necessidade
de estudar, de instruir-se e de trabalhar, commette um erro irrepara-
vel, e tarde virá a arrepender-se e conhecer que errou na aprecia-
s,,
,t
I'
de salários notadamente mais baixos que os percebidos pelos ho-
mens, de vez que virtualmente não havia outros empregos para
mulheres com alguma educação e status. Mas a co-educação per-
ção desta vida". Através do "trabalho, fonte perene do bem-estar J·t manecia suspeita ou, ao menos, desagradável à elite. Mesmo os
da criatura humana", as mulheres poderão sustentar-se a si mes-. estudantes brasileiros com mente progressista em Cornell Univer-
mas e "viver livres e independentes". 7
'
~
sity, na metade da década de 1870, que eram favoráveis à "eman-
\
Além de definir as aptidões das mulheres para a prática da
\
~
cipação das mulheres", equivocaram-se nesse assunto, embora
descrevessem o sucesso da co-educação nos Estados Unidos.9
medicina, Maria A. G. Estrella e Josefa A. F. M. de Oliveira rela-
cionavam as muitas vantagens do campo que escolheram, para as
mulheres e para a sociedade. Asseveraram que médicas gentis ins-
t Revelar-se-ia muito difícil para as jovens forçar as portas das
.melhores escolas, tais como o Colégio Dom Pedro II no Rio de
~.
pirariam a necessária confiança nas pacientes, que, no Brasil, com Janeiro, a escola secundária pública exemplar do país, embora al-
freqüência relutavam em revelar suas doenças aos médicos. Os \
gumas jovens tenham sido admitidas durante um período curto, em
médicos deveriam curar homens e mulheres; as médicas, mu- 1 meados da década de 1880. Contudo, um mini~tério seguinte recu-
1
6. Ibid. Janeiro de 1881. p. 2, 6; fevereiro de 1881. p. 16; março de 8. Ibid. Junho de 1881. p. 43, 46.
1881. p. 18 e 22; abril de 1881. p. 26-30. 9. Aurora Brasileira. 20 de maio de 1874. p. 57; 20 de junho de 1874.
7. Ibid. Abril de 1881. p. 27, 29. p. 66-67.
72 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 73
sou-se a destinar fundos para a mulher contratada para acompa- vivas das aptidões das mulheres brasileiras, assim também A Familia
nhar as jovens à aula e vigiá-las numa instituição exclusivamente reivindicou a graduação de Antonieta Dias pela escola de medici-
masculina. Como um jornal da oposição, Gazeta da Tarde, lamen- na do Rio em 1889 como "mais uma victoria para o sexo que re-
tou, isto era o equivalente a expulsar essas jovens, que saíram-se presenta sobre os conceitos brutaes da educação atrophiante, ainda
bem em seus exames. Esse jornal, porém, não discordava da alega- infelizmente em vigor". Seu feito reforçou "o protesto mais vehe-
ção governamental de que as estudantes, "segundo tinham reco- mente contra as opiniões contrarias a nossa emancipação" .14 Mas -
nhecido todas as autoridades do ensino, não podiam permanecer alli tais opiniões persistiam; como persistiu a hostilidade masculina de-:-
senão debaixo da apropriada vigilancia". Embora o governo tenha clarada à prática da medicina por mulheres.
sugerido que as jovens fossem "encaminhadas para estabelecimen-
Muitos membros masculinos da elite esperavam que as mu-
tos de adequada organização onde podem prosseguir em seus estu-
lheres da classe inferior entrassem para a força de trabalho, mas
dos", nada equivalente ao Colégio Dom Pedro II existia.10 Esco-
não suas próprias parentes. Quer brasileiros natos quer imigrantes
las secundárias particulares para moças eram em geral inadequadas
recém-chegados, "todo o homem ou mulher de qual cor ou nacio-
e dispendiosas, e sua escolha de educação gratuita, ou pública, no
nalidade" deve ter "um meiÓ de vida honesto por onde possa adqui-
Rio de Janeiro, estava limitada à escola normal e ao Liceu de
rir o seu sustento". Para as mulheres da classe inferior, esse "traba-
' Artes e Ofícios, que em 1881 acrescentou para as moças cursos
especializados e de grande procura em música, desenho e portu- lho honesto" seria executado em "casas de família", isto é, nas ca-
guês, mas não em filosofia, álgebra ou retórica, como no Colégio sas dos brasileiros mais ricos. 15 As mulheres da classe superior de-
veriam permanecer em suas próprias casas, supervisionando o tra-
Dom Pedro 11.11 1
balho das mulheres mais pobres, e não tentar entrar nas profissões
Apenas no século XX, chegaria a co-educação ao Colégio Dom
seguidas pelos homens de sua própria classe.
Pedro II, várias décadas depois de as mulheres terem rompido os
muros de instituições de ensino superior no Brasil. O campo do cuidado sanitário serve para ilustrar algumas des-
Apesar dos obstáculos, algumas brasileiras seguiram a van- , sas atitudes masculinas, assim como para esclarecer problemas en-
guarda da Ora. Maria A. G. Estrella. Em 1887, Rita Lobato Velho frentados por diferentes grupos de mulheres. Por anos, a assim
Lopes tomou-se a primeira mulher a receber o grau de médica no chamada profissão de enfermagem tinha sido aberta às mulheres,
Brasil. O Echo das Damas, exultante, proclamou-a um "exemplo suas fileiras repletas de mulheres com baixos salários e treinamento
para as jovens brasileiras, que só pela instrucção poderão aspirar à limitado. Apenas uma enfermeira como Ana Justina Ferreira Neri,
independencia e dignidade pessoal".12 Em 1888, Ermelinda Lopes voluntária na Guerra do Paraguai, envolvida pela aurora do patrio-
de Vasconcelos obteve seu grau, e outras seguiram-se em breve.13 tismo, recebeu reconhecimento. Mas não a maioria das mulheres
Do mesmo modo como o Echo das Damas elogiava o sucesso, as que ganhava a vida às custas de seu trabalho de enfermagem. Suas
realizações de Maria A. G. Estrella e de Rita Lobato, como provas vidas de renúncia não eram uma escolha voluntária. Embora a
posição das parteiras possa ter sido um pouco melhor, apenas uma
10. Gazeta da Tarde. 1 de outubro de 1885. p. 1; 3 de outubro de 1885.
p. 2. mulher excepcional como a francesa de nascimento Maria Josefina
11 . A imprensa e o Lyceu de Artes e O/ficios. Aulas para o sexo feminino. Matilde Durocher, com seu uniforme e sessenta anos de serviço no
Rio de Janeiro, Typ. Hildebrandt, 1881. p. iii, 5 e 25.
12. Echo das Damas. 4 de janeiro de 1888. p. 1.
13. SILVA, Alberto. A primeira médica do Brasil. Rio de Janeiro, Irmãos 14. A Familia. 30 de novembro de 1889. p. 6.
Pongetti, 1954. p. 51-54; BRUNO LOBO, Francisco. "Rita Lobato: a 15. BRASIL. Informações apresentado pela Commissão Parliamenter de Jn.
primeira médica formada no Brasil." Revista de História. XLil:483-485. querito ao corpo legislativo na terceira sessão da decima oitava legis-
Abril-junho de 1971. latura. Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1883. p. 138.
74 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 75
Rio de Janeiro, poderia infundir algum respeito na profissão mé- amor a seu marido, que insistia em ser o "chefe da família" -
dica.16 Mas se as mulheres da classe superior queriam tomar-se senão. . . Ela renuncia à sua carreira e tem um filho. Como diz
médicas, depararam-se com a oposição dos homens de sua classe. sua mãe, as leis da natureza devem vencer. A peça termina com a
Embora se pudesse conceber a medicina como uma extensão do ex-doutora proclamando que o filho é suficiente para preencher
papel tradicional de criação de filhos, muitos brasileiros não pensa- sua vida.17
vam assim. A oposição à entrada de mulheres nessa profissão foi Uina temporada de sucessos - cinqüenta apresentações - de
bem maior do que a que se passou em campos de menor prestígio As doutoras parece ter provocado uma imitação até menos simpá-
e menos especializados, como enfermagem e educação. tica à prática da medicina por mulheres, escrita por um autor me-
As médicas pioneiras no Brasil encontraram hostilidade e es- nos conhecido, L. T. da Silva Nunes. Posteriormente naquele ano,
tiveram sujeitas ao ridículo. Um desafio ao controle exclusivo mas- Silva Nunes sentiu-se obrigado a defender sua comédia, A doutora,
culino de uma profissão eminente como a medicina podia bem contra a crítica feminista. Explicou que procurou demonstrar que
arrancar mais críticas verbais do que o fariam outras atividades "Uma moça não se deve formar porque a propria posição de me-
femininas novas que não representassem ameaça direta à dominação dica podera collocal-la por vezes em situações improprias para uma
masculina, como era geralmente o caso. O interesse pessoal mas- mulher honesta", como no caso das chamadas a domicílio. A medi-
culino ajudou a determinar a atitude e o comportamento masculino. cina permanecia "uma profissão impropria" para o sexo feminino. 18
Algumas manifestações mais visíveis dessa oposição masculina de- Como observou, ainda naquele ano, uma importante revista
ram-se no teatro. Em sua comédia de 1889, As doutoras, Joaquim de sátira política, ao fazer comentários sobre o crescente debate
José de França Júnior, advogado, funcionário público e teatrólogo gerado pela questão da "emancipação da mulher": embora alguns
importante do segundo império, expressou itlgumas das mais deli- homens pudessem admitir que as mulheres fossem "socialmente
beradas oposições às mulheres na medicina. O assunto dessa peça igual ao homem", "outros combatem esse ponto de vista, por todos
diz respeito a dois companheiros de classe de um curso de medicina os meios e com todas as armas, inclusive o ridiculo".19 Mas a ques-
que se casam no dia da graduação e montam um consultório em
17. FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José de. As doutoras, Comedia em 4
conjunto. Mas a insistência da esposa pela igualdade dentro do actos. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Autores Theatraes, 1932.
casamento e sua bem-sucedida competição com o marido por pa- Informação sobre a peça, sua encenação e seu autor é dada por ES-
CRAGNOLLE DORIA, Luís Gastão. "Cousas do passado." Rev. do lnst.
cientes põem sua união em perigo. Tanto ela como o pai, um Hist. e Geogr. Bras. 71, parte 2 (1908), 295-297. Mais informação bio-
crente no progresso e seguidor biruta de esquemas de fazer dinheiro, gráfica pode ser encontrada em SACRAMENTO BLAKE. Diccionario
bibliographico brazileiro, IV, 163-165. A obra dramática de França Jú-
argumentam pela individualidade e emancipação da mulher. Como nior é habilmente analisada por BARMAN, Roderick J,/ "Politics on
algumas outras feministas, ela se opõe especificamente às mulheres the stage: the late Brazilian Empire as dramatized by França Júnior."
serem transformadas, através do amor, em meras "máquinas de Luso-Brazilian Review. 13. Winter 1976. p. 244-260.
Algumas das mais fortes oposições nos Estados Unidos ao ingresso de
procriação" ( Ato II, cena 2) . Sua mãe prefere de longe os velhos mulheres em profissões também centrou-se na medicina. (FLEXNER.
tempos, quando "as mulheres não se lembravam de ser doutoras Century of struggle. p. 119.) Os problemas das mulheres na medicina
nos Estados Unidos e a oposição que a elas se fez são tratados em
e limitavam-se ao nobre e verdadeiro papel de mães de família" WALSH, Mary Roth. "Doctors wanted. No women need apply". Se-
(Ato I, cena 2). Finalmente, essa mulher doutora sucumbe não xual barriers in the medical profession, 1835-1975. New Haven e Lon-
dres, Yale University Press, 1977. Ver também LITOFF, Judy Barret.
aos argumentos mas aos ciúmes por causa de outra mulher e ao American Midwives, 1860 to the present. Westport, Conn., Greenwood
Press. 1978.
16. O Domingo. 30 de novembro de 1873. p. 11; BARROS VIDAL, Precur- 18. A Familia. 14 de novembro de 1889. p. 2-3.
soras brasileiras. p. 69-74, 167-180. 19. Revista Illustrada. Rio de Janeiro. 9 de março de 1889. p. 7.
76 JUNE E. HAHNER 1
tão da emancipação feminina não desapareceu, e mais mulheres
tentaram ingressar nos campos de atividades de prestígio, desper-
tando finalmente também o tema da igualdade política.
VI
O SUFRÁGIO FEMININO
E A ASSEMBLl!IA CONSTITUINTE DE 1891
1
f 78 JUNE ll. HAHNER
nossa personalidade". Quando os homens as tratavam como rai- reram inclusão nas listas eleitorais, mas foram recusadas. Em Mi-
nhas, era apenas para lhes dar "o sceptro da cozinha, da machina nas Gerais, duas outras mulheres tentaram registrar-se e votar.11
de procreação".8 Agora elas precisavam ter total liberdade e igual- Josefina de Azevedo viu suas ações como um sinal de que as
dade de direitos. E o direito ao voto constituía parte intrínseca de mulheres tencionavam agora "influir nos destinos sociaes, em sahir
seus direitos. ·Sem o sufrágio, as mulheres não poderiam ser ver- da nullidade completa em que temos vivido até agora". Apesar dos
dadeiramente_ iguais. reveses, •afirmava que "com resolução e constância chegaremos a
obter tudo o que a sociedade nos deve e a lei não consente".12
Josefina Alvares de Azevedo opunha-se implacavelmente aos
"velhos preconceitos estalidos" que dirigiam a sociedade brasileira Tanto Josefina de Azevedo como Francisca S. da M. Diniz
e mantinham as mulheres "sempre em um estado de atrophia tal, dirigiram muitos de seus argumentos aos líderes da nação. Desde
que não nos era permittido ter aspirações". Ela incitava a brasileira que a nova república brasileira estava tentando reconstruir o go-
a escapar da "esphera acanhada em que era mantida", e a "agir verno e a sociedade numa base de "plena liberdade e egualidade
como ser complexo, intellectual, moral e materialmente conside- fraternal", os homens não deveriam trabalhar contra a emanci-
rada''. Além "do lar doméstico", ela encontraria "um vasto cam- pação das mulheres. D. Francisca declarou: "a egualdade de acção
po que lhe tinha sido vedado até hoje", incluindo a arena política. 9 deve ser posta em practica pelos senhores que proclamam a igual-
Tanto em discursos impressos quanto públicos, no Rio de Janeiro dade" .13 c;omo D. Josefina lembrou aos homens, uma vez que as
e numa série de conferências pelo nordeste, em 1889, Josefina mulheres tinham de obedecer a lei, deveriam ter uma; voz na sua
de Azevedo culpava o "natural egoismo do assim chamado sexo criação. Os homens não mais deveriam "impunemente negar a
forte" por impedir as mulheres de "entrar directamente nessas tita- mulher um dos mais sagrados direitos individuaes". D. Josefina
nicas lutas de politica":,l As mulheres "também tem os seus direitos considerava o voto ponto crucial para as mulheres; dele dependia
a defender", e. CO.Dl ·6,,. voto poderiam melhorar sua posição dentro sua "elevação na sociedade". Ela também usou da dramaturgia
e fora do lar. Consciente de que não podia citar precedentes es- para apresentar seus pontos de vista, publicando e representando
trangeiros para o sufrágio feminino pleno, ela apelava para o no Recreio Dramático, no Rio de Janeiro, uma peça intitulada
patriotismo, afirmando que "alguma nação deverá ser a pri- O vpto feminino, para ajudar a persuadir os líderes da nação a
meira a iniciar-se nesse grande melhoramento; porque não ser o agir.t4
Brazil?" .10
Não apenas Josefina de Azevedo e Francisca S. da M. Diniz A resistência masculina ao sufrágio feminino mostrou-se di-
procuravam o voto. Esperando obter vantagem da imprecisão dos fícil de conter. Boa parte da oposição centrava-se na concepção
diversos regulamentos eleitorais, algumas brasileiras lutaram para masculina da família e dos deveres femininos. Como reconheceu
incluir seus nomes nas listas de eleitores. No Império, Isabel de uma das colaboradoras de Josefina de Azevedo em A Familia,
Matos Dilon, graduada em direito, tentou votar. Mais tarde ela Maria Clara Vilhena da Cunha, muitos homens acreditavam que
colaborou em A Familia, de Josefina de Azevedo. Quando a repú- uma mulher não deveria lidar com assuntos públicos ou mesmo
blica foi proclamada, cinco mulheres no estado de Goiás regue-
11. BARROS VIDAL. Precursoras brasileiras. p. 165; A Familia. 6 de julho
8. O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. 6 de abril, de 1890. p. 1. de 1889. p. 8; 23 de novembro de 1889. p. 3; 31 de dezembro de
9. A Familia. 6 de julho de 1889. p. 1; 30 de novembro de 1889. p. 1; 1889. p. 2; AZEVEDO. A mulher moderna. p. 14.
31 de dezembro de 1889. p. 1; AZEVEDO. A mulher moderna. p. 124. 12. A Familia. 23 de novembro de 1889. p. 3.
10. A Familia. 6 de julho de 1889. p. 1 e 8; 3 de outubro de 1889. p. 1 13. O Quinze de Novembro do Sexo Feminino. 6 de abril de 1890. p. 2.
e 3-4. • 14. AZEVEDO. A mulher moderna. p. 23, 25, 30-73.
84 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS, .. 85
mostra..r interesse por eles, porque ela "tem o lar doméstico, aonde "no dia em que [o] convertessemos em lei pelo voto do Congresso,
é ella rainha, podendo ahi exercer o seu dominio". Mas, como repli- teriamos decretado a dissoluçãó da familia brazileira".19
cou Maria Claro, não apenas era "tão limitado esse dominio" mas No Brasil, como em outros países, uma visão sentimental do
nele também os homens predominavam, tomando todas as deci- lar e da mãe estava junto ao coração dos oradores anti-sufragistas.
sões básicas.15 D. Josefina, em reação aos argumentos masculinos Viam eles a vocação de cada mulher como que determinada não
de que as mulheres deveriam se dedicar exclusivamente à mater- por suas •capacidades, exigências ou desejos individuais, mas pelo
nidade, afirmava que "a mulher que é mãe, nada perde com ser seu sexo. E todo o sexo era um, cujos deveres, privilégios e ne-
cidadão''.; tanto pode educar seus filhos quanto realizar seus deve- cessidades nunca mudaram, porque fluíam de uma natureza femi-
res civis, do mesmo modo como um homem assume seus deveres nina interior e particular. Enquanto os homens podiam e~~rar
com a família e os de cidadão.16 ter uma variedade de ambições e habilidades, as mulheres eram
destinadas desde o nascimento a serem mães e esposas em t~~J?O
Na Assembléia Constituinte, reunida em 1891, para elaborar
integral. No entanto, muitos homens pareciam precisar antes de
uma constituição republicana para o Brasil, os homens debateram
um conceito de uma morada pacífica e estável, que lhes fornecesse
o sufrágio feminino, assim como outros temas políticos, que a
descanso de ·suas diversas atividades, do que mesmo da própria
maioria julgava mais importante. As salas da assembléia não re-
casa, pois passavam menos tempo em casa do que as mulheres. O
percutiram sem parar com os argumentos spencerianos de um
casamento e o lar eram glorificados para as mulheres, não para
Tito Lívio de Castro sobre os cérebros infantis das mulheres, sua
os homens.20
inferioridade mental e retardação evolutiva. 17 Poucos deputados
admitiram acreditar, como Lacerda Coutinho, que as mulheres A oposição ao sufrágio feminino no Brasil baseou-se na su-
fossem física e mentalmente incapazes de suportar o excitamento posta nobreza, pureza e domesticidade das mulheres, suposições
dos conflitos no mundo exterior. Para ele, mesmo a educação não levadas ao extremo pelos positivistas, tanto dentro como fora da
poderia alterar a "natureza" das mulheres; elas "tem funcções que assembléia. Eles elevaram a velha crença de esferas separadas de
os homens não tem, essas funcções são tão delicadas, tão melindro- atividades masculinas e femininas ao nível do dogma religioso. Ao
sas, que basta a menor perturbação nervosa, um susto, um mo- , contrário dos homens, a mulher vivia primariamente através dos
mento de excitação, para que se pervertam; e as consequencias sentimentos. Sua natureza singular determinava suas atividades,
sejam, muitas vezes, funestas". 18 Em lugar de concordar com La- que deveriam ser limitadas ao lar e à família. Dentro da estrutura
cerda Coutinho sobre todas as fraquezas das mulheres, outros familiar, ela podia formar gerações futuras. A mulher deveria ser
deputados reconheceram suas aptidões intelectuais, mas crpunnam- um anjo confortador, companheira amorosa de seu homem e a
se ao sufrágio em nome da conservação da família, temendo con- deusa do lar, mas nunca sua adversária ou rival na luta cotidiana
seqüências de alguma saída da mulher do lar. Para Moniz Freire, da vida. Para os positivistas, a mulher constituía a parte moral da
o sufrágio feminino era "immoral e anarchico". Ele mantinha que sociedade, a base da família, que por sua vez era a pedra funda-
mental da nação. A feminilidade como um todo deveria ser vene-
15. A Familia. 19 de outubro de 1889. p. 1.
16. AZEVEDO. A mulher moderna. p. 20. 19. Annaes do Congresso Constituinte. II; 456. Sessão de 12 de janeiro
17. CASTRO, Tito Lívio de. A mulher e a sociogenia. Obra posthuma. de 1891.
Rio de Janeiro, Francisco Alves & Co. (1894). 20. Argumentos anti-sufragistas semelhantes foram empregados nos Estados
18. BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Congresso Constituinte Unidos. Ver: KRADITOR. The ideas o/ the woman sulfrage movement.
da República. 2. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1924-26. II: e MAYOR, Mara. "Fears and fantasy of the anti-suffragists." Connecti-
544. Sessão de 14 de janeiro de 1891. cut Review. 7:64-74. April 1974.
86 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 87
rada e colocada à parte de um mundo de maldades. 21 Na assem- desorganização", sabia que "bastará que qualquer paiz importante
bléia, Lauro Sodré, proclamando sua adesão à doutrina positivis- da Europa confie-lhes [às mulheres] direitos políticos, e nós o
ta, denurtciou o sufrágio feminino como uma idéia "anarchica, imitaremos", sem enfraquecer a família. 25
desastrada, fatal". Ao passo que Sodré defendia que se ministrasse Apesar do apoio de alguns republicanos radicais na assem-
às mulheres "instrucção completa, solida, encyclopedica e integral" bléia, como Lopes Trovão, que eram a favor do divórcio e do
pelo bem da intensificação da moralidade, 22 outro positivista e sufrágio feminino, os defensores do voto das mulheres perma-
membro do governo republicano provisório, Benjamim Constant neciam uma minoria decidida.26 Fracassou mesmo uma proposta
Botelho de Magalhães, fechava as instituições de ensino superior em favor do sufrágio limitado, para mulheres altamente qualifi-
' às mulheres. Em sua denúncia irada e escarnecida dessa restrição cadas, com títulos universitários ou de ensino, ou que tivessem
temporária às mulheres, Josefina Alvares de Azevedo atacou "a propriedade, sem estarem sob a autoridade do pai ou do marido.
esturdia e flagell!da pbilosophia positivista" por conceber a mulher A assembléia também recusou a· inclusão de homens analfabetos,
como um "ente descerebrado, um animal sem desenvolvimento". 23 uma proposta defendida pelos positivi,stas, mas · objetada pela
Exemplos estrangeiros, que serviam a muitos propósitos entre maioria da elite política.27 O artigo constitucional sobre a ele-
as elites, como as editoras de jornais feministas tinham de há muito gibilidade do eleitor permaneceu como fora originalmente pro-
reconhecido, podiam também ser empregados para limitar as mu- jetado. Podiam ser eleitores "cidadãos maiores de vinte e um
lheres a uma posição subserviente no Brasil. Deputados como La- anos", adequadamente registrados, com exceção de mendigos,
cerda Coutinho citaram a falta de precedentes estrangeiros para o analfabetos, soldados e membros de ordens religiosas.28 Por dé-
sufrágio. Sem importar-se com precisão completa, proclamou que cadas consecutivas, esse artigo seria interpretado como excluindo
"em nenhuma parte do Mundo encontra-se a mulher gosando do as mulheres, de vez que não se achavam especificamente incluídas.
direito eleitoral'' .24 Mas César Zama, que considerava o sufrágio A nascente expectativa do pequeno grupo de feministas bra-
feminino "uma questão de Direito" e que criticava seus coleg~s sileiras deparou-se com a frustração na Assembléia Constituinte.
por terem asseverado apenas que "a concessão de direitos políti- Mas o tema do sufrágio feminino não poderia mais ser ignorado.
cos às mulheres trará, infallivelmente, a desorganização do lar e , Agora mais homens e mulheres encaravam-no como parte dos di-
da familia", em lugar de "explicar-nos o'modo e os motivos dessa reitos da mulher.
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los inícios do século XX, os estrangeiros que tinham visitado pela n-•
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mulheres. Estas deveriam funcionar como '"a alma da familia", que
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era a cbnve-mes1ra da civilização, e como educadoras dos homens, P9bMCllll1j
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mas não como seus pares.• Outro colaborador de revistas acen-
tuava os melhoramentos que a Cristandade trouxera para "o sexo a não desalojão da boa condição em que se estabeleceu solidamen-
amável", maltratado por milênios. Adotando uma atitude superior, te". 8 O feminismo não era mais um assunto de escárnio.
ele questionava se as mulheres alguma vez tinham meditado sobre
o papel que desempenharam no curso da evolução e progresso hu- A própria visão de Maria Amélia Vaz de Carvalho sobre a
manos. E reassegurava seus leitores de que a mulher serviria como mulher mudou no decorrer dos anos. Embora há muito defendesse
"fiel e dedicada sacerdotisa" da liberdade moderna quando voltasse o desenvolvimento das habilidades mentais femininas, ela especi-
sua atenção para a política, a única área para a qual ainda não ficamente· rejeitou o que chamou de uma luta de estilo norte-ame-
tinha contribuído. 6 ricano pela sobrevivência. As mulheres deveriam ser educadas de
modo a se tomarem "companheiras úteis" e encantadoras, e boas
Embora continuasse a resistência a mudanças no status das mães, não advogadas. Ela se opunha à idéia de médicas e expres-
mulheres, o direito de voto recebeu discussão mais favorável. Esse sava sua repugnância quanto à idéia do voto para a mulher. Mas,
tema podia agora ser livremente contestado, tanto informal quanto a seus olhos, a família se desintegrou de qualquer modo, com os
formalmente, como num debate mantido na Associação Cristã de homens e as mulheres seguindo caminhos distintos, deixando a ou-
Moços, em São Paulo, em 1912. No discurso teórico e talvez tam- trem o cuidado dos filhos. E seu ponto de vista mudou. Não mais
bém na realidade, o "culto à mulher" podia ser combinado com o Maria Vaz de Carvalho diria que a mulher deve "cultivar o seu
sufrágio. O "anjo que vela pela nossa paz e felicidade" já podia espirita com o fim unico de ser agradavel ao seu senhor e amo".
depositar sua cédula eleitoral. Alguns homens, assim como as As mulheres deveriam ser libertadas da escravidão da dependência
mulheres, argumentavam que esse ser superior deveria ter os mes- psicológica. Muitas precisavam ganhar o próprio sustento e lutar
mos direitos que o homem, e ser autorizado a votar e a concorrer. 7 por uma carreira. Ela imaginava a mulher do século XX traba-
lhando lado a lado com os homens e competindo em todas as pro-
Estaria agora o incipiente movimento pelos direitos da mulher fissões liberais, e elogiava as vitórias feministas nos Estados Unidos
sendo patrocinado por membros da elite como qualquer outra e na Europa. Com certa mágoa, ela previa uma ~eração futur3:
causa digna ou caridade? Seria agora este um movimento elegante menos poética e idealista do que a sua própria, cheia de "Amazo-
para por ele se lutar? Pode parecer assim. nas de nova especie" numa sociedade cada vez mais "scientifica,
índustrial e democratica". 9
Como Maria Amélia Vaz de Carvalho, escritora popular por-
tuguesa e colaboradora há muito tempo em jornais feministas no / Acontecimentos no estrangeiro podiam reassegurar aos brasi-
Brasil, tinha notado com astúcia na imprensa brasileira da virada leiros da classe superior que um aumento nos direitos da mulher,
do século, o feminismo não mais era déclas,sé. Os movimentos pe- especificamente o voto, não perturbaria nem alteraria as estru!uras
los direitos da mulher tomaram-se mais fortes e mais respeitáveis sociais e familiares. Como percebeu a imprensa, as mulheres na
em muitas nações, com senhoras de elevada posição sociaLparti- Nova Zelândia não abusaram de sua vitória sufragista, e não ocor-
cipando em congressos internacionais de mulheres. As elites, como reram grandes mudanças na composição da legislação.10 O que
a brasileira, apreciam muito as "novidades, enquanto as novidades
8. Artigo de O Jornal do Commercio, reeditado em A Mensageira. 31 de
agosto de 1899. p. 133, 137.
6. DEIRO, Eunapio. "A mulher perante as religiões antigas e o christia- 9. VAZ DE CARVALHO, Maria Amélia. Cartas a uma noiva. 8. ed. Por-
nismo." Kosmos. Dezembro de 1904. · to, Imprensa Portuguesa, 1937. p. 128-131, 141, 226; A Mensageira,
30 de junho de 1898, p. 285; 15 de agosto de 1899. p. 120-121; 31 de
7. MOYA, Salvador de. Culto á mulher (Tem a mulher, naturalmente agosto de 1899. p. 133-138.
perante a sociedade, os mesmos direitos do homem?). São Paulo, Im: 10. Artigo da Gazeta de Petrópolis, citado em A Mensageira. 15 de dezem-
prensa Methodista, 1912.
bro de 1897. p. 70-71.
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 95
94 JUNE E. HAHNER
se poderia esperar que as eleitoras fizessem era limpar o governo, forço nacional devessem limitar-se à enfermagem e ao trabalho na
mantendo sua imagem de nobreza e pureza. Cru:,; Vermelha, um insignificante e simbólico clube de tiro femi-
nino receberia apoio oficial. Leolinda de Figueiredo Daltro aju-
Conforme o século XX progredia, mais mulheres da classe dou a criar a Linha de Tiro Feminino Orsina da Fonseca.12
superior e da classe média reivindicam direitos comparáveis aos de
seus maridos e irmãos, principalmente quanto ao acesso aos cargos Ao contrário da "questão social", que despertou maior aten-
profissionais e ao voto. Sua espécie de feminismo era socialmente ção e engendrou alarma entre brasileiros temerosos da anarquia e
aceitável. Ao contrário de algumas feministas mais anteriores, do socialismo, a "questão feminina" aparentemente oferecia menos
elas não reivindicavam importantes mudanças nas relações fami- perigo para a estrutura vigente da nação. O governo Hermes da
liares. Nem o voto nem o título universitário impediriam uma mu- Fonseca patrocinou um congresso moderado de trabalhadores em
lher de realizar seus deveres domésticos. 1912, e procurou conquistar seções do emergente movimento tra-
balhista. Por que não organizar também as mulheres? Poder-se-ia
Professoras e outras mulheres da classe média também senti- colher um potencial proveito político. Tais ações poderiam também
ram necessidade do voto. Estreitamente vinculadas à burocracia sugerir que a inclusão de mulheres era agora necessária para de-
governamental, quer como professoras primárias, quer como es- monstrar a unidade nacional em alguns pontos.
posas de funcionários públicos, elas temiam que as dificuldades
econômicas e a inflação do período da Primeira Guerra conduzis-
sem a cortes nos gastos públicos e nos cargos governamentais. Esse
era o público a quem se dirigia Leolinda de Figueiredo Daltro,
professora e presidenta do Partido Feminino Republicano, fundado
em 1910. Ela clamava por "emancipação das mulheres brasileiras"
em termos gerais, defendendo especificamente que os cargos pú-
blicos fossem abertos a todos os brasileiros, independente do sexo.
A necessidade econômica e os direitos da mulher combinaram-se
ao patriotismo da classe média e à política nacional para dar ori-
gem a um partido ligado à família do presidente Hermes da Fon-
seca. Sua primeira esposa, Orsina da Fonseca, foi a presidenta
honorária do partido.11
No início do século XX, o patriotismo crescente da classe
média urbana e a campanha por um exército moderno e bem trei-
nado, apoiada pelo Marechal Hermes da Fonseca, levou a uma
nova lei de recrutamento em 1908 e à criação de clubes de tiro,
ou linhas de tiro, cujos membros formariam a reserva do exército.
A guerra na Europa apenas aumentou o fervor patriótico dos bra-
sileiros, e eminentes estadistas e escritores brasileiros ajudaram na
campanha pela defesa. Embora as contribuições femininas ao es- 12. TABAK. "O status da mulher no Brasil." p. 180. A mais importante
expressão desse nacionalismo é BILAC. Olavo. A defesa nacional (Dis-
11. Tribuna Feminina. Rio de Janeiro. 25 de novembro de 1916. p. 1-2. cursos). Rio de Janeiro, Liga da Defesa Nacional, 1917.
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A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS. . . 97
isto, pois os brasileiros ainda permaneciam "muito atrasados, com- lismo e ao militarismo. Ela mantinha que "enquanto a mulher pa-
parados às raças que hoje dominam o mundo". 8
tricia eslver sob a tutela do padre - impossível a sua emancipa-
Embora a organização projetada não pudesse ser formada ime- ção" .10 ._ O interesse principal de Bertha Lutz não estava entre a
diatamente, várias associações de mulheres surgiram nos anos se- massa trabalhadora do país, mas sim entre aquelas mulheres como
gqintes. A Legião da Mulher Brasileira, uma organização de ser- ela própria, embora outras também se beneficiariam se se obtivesse
viço social criada no Rio de Janeiro em 1919., com . -
o---
lema--- pagamento igual para trabalho igual. O voto não seria apenas um
"Amparar e elevar a M_ulh~l'.,via os interesses e direitos da mu- instrumento para alcançar o progresso feminino, mas também um
lher como mais bem servidos·· por meio da ajuda mútua e de símbolo dos direitos de cidadania. Para Bertha Lutz, havia dois
melhores métodos de organização. Essa sociedade, liderada por lados do movimento feminista: "um individual, econômico e inte-
Alice Rego Monteiro, com Júlia Lopes como presidenta honorá- lectual, o outro, social e político", e no Brasil de 1920 ela achava
ria, e mantendo ligações com Nosso Jornal, refletia uma comum que o primeiro era "indubitavelmente o mais avançado". A Liga
atitude, paternalista com relação às mulheres da classe inferior. para a Emancipação Intellectual da Mulher deveria "trabalhar pa-
Embora Bertha Lutz fosse diretora da comissão administrativa da cificamente e imediatamente neste aspecto do movimento feminista,
Legião, suas prioridades pessoais seriam mais bem desenvolvidas que para a época é o mais importante lado da questão para o
pela Liga para a Emancipação Intellectual da Mulher, que ela es- Brasil".11
tabeleceu no Rio de Janeiro em 1920, juntamente com Maria La- Em várias entrevistas para jornais, Bertha Lutz expandia-se
cerda de Moura, professora e, autora mineira. 9
sobre os objetivos do movimento. Estes iam desde interesses alta-
Essa pequena liga, na verdade apenas um grupo de estudos, mente generalizados, como a paz mundial, até assuntos específicos,
concentrou-se em conseguir igualdade política para as mulheres. como o pagamento igual para trabalho igual e oportunidades edu-
Como escreveu Maria Lacerda de Moura na época de sua organi- cacionais iguais. Mas, para realizar esses objetivos, afirmava, as
' zação, elas concordaram quanto à necessidade de uma "outra cou- mulheres precisavam ter acesso ao processo poHtico como cidadãs
sa além da Associação Christã ou Legião da Mulher". Maria La- plenas e iguais; precisavam ter participação política direta e legíti-
. cerda de Moura desejava ir além do "limitado campo" das ativida- ma. Bertha Lutz e outras sufragistas viam o vóto "como meio de
des anteriores como "escolas domesticas ou estabelecimentos de ação", como um instrumento para superar as barreiras em direção
philanthropia, creche, etc. às outras associações", formar "um pe- a uma sociedade liberal mais completa. Serviria como o instru-
queno exercito de propagandistas da educação racional e scientifica mento necessário para o progresso e não meramente como um fim
da mulher para a sua perfeita emancipação intellectual". Contudo, em si mesmo.12 / .
Resumiram-se os esforços em entrevistas, artigos na imprensa e na eia da NAWSA em 1904, em parte devida ao seu papel na cres-
collaboração com os poucos legisladores brasileiros que se lem- cente luta internacional pelo sufrágio, Carrie Chapman Catt de-
bravam dos direitos da mulher".13 Uma mudança notável surgiu votou-se àquela causa por dez anos. Mesmo depois de retomar a
em 1922 com sua participação na primeira Conferência Pan-Ame- liderança do movimento norte-americano em 1916, ela continuou
ricana de Mulheres, realizada em Baltimore, nos Estados Unidos, como presidente da Aliança.15
e o subseqüente estabelecimento da Federação Brasileira pelo Pro-
gresso Feminino. Dura~te seus primeiros dez anos, a Aliança Internacional pelo
Sufrágio da Mulher aumentou, das oito associadas originais ( sete
O movimento sufragista brasileiro estabeleceu laços cerrados européias e uma norte-americana), para 25. Uma chilena viajou
com org~i~açõ~s e sufra~istas em_ outros taíses, que serviriam como .para a conferência em Washington em 1902, participando como
fontes ad1c1ona1s de apoio e legitimação~ No século XIX, as in- visitante, da mesma forma como fizeram mais de uma dezena de
fluências estrangeiras sobre as feministas brasileiras tomaram a mulheres latino-americanas residentes nos Estados Unidos. Mas as
forma de idéias e exemplos úteis. Agora o movimento internacio- primeiras associadas latino-americanas, Argentina e Uruguai, não
' nal forneceria técnicas de organização e contatos pessoais tam- ingressaram na Aliança senão no Congresso de Genebra, no pri-
bém. Em 1920, Nosso lornpl registrou propostas,feitas pela Alian- meiro pós-guerra, época em que as mulheres já tinham obtido voto
ça Internacional pelo 'Sufrágio da Mulher à sua diretora, Cassilda em 22 países. ,. A ligação entre o movimento brasileiro e o inter-
Martins. Entretanto, as mais firmes ligações entre as lutas brasi- nacional foi formada na Primeira Conferência Pan-Americana de
leira e internacional set;iam estabelecidas por Bertha Lutz vários Mulheres, realizada em Baltimore, em abril de 1922, em conexão
anos mais tarde. 14 com a convenção da Liga Nacional das Mulheres Eleitoras. Aí
Bertha Lutz fez sua estréia no palco internacional do sufrágio,
O movimento pelo sufrágio feminino nos Estados Unidos há como delegada oficial do Brasil, escolhida, como as demais re-
muito demonstrara sua preocupação com o status da mulher em presentantes, pelo governo do país.16 Entretanto esta não foi sua
outros lugares. Em 1883, Susan B. Anthony propôs uma confe- primeira experiência como delegada a uma conferência interna-
rência sufragista internacional e visitou a Inglaterra para pedir a cional: em 1919, junto com Olga de Paiva Meira, representou o
cooperação de sufragistas britânicas, mas a conferência não pôde Brasil na conferência da Organização Internacional do Trabalho
ser realizada. Cinco anos mais tarde, ela patrocinou a formação sobre as condições de trabalho das mulheres.17
do Conselho Internacional de Mulheres, uma reunião de grupos
de mulheres, não uma associação sufragista como a Associação A visita de Bertha Lutz aos Estados Unidos em 1922, onde
pêtmaneceu três meses, modificou sua visão de um movimento fe-
Nacional pelo Sufrágio da Mulher (NAWSA). Depois que Carrie
Chapman Catt assumiu a presidência da NAWSA, ela patrocinou
uma conferência internacional em Washington, em 1902. Aqu~la 15. CATT, Carrie Chapman. "The history of the origin of the lntemational
Alliance of Women." (Cópia datilografada não publicada.) New York
conferência votou pela formação de uma organização permanente Public Library, Carrie Chapman Catt Collection, Box 5; PECK, Carrie
Aliança Internacional pelo Sufrágio da Mulher, lançada num con~ Chapman Catt. p. 121-123, 137-167; FLEXNER. Century of Struggle.
p. 235-238; HARPER, Ida Husted. The li/e and work of Susan B.
gresso em Berlim, em 1904. Seguindo sua abdicação da presidên- Anthony. 3 v. lndianapolis, The Hollenbeck Press, 1908. v. III, p.
1244-47 e 1315-28.
16. CATT. "The history of the origin of the lntemational Alliance of
13. Discurso de LUTZ, Bertha, à FBPF 9 de agosto de 1930, Arquivo da Women." New York Public Library, Carrie Chapman Catt Collection,
FBPF. '
Box 5; PECK. Carrie Chapman Catt. p. 347-361.
14. Nosso Jornal. Agosto de 1920. 17. SAFFIOTI. A mulher na sociedade de classes. p. 27.
i
106 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 107
minis ta previamente baseado em sua experiência européia: o mo- gresso Feminino. Outras filiais seriam estabelecidas em outros Es-
delo norte-americano parecia mais adequado ao Brasil do que al- tados. A constituição da Federação Brasileira pelo Progresso Fe-
gumas das violentas atividades européias. Numa longa entrevista minino foi projetada durante uma visita de fim de semana feita
concedida quando de seu regresso ao Brasil, expressou sua crença por Bertha Lutz à casa de Carrie Chapman Catt, após a confe-
em que a conferência de que participara ajudaria as mulheres la- rência de Baltimore.19 De acordo com seus estatutos, os objetivos
tino-americanas a "evitar os erros de tactica" e daria ao seu mo- da Federa~ão eram:
vimento "uma orientação muito salutar, pois o movimento nos
1 . Promover a educação da mulher e elevar o nível de ins-
Estados Unidos tem sido sempre muito digno e completamente
trução feminina.
alheio aos metodos violentos empregados em alguns dos paises
europeus". Ela preferia os "processos" norte-americanos, "intei- 2 . Proteger as mães e a infância.
ramente calmos, sem violencia semelhante a que foi empregada
3 . Obter garantias legislativas e práticas para o trabalho fe-
pelas · suffragistas inglesas". Para Bertha Lutz, a primeira Confe-
minino.
rência Pan-Americana de Mulheres demonstrou uma "approxiina-
ção amigavel das mulheres de todos os paises do continente-·ame..: 4. Auxiliar as boas iniciativas da mulher e orientá-la na es-
ricano, que revelaram extraordinaria unanimidade de pensamentos" · colha de uma profissão.
referentes a uma vasta gama de assuntos 'relacionados a filhos
5 . Estimular o espírito de sociabilidade e de cooperação entre
trabalhadoras, direitos legais e políticos da mulher e o "melhora-'
as mulheres e interessá-las pelas questões sociais e de
mento das condições. de vida da humanidade".18
alcance público.
A Conferência Pan-Americana de Mulheres em Baltimore le-
vou, de parte das delegadas latino-americanas, à formação de uma 6 . Assegurar à mulhçr os direitos políticos que a nossa Cons-
Associação Pan-Americana pelo Progresso das Mulheres e ao es- tituição lhe confere e prepará-la para o exercício inteli-
tabelecimento de outras sociedades nacionais para incluir aquela gente desses direitos.
associação. Mais tarde, em 1922, Carrie Chapman Catt, uma ve- 7 . Estreitar os laços de amizade com os demais países ame-
terana em viagens pelo mundo e em congressos internacionais, em- ricanos, a fim de garantir a manutenção perpétua da Paz
barcou numa visita à América do Sul para encorajar o movimento e da Justiça no Hemisfério Ocidental. ( art. 3)
pelo sufrágio igual. Sua primeira parada foi no Brasil, onde en-
controu atividade encorajadora. Vários meses antes, imediatamente A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino agora pre-
após o retorno de Bertha Lutz dos Estados Unidos, a Liga para '
parava um congresso de mulheres no Rio de Janeiro, bem divul-
a Emancipação Intellectual da Mulher transformou-se, de um pe- gado, para coincidir com a visita da notável sufragista norte-ame-
queno grupo local, na Federação Brasileira das Ligas pelo Pro- ricana Carrie Chapman Catt, em dezembro de 1922. Uma vez que
gresso Feminino, logo denominada Federação Brasileira pelo a participação de homens eminentes poderia intensificar a legiti-
Progresso Feminino, filiada à Aliança Internacional pelo Voto Femi-
nino. ,Vários dias após a criação da Federação, fundou-se a Liga\ 19. Relatório da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, 1922-1924;
"Bertha Lutz e Katherine Bompas," 26 de fevereiro de 1923 (cópia).
Paulista pelo Progresso Feminino, posteriormente chamada Con- Arquivo da FBPF; CATT. "Summing up South America." The Woman
selho Paulista de Senhoras, e em seguida a Liga Mineira pelo Pro- Citizen. 2 de junho de 1923. p. 7-8, 26; AUSTREGeSILO. Perfil da
mulher brasileira. p. 136; PECK. Carrie Chapman Catt. p. 373-4; Bo-
letim da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. 1:2. Fevereiro
18. AUSTREGeSILO. Perfil da mulher brasileira. p. 132-142. de 1935.
108 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 109
midade da conferência, assim como aumentar a publicidade, es- tou para seu público norte-americano o fato de na América Latina
tenderam-se os convites, e o senador Lauro Müller tomou parte e as eleições serem às vezes "quase sem sentido", e de o voto ser
presidiu a sessão final. Governadores de nove Estados enviaram menos importante para as mulheres latino-americanas do que mu-
delegados à conferência, que tratava do bem-estar dos filhos, edu- danças nas leis e na sociedade. Embora simpatizante da causa su-
cação, trabalho e métodos organizacionais, bem como do sufrágio fragista na América Latina e desejosa de cooperação e intercâm-
feminino. Inaugurou-se uma Aliança Brasileira pelo Suffragio Fe- bio entre as mulheres nas Américas, chamou atenção para os peri-
minino, tendo Bertha Lutz como secretária-geral e, como presi- gos de incompreensão e preveniu suas compatriotas para não "pa-
denta, a esposa do senador Justo Chermont, que apresentara um tronizar", agir "com superioridade" ou insistir que a sua forma
projeto de lei para o sufrágio feminino no Senado Federal em seria "a única", como fizeram os homens norte-americanos; as
1919.20 mulheres latino-americanas "precisavam construir seu próprio [ca-
Após participar da conferência do Rio de Janeiro, Carrie · minho] e trilhá-lo sozinhas".22 Ao mesmo tempo, também pronun-
Chapman Catt viajou para São Paulo em janeiro de 1923, com ciou-se claramente em oposição à intervenção geral dos Estados
Bertha Lutz e várias outras mulheres para um outro encontro. A Unidos nos assuntos latino-americanos, fazendo discursos nos Es-
sociedade paulista saiu para ouvi-la. Em São Paulo, mulheres como tados Unidos censurando a Doutrina Monroe como "falsa em teo-
Diva Nolf Nazario, escritora, e Walkyria Moreira da Silva, advo- ria e perniciosa na sua aplicação". 23
gada e filha de um defensor do sufrágio feminino na Constituinte Carrie Chapman Catt ficou muito impressionada com o estado
de 1891, formaram sua própria associação sufragista, que se filiou do movimento brasileiro pelo sufrágio feminino. Observou que,
à Aliança Brasileira pelo Suffragio Feminino. Cassilda Martins, edi- embora algumas mulheres hesitassem em sair "às ruas sozinhas",
tora do Nosso Jornal, liderava a filial de Petrópolis.21 Embora a o Brasil tinha "muitas físicas, dentistas e advogadas praticantes,
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e Bertha Lutz do- muitas escritoras, escultoras, poetisas e pintoras capazes, uma fa-
minassem o movimento sufragista, outras pessoas e associações, mosa jovem aviadora, seis engenheiras civis, várias mulheres enga-
agora esquecidas, também deram sua contribuição. Da mesma jadas no setor químico do Departamento da Agricultura e várias
forma que as organizações masculinas, o movimento pelo sufrágio mulheres muito notáveis na ciência". Ela via Bertha Lutz como a
feminino não estaria imune aos problemas de diferenças e rivali- "força propulsora" do movimento e a achava "destemida e cons-
dades individuais. tantemente otimista".24 Nos anos seguintes, as duas mulheres con-
tinuariam a manter correspondência, com Bertha Lutz inclusive
Após seu retomo aos Estados Unidos, Carrie Chapman Catt se referindo à líder norte-americana, mais velha muitos anos, como
publicou suas impressões das mulheres e condições encontradas "minha cara madrasta" ou mesmo "querida mãe". 25
em seu giro pela América do Sul. Consciente das diferenças cul- Os registros dos membros da Federação Brasileira pelo Pro-
turais entre países e das diferenças de classe dentro deles, salien-
22. CATT. "Summing up South America." The Woman Citizen. 2 de ju-
20. "Carrie Chapman Catt a Bertha Lutz." Londres. 8/de setembro de nho de 1923. p. 26.
1922; "Evelina Pereira a Bertha Lutz." São Paulo. 24 de novembro de 23. CATT. Cópia datilografada de discurso pronunciado na cidade de No-
1922. Arquivo da FBPF; AUSTREG~SILO. Perfil da mulher brasileira. va Iorque, em 1924. New York Public Library, Carrie Chapman Catt
p. 145-6; O Brasil. Rio de Janeiro. 9 de dezembro de 1922. Collection, Box 3.
24. CATT. "Busy women in Brazil." The Woman Citizen. 24 de março de
21. Relatório da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino 1922-1924. 1923. p. 9.
Arquivo da FBPF; CATT. "Busy women in Brazil." The Woman Citi- 25. "Bertha Lutz a Carrie Chapman." 24 de julho de 1940 (cópia). New
zen. 24 de março de 1923. p. 9-10; NAZARIO. Voto feminino e femi- York Public Library, Carrie Chapman Catt Collection, Box 5; "Lutz
nismo. p. 60-68. a Catt." 20 de setembro de 1939 (cópia). Arquivo da FBPF.
I A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 111
110 JUNE E. HAHNER
3 . Ver. por cx.cmplo, artigos escritos por elo e n respeito dela ln: Tlts
Woma11 Cifí,e11. 25 de m•rfO de 1922. p. 9, 1(>.17: 5 de m•io d• 192l.
p. 8; Equal Rig/11,. 22 de agoiuo de 1931. p. 210-n1; Ti,,, lndependent
\Vo11um, ícvcrefro de 1935. p. 46-47, 72.
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 117
116 JUNE E. HAHNER
livres e independentes cla_espécie humana, dotados de faculdades glesas e não podiam exercer igual pressão sobre o governo. Tam-
equivalentes e igualmente chamados a exercerem, sem peias_, os pouco acreditavam que as mulheres tornar-se-iam conscientes de
seus direitos e deveres individuais". Mas também argumentavam seu valor apenas através da independência dos homens e dos mo-
que a supressão dos direitos da mulher traria "prejuizos" à nação, vimentos masculinos.8 As feministas latino-americanas raramente
"retardando o progresso geral". Atacavam as falsas crenças na expressaram um sentido de competição com os homens, e tendiam
subordinação, e recordavam seus oponentes de que aquele que a se orgull\ar disso.
paga impostos e obedece às leis deveria ter uma voz na sua elabo-
ração. O voto era "o único ~eio legítimo de defender aqueles A decisão do regime provisório de Vargas de criar um novo
direitos, a vida e a liberdade"} Este manifesto tornou claro que código eleitoral forneceu uma oportunidade de garantir o voto às
os direitos políticos não eram meros privilégios a serem transmiti- mulheres. O governo havia publicamente se comprometido a uma
dos através de um capricho daqueles que estavam no poder, mas reforma eleitoral e proclamado sua intenção de reexaminar e al-
sim direitos inalienáveis, cuja negação era uma grave injustiça à terar as práticas políticas do passado. Embora nem Getúlio Var-
mulher brasileira. gas nem seu auxiliar próximo, Osvaldo Aranha, fossem paladinos
do sufrágio feminino, alguns membros do regime novo, como Ba-
Enquanto os debates no Senado em 1928 acerca do voto ge- tista Luzardo, chefe de polícia do Distrito Federal, e o general
ravam otimismo temporário, a legislaç~o que conferia direitos po- Juarez Távora, eram publicamente favoráveis ao sufrágio femi-
líticos à mulher definhava. Então, em outubro de 1930, a República nino. Em fevereiro de 1931, o diretório da Federação Brasileira
Velha chegou a um fim abrupto e Getúlio Vargas tomou o poder. pelo Progresso Feminino, sentindo oportunas as possibilidades,
Embora mudaria a política oligárquica e o papel de São Paulo e decidiu organizar um segundo congresso feminino no Rio de Ja-
do café no país, exigiu-se pouca mudança nas táticas das sufra- neiro. Marcada para junho daquele ano, a conferência pôde servir
gistas. A persuasão de figuras políticas importantes permanecia para expandir a organização e gerar mais publicidade. Vieram
básica, mesmo se agora tivessem de ser aproximados indivíduos representantes de quinze estados, assim como da capital da nação.
diferentes. No final de agosto, o governo liberou um código eleitoral provi-
Como na maioria dos países latino-americanos, não havia ne- sório que concedia voto limitado às mulheres. Para o desagrado e
nhuma oposição por parte do governo contra o sufrágio feminino. talvez surpresa da FBPF, apenas determinados grupos de mulhe-
Alguns políticos eram favoravelmente inclinados, mas as verdadei- res, como as mulheres solteiras ou viúvas com renda própria, ou
ras mudanças legais que conferissem o voto às mulheres dependiam as mulheres casadas com a permissão do marido, tinham permis-
muito da ação conclusiva que estava sendo tomada pelo chefe su- são de votar. Protestando que este código provisório era insufi-
premo da nação. E promessas podiam ser esquecidas. Aliado~ ciente, a FBPF e outros grupos feministas, como a Aliança Cívica
masculinos e o apoio decisivo eram essenciais. Mesmo que qui- das Brasileiras e a Aliança Nacional de Mulheres, rapidamente
sesse, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino não podia armaram uma campanha para remover as restrições do código
se dar ao luxo da posição a que chegou, em meados de 1913, a antes que fosse adotado. Novamente, a publicidade e a política
militante União Política e Social de Mulheres da Grã-Bretanha: dos funcionários públicos pareciam ser suas táticas mais eficazes.
não procurar auxílio dos partidários masculinos. As sufragistas Bertha Lutz e várias outras mulheres encontraram-se com Getúlio
brasileiras careciam do número e da disciplina das suffragettes in- Vargas, e sua concordância com o sufrágio feminino pleno mos-
trou-se decisiva. O novo código, decretado em 24 de fevereiro de Com a obtenção do direito de voto, as sufragistas perderam
1932, dava o direito de voto às mulheres sob as mesmas condições seu principal símbolo em tomo do qual se uniram. Aumentava a
/
que aos homens. 9 (As analfabetas ainda eram obstadas de votar.) faccionalização. Algumas mulheres se retiraram da atividade polí-
O Brasil tomou-se o quarto país no hemisfério ocidental a conceder tica, acreditando q,ue seu objetivo, o voto, tinha sido alcançado.
o voto às mulheres, seguindo o longínquo Canadá, os Estados Uni- Relativamente poucas mulheres inscreveram-se para votar, apesar
dos, nação tão freqüentemente admirada pelas feministas brasi- dos esforços da FBPF. No Rio de Janeiro, cenário principal da
leiras, e o pequeno Equador, um país muito afastado dos interes- atividade sufragista, apenas 15 % dos inscritos para o voto no final
ses brasileiros. de janeiro de 1933 eram mulheres. 11
Embora a campanha pelo sufrágio feminino no Brasil nunca Embora diversas mulheres tenham-se candidatado às eleições
se tenha tomado um movimento de massas - poucos desses po- de maio de 1933, apenas uma venceu, Carlota Pereira de Queiroz,
dem ser encontrados na história brasileira - , mostrou-se maior e de São Paulo. Graduada em medicina e educadora, foi a primeira
mais bem organizado que a maioria dos que se seguiram na Amé- mulher a ser membro de um corpo legislativo nacional no Brasil,
rica Latina. O direito de voto às mulheres no Brasil pode ter pois os partidos de São Paulo concordaram em apoiar uma can-
dependido dos homens, como ocorreu em maior ou menor escala didata em sua chapa única. Nas eleições dt: outubro de 1934,
em todos os países, mas as brasileiras, ao contrário de suas irmãs Bertha Lutz, novamente candidata pelo Distrito Federal, conse-
de alguns países da América espanhola, não tiveram o voto sim- guiu chegar a suplente. Mais tarde, em 1936, ingressou na Câmara
plesmente entregue pelas mãos dos líderes masculinos conservado- dos Deputados para ocupar a vaga criada com a morte de seu
res que as vissem como uma força para a manutenção do status quo. ocupante.12
Uma vez que as mulheres no Brasil adquiriram o voto através
do código eleitoral de 1932, era necessário levá-las a registrar-se Durante seu ano na assembléia, Bertha Lutz ajudou a criar
para votar e assegurar-se de que a nova constituição da república a Comissão de Estatuto da Mulher, que ela encabeçou. Através
iria incluir uma cláusula garantindo às mulheres sua igualdade de da comissão, impulsionou vigorosamente a decretação de um Es-
direitos políticos. Uma forma óbvia de influenciar o resultado da tatuto da Mulher, uma lei abrangente relativa ao status legal e aos
constituição era participar na sua criação. Mas as divergências pes- direitos sociais da mulher, que incluíam determinadas regras de
soais dentro do movimento sufragista vieram à tona durante os trabalho para mulheres. Bertha Lutz também propôs um Depar-
esforços de colocar uma mulher no comitê que iria criar a cons- tamento Nacional da Mulher, encarregado da supervisão de servi-
tituição. Tanto Bertha Lutz, fortemente apoiada pela Federação ços relativos aos interesses predominantemente femininos, como
Brasileira pelo Progresso Feminino, como a rio-grandense Na- proteção aos filhos, trabalho para mulheres e o lar. Contudo a
thercia Silveira, líder da Aliança Nacional de Mulheres, que, como deputada Carlota Pereira de Queiroz discordou. Ela reclamava
Lutz, tinha tentado influenciar os políticos a lutar em benefício do que este departamento virtualmente autônomo infringiria o traba-
voto feminino, foram convidadas a se juntar ao comitê. A Cons- lho de pelo menos três ministérios, além de ter vestígios de se-
tituição de 1934 confirmou a vitória de 1932.10 gregação sexual; sugeria que fosse subordinado a um dos minis-
térios, preferencialmente o da Educação e Saúde. Carlota de Quei-
9. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1931; O Globo.
Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1930 e 13 de janeiro de 1931 · 11. A Noite. 25 de janeiro de 1933.
BLACHMAN. Eve in an Adamocracy. p. 151-158· RODRIGUES À 12. BITTENCOURT, Adalzira. A mulher paulista na história. Rio de Ja-
mulher brasileira. p. 75-79. ' ·
neiro, Livros de Portugal, 1954. p. 296; RODRIGUES. A mulher bra-
10. O Globo. 13 de janeiro de 1931; BLACHMAN. Eve in an Adamocracy. sileira. p. 80; BLACHMAN. Eve in an Adamocracy. p. 160-165.
p. 158-160.
.j
122 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 123
I
roz achava as ações de Bertha Lutz muito combativas, preferindo esforços. As mulheres da classe inferior, como os homens da. classe
em lugar disso "cooperação"; punha menos ênfase nos papéis inferior, beneficiavam-se menos dessas garantias do que membros
econômicos da mulher e na necessidade de capacitá.:Ja a se tornar das classes alta e média urbanas. Para muitos brasileiros, nem as
economicamente independente. De qualquer modo, o proposto De- urnas nem os códigos legais podiam significar muito. 15
partamento da Mulher não conseguiu aprovação final antes do
O estabelecimento do Estado Novo em 1937 acabou com a
fechamento do Congresso em 1937 .13
política eleitoral e com a participação das mulheres nela até 1945.
Não apenas direitos políticos mas também questões de edu- Parecia provável que mesmo importantes setores do serviço pú-
cação, trabalho, saúde e status civil ocuparam as sufragistas bra- blico seriam fechados a elas. Em seu início, o regime Vargas no-
sileiras. A série de resoluções aprovadas nos congressos feminis- meara mulheres para determinadas comissões governamentais e as
tas de 1922 a 1936 demonstra a amplitude de interesses. 14 Bertha colocara em consulados e delegações brasileiros no exterior, mas,
Lutz certamente compreendeu que, sem acesso à educação e ao depois de 1937, excluiu-as do serviço diplomático brasileiro, e
trabalho, os direitos políticos permaneceriam meras abstrações. Em fechou cargos em diversos departamentos governamentais. Como
1922, a FBPF garantiu a entrada de moças no Colégio D. Pedro II. Bertha Lutz pesarosamente escreveu d Carrie Chapman Catt em
1940, as brasileiras eram "incapazes de manter tudo o que foi
As profissionais da classe média alta espalharam a idéia de
conquistado".16 Tendo trabalhado arduamente durante anos para
mulheres que se libertavam através do trabalho, e proclamaram
alcançar o direito de participar no sistema político e tendo então
"a emancipação econômica das mulheres" como básica para o mo-
passado ainda muitos anos procurando acomodar-se a esse sistema,
vimento feminista. Embora suas atitudes parecessem menos pater-
as sufragistas viram-no fragmentar-se sob seus pés. Eram agora
nalistas que as de alguns membros, homens e mulheres, da antiga
inúteis os argumentos baseados em preceitos democráticos liberais.
classe superior, ainda era uma abordagem conselheira e orienta-
O que quer que tenham realizado permaneceu prob!emático. A
dora, como a da maioria dos reformadores masculinos. Em con-
FBPF nunca mais readquiriu sua força organizacional.
gressos feministas que atacavam problemas de interesse à classe
trabalhadora, como salários, menos horas de trabalho, condições No Brasil, como em outras partes da América Latina, as mu-
de trabalho e maternidade - mas conferências realizadas em lheres continuavam bastante ausentes dos cargos de liderança ou
épocas e lugares de difícil acesso para a maioria das trabalhado- das posições políticas em movimentos ou partidos que trabalhas-
ras - , apareciam poucas mulheres da classe inferior. Associações sem por reformas básicas. Nem desempenhavam um papel direcio-
de funcionárias públicas e finalmente as datilógrafas e enfermei- nal nos partidos políticos conservadores. Mesmo entre os socialistas
ras, não apenas de profissionais e estudantes universitárias, filia- e os comunistas, pareciam prevalecer idéias tradicionais sobre o
ram-se à FBPF, mas nunca trabalhadoras em fábricas. Embora a comportamento feminino. Apesar de a maioria dos sindicatos tra-
FBPF pagasse cada vez mais atenção à obtenção de uma legislação balhistas terem recebido bem as mulheres como membros, rara-
protetora, uma vez que fora conseguido o direito do voto, as dife- mente deixaram-nas assumir posições de liderança. Os homens e
renças de classe nunca puderam ser superadas apenas por seus
15. BRAZIL. Trabalho feminino. p. 65-75; Boletim da Federação Brasileira
13. SAFFIOTI. A mulher na sociedade de classes. p. 282-289; SOIHET. pelo Progresso Feminino. Fevereiro de 1935, 1:4; O Brasil. Rio de Ja-
"Bertha Lutz e a ascensão social da mulher." p. 38-45. O texto do ante- •• 1 neiro, 23 de dezembro de 1922; HIRSH. "These new 'Amazons'." Inde-
projeto do Departamento Nacional da Mulher apresentado por Bertha pendent Woman. Fevereiro de 1935. p. 72; SAFFIOTI. A mulher na
Lutz encontra-se in BRAZIL. Trabalho feminino, p. 151-153. sociedade de classes. p. 271-281.
14. As resoluções desses congressos encontram-se in BRAZIL. Trabalho femi- 16. "Bertha Lutz a Carrie Chapman Catt." 24 de julho de 1940 (cópia),
nino. p. 65-75. New York Public Library, Carrie Chapman Catt Collection, Box 5.
124 JUNE E. HAHNER A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... 125
não as mulheres ocupavam cargos nos sindicatos, serviam de de- homens de sua própria classe. Não queriam revolucionar a socie-
legados em congressos e dirigiam jornais trabalhistas. As atividades dade ou reestruturar a família. O voto, também, reforçaria o papel
femininas fora do lar deviam corresponder às desempenhadas no da mulher como mãe. O movimento pelos direitos da mulher tor-
recesso doméstico; do serviço doméstico aos cargos públicos rela- nou-se mais conservador à medida que passou a ser considerado
cionados à moral pública e à família, saúde e educação. Embora mais respeitável e aceitável pelas elites dominantes. Mas serviu
tal segregação virtual significasse também que as mulheres pode- para ajudar a elevar o nível de consciência das mulheres de classe
riam conseguir altas colocações nesses campos - e impedir a média no que diz respeito a seus problemas em um mundo em
confrontação ou mesmo a competição com os homens - , avas- transformação, assim como ajudou a legitimar muitas atividades
saladoramente elas foram excluídas de setores de grande interesse femininas fora do lar.
masculino. A maioria das trabalhadoras, assim como seu trabalho,
continuou em cargos auxiliares numa sociedade dominada pelo As profissionais que levaram a campanha sufragista à vitória
homem. em 1932 compreendiam apenas um pequeno segmento da popu-
lação feminina nacional. A maioria das mulheres, bem como dos
Graças à persistência e à bravura de um pequ,eno grupo de homens, continuou sem instrução. Para os membros das classes
pioneiras feministas no século XIX, parte do trabalho básico se inferiores, a mudança veio mais lentamente. Mesmo entre os bra-
fizera por mudanças no status de algumas mulheres no Brasil. sileiros mais bem situados, a maioria das mulheres ainda ocupava
Seus jornais refletiam as necessidades sentidas por muitas mulheres uma posição subalterna, com seus horizgQtes limitados ao _lar. Para
da classe média e da classe superior tanto por educação como
. Elas 1utaram por uma ascensão
1
as mulheres, ao contrário dos hÕme~;: esperava-se que os proble-
por respeito. ao pedestal, por uma mas da família fossem mais importantes do que todos os demais.
melhora de sua posição dentro da família e para receber aprova- Hesitantes ou indiferentes, muitas mulheres não tentaram atraves-
ção do que elas sabiam ser tarefas dignas. Mas ir além daquela sar a longa e árdua trilha para a igualdade e a independência. O
posição, sair dos assuntos centrados na família, em direção a direito de voto mostrou-se útil a algumas, mas não a outras, e
temas do mundo exterior, também se mostraria um processo lento muitas das esperanças, uma vez formadas na promessa do direito
e difícil. de voto, não foram satisfeitas.
. l
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS. . . 127
obteve por meio do casamento que para elle não foi um fim, mas
sim um meio de obter fortuna sem trabalho?
r A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ...
O fim do casamento na sociedade nunca foi outra senão legi- Queremos saber o como se fazem os negocios fóra de casa;
timar a união do homem com a mulher, para que assim unidos Só o que não queremos é continuar a viver enganadas.
vivão e se amem, como Christo amou a sua egreja.
Francisca Senhorinha da Motta Diniz
Porém, nesta sociedade corrupta, sem moral e sem religião,
o casamento é um meio de fazer fortuna, é o fim a que se propõe
o homem malandro que não quer trabalhar, e que qual volantim
de nova especie quer dar saltos mortaes para apanhar um bom •••
dote, não importa que seja de moça bonita ou feia, velha ou viuva
rica, tudo lhe serve.
Igualdade de Direitos*
Disvirtuado assim o fim social do casamento, desapparece
com a maior facilidade o amor á familia, aos filhos e á patria.
O Seculo XIX caminha com profunda crena de um Colombo
Preparem-se, pois, as meninas para estes embates de fortuna; no coração e os olhos fitas de uma aguia no sol do futuro, em
deesem-lhes educação e instrucção, que ellas quando casadas, sol- demanda de um novo mundo, de um novo Paraisa, onde a mulher
teiras ou viuvas, desde que conheção os seus direitos, poderão hade ter o seu throno de honra e a sua radiante corôa de rainha,
tambem advinhar pelo rosto as intenções e o coração daquelle lançada não por mãos sacrílegas de um Alcibiades, mas pelas
homem que se propuzer á sua mão, tomando-as por suas esposas. mãos sagradas da justiça e do direito, que são os verdadeiros so-
1.leranos, que hão de desthronizar os falsos réis que tem por throno
Respondendo por tanto á these deste artigo, diremos que:
a injustiça e a iniquidade, e por sceptro despotismo.
Queremos a nossa emancipação - a regeneração dos cos-
Sim, temos fé que a prophecia do immortal Hugo hade ser
tumes;
realisada. Temos fé que este seculo é o seculo do ideal. Que este
Queremos rehaver nossos direitos perdidos; seculo vencerá pelo idéal radiante de Justiça que lhe circunda a
magestosa fronte.
Queremos a educação verdadeira que. não se nos tem dado a
fim de que possamos educar tambem nossos filhos; Cremos, com aquella boa fé que as nobres causas inspiram,
que, esse idéal chegará mui breve á sua realidade, quando a mu-
Queremos a instrucção pura para conhecermos nossos direi- lher illustrada e livre dos prejuizos e preconceitos tradicionaes
tos, e delles usarmos em occasião opportuna; banir de sua educação as oppressões e erroneos preconceitos com
que a cercam, e que der pleno desenvolvimento á sua natureza
Queremos conhecer os negocios do nosso casal, para bem
physica, moral e intellectual. . . Quando, enfim, passeando de braço
administrarmo-los quando a isso formos obrigadas;
dado com o homem virtuoso, honesto e justo no jardim da civi-
Queremos em fim saber o que fazemos, o porque e pelo que
das cousas; • Francisca Senhorinha da Motta Diniz, "Igualdade de Direitos", O Quinze
de Novembro do Sexo Feminino, 6 de abril de 1890.
i
A MULHER BRASILEIRA E SUAS LUTAS SOCIAIS ... lll
ll2 JUNE E. HAHNER
APtNDICE III
O Nosso Anniversario*
Provavam assim, que não s6 aos homens concedera Deus a cessario para alem da esphera acanhada em que era mantida, pre-
scentella deslumbradora do talento, a chamma fluminea do genio. conceituosamente, possa agir como ser completo, intellectual, mo-
E no desdobramento de actividades em qualquer campo reservado ral e materialmente considerada. Isto é já uma grande conquista.
ao homem, provaram que podiam competir com elle, sem quebrar Creio bem, que toda a lattitude da nossa emancipação será
de energia, aptidão e merecimento. Mas no Brazil não se nos con- um dos grandes eventos da civilisação americana. E o aproveita-
cedia privilegio algum, fóra do primetro moral da nossa condição mento que já vamos tendo no Brazil, dá-nos o direito a mante-
obscura. mos essa esperança. Com esse intuito tem "A Familia" pugnado
A revolução franceza, essa enorme epopéa humana que re- pelos nossos direitos sociaes.
bentára como uma luz a clarear os destinos dos povos, se havia con- Não se negará quanto tem sido ardua a tarefa, mas não desa-
sagrado em suas leis liberrimas os princípios cardeneaes dos direitos lentamos. Quando se alimenta n'alma a esperança, essa virtude que
do homem, nem por isto havia ampliado as faculdades civicas da dá seiva e alento ainda ás existencias precarias, não ha obstaculos
mulher. nem peripecias que nos vençam. E por isso que, um ano após o
seu ,apparecimento no imprensa "A Familia" sente-se mais forte
O egoísmo dos homens, desmedido, fanatico, intoleravel, não para manter-se em sua attitude de combate.
nos concedia nada do que nos era devido, na escala das nossas
aptidões. Josephina Alvarez de Azevedo
l
140 JUNE E. HAHNER
Bertha Lutz
·
=':°ur.'!uM~:=
Gr,licu Guaru S/A.
c1eEdt=
llóclovia Prui-
dente Outra. km .. 214 - FotR: 209-
6311 • lonsuceno - Guarulhol • SP.
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CI.CERA - Um desllno de mulhe.r
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'ti::&.Fo,wdy .;.,
ESPELHO OE VBNUS
lden1idode Social e Scxua.l da Mulher
VIVENCIA
- Hls16ri1, Sexualidad~ e l m~ns Feminina.,
1/i,ni/a pnuln
ser esposa
li mitl, Htip próJi'i.'i#n