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original:
Vagina
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil
em 2009
Editor e Publisher
Luiz Fernando Emediato
Diretora Editorial
Fernanda Emediato
Assistente Editorial
Carla Anaya Del Matto
Diagramação
Ilustrarte Design e Produção Editorial
Preparação de Texto
Sandra Dolinsky
Revisão
Vinicius Tomazinho
Taissa Antonoff Andrade
Josias A. Andrade
GERAÇÃO EDITORIAL
E-mail : geracaoeditorial@geracaoeditorial.com.br
www.geracaoeditorial.com.br
twitter: @geracaobooks
2013
Para A.
Quão estranho e medonho lhe pareceu ficar nua a céu aberto! Quão delicioso! Sentia-se como
uma criatura recém-nascida, abrindo os olhos num mundo familiar que nunca havia conhecido.
Kate Chopin, O despertar
Sumário
Dedicatória
Epígrafe
Copyright
Agradecimentos
Introdução
6 - A vagina traumatizada
11 - Foi engraçado?
12 - A vagina pornográfica
Conclusão
Bibliografia seleta
Agradecimentos
E ste livro jamais poderia ter sido escrito sem a ajuda de muitas outras pessoas,
especialmente os vários cientistas, pesquisadores, terapeutas e médicos
renomados que entrevistei. Essas pessoas partilharam generosamente seu tempo e
conhecimento comigo, com o objetivo de informar melhor os leigos sobre a saúde
e sexualidade das mulheres. Por ordem de entrada no livro, sou muito grata à dra.
Deborah Coady, da SoHo OB/GYN em Nova Iorque; Nancy Fish, da mesma
clínica; dr. Ramesh Babu, do Hospital da Universidade de Nova Iorque; dr.
Jeffrey Cole, do Kessler Center for Rehabilitation in Orange, Nova Jersey; dr.
Burke Richmond, da Faculdade de Medicina e Saúde Pública da Universidade de
Wisconsin; Katrine Cakuls, de Nova Iorque; dr. Jim Pfaus, da Universidade de
Concórdia, em Montreal, Quebec; ao autor de textos médicos, dr. Julius Goepp; e
dr. Basil Kocur, do Hospital Lenox Hill, de Nova Iorque.
Entrevistar os cientistas foi extremamente inspirador, porque pude testemunhar
seu comprometimento com o desenvolvimento de um entendimento maior da
sexualidade feminina, e as entrevistas com os médicos também foram
inspiradoras, porque testemunhei sua sincera dedicação ao avanço dos
tratamentos direcionados à saúde sexual das mulheres. Muitos desses cientistas e
médicos leram o manuscrito em várias versões, e agradeço a eles, de todo meu
coração, por seu tempo, já sujeito a várias demandas, e por seu precioso
feedback. Qualquer erro, é claro, foi por minha conta.
Sou grata a Caroline e Charles Muir e a Mike Lousada, que dedicaram seu
tempo a me ensinar sobre a história e a prática do Tantra.
Muita gratidão também a muitas mulheres e homens que compartilharam suas
histórias pessoais, usando seus próprios nomes ou pseudônimos.
Tenho uma dívida de gratidão para com meus brilhantes editores Libby Edelson
e Daniel Halpern, da Harper Collins, e Lennie Goodings, da Virago. Não poderia
contar com leitores e comentaristas mais perceptivos, desafiadores e inspirados.
Obrigada também a Michael McKenzie e Zoe Hood. A revisora Laurie McGee,
foi meticulosa e paciente. John e Katinka Matson e Russell Weinberger, da
Brockman, Inc., meus agentes, também leram várias versões do manuscrito e
forneceram comentários valiosos.
Minha mais profunda gratidão, como sempre, é para minha família — pais,
parceiro e filhos.
Introdução
O QUE É A VAGINA?
O QUE É “A DEUSA”?
James acreditava que esses estados mentais — que ele e nós chamamos de
“místicos” e que o poeta William Wordsworth descreveu como uma sensação que
todos nós temos, em certos momentos, de familiaridade com uma “glória” que
está em algum outro lugar — estejam disponíveis para nós no portal do
[6]
inconsciente.
De fato, os estados místicos não são impositivos simplesmente por serem estados místicos… eles falam
da supremacia do ideal, da vastidão, da união, da segurança e do repouso. Oferecem-nos hipóteses,
hipóteses estas que podemos voluntariamente ignorar, mas que, como pensadores, absolutamente não
[7]
podemos negar.
Esses estados são transientes e passivos, mas James apontou que, como
resultado da experiência de tais estados de consciência, grandes curas, grande
criatividade e até mesmo grande felicidade entram na vida das pessoas. Será que
de fato muitas pessoas se tornaram mais felizes, mais amáveis e mais criativas
como resultado de experiências de “Deus” ou do “sublime”, mesmo que
momentâneas? Quer tenham ou não sido causadas pela “mera” bioquímica? James
defende que sim.
Mesmo antes de a mais moderna neurociência demonstrar que o cérebro
feminino durante o orgasmo revela atividades que levam a uma quebra das
barreiras do ego, uma experiência mística ou semelhante a um transe — talvez
não idêntica à que James investigava, mas não tão diferente em seus efeitos —, os
cientistas já sabiam que há uma antiga conexão entre o orgasmo e a liberação de
opioides no cérebro. Os opioides — uma forma de neuropeptídios — produzem a
experiência do êxtase, da transcendência e da felicidade. Sigmund Freud, em seu
livro de 1930 O mal-estar na civilização, refere-se ao que Romain Rolland havia
identificado como “o sentimento oceânico”. Rolland usou essa expressão para se
referir ao tom emocional do sentimento religioso, a sensação “oceânica” da
[8]
ausência de limite. Freud chamou isso de um anseio infantil.
Mas Freud era homem; e a ciência recente pode indicar que, pelo menos no
orgasmo, as mulheres podem experimentar essa sensação oceânica de uma forma
única. Uma pesquisa recente baseada em ressonâncias magnéticas realizada por
Janniko Georgiadis e sua equipe mostrou, em 2006, que regiões do cérebro
feminino que estão ligadas à autoconsciência, inibição e autorregulação se
[9]
aquietam momentaneamente durante o orgasmo feminino. Para a mulher
envolvida, essa sensação pode se parecer com o desaparecimento de barreiras,
uma perda do ser e, quer excitante ou amedrontador, a perda do controle.
Em geral, muitos neurocientistas dos últimos trinta anos confirmaram que James
estava bioquimicamente correto: sem dúvida, há alterações cerebrais que
correspondem à experiência do “sublime”. Benefícios tremendos — sensações
maiores de amor, compaixão, autoaceitação e conexão — foram evidenciados em
pessoas que cultivaram esses estados da mente, como mostram o trabalho do
psicólogo Dan Goleman sobre inteligência emocional, em seu livro de 1995 de
mesmo nome, e a obra do Dalai Lama sobre meditação. Pesquisadores ocidentais
demonstraram, também, que os estados de êxtase meditativo podem envolver
liberação de opioides. Todas as mulheres, como veremos, têm potencial para ser
multiorgásticas. Portanto, o potencial místico ou transcendente da sexualidade
feminina descrito acima também permite que as mulheres se conectem,
frequentemente e de uma forma única, mesmo que só por alguns momentos, com
experiências de um ser brilhante, “divino” ou superior (ou o não ser, como diriam
os budistas), ou com uma sensação de conexão entre todas as coisas. Produzir o
estímulo necessário para esses estados de mente é parte da tarefa evolucionária
da vagina.
Por séculos, os filósofos falaram do “buraco com a forma de Deus” nos seres
humanos — o anseio que os seres humanos sentem por se conectar com algo que
seja maior que eles próprios e que motive buscas religiosas e espirituais. Como
diz o filósofo do século XVII Blaise Pascal:
O que mais prova todo esse anseio, esse desamparo, além do fato de que houve uma vez no homem a
verdadeira felicidade, da qual tudo que resta agora são a marca e o traço vazios? Esse vazio ele tenta
em vão preencher com tudo à sua volta, buscando em coisas que não estão lá a ajuda que não pode
achar nas que estão, mesmo que nenhuma ajude, já que esse abismo infinito pode apenas ser preenchido
[10]
com um objeto infinito e imutável: em outras palavras, pelo próprio Deus.
1. Shere Hite, The Hite Report: A Nationwide Study of Female Sexuality (Nova Iorque: Seven Stories
Press, 2004).↵
2. Catherine Blackledge, The Story of V: A Natural History of Female Sexuality (New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 2004).↵
3. William James, The Varieties of Religious Experience (Nova Iorque: Barnes and Noble Classics, 2004),
366.↵
4. Ib., 329-71.↵
5. Ib., 366.↵
6. William Wordsworth, “Ode on Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood”, em
The Major Works, including the Prelude, Stephen Gill, ed., (Nova Iorque: Oxford World Classics, 2000):
“There was a time when meadow, grove and stream / The earth, and every common sight / To me did
seem / Apparelled in celestial light … trailing clouds of glory do we come / From God, who is our
home”.↵
7. James, The Varieties of Religious Experience, 370.↵
8. Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents (Nova Iorque: Penguim Books, 2002).↵
9. Janniko R. Georgiadis e outros, “Regional Cerebral Blood Flow Changes Associated with Clitorally
Induced Orgasm in Healthy Women”, European Journal of Neuroscience, vol. 24 (2006); 3.305-16.↵
10. Blaise Pascal, Pensées (Nova Iorque: Penguin Books, 1996), 148.↵
11. Kamil Dada, “Dalai Lama Talks Meditation with Stanford Scientists”, The Stanford Daily,
www.stanforddaily.com/2010/10/18/dalai-lama-talks-meditation-with-stanford-scientists.↵
A vagina possui uma consciência?
Conheça seu incrível nervo pélvico
O poético, o científico, o erótico — por que deveria a imaginação se importar com a que mestre
serviu?
Ian McEwan, Solar
Encontrei o dr. Cole no Kessler Institute for Rehabilitation, que ele ajuda a
comandar, em Orange, Nova Jersey. Um homem calmo e serenamente divertido,
com maneiras antiquadas e reconfortantes, olhou minhas radiografias iniciais,
examinou minha postura em pé à sua frente e escreveu rapidamente uma receita
para um odioso colete ortopédico.
Duas semanas depois, voltei para a consulta de retorno com o dr. Cole. As
azaleias estavam em flor naquela época — ainda era a mais adorável parte da
primavera —, mas eu estava quase desmaiando enquanto cruzava os bairros
residenciais no banco de trás de um táxi meio acabado. Eu me sentia também
bastante desconfortável, já que, nas duas últimas semanas, havia usado o tal do
colete. Ele ia da linha superior dos meus quadris até a parte de baixo da caixa
torácica e me obrigava a me sentar completamente ereta.
Estava com muito medo de ouvir o que dr. Cole tinha a dizer agora que já sabia
os resultados da ressonância. O exame, informou dr. Cole, mostrava que eu tinha
uma doença degenerativa na coluna: minhas vértebras estavam desmoronando e
comprimindo umas às outras. Fiquei muito surpresa, pois nunca havia sentido
nenhuma dor ou tido nenhum problema nas costas.
Ele me surpreendeu mostrando-me radiografias adicionais que havia tirado na
última consulta: não havia como ignorar ou negar — na L6 e na S1, na região
lombar, minha coluna se parecia com uma torre de Lego que havia deslizado até
certo ponto, exatamente meio caminho para fora do alinhamento central — de
forma que metade das vértebras na pilha estava em contato com a outra, mas a
outra metade flutuava no espaço.
Eu me vesti e me sentei no consultório do dr. Cole. Ele começou a fazer uma
entrevista inesperadamente dura e direta comigo: “Você já sofreu algum golpe na
região lombar?”; “Algo se chocou contra a região inferior de suas costas?”. Disse
que era uma lesão grave e que eu devia ter alguma lembrança do que a havia
causado. Repeti que não tinha lembrança de nenhum trauma. Quando finalmente
percebi o que ele poderia também estar perguntando, confirmei que ninguém
nunca havia batido em mim.
Depois de cerca de cinco minutos desse vaivém, lembrei-me de que sim, de
fato, eu havia sofrido um golpe. Quando eu tinha vinte e poucos anos, escorreguei
em uma loja de departamentos, caí de um lance de escadas e aterrissei sobre
minhas costas. Não senti muita dor, mas fiquei muito trêmula. Chegou uma
ambulância, e me levaram para o hospital St. Vincent, onde fizeram radiografias.
Nada de interesse foi encontrado, e fui liberada.
Dr. Cole registrou a informação e pediu mais uma série de exames de imagem
— dessa vez, radiografias mais detalhadas. Também realizou um exame bastante
desconfortável, no qual aplicou impulsos elétricos em minha rede neural por meio
de agulhas, para ver o que “acendia” e o que permanecia no escuro.
Em nosso terceiro encontro, também na clínica no bairro residencial, voltei
para a mesa de exames. Dr. Cole explicou que o novo conjunto de radiografias
havia revelado exatamente qual era o problema. Eu havia nascido com uma
versão discreta de espinha bífida, uma condição em que a espinha vertebral não
chega a se desenvolver completamente. O trauma de vinte anos atrás havia
fissurado as vértebras já fragilizadas e formadas de maneira incompleta. O tempo
havia tirado minha coluna vertebral de seu alinhamento em volta da lesão, que
agora comprimia uma ramificação do nervo pélvico, uma das que o dr. Cole havia
me mostrado na imagem Netter — justamente aquela que terminava no canal
vaginal.
Eu tivera uma sorte incrível de jamais ter sentido nenhum sintoma até aquele
momento, ele disse. Dada a gravidade da lesão, era uma sorte que, apesar da
dormência cada vez maior, eu não tivesse nenhuma dor. Apesar de odiar
exercícios físicos, parece que toda uma vida tendo que suportar ir à academia
havia impedido que sintomas mais sérios se manifestassem. Mas o tempo fez seu
trabalho: no local onde duas seções de vértebras estavam desalinhadas, o nervo
pélvico estava preso e comprimido, e os sinais que vinham de uma de suas várias
ramifica ções estavam bloqueados e impedidos de chegar ao meu cérebro pela
medula. Os impulsos neurais daquela parte de meu corpo haviam se “apagado”.
Eu me perguntei se isso tinha algo a ver com como me sentia — ou como não me
sentia — após o sexo, apesar de a timidez me impedir de perguntar. Ele me
explicou que eu deveria considerar uma cirurgia para fazer uma fusão das
vértebras e aliviar a pressão sobre o nervo.
Depois de andar à sua frente para que ele checasse minha marcha e se
certificasse de que as pernas não haviam sido afetadas e depois de medir meus
ombros para checar o alinhamento, mencionei — talvez, em parte, para ter uma
segunda opinião, para ter mais segurança — que a dra. Coady havia me garantido
que meus orgasmos clitoridianos não seriam afetados, mesmo se a ramificação do
nervo pélvico lesionada não melhorasse. Ele concordou que ela estava certa:
caso o ramo clitoridiano de minha rede corresse o risco de ser afetado, já o teria
sido. O fato de que aquela ramificação não havia sido afetada era um acidente de
minha formação. E então, explicou casualmente:
Cada mulher tem uma formação diferente. Os nervos de algumas mulheres se ramificam mais na
vagina, outras têm mais ramificações no clitóris. Algumas têm muitos ramos no períneo ou no colo do
útero. Isso leva a algumas das diferenças na resposta sexual feminina.
Quase caí da mesa de exames, tal foi minha surpresa. Então era isso que
explicava os orgasmos clitoridiano versus vaginais? As ligações neurais?Não
era a cultura, nem a criação, nem o feminismo e nem Freud? Mesmo nas revistas
femininas, a variação nas respostas sexuais femininas foi frequentemente descrita
como ditada, em grande parte, pelas emoções, pelo acesso às fantasias ou
preliminares “certas”, pela forma como a mulher foi educada, pela “culpa” ou
“liberação” de cada uma ou pelas habilidades do amante. Nunca havia lido nada
sobre a forma como cada uma chega ao orgasmo sendo moldada pela formação
neural básica. Essa era uma mensagem muito menos misteriosa e subjetiva sobre
a sexualidade feminina: apresentava uma sugestão óbvia de que qualquer um
poderia conhecer mais sobre as próprias variações neurais ou as do(a)
parceiro(a) e simplesmente dominar os padrões da forma especial como eles
funcionam.
— Você percebe — gaguejei, ainda sem minhas plenas faculdades mentais,
surpresa de imaginar que o debate que estava prestes a descrever talvez não
tivesse para ele a urgência que tinha para mim — que acaba de me dar a resposta
para a pergunta que freudianos e feministas e sexólogos têm discutido por
décadas? Todas essas pessoas sempre assumiram que as diferenças entre
orgasmos clitoridianos e vaginais tinham a ver com a forma como as mulheres
foram criadas… ou que papel social se esperava delas… se eram livres para
explorar ou não seu próprio corpo… se tinham ou não a liberdade para adaptar
sua forma de fazer amor às expectativas externas — e você está me dizendo que a
razão é simplesmente que a formação física de cada uma é diferente? Que
algumas têm suas ligações neurais mais propensas a orgasmos clitoridianos; e
outras, para orgasmos vaginais? Que algumas têm ramificações que vão fazer que
sintam mais o ponto G, e outras nem tanto? E que tudo isso é basicamente físico?
— As ligações neurais de cada mulher são diferentes — ele confirmou
gentilmente, como se estivesse falando com uma pessoa ligeiramente
descontrolada. — É por isso que as mulheres têm respostas sexuais tão diversas.
O nervo pélvico se ramifica de forma bastante individual em cada mulher. Essas
diferenças são físicas.
(Mais tarde, eu aprenderia que essa distribuição tão complexa e variada é
muito diferente da formação sexual masculina, que, pelo que sabemos do nervo
dorsal do pênis, é muito mais uniforme.)
Fiquei em silêncio, tentando absorver o que ele havia dito. Acho que as
mulheres fazem muitos julgamentos a respeito de si próprias com base no modo
como chegam ou não ao orgasmo. Nosso discurso sobre a sexualidade feminina,
que não presta nenhuma atenção a essa realidade neural que é o próprio
mecanismo do orgasmo feminino, sugere que, se as mulheres têm problemas para
chegar ao clímax, é — neste momento de liberação feminina —, com certeza, de
alguma forma, por culpa delas: devem ser muito inibidas; talvez não sejam
habilidosas; não são “abertas” o suficiente em relação a seu corpo.
Dr. Cole educadamente limpou a garganta. Polidamente, tentou desviar minha
atenção de volta a meu próprio caso.
Nos dois anos seguintes, aprendi muito mais do que já sabia antes — o que não
foi difícil, já que, como a maior parte das mulheres, eu não sabia nada sobre o
nervo pélvico feminino. E o que acontece é que, de certa forma, ele é o segredo
de tudo relacionado à própria feminilidade.
Quando uso o termo vagina neste livro, é de uma forma diferente da definição
técnica. O significado médico de vagina é apenas o introito, a abertura vaginal,
umas das muitas palavras inadequadas relacionadas a este assunto. Eu a uso, a
menos que claramente especificado, para significar algo o qual, estranhamente,
não temos apenas uma palavra para expressar: ou seja, o órgão sexual feminino
como um todo, dos lábios ao clitóris, do introito ao colo do útero.
Mesmo definida dessa forma mais inclusiva, ainda tendemos a pensar na vagina
em termos limitados: como as partes que podemos ver e tocar na superfície de
nosso corpo, entre nossas pernas: a vulva, os lábios internos e o clitóris — ou as
partes que conseguimos tocar quando exploramos a parte de dentro de nosso
corpo com os dedos: o canal vaginal. Fazemos uma interpretação completamente
errônea da vagina quando restringimos nosso entendimento a essas superfícies de
pele e essas membranas internas.
A vulva, o clitóris e a vagina são apenas as superfícies mais exteriores do que
realmente está dentro de nós. A atividade real é literalmente muito, mas muito
mais complexa abaixo dessas superfícies tácteis. A vulva, o clitóris e a vagina
são, na realidade, mais bem compreendidos como a superfície de um oceano que
é atravessado por redes vibrantes de raios submarinos — caminhos neurais
intrincados e frágeis, com variações individuais. Todas essas redes estão
continuamente enviando seus impulsos à medula espinhal e ao cérebro, que então
envia novos impulsos de volta por meio de outras fibras nos mesmos nervos para
produzir vários efeitos.
Esse denso conjunto de caminhos neurais se estende por toda a pelve, muito
abaixo da pele vulvar externa e da pele vaginal interna (apesar de que essa última
frase também não esteja médica e tecnicamente acurada: a pele de dentro da
vagina é chamada, em um dos muitos termos desagradáveis que temos para nos
referir a algo tão adorável, de membrana mucosa, ou mucosa).
Nas imagens Netter na Internet, você pode ver que sua maravilhosa e
[3]
complicada rede de caminhos neurais está conectada à medula espinhal. Esses
caminhos neurais são continuamente “iluminados”, como os neurologistas dizem,
com impulsos elétricos — dependendo do que está acontecendo com seu clitóris,
vulva e vagina.
Deixe-me usar uma segunda metáfora. Digamos que você encontre um ramo de
algas marinhas na beira da praia e o pegue do chão. As partes mais pesadas vão
continuar sobre a areia como uma malha, mas algumas meadas vão se estender
verticalmente. Essa rede neural tem esse formato: ela se parece com uma malha
embaraçada de centenas de milhares de fios dourados que foram puxados para
cima. A maior parte dos fios se concentra na pelve, mas partes dessa rede vão
para cima em direção à medula e ao cérebro. A imagem Netter 3.093 mostra isso.
[4]
Nos seres humanos, o nervo pélvico se ramifica a partir das vértebras sacrais
números quatro e cinco, ou S4 e S5, que são vértebras da região lombar. A partir
daí, ele se ramifica de novo em três caminhos neurais que vão mais longe, que já
mencionei anteriormente, que se empalham por toda a pelve: um se originando no
clitóris, um nas paredes da vagina e um no colo do útero. Outro feixe de nervos se
origina ao longo do períneo e do ânus. Dentre as muitas coisas incríveis a
respeito de nosso incrível nervo pélvico e sua adorável multiplicidade de
ramificações está o fato de que ele é completamente único para cada mulher,
individual — não há duas mulheres iguais.
Como você pode ver nas imagens Netter, a rede neural pélvica feminina é
altamente complexa. Sua alta complexidade é a razão pela qual há tanta
variabilidade na fiação sexual das mulheres. Em contraste, a rede neural pélvica
masculina, que é formada por uma grade de caminhos neurais muito regulares,
quase esquematizados — um círculo de prazer ao redor do pênis —, parece bem
mais simples. Essa grande complexidade neural sexual das mulheres se deve ao
fato de que temos órgãos que são reprodutivos e sexuais, como o colo do útero e
o útero, que os homens não têm.
Há muito mais redes neurais ligando a pelve feminina até a medula espinhal do
que as redes que vão do pênis à medula. Você pode ver isso nas imagens Netter
de título “Inervações da genitália externa”, “Períneo, inervação dos órgãos
[5]
reprodutivos femininos” e “Inervação dos órgãos reprodutivos masculinos”.
Fica claro que a rede neural feminina é muito mais difusa que a masculina e que
tem muito mais elementos que a masculina: nas mulheres, há um emaranhado de
atividade neural logo acima do útero, nos lados da vagina, acima do reto, acima
da bexiga, no clitóris e ao longo do períneo. Há menos emaranhados distintos de
atividade neural na pelve masculina.
(O períneo é a pele entre o ânus e a vagina: deixe-me enfatizar de novo que há
toda uma rede neural sexual distinta nas mulheres que começa no períneo e que é
essa rede neural sexual, como um médico que leu esta seção comentou alarmado,
“é rotineiramente cortada na episiotomia realizada em partos difíceis. Como
relatei em Misconceptions: Truth, Lies and the Unexpected on the Journey to
Motherhood, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, episiotomias
desnecessárias são realizadas rotineiramente em partos normais que não o
exigiriam, não fosse pela pressão de tempo e economia dos hospitais, e também
pelo medo de litígio que os hospitais têm. Não é surpresa, então, que nos Estados
Unidos e na Europa Ocidental muitas mulheres relatem sensações sexuais
diminuídas após o nascimento de filhos, especialmente se passaram pela
episiotomia, apesar de que raramente sejam informadas pelos hospitais ou pelos
[6]
médicos de que o procedimento cortará um sistema nervoso sexual.)
Observando o padrão das redes neurais nas imagens Netter e nas ilustrações
neste livro, você verá que as mulheres foram desenhadas para receber prazer e
experimentar gatilhos para o orgasmo, que vão das carícias habilidosas à pressão
rítmica de todos os tipos em muitas, muitas partes de seu corpo. O modelo
pornográfico do coito — e mesmo o modelo convencional de coito em nossa
cultura, que é rápido, orientado ao objetivo, linear e focado no estímulo de uma
ou duas áreas do corpo da mulher — simplesmente não vai servir para muitas
mulheres, ou pelo menos não de forma profunda, pois envolve uma parte muito
superficial do potencial dos sistemas de resposta sexual neurológica das
mulheres. Para algumas mulheres, muitos dos caminhos neurais se originam no
clitóris. A vagina dessas mulheres será menos “enervada” — menos densa em
nervos. Uma mulher desse grupo poderá gostar muito de estímulo clitoridiano e
não tirar muito prazer da penetração. Outras mulheres têm muita enervação na
vagina e vão chegar ao clímax facilmente apenas pela penetração. Outras, ainda,
podem ter muitas terminações neurais nas áreas do períneo e do ânus: estas
podem gostar de sexo anal e até mesmo ter um orgasmo dessa forma, coisa que
deixaria outras mulheres completamente frias e até com dor. A formação da rede
neural está mais próxima da superfície em algumas mulheres, tornando mais fácil
para elas chegar ao orgasmo. A formação de outras pode estar mais submersa em
seu corpo, fazendo que elas próprias e seus parceiros tenham que ser mais
inventivos, já que terão que buscar um clímax mais esquivo.
A cultura e a educação definitivamente também vão ter seu papel na forma
como a mulher goza e podem influenciar a facilidade que ela tem de chegar ao
orgasmo; mas nem tudo dependerá disso. Esse discurso representa muita culpa e
vergonha desnecessárias para milhões de mulheres e, por outro lado, dependendo
do gosto de cada um, faz que se sintam ligeiramente pervertidas. Você sente que
está impondo algo a seu amante se (diferentemente da última namorada dele)
realmente precisa daquele sexo oral “extra” para gozar? Você fica constrangida
de pedir estímulo nos dois orifícios quando faz amor? Será que às vezes leva
mais tempo do que gostaria para gozar, ou de vez em quando é simplesmente
difícil? Veja, pode ser que isso não seja apenas por causa de sua avó que a
obrigava a dormir com as mãos por cima das cobertas, ou das freiras censoras do
colégio. Você não é um ser menos sexual ou não necessariamente mais inibida que
a última namorada dele. O que quer que seja que você goste e precise na cama —
como mulher, com toda aquela variabilidade —, essas preferências podem ser
apenas por causa de sua formação física.
Como exatamente funciona sua rede neural sexual? Você pode ver na imagem
Netter do sistema nervoso autônomo como os genitais se conectam à parte inferior
[8]
da medula espinhal, que, por sua vez, se conecta ao cérebro.
A imagem Netter mostra um close da medula espinhal e das raízes dos nervos
que conectam os impulsos da medula à vagina, e vice-versa. Esses impulsos
terminam no cérebro feminino. Todos os neurotransmissores mandam sinais do
clitóris, vagina, colo do útero e outros pela medula espinhal, e finalmente esses
sinais chegam ao hipotálamo e ao tronco encefálico.
A glândula pituitária está abaixo do cérebro; e o hipotálamo, logo acima. A
pituitária é chamada de “glândula mestra” porque regula todos os hormônios em
nosso cérebro e corpo — a produção, por exemplo, de oxitocina —, a “fábrica de
amor” química que gera os sentimentos de afeição, confiança e atração. Na
glândula pituitária é onde acontece toda a ação emocional. É o local onde um dos
sistemas de dopamina é regulado, fazendo que você fique mais ou menos excitada;
outro sistema de dopamina, na parte intermediária do cérebro, vai fazer que fique
mais incentivada e focada, antes e durante o sexo. A dopamina é associada à
excitação e ao desejo. A oxitocina e outros hormônios geradores de emoções, que
farão que você ache fofos aqueles hábitos chatos do namorado, são processados
no hipotálamo. E a prolactina, que fará que você finalmente levante da cama e vá
lavar roupa ou fazer alguma outra tarefa doméstica, também é processada no
hipotálamo. Portanto, é correto dizer que a vagina está mandando sinais para o
cérebro, durante o sexo, que mediam a consciência.
Essa malha de fios vivos na pelve feminina — que se comunica tão
intimamente da medula ao cérebro com seu banho químico em constante mutação
— libera opioides e oxitocina após o orgasmo, que, como veremos, faz que
sintamos uma dor física quando começamos a nos apaixonar por alguém. Esse é o
motivo pelo qual as mulheres entram naquele estado de transe tão desinibido e
descontrolado quando gozam de uma forma que envolve diferentes partes do
cérebro.
Apesar de delicada, essa rede que está por trás de nosso clitóris, vulva e
vagina é incrivelmente poderosa: o prazer orgástico gerado ali manda ao cérebro
mensagens tão poderosas que ajudam a regular os ciclos menstrual e hormonal,
que nos tornam mais ou menos férteis, que nos acalmam ao sentir o odor do
amante ou lubrificam nossa vagina quando somos elogiadas. Da mesma forma, o
cérebro também envia sinais ao clitóris, vulva e vagina, indicando qual é o
momento e a situação correta para se lubrificar, corar com fluxos de sangue, gozar
e criar vínculos. Essa rede tem tanta influência sobre todos os sistemas relevantes
de nosso corpo que, se formos negligenciadas sexualmente — ou se nos
negligenciarmos sexualmente, caso não tenhamos parceiro —, as mensagens
enviadas por essas vias ao cérebro e as reações hormonais no cérebro poderão
nos levar à depressão, ou mesmo aumentar o risco de lesões ou doença cardíaca.
Essa rede está continuamente enviando humores, sensações e emoções ao nosso
cérebro e do cérebro para nossa pele interior e exterior; não é a vagina em si, mas
a rede por baixo de tudo que nos leva a sentir grande parte do que sentimos; que
leva cada mulher a tremer de forma diferente, em resposta a diferentes toques; que
levam a própria consciência feminina a flutuar, conforme essas mensagens flutuam
ao longo de suas vias — um fluxo aumentado pela natureza cíclica do desejo
sexual feminino. Se a feminilidade reside em algum lugar, eu diria que é ali,
naquela rede elétrica interior que se estende da pelve ao cérebro. Essas vias
neurais, e outras evidências que analisaremos, explicam o motivo de nossas
noções de sexualidade feminina estarem frequentemente tão erradas. Desde que
Masters e Johnson escreveram Human Sexual Response, em 1966, no qual se
basearam em seus estudos de homens e mulheres tendo orgasmos em condições de
laboratório, nossa cultura aceitou o modelo único de resposta que descreveram da
excitação, momento de estabilidade, orgasmos e resolução, que, argumentaram,
[9]
seria semelhante para homens e mulheres. O sumário que escreveram da vagina
declara que “é preciso explicar que a resposta vaginal (natural ou artificial) aos
estímulos sexuais se desenvolve em um padrão básico, independentemente da
origem do estímulo”, em uma visão que a nova ciência sugere ser muito simplista.
Mesmo hoje, nossa cultura tende a apresentar as respostas sexuais masculina e
feminina como análogas ou paralelas, ao mesmo tempo que reconhece que
algumas mulheres têm mais orgasmos com um “período refratário” de repouso
entre eles menor do que o que os homens precisam. Esse “modelo único para a
sexualidade humana já foi até visto como liberal — afinal, ele reconhece as
necessidades sexuais femininas, assim como as masculinas — e se encaixa na
Segunda Onda do feminismo e da revolução sexual — a que prega a ideia
confortável de que as mulheres são, pelo menos sexualmente, “iguais aos
homens”.
O modelo Masters e Johnson está sendo questionado como simplista demais
quando se trata das mulheres, em vários aspectos. A ciência mais recente —
incluindo pesquisadores como Rosemary Basson, doutora em medicina pela
Universidade de British, Columbia; Irv Binick, da Universidade McGill, em
Montreal, Quebec; e Barry R. Komisaruk, da Universidade Rutgers em Nova
Jersey — está confirmando que há muitas variações para as mulheres, sobre o que
[10]
agora nos parece um modelo básico demais. Seria mais acurado dizer, com
base na nova ciência, que, apesar de a sexualidade feminina conter algumas
analogias superficiais à masculina, ela frequentemente envolve níveis adicionais
[11]
de experiência e sensação. A sexualidade da mulher está, sem dúvida, muito
distante de ser meramente uma versão feminina do que tradicionalmente sempre
foi entendido, de uma perspectiva masculina, como “apenas sexo”. Estão
descobrindo que a vagina e o cérebro não podem ser considerados
separadamente: Basson descobriu que a sensação subjetiva de excitação deve ser
medida na mente, não apenas no corpo; Komisaruk e sua equipe encontraram
[12]
excitação e orgasmos apenas na mente em mulheres que passaram por lesões.
Minha jornada finalmente me levou a concluir que, com exceção de alguns
terapeutas, professores e profissionais da área, mesmo com toda a nossa
“liberação”, ainda enquadramos a vagina em ideologias sexuais que às vezes são
formas novas e sensuais da antiga escravidão e controle. Ou então agimos na
ignorância ativa do papel e dimensão verdadeiros da vagina. Concluí que, ao
contrário do que somos levados a crer, a vagina ainda está longe de ser livre no
Ocidente nos dias de hoje — tanto pela falta de respeito como pela falta de
entendimento do papel que ela exerce.
A irmã não chegou a entender as aquarelas — deixaram-na confusa — olhou várias vezes —
sempre parecendo questionar — Ela gostou do homem montado a cavalo (…) Levarei para a
escola amanhã — mostrá-las para pessoas que não podem ver dói, mas o farei de qualquer jeito
— (…) É porque há mais animal do que cérebro em mim — que quero estar próxima a você e
dizer o quanto gosto delas — Não — não é o animal em absoluto — é o toque — O toque pode
ser Deus ou o diabo em mim — Só não sei qual (…)
Georgia O’Keeffe a Alfred Stieglitz
Mais ou menos na mesma época em que estava lutando contra minha doença,
voltei à escola para uma pós-graduação em literatura feminina nas eras vitoriana
e eduardiana.
Comecei a notar que muitas mulheres que escreveram entre 1850 e 1920
articularam aspectos da experiência sexual feminina que de fato sugerem uma
conexão entre o despertar sexual e o criativo. Essas escritoras feministas pré-
revolução sexual, pré-Segunda Guerra, como a poetisa lírica vitoriana Christina
Rossetti, a romancista americana da virada do século XX Kate Chopin e a
escritora de memórias que produziu na França na década de 1930 Anaïs Nin,
escreveram sobre a paixão sexual feminina como se fosse uma força avassaladora
que se sobrepõe à vontade e ao autocontrole. Parece-me que elas frequentemente
fazem a conexão entre o autoconhecimento sexual ou o despertar sexual nas
mulheres e o crescimento ou despertar de outros aspectos da criatividade e
identidade femininas. Diferentemente das artistas e escritoras pós-1960, elas nem
mesmo retrataram a sexualidade feminina como “meramente” focada no prazer
físico.
Descobri outra coisa surpreendente: apesar de críticos misóginos terem sempre
sugerido que mulheres brilhantes não podiam ser sexuais — desde o período
medieval, versões das mulheres da Blue Stocking Society, inteligentes e
assexuadas, sempre apareceram aqui e ali — e que as mulheres altamente
sexualizadas não tinham cérebro, as biografias de várias dessas artistas sugerem o
oposto. Observando a vida de artistas, escritoras e revolucionárias, após um
relacionamento sexual ou affair amoroso particularmente liberador — ou pistas
de uma autodescoberta sexual, mesmo que a artista não tivesse parceiro fixo —,
frequentemente se encontra um período de criatividade luxuriante e expansão
intelectual em seu trabalho. E, a julgar por suas cartas particulares, vi que
algumas das mulheres mais criativas e intelectual e psicologicamente livres de
suas eras — de Christina Rossetti a George Eliot, Edith Wharton, Emma Goldman
e Georgia O’Keeffe — eram também, evidentemente, mulheres de grandes
paixões sexuais.
George Eliot descreveu sua heroína Maggie Tulliver, em The Mill on the Floss
(1860), como uma mulher que “se atirava sob a orientação sedutora de vontades
[1]
ilimitadas”. De acordo com seu comentarista, o romancista A. S. Byatt, a
própria Eliot “tinha temores de que se tornasse demoníaca por causa de sua
natureza apaixonada”. Em uma carta a amigos, Eliot escreveu sobre o medo que
tinha de ser consumida pelo desejo sexual: “Tive uma visão horrível de mim
[2]
mesma ontem à noite, na qual me tornava mundana, sensual e demoníaca”.
A poetisa Christina Rossetti escreveu lindamente sobre os tormentos da
tentação sensual feminina: a heroína de “Goblin Market” (1859), Laura, “sentou-
se em um anseio apaixonado / e cerrou os dentes em desejo latente / como seu
coração se rompesse (…)”. A irmã de Laura, Lizzie, que devorou o “fruto do
mercador”, em contraste, fica completamente entusiasmada e viciada, sempre
desejosa de mais: Lizzie grita: “Beija-me, abraça-me, suga estes meus sumos /
Espremidos dos frutos dos duendes para ti / São polpa e são orvalho de duende /
Come-me, bebe-me, ama-me / (…) faz de mim o que quiser (…) / beijou-a sem
parar com a boca ávida”. Os “mercadores marotos e maliciosos” de “Goblin
Market” deram às duas moças frutos que eram como “mel para a garganta / mas
[3]
veneno para o sangue”. A jovem pintora Georgia O’Keeffe escreveu para o
objeto de seu amor, Arthur Whittier McMahon, em 1915: “Parece tão estranho
(…) não me entregar (…) quando o desejo. É ótimo dar amor”. Para o fotógrafo
Paul Strand, cujo relacionamento sexual com a artista coincidiu com um período
de imenso crescimento artístico para ela, Georgia escreveu — comparando
abstratamente a excitação de uma nova empreitada com a de beijar um homem:
“Então a obra… sim, amei…. e o amo… queria muito abraçá-lo e beijá-lo… É
tão engraçada a forma como nem mesmo o toquei quando o desejava tanto. Ainda
estou lhe dizendo que era o que queria… Leve-me para Riverside Drive com
você em uma noite dessas… pode ser?”. Sua biógrafa escreveu que ela termina
essa carta de forma “provocante”, referindo-se a Riverside Drive, onde os
[4]
amantes iam para ficar na escuridão da noite.
Para muitas dessas artistas criativas, o aparente despertar sexual e os surtos
criativos parecem se fundir em alguns momentos-chave em sua vida e parecem
propiciar uma fase em seu trabalho que chega a um nível mais alto de insights e
energia do que o trabalho imediatamente anterior. Esses arcos de realização —
esses “picos criativos” — parecem confirmar ainda mais minha crescente
convicção de que as mulheres experimentam a vagina como uma parte integrante
de seu ser e que ela também pode servir como faísca ou ponto de entrada para um
despertar da sensibilidade que pode, em momentos oportunos, fundir o lado
criativo com o sexual.
As escritoras geralmente descrevem esses momentos de despertar sexual como
uma espécie de névoa que se abre, aumentando o sentido do ser feminino. Em
suas cartas particulares, frequentemente descrevem uma descoberta surpreendente
e fascinante do ser por meio da catálise do amor sexual que estão
experimentando. Como a jovem Hannah Arendt escreveu a seu amante Ernst
Blucher depois que o caso deles começou — um caso que foi descrito como
intensamente engajado intelectualmente e erótico, para uma jovem mulher que
nunca havia sido especialmente atraída pelo aspecto físico antes —: “Eu…
finalmente sei o que é a felicidade… ainda me parece inacreditável que eu possa
alcançar ambos… um grande amor e um sentido de identidade com minha própria
[5]
pessoa. Ainda assim, alcancei um apenas após ter experimentado o outro”. Em
geral, independentemente do quanto sofreram por suas paixões, essas escritoras
heroínas se recusam a se arrepender do despertar sexual que causou o sofrimento:
no romance de Kate Chopin de 1899, O despertar, Edna Pontellier reflete que
“dentre as sensações conflitantes que a assaltam, não havia vergonha nem
[6]
remorso”.
As cartas e livros de Edith Wharton, em particular, sempre me inspiraram a
seguir adiante nessa linha de pensamento. Durante a maior parte de sua vida
adulta, Wharton foi casada com o diletante convencional de classe alta Teddy
Wharton, um homem com quem ela não combinava. De acordo com seus relatos e
os de outras pessoas, a vida sexual do casal era praticamente inexistente. Mas, em
1908, ela passou por um extraordinário despertar sexual, quando começou um
caso extraconjugal com o jornalista bissexual lindo, sedutor e provocante Morton
Fullerton. Em suas cartas de amor particulares, publicadas pela primeira vez na
década de 1980, ela escreve a respeito desse despertar sexual como uma ameaça
de dissolução de seu próprio ser, como uma perda do controle. Ela escreve —
apelando para o francês, a língua na qual descreve o prazer sexual — que o toque
dele a deixa “completamente esvaziada de qualquer vontade”: “je n’ais plus de
[7]
volonte”. Ela se refere ao amor sexual de Fullerton como “um narcótico” —
uma metáfora que teve eco na literatura de ficção pela mão de outras escritoras
desse período. (Edna Pontellier, em The Awakening [1899], também descreve o
toque de seu amante Robert como “um narcótico” — uma metáfora que se tornaria
mais escassa depois que a Segunda Onda da década de 1970 fez que essas
confissões de reconhecida dependência de homens se tornassem presságios
[8]
politicamente incorretos.)
Em uma carta, Wharton descreve uma conversa com Fullerton na qual, depois
de comunicar-lhe o efeito que sentiu após ter começado a ter orgasmos, ele
respondeu que ela começaria a escrever melhor como resultado dessa
experiência. Como ficou provado, Fullerton estava certo: Edith Wharton de fato
produziu o melhor de sua obra após seu despertar sexual. Um ponto interessante é
que, em The House of Mirth , publicado em 1905, não há praticamente nenhuma
descrição de paixão física relacionada às personagens femininas, de forma que
[9]
suas afeições e motivações parecem incompletas. A supressão é bem expressa,
mas a materialização não. Entretanto, em Summer (1917) e The Age of Innocence
(1920), a paixão sexual feminina está presente em várias manifestações.
Após 1908-10, a prosa de Wharton se torna mais rica e táctil; o mundo do
prazer e dos sentidos está mais presente, assim como um sentimento — trágico,
naquela época, necessariamente — do anseio feminino pelo êxtase, pela vida,
pelas sensações, a qualquer custo. O tema da mulher que é modificada e
despertada por sua própria sexualidade — e que não se arrepende das
consequências, apesar de sofrer como resultado do processo — é consistente com
a ficção de Wharton após esse período.
Analisei as biografias dessas e de outras grandes artistas e revolucionárias dos
séculos XVIII, XIX e início do século XX: Mary Wollstonecraft, Charlotte
Brontë, Elizabeth Barrett Browning, George Sand, Christina Rossetti, George
Eliot, Georgia O’Keeffe, Edith Wharton, Emma Goldman, Gertrude Stein — todas
mulheres cuja vida, cartas e escolhas representaram grandes riscos ou sacrifícios
[10]
para elas mesmas, revelando sua natureza intensa e sexualmente apaixonada.
Analisando vida após vida desse círculo mais expandido de artistas, escritoras
e revolucionárias, aparece sempre o mesmo arco: um fluxo de insight e visão
criativa que parece se seguir a um florescimento sexual. É possível identificar
uma mudança de perspectiva cronológica para essas mulheres: suas palhetas
parecem repentinamente se expandir, com a possibilidade de outro mundo
entrando em cena.
George Eliot, depois de iniciar seu relacionamento ilícito com seu amante
George Lewes, escreveu sua primeira importante obra de ficção, Scenes of
Clerical Life (1857). Logo depois que Georgia O’Keeffe começou seu
relacionamento altamente erótico com o fotógrafo Alfred Stieglitz, iniciou sua
audaciosa experimentação de forma e cor representada pela série de flores,
revolucionária para a época. Como escreveu para ele em 1917, conjugando a
excitação artística e sexual,
sinto como se tivesse muitas coisas a fazer… muitas coisas… e uma coisa a pintar… É a bandeira que
vejo flutuar… a bandeira da cor carmim… que tremula ao vento como meus lábios quando estou
prestes a gritar (…) Também há uma linha firme e forte na cena… a postos… abaixo dos lábios… Boa
noite… meu peito dói e estou cansada… não consegui dormir ou comer por excitação lá embaixo… e
[11]
dor… e encantamento… e percepção.
A crítica radical que Emma Goldman fez das normas sociais existentes se
intensificou muito após o início de seu romance apaixonado com Ben Reitman em
1908. Ela tomou atitudes que levaram à sua prisão. Como é típico de uma musa,
Reitman não apenas seduziu Goldman, mas também ofereceu a ela um local, o
hobo hall, para que oferecesse suas palestras quando ela já não conseguia achar
outro fórum. Quando Gertrude Stein conheceu e começou a viver com Alice B.
Toklas — o que lhe permitiu explorar sua vida interior como amante de mulheres
—, seu trabalho avançou muito em termos do nível de experimentação, assim
como em termos de sua sensualidade.
Até mesmo escritoras recentes às vezes parecem fazer essas conexões — e às
vezes em surpreendentes detalhes: em “A Conversation with Isabel Allende”, que
Melissa Block conduziu para a National Public Radio em 6 de novembro de
2006, a repórter perguntou a Isabel sobre a gênese da personagem espanhola do
século XIX tão vividamente recriada, Inés Suárez, heroína do romance de Isabel
Allende Inés da minha alma: “A primeira frase simplesmente saiu de meu útero”,
Isabel respondeu provavelmente a uma interlocutora bastante surpresa.
Não diria que veio de minha cabeça, mas de meu útero. A frase era: “Sou Inés Suárez, moradora de
Santiago de Nueva Extremadura, cidade leal ao reino do Chile”, e era assim que me sentia. Sentia que
[12]
eu era ela e que a história só poderia ser contada em sua voz.
Nas biografias que li, o amante frequentemente faz o papel de musa — nem
sempre é um parceiro estável, mas frequentemente um homem ou mulher que
respeita intelectualmente a artista criativa ou revolucionária, ao mesmo tempo que
a excita eroticamente. Parece que o despertar sexual de tantas grandes mulheres
coincidiu com um período em que assumiram riscos em outros níveis — social e
artístico — e com outros tipos de despertares: da maestria, da expressão e dos
poderes criativos.
Comecei a me perguntar: será que há, talvez, algum tipo de conexão que
vínhamos ignorando até agora entre a liberdade, a criatividade e o despertar na
natureza mais apaixonada de uma mulher?
Eu me pergunto se há algo mais profundo acontecendo aí.
O ORGASMO NO PALCO
1. George Eliot, The Mill on the Floss (Londres: Penguin Classics, 2003), 338.↵
2. Ib., 573.↵
3. Christina Rossetti, “Goblin Market”, Poems and Prose (Oxford: Oxford World’s Classics), 105-19.↵
4. Hunter Drohojowska-Philp, Full Bloom: The Art and Life of Georgia O’Keeffe (Nova Iorque: W. W.
Norton, 2004), 115, 135; Sarah Greenough, ed., My Faraway One: Selected Letters of Georgia
O’Keeffe to Alfred Stieglitz, vol. 1. 1915-1933 (New Haven, CT: Yale University Press, 2012), 127,
217.↵
5. David Laskin, Partisans: Marriage, Politics and Betrayal among the New Iorque Intellectuals (Nova
Iorque: Simon and Schuster, 2000), 151.↵
6. Kate Chopin, The Awakening and Other Stories (Oxford: Oxford University Press, 2000), 219. [Edição
brasileira: O despertar; São Paulo, Estação Liberdade, 1994.]↵
7. Hermione Lee, Edith Wharton (Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2007), 327.↵
8. Chopin, The Awakening, 82.↵
9. Edith Wharton, The House of Mirth (Nova Iorque: Barnes and Noble Classics), 177.↵
10. Gordon Haight, George Eliot: A Biography (Oxford: Oxford University Press, 1978), 226-280;
Greenough, My Faraway One, 216; Candace Falk, Love, Anarchy and Emma Goldman: A Biography
(New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1990), 66.↵
11. Greenough, My Faraway One, 56-57, 217.↵
12. Isabel Allende, Inés of My Soul (Nova Iorque: Harper Perennial, 2006), 8. [Edição brasileira: Inés da
minha alma; São Paulo, Bertrand Brasil, 2007.]↵
Dopamina, opiáceos e oxitocina
Escrevo como amo… os beijos que trocamos às 10 horas da noite daquele sábado, 12 de
outubro… quantos campos de trigo, quantos vinhedos existem entre mim e você! Odeio essa lei…
quero sentir — fazer os outros sentirem…
Exploradora Isabelle Eberhardt, 1902
Durante aquele mês, eu fui totalmente feliz… Que alegria, meu querido, ao encontrar sua
carta… Não direi que não precisava dela desesperadamente, pois este é meu estado crônico…
Antes disso [momentos felizes com você], eu não tinha uma vida pessoal: desde então você me
deu toda a alegria imaginável. Agora, nada pode diminuir ou tirar isso de mim… [isso] libertou
todo meu ser… Não posso lhe dizer isso, pois quando eu disser você me tomará em seus braços
et alors je n’ais plus de volonte…
[21]
Edith Wharton para Morton Fullerton
Então, a dopamina a torna confiante e faz você acreditar nas recompensas; os
opiáceos proporcionam descargas viciantes de felicidade e bem-estar; a oxitocina
— que, segundo estudos, aumenta durante o orgasmo, e assim mulheres que têm
orgasmos múltiplos podem, teoricamente, produzi-la mais que os homens — faz
você se apegar, sentir atração e confiança e a leva a querer fazer mais sexo.
Isso poderia explicar por que, apesar de a maioria dos viciados em sexo ser
homens, muitas mulheres acham algumas vezes que estão “viciadas em amor”?
Nossa euforia é potencialmente mais eufórica; mas o lado ruim é que, quando
aquela dopamina e os opiáceos deixam nosso sistema, ficamos potencialmente
piores que muitos homens — um estado de abstinência que é exatamente como a
abstinência do ópio. A bioquímica do vício significa que, se tivermos mais
dopamina desde o início, nossa queda será maior. Então, as mulheres têm uma
tendência maior a ser místicas que os homens — devido a todo esse potencial de
produção de dopamina — e correm um risco maior de se tornar viciadas em amor
(diferente do vício do sexo, do qual os homens são mais vítimas). Os níveis
potencialmente maiores de oxitocina e dopamina que podemos produzir — e
potencialmente perder, infelizmente — nos tornam potencialmente dependentes de
nosso objeto amoroso/sexual de maneiras que nem sempre são mútuas.
1. Veja Stanley Siegel, Your Brain on Sex: How Smarter Sex Can Change Your Life (Naperville, IL:
Sourcebooks, 2011).↵
2. Marnia Robinson: Dopamine chart.↵
3. Dr. Jim Pfaus, entrevista, Universidade Concórdia, Montreal, Quebec, 29 de janeiro de 2012.↵
4. Ib.↵
5. David J. Linden, The Compass of Pleasure: How Our Brains Make Fatty Foods, Orgasm, Exercise,
Marijuana, Generosity, Vodka, Learning and Gambling Feel So Good (Nova Iorque: Viking, 2011), 94-
125.↵
6. Dra. Helen Fisher, Anatomy of Love: A Natural History of Mating, Marriage and Why We Stray (Nova
Iorque: Ballantine Books, 1992), 162. [Edição brasileira: Anatomia do amor; São Paulo, Editora Eureka,
1995.]↵
7. Ib., 175.↵
8. Cindy M. Meston e K. M. McCall, “Dopamine and Norepinephrine Responses to Film-Induced Sexual
Arousal in Sexually Functional and Dysfunctional Women”, Journal of Sex & Marital Therapy, vol. 31
(2005): 303-17.↵
9. Claude de Contrecoeur, “Le Rôle de la Dopamine et de la Sérotonine dans le Système Nerveux
Central”, www.bio.net/bionet/mm/neur-sci/1996-July/024549.html.↵
10. Ib.↵
11. Dr. Jim Pfaus, entrevista, 29 de janeiro de 2012.↵
12. Ver Mary Roach, Bonk: The Curious Coupling of Science and Sex (Nova Iorque: W. W. Norton,
2008).↵
13. Ib., e Susan Rako, The Hormone of Desire: The Truth About Testosterone, Sexuality, and Menopause
(Nova Iorque: Harmony, 1996).↵
14. Linden, The Compass of Pleasure, 94-125.↵
15. Ib., 94-125.↵
16. Marnia Robinson e Gary Wilson, “The Big ‘O’ Isn’t Orgasm”,
www.reuniting.info/science/oxytocin_health_bonding.↵
17. Ib.↵
18. Navneet Magon e Sanjay Kalra, “The Orgasmic History of Oxytocin: Love, Lust and Labor”, Indian
Journal of Endocrinology and Metabolism, Supp. 3 (setembro de 2011): 5156-61. ↵
19. Agren, 2002, citado em Beate Ditzen, Effects of Romantic Partner Interaction on Psychological and
Endocrine Stress Protection in Women (Gottingen, Alemanha: Cuvillier Verlag, Gottingen, 2005), 50-
51.↵
20. C. A. Pedersen, 2002 e Arletti, 1997, citado em Robinson e Wilson, “The Big ‘O’ Isn’t Orgasm”,
www.reuniting.info/science/oxytocin_health_bonding.↵
21. R. W. B. Lewis e Nancy Lewis, The Letters of Edith Wharton (Nova Iorque: Scribner, 1988), 324-36.↵
22. James G. Pfaus e outros, “Who, What, Where, When (and Maybe Even Why)? How the Experience of
Sexual Reward Connects Sexual Desire, Preference, and Performance”, Archives of Sexual Behavior
41 (9 de março de 2012): 31-62: Apesar de o comportamento sexual ser controlado por ações
hormonais e neuroquímicas no cérebro, a experiência sexual induz um grau de plasticidade que permite
aos animais formar associações instrumentais e pavlovianas que predizem os resultados sexuais,
direcionando, assim, a força da resposta sexual. Esta revisão descreve como experiências com
recompensa sexual fortalecem o desenvolvimento do comportamento sexual e induzem preferências de
parceiro e local sexualmente condicionadas em ratos. Em ratos e ratas, experiências sexuais anteriores
com parceiros perfumados com odor neutro ou mesmo desagradável induzem a preferência por
parceiros perfumados em testes de escolha subsequente. Essas preferências também podem ser
induzidas por injeções de morfina ou oxitocina pareadas com a primeira exposição de um rato macho a
fêmeas perfumadas, indicando que a ativação farmacológica dos receptores de opioides ou oxitocina
pode substituir os processos neuroquímicos relacionados à recompensa normalmente ativados pelo
estímulo sexual. Da mesma forma, preferências condicionadas de parceiro ou local podem ser
bloqueadas pelo antagonista de receptores de opioides naloxona. Uma deixa somatossensorial (uma
jaqueta de roedor) pareada à recompensa sexual leva à excitação sexual em ratos machos, de uma
forma que os ratos pareados sem a jaqueta demonstram déficits copulativos intensos. Propomos que a
ativação de opioides endógenos forma a base do sistema de recompensas, que também sensibiliza os
sistemas de dopamina do hipotalâmico e mesolímbico na presença de pistas que predigam a recompensa
sexual. Esses sistemas agem para focar a atenção e ativar o comportamento direcionado à meta para o
estímulo relacionado à recompensa. Assim, existe um período crítico, durante as experiências sexuais
iniciais de um indivíduo, que cria um “mapa do amor” ou uma gestalt de características, movimentos,
sentimentos e interações interpessoais associados à recompensa amorosa.↵
23. www.guardian.co.uk/science/2011/nov/14/female-orgasm-recorded-brain-scans e Barry R. Komisaruk,
PhD e Baverly Whipple, PhD, “Brain Activity During Sexual Response and Orgasm in Women: MRI
Evidence”, apresentação, International Society for the Study of Women’s Sexual Health, 2011, Encontro
Anual, Scottdale, Arizona, 10-13 de fevereiro, Livro do Programa, 173-184.↵
24. Ian Sample, “Female Orgasm Captured in a Series of Brain Scans”, The Guardian, 14 de novembro de
2011, www.guardian.co.uk/science/2011/nov/14/female-orgasm-recorded-brain-scans.↵
25. Dr. Pfaus, entrevista, 30 de janeiro de 2012.↵
26. Simon LeVay, The Sexual Brain (Cambridge, MA: MIT Press, 1993), 71-82.↵
27. Safo, “Fragment”, Sappho’s Lyre: Archaic Lyric and Women Poets of Ancient Greece, trad. Diane J.
Rayor (Berkeley, CA: University of California Press, 1991), 52. “Come to me now again, release me
from/ this pain, everything my spirit longs/ to have fulfilmed, fulfill...”↵
28. “Song of Songs”, 2:5 - 16, The New International Version, www.biblegateway.com.↵
O que “sabemos” sobre a sexualidade feminina está
ultrapassado
escreveu Anaïs Nin, que não estava esperando por nenhuma confirmação
[3]
científica, em Delta de Vênus. Essa supressão de informação foi uma das
muitas omissões estranhas com que me deparei nesta jornada, ao encontrar várias
descobertas científicas de grande importância que não haviam recebido
praticamente nenhuma atenção da mídia tradicional. Caso um sexto sentido
desconhecido fosse confirmado pela ciência, caso descobrissem que todo homem
tem, lá no fundo, em algum lugar de sua pessoa, um órgão sexual extra, pelo amor
de Deus — será que isso não sairia nas manchetes dos jornais?
Outro estudo recente revelou que todo o debate “clitóris versus vagina” —
Masters e Johnson versus Shere Hite — está completamente deslocado: o ponto
G, na parede anterior da vagina, está agora sendo entendido por muitos
pesquisadores como parte da raiz anterior do clitóris. A ciência está provando
que o órgão sexual feminino, que inclui todas essas áreas, é bem mais complexo e
muito mais mágico do que o vaivém utilitário defendido por Masters e Johnson,
ou do que o modelo de sexualidade feminina orientado à meta e identificado com
o masculino que até hoje é erroneamente popularizado pelas revistas femininas
que vão da Good Housekeeping à Cosmopolitan.
O fato é que as mulheres foram desenhadas para ter muitos tipos diferentes de
orgasmos; que as mulheres têm o potencial para ter orgasmos ilimitados, a não ser
pela exaustão física; que, se você entende a sexualidade feminina, dá o ritmo de
toda a ação com base nela; e que, mesmo que essa seja uma meta difícil, vale a
pena alcançá-la, pois, se tratadas apropriadamente, algumas mulheres podem
ejacular; porque todas as mulheres, durante o orgasmo, podem entrar em um
estado de transe único; porque o orgasmo das mulheres dura mais que o dos
homens; porque a memória tem um papel na excitação feminina que não tem na
masculina; e porque a resposta feminina à excitação e ao orgasmo é
bioquimicamente muito diferente da dos homens. Superficialmente, podemos até
ser parecidas com os homens em alguns aspectos, mas de várias outras maneiras
somos completamente diferentes deles.
Um dos possíveis motivos pelos quais essas novas informações não foram
amplamente divulgadas tem a ver com as ansiedades do ego masculino, mesmo
que a censura envolvida seja inconsciente. Por que todos os jornais não noticiam
que as mulheres são potencialmente insaciáveis, sexualmente falando? Ou que
muitas delas estão infelizes com o status quo sexual atual? Ou que alguns tipos de
comportamentos sedutores e atenções de seus parceiros podem praticamente
dobrar ou até quadruplicar os “microvolts” do orgasmo no colo do útero ou na
vagina? O que há de errado com essa informação? Talvez a falta de atenção dada
a essa nova informação se deva ao medo de assumir uma nova “tarefa” — a da
musa e artista sexual — que recairia sobre os ombros masculinos, quando a maior
parte dos homens já está exausta e trabalha demais.
Acredito, porém, que essa hesitação subestime o interesse da maioria dos
homens héteros em fazer as mulheres de sua vida verdadeiramente felizes — sem
falar do interesse desses mesmos homens em ter amantes vibrantes e
entusiasmadas, o que, por sua vez, ajudaria a torná-los mais felizes.
Transformar a vítima em bode expiatório — dizendo que ela causou a situação — é necessário…
assim como a eficácia do ritual de sacrifício já dependeu da ilusão de que a vítima era
responsável pelos pecados do mundo.
Peggy Reeves Sanday, Fraternity Gang Rape
— Ou seja, você pode empurrar mulheres que foram vítimas de estupro e abuso
sexual com mais facilidade que outras? — perguntei.
— Sim — dr. Richmond confirmou. — Se eu peço a essas mulheres que fechem
seus olhos e fiquem em pé, pode haver um pequeno balanço. A maior parte das
pessoas não tem nenhum balanço perceptível. Se você empurra de leve uma
pessoa, ela resiste. Ela não dá um passo para o lado ou cai, ou perde o equilíbrio.
Mas essas mulheres, sim. Se você as empurra, elas caem repetidas vezes. Você as
tem que ajudar a não cair. É uma resposta física desproporcional que não é
congruente com seu funcionamento físico. Elas têm força normal, reflexos
normais, funcionamento físico normal e não têm déficit neurológico objetivo —
não há lesões vestibulares ou cerebrais que poderiam causar achados
semelhantes, por exemplo. Essas mulheres não têm evidência física de problemas
neurológicos, mas seu corpo reage como se tivessem um problema neurológico.
Uma vez as instruí a resistir — completou o dr. Richmond sobre suas pacientes
—, e aí eu podia empurrá-las com toda minha força, e elas ficavam sólidas como
uma rocha.
Isso me surpreendeu: quando você diz a uma sobrevivente de estupro que
resista, seu corpo reage de forma diferente.
— Portanto, é aquela coisa entre o corpo e a mente.
— Exatamente, pelo que dá para perceber. Acho que meu papel como médico e
autoridade “permite” que elas resistam. A estabilidade está lá, uma vez que elas
tenham “recebido a permissão” para resistir. Essas são as mesmas pacientes que,
se empurradas, caem com muita facilidade.
Para reafirmar o que o dr. Richmond estava dizendo: as vítimas de estupro são,
algumas vezes, literalmente “desestabilizadas” pelo estupro.
Eu me perguntei sobre a relação entre essa informação e a conexão vagina-
cérebro: será que a agressão à vagina também afetava o cérebro, ou será que essa
era uma impressão não relacionada, mas igualmente intrigante no cérebro,
originada do abuso sexual?
— Não há dúvidas de que, quando o trauma alcança níveis extremos, você
identifica isso no corpo — prosseguiu o dr. Richmond. — Não pergunto a todas
sobre abuso sexual, mas, quando vejo esse padrão e pergunto sobre o abuso, é
impressionante a frequência da resposta positiva. Digo que é uma variável
interativa. Pode haver outras coisas acontecendo, mas essa questão do abuso
sexual precisa ser incorporada ao tratamento se você quiser uma explicação para
o motivo de esses sintomas aparecerem para essa pessoa nesse momento. Elas
têm várias camadas de problemas médicos que se acumulam ao longo do tempo,
de obesidade e enxaquecas a distúrbios de saúde mental.
— Por causa do abuso sexual? — perguntei.
— Sim — respondeu ele.
— Entendo que você está dizendo que não podemos afirmar que apenas uma
coisa é a causa. Mas me parece que está dizendo que o efeito do abuso sexual
sobre o corpo feminino devia ser um campo de estudo.
Dr. Richmond concordou:
— Ninguém entende plenamente os “distúrbios de conversão” — explicou. —
O termo se refere a uma anormalidade física gerada por um estado mental.
A expressão popular para os distúrbios de conversão é hipocondria, ou “está
tudo na sua cabeça”. Em um distúrbio de conversão, a pessoa sofre um sintoma
real, mas a causa aparentemente não é física.
Diz o dr. Richmond:
— Apesar de aparentemente não haver nada de errado com essas pacientes,
precisamos levar a sério o que está acontecendo com essas mulheres. Seus
sintomas podem ser causados por uma anormalidade no cérebro, gerada por
traços anormais na memória ou um circuito neural anormal. Se uma pessoa é
agredida repetidamente, desenvolve toda uma resposta motora comportamental a
essa agressão. Pode ser que, mais tarde, a vítima consiga dissociar passivamente
e sentir: “alguém está fazendo alguma coisa ao corpo de alguém, mas não é ao
meu corpo”.
Segundo o dr. Richmond, uma resposta aprendida a uma agressão pode ser
carregada por toda a vida.
Contei a ele que estava estudando a mutilação no nervo pélvico em vítimas de
estupro violento em Serra Leoa e a interrupção na entrega de dopamina no
cérebro causada pela lesão. Expliquei que queria entender se e como a agressão
sexual à vagina poderia ter um efeito físico no cérebro feminino.
— Eu argumentaria — disse ele — que é o cérebro que afeta o corpo após o
trauma. Você tem a lesão direta ao nervo durante a agressão vaginal, como no
caso de Serra Leoa, mas é o cérebro que afeta todo o sistema depois disso, ou
separadamente do trauma maior. No Ocidente, você encontra esses efeitos nas
mulheres como resultado de trauma sexual de tipos menos óbvios. O
comportamento é uma resposta global: se alguém a está agredindo, seu sistema
visual é afetado; seu sistema auditivo é afetado; são todos integrados, e seu
cérebro está continuamente aprendendo novas reações ao trauma.
Reafirmei:
— Portanto, é acurado dizer que, se alguém agride uma mulher sexualmente,
mesmo que não haja “violência”, há uma agressão física ao cérebro.
— Sim — ele repetiu. — Acho que é justo dizer isso. — Pensou mais um
pouco. — Eu tive uma paciente que teve uma história de abuso sexual na infância.
Como adulta, ela apresentava aversão a certos sons: essa é uma doença chamada
misofonia, uma resposta emocional espontânea a certos sons. Imagine como você
se sente quando alguém arranha um quadro-negro. Para as pessoas com esse
distúrbio, um clique ou o som de alguém mastigando pode se tornar intolerável,
emocionalmente abrasivo. O distúrbio adulto pode ter alguma ligação original
com o abuso sexual que ela sofreu do pai. Ela se lembrava dele em um canto,
fazendo esses sons, e essa era uma memória conectada ao abuso.
Falei a ele, como resposta a isso, do quebra-cabeça que havia me perseguido
por tanto tempo sobre a recuperação de mulheres vítimas de estupro — tantas
mulheres que, por meio da terapia, haviam lidado intensivamente com os efeitos
psicológicos do estupro, que tinham uma boa resposta sexual antes do estupro,
que tinham parceiros amorosos, carinhosos e seguros e que simplesmente não
conseguiam aproveitar o sexo novamente da mesma forma que antes da violação.
— Então — perguntei ao dr. Richmond —, será que essa descalibração do
sistema nervoso autônomo após o trauma sexual pode explicar o que observei em
sobreviventes de estupro — que podem estar tendo problemas com a excitação e
o prazer sexual depois da agressão em parte por causa de mudanças físicas reais
no sistema nervoso autônomo devido a esse trauma?
— Se o estupro ou a agressão sexual pode induzir a uma modificação
permanente no sistema nervoso autônomo? Pode-se dizer que sim. A literatura
confirma isso cada vez mais. Os sistemas de algumas pessoas podem torná-las
mais vulneráveis a isso. Pode ser que algumas mulheres sejam mais resistentes
que outras, alguns homens sejam mais resistentes que outros contra o distúrbio
pós-traumático, em termos de um possível dano ao sistema nervoso autônomo
após o trauma sexual. Mas qualquer que seja sua ênfase, fica claro que, quando as
pessoas passam por experiências extremas fora do normal, essas experiências vão
ter um efeito sobre as populações vulneráveis e vão afetar o sistema nervoso
autônomo.
De fato, outros estudos recentes confirmam que as mulheres que passaram por
estupro ou foram abusadas sexualmente na infância apresentam diferenças
cerebrais mensuráveis fisicamente em comparação com mulheres que não foram
abusadas. Essas diferenças incluem alterações no tamanho e ativação do
[3]
hipocampo e nos níveis de cortisol.
Em outras palavras, quando uma mulher é estuprada (e aí pode ser um homem
também, apesar de que os dados aqui sejam baseados em vítimas femininas), ou
se ela é sexualmente abusada na infância, seu corpo pode ser reprogramado,
possivelmente pelo resto da vida, de formas que vão incutir medo, respostas ao
estresse liberadas com maior facilidade e uma aversão ao risco latente no próprio
tecido neural de suas respostas ao mundo; e isso, como veremos, no caso das
alterações do hipocampo, pode até interromper sua habilidade de processar a
memória recente que ajudaria a fortalecer seu sentido de ser atual.
Para pelo menos uma das pacientes do dr. Richmond houve um sintoma vocal
associado ao trauma sexual. Ele me disse:
— Tenho um caso muito interessante. Parece que essa paciente tinha episódios
de uma “afasia expressiva”: por longos períodos de tempo, ela tinha uma
incapacidade completa de falar. Ela havia sofrido um abuso horrendo antes dos
dois anos de idade — quando estava na fase pré-verbal. A resposta
comportamental e física dessa pessoa a situações de estresse depois de adulta era
[4]
regressar a essa fase pré-verbal.
Um estudo amplo confirmou que muitos problemas de saúde, aparentemente não
relacionados ao estupro original, podem aparecer após um crime sexual: Roni
Caryn Rabin, que escreveu “Aproximadamente uma a cada cinco mulheres na
pesquisa americana declarou que já foi agredidasexualmente” no TheNew Iorque
Times, relata que muitos problemas de saúde podem se seguir ao estupro: a
Pesquisa Nacional de Violência Sexual e Doméstica, apoiada pelo Instituto
Nacional de Justiça e pelo Departamento de Defesa, disse ela, analisou 16.507
adultos. Um terço das mulheres declarou já ter sido vítima de estupro, agressão
física ou assédio moral, ou uma combinação dessas formas de agressão. Nesse
estudo, o estupro foi definido como “a penetração completamente forçada, a
penetração forçada facilitada pelas drogas ou pelo álcool ou a tentativa de
penetração forçada”. Por essa definição, “a cada ano, 1,3 milhão de americanas
podem ser vítimas de estupro ou tentativa de estupro”. (Um a cada 71 homens já
foi estuprado, segundo o mesmo estudo.) “A maioria das mulheres que declararam
ter sido vítimas de violência sexual, estupro ou assédio relatou sintomas de
estresse pós-traumático.”
Outros problemas de saúde surpreendentes e aparentemente não relacionados
também têm relação com a agressão sexual. As vítimas de violência sexual, em
comparação com as outras mulheres, apresentam taxas mais altas de asma,
diabetes, síndrome do intestino irritado, dores de cabeça, dores crônicas,
dificuldades no sono, limitação da mobilidade ou uma saúde frágil em geral, além
de uma maior incidência de problemas de saúde mental. Essa ligação entre a
violência sexual e outros problemas crônicos de saúde em outros sistemas
corporais aparentemente não relacionados à agressão confirma as descobertas de
estudos menores reportados por Lisa James, diretora médica da organização sem
fins lucrativos Futures Without Violence: seus dados também sugerem que mesmo
um único ato de violência sexual pode afetar cronicamente a vítima com
[5]
problemas de saúde aparentemente não relacionados.
Portanto, será que todo estupro tem a ver com agressão sexual ou neurose
masculina? Ou será que a presença constante do estupro também serve para
reprogramar as mulheres em um nível físico muito básico, para serem menos
corajosas, menos seguras, menos robustas em outros campos e para que passem o
resto da vida, potencialmente, com um sentido do ser menos estabilizado?
Logo depois disso, conversei com um guru do Tantra chamado Mike Lousada,
com uma osteopata chamada Katrine Cakuls, li um livro escrito por uma
[6]
especialista em energia chamada Tami Lynn Kent e entrevistei minha própria
ginecologista, dra. Coady. Todos eles descreveram uma constrição na musculatura
da vagina como resposta ao trauma. A dra. Coady identifica o sintoma como
vaginismo. Mike Lousada descreve “nós” na musculatura vaginal de
sobreviventes de estupro. Tami Kent observa que a constrição muscular na vagina
pode causar outros tipos de desequilíbrio no resto do corpo, além de identificar
que ela está presente em mulheres “rígidas” emocionalmente — mulheres que
passaram por escândalos sexuais ou experiências piores no passado.
Katrine Cakuls é osteopata craniana em Manhattan, com treinamento altamente
especializado na abordagem osteopática craniana, que cura mulheres usando,
entre outros tratamentos, um trabalho interno não sexual na vagina. Ela também
está certa de que as emoções afetam a sensibilidade vaginal feminina e o tônus
muscular e podem exacerbar patologias vaginais e de outros tipos. Com base em
sua prática, ela acredita que, quando “libera” a tensão na vagina, possa liberar
outras questões emocionais na mente feminina que podem ter ficado presas,
soltando áreas da criatividade e saúde sexual de mulheres que sofriam de baixa
vitalidade. Tami Lynn Kent, autora dobest-sellercultWild Feminine: Finding
Power, Spirit & Joy in the Female Body, é uma terapeuta corporal que faz
massagem vaginal não sexual. Ela tem um grupo de seguidores no país todo que
compartilham suas crenças e fazem o mesmo trabalho. Sua visão é de que
diferentes quadrantes da vagina contêm diferentes tipos de emoções bloqueadas e
que estas podem ser liberadas por meio de manipulação interna.
Entrevistei clientes de terapeutas corporais especializados em massagem
vaginal não sexual ou ajuste osteopático, e muitos deles disseram que o
tratamento íntimo e anticonvencional havia efetuado curas emocionais marcantes.
Tudo isso, é claro, teria sido considerado à margem de qualquer tratamento
médico formal até muito recentemente. Mas a medicina e a ciência, em alguns
lugares, estão começando a considerar as evidências empíricas dos osteopatas
cranianos e terapeutas corporais. Yoon et al., como veremos, concluíram
recentemente que o estresse e o trauma de fato afetam o próprio funcionamento da
vagina.
Comentei ao dr. Richmond:
— Parece-me que as mulheres que apresentam sintomas que podem resultar de
abuso sexual são dispensadas por profissionais da medicina como histéricas
quando não há causa física — ou transformadas em casos de loucura patológica
pelos psiquiatras.
— Muitas mulheres diriam isso — ele respondeu. — As mulheres não querem
ouvir dos seus médicos: “está tudo na sua cabeça”, e, da mesma forma, muitas têm
medo de ir ao psiquiatra, pois não querem ser tachadas de loucas devido aos seus
sintomas, quando sabem muito bem que não são. Como o campo crescente da
neuropsicoimunologia demonstra, a conexão mente-corpo é muito real. A ciência
agora está desenvolvendo ferramentas para objetivamente demonstrar essas
mudanças e refletir o nosso maior entendimento das respostas complexas entre
cérebro e corpo: as formas funcionais como as memórias são estabelecidas e as
respostas físicas que acompanham. — E concluiu: — Para mim, é fácil falar:
“Está tudo na sua cabeça”. Ou seja, tudo o que é neurológico é real, e pode estar
tudo na sua cabeça.
O que o dr. Richmond estava concluindo por meio de sua experiência tem sido
documentado em estudos recentes. Há cada vez mais evidências, apesar de
preliminares, de que o estupro e o trauma sexual na infância podem de fato “ficar
no corpo” — até mesmo permanecer na vagina — e modificá-lo no nível mais
íntimo e sistêmico. A recuperação é possível, mas o tratamento deve ser
especializado. O estupro e o trauma sexual infantil podem modificar
permanentemente o sistema nervoso simpático — tão crucial para a excitação
sexual feminina. E se a mulher não tem acesso ao tratamento correto, pode afetar
sua respiração, os batimentos cardíacos, sua pressão sanguínea e suas reações
instantâneas de uma forma que não está em seu controle consciente.
Pelo menos um grande estudo realizado em 2006 confirma que um histórico de
abuso sexual não apenas desregula o sistema nervoso simpático — criando, como
o dr. Richmond viu, uma “linha basal” mais elevada para a ativação do SNS em
mulheres sexualmente traumatizadas —, mas também pode levar a vagina a reagir
diferentemente — menos efetivamente, com menor intumescimento — no
exercício e até mesmo na visualização de material erótico nas mulheres
estudadas.
As pesquisadoras Alessandra Rellini e Cindy Meston, quando estavam no
departamento de psicologia da Universidade do Texas, confirmaram que o trauma
sexual na infância pode realmente afetar e danificar não apenas a psicologia, mas
também a fisiologia da vagina — e da excitação sexual feminina — anos após o
[7]
trauma. Checaram os níveis de cortisol da saliva de mulheres, elevaram as
reações de seu SNS por meio de exercícios e mostraram a elas vídeos eróticos.
Mediram o “pulso vaginal” das mulheres — a facilidade de seu intumescimento
vaginal — por meio da força do fluxo sanguíneo na região.
Rellini e Meston encontraram diferenças significativas nas medidas de pulso
vaginal nas mulheres que passaram por abuso sexual traumático em seu histórico,
comparado com as que nunca sofreram abuso.
Rellini e Meston, como o dr. Richmond, encontraram atividade excessiva na
linha basal do SNS em mulheres que sofreram trauma por abuso sexual. Esse SNS
desregulado, confirmaram, afeta a vida sexual das mulheres posteriormente, já
que um SNS equilibrado (e não excessivamente ativado) é crítico para a
excitação feminina. As autoras concluíram que mulheres com histórico de abuso
sexual apresentam uma atividade aumentada na linha basal do SNS, confirmando
o trabalho de outros pesquisadores.
Em outras palavras, as mulheres podem ficar sexualmente excitadas com maior
facilidade quando o SNS está funcionando bem; e o trauma do estupro ou abuso
infantil parece interferir no equilíbrio do SNS em várias mulheres. (É interessante
analisar esses dados por vários motivos: o corpo de mulheres estupradas não
reage da mesma forma a exercícios. Há uma notável diferença de peso entre as
mulheres estudadas que sofreram abuso e as que não sofreram. As mulheres que
sofreram abuso e estresse pós-traumático são em média quinze quilos mais
pesadas que o grupo de controle. Essa diferença poderia certamente ser explicada
por vários fatores, mas isso requer mais investigação.)
As autoras chamam a atenção para o fato de que não há muita pesquisa sobre o
efeito de trauma sexual sobre os relacionamentos das mulheres e que a pesquisa
que existe tende a se focar em tratamentos cognitivos em vez de investigar a
biologia do trauma.
A despeito do impacto detrimentoso do distúrbio de estresse pós-traumático nos relacionamentos das
mulheres, apenas poucos tratamentos foram desenvolvidos para os casais que sofrem com problemas
[8]
vividos pelas sobreviventes de abuso sexual infantil com distúrbio pós-traumático.
Poucas terapias abordam a disfunção sexual experimentada por essa
[9]
população.
As pesquisadoras fornecem mais explicações para suas descobertas:
Estudos conduzidos em mulheres com um histórico de [abuso sexual infantil e distúrbio de estresse pós-
traumático] apresentam atividade aumentada no sistema nervoso simpático em sua linha basal. Durante
uma experiência estressante, o SNS é ativado e libera catecolaminas, tais como a noradrenalina, que
[10]
aumenta a disponibilidade de glicose, o batimento cardíaco e a pressão sanguínea.
Após um estressor não traumático, o corpo retorna a seu estado original. Entretanto, após um trauma, a
homeostase do indivíduo é frequentemente alterada, e isso é associado com o desenvolvimento do
distúrbio pós-traumático. A literatura sobre veteranos e adultos sobreviventes de maus-tratos na infância
mostra que os níveis basais de atividade do SNS são mais altos em sobreviventes de trauma com
[11]
distúrbio pós-traumático que no grupo de controle de mulheres saudáveis.
Todos nós já vimos filmes sobre veteranos de guerra que se assustam ao ponto
de sentir o coração disparar e hiperventilar com o mero estouro de um
escapamento. De acordo com esse estudo, as sobreviventes de trauma e abuso
sexual infantil apresentam o mesmo tipo de desequilíbrio geral e crônico do
sistema responsável pela respiração, batimento cardíaco e pressão sanguínea:
“Danos ao eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) também são encontrados em mulheres com
distúrbio de estresse pós-traumático; estes incluem altos níveis de hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH), níveis reduzidos de cortisol e uma regulagem baixa dos receptores de glicocorticoide (…)
Níveis baixos de cortisol podem levar à atividade excessiva do SNS, que pode causar um alto gasto
[12]
energético e ajuste mal-adaptado aos estressores subsequentes.
1. Jonny Hogg, “400.000-plus Women Raped in Congo Yearly: Study”. Reuters, 11 de maio de 2011,
citando estudo de American Journal of Public Health,
www.reuters.com/article/2011/05/11/US_congo_rape_iDU5TRE74A79y20110511. Ver também Jeffrey
Gettleman, “Congo Study Sets Estimate for Rapes Much Higher”, New Iorque Times, 11 de maio de
2011. www.nytimes.com/2011/05/12/world/Africa/12congo.html. A Campanha das Mulheres do Congo
Contra a Violência Sexual confirma números mais baixos, mas informa que quarenta mulheres são
estupradas diariamente no leste do Congo: http://www.rdc-viol.org/site/en/node/35.↵
2. Jimmie Briggs, entrevista, cidade de Nova Iorque, 12 de maio de 2010.↵
3. Douglas Bremner, Penny Randall, Eric Vermetten, Lawrence Staib, Richard A. Bronen, Carolyn
Mazure, Sandi Capelli, Gregory McCarthy, Robert B. Innis e Dennis S. Charney: “Magnetic Resonance
Imaging-based Measurement of Hippocampal Volume in Posttraumatic Stress Disorder Related to
Childhood Physical and Sexual Abuse — A Preliminary Report”, Biological Psychiatry 1, n. 41 (janeiro
de 1997):23-32.↵
4. Dr. Burke Richmond, entrevista, cidade de Nova Iorque, 20 de novembro de 2011.↵
5. Roni Caryn Rabin, “Nearly 1 in 5 Women in US Survey Say They Have Been Sexually Assaulted”,
New Iorque Times, 14 de dezembro, 2011. www.nytimes.com/2011/12/15/health/nearly-1-in-5-women-
in-us-survey-report-sexual-assault.html.↵
6. Tami Lynn Kent, Wild Feminine: Finding Power, Spirit & Joy in the Female Body (Nova Iorque: Atria
Books, 2011), 51-65.↵
7. Alessandra H. Rellini e Cindy M. Meston, “Psychophysiological Arousal in Women with a History of
Child Sexual Abuse”, Journal of Sex and Marital Therapy 32 (2006): 5-22. Ver também Cindy M.
Meston e Boris B. Gorzalka, “Differential Effects of Sympathetic Activation on Sexual Arousal in
Sexually Dysfunctional and Functional Women”, Journal of Abnormal Psychology, vol. 105, n. 4 (1996):
582-91, e Cindy M. Meston, “Sympathetic Nervous System Activity and Female Sexual Arousal”, em
“A Symposium: Sexual Activity and Cardiac Risk”, American Journal of Cardiology, vol. 86 n. 2A (20
de julho de 2000): 30F-34F. Para mais informações sobre a ligação entre relaxamento e excitação
sexual feminina e sobre a ligação entre a ansiedade e a inibição sexual feminina, ver Andrea Bradford e
Cindy M. Meston, “The Impact of Anxiety on Sexual Arousal in Women”, Behavioral Research and
Therapy, vol. 44 (2006): 1067-77: “Uma alta incidência de disfunções sexuais foi registrada em mulheres
com distúrbios de ansiedade”. Hannah Gola e outros mostram que as mulheres que foram estupradas
com violência apresentam alterações nos níveis de cortisol em resposta a gatilhos psicológicos: “Victims
of Rape Show Increased Cortisol Responses to Trauma Reminders: A Study in Individuals with War-
and Torture-Related PTSD”, Psychoneuroendocrinology 37 (2012): 213-20.↵
8. Ver Margaret Buttenheim e A. A. Levendosky, “Couples Treatment for Incest Survivors”,
Psychotherapy, vol. 31 (1994): 407-14. São muitos os estudos que documentam os danos do abuso
sexual, especialmente na infância, às reações sexuais femininas registradas posteriormente durante a
vida. A correlação é forte. Entretanto, a maior parte deles foca-se no trauma emocional e psicológico
como o principal inibidor da resposta sexual em mulheres que já foram vitimizadas. The Abuse of Men:
Trauma Begets Trauma, editado por Barbara Jo Brothers, resume muitos desses estudos: “Courtois
(1988) relatou que 80% das vítimas de abuso sexual infantil experimentaram algum tipo de dificuldade
nos relacionamentos adultos”. Becker, Skinner e Able, citados em Sarwer e Durlak, 1996, calculam em
50% a faixa de relacionamentos afetados: “As dificuldades vão da excitação diminuída à aversão por
genitais e sexo doloroso (...) Buttenheim e Levendosky confirmam [essa questão] quando descrevem o
casamento assexuado como outra manifestação das dificuldades que as sobreviventes têm com a
sexualidade”. Barbara Jo Brothers, ed., The Abuse of Men: Trauma Begets Trauma (Binghamton, NY:
Haworth Press, 2001), 20. Sandra Risa Leiblum, ed., em Principles and Practice of Sex Therapy, cita o
estudo de 1994 de Levendosky e Buttenheim que postula que a disfunção sexual em um relacionamento
que envolve uma sobrevivente de incesto ou abuso sexual é uma “reencenação mútua elaborada” do
incesto original. Sandra Risa Leiblum, ed., Principles and Practice of Sex Therapy (Nova Iorque: The
Guilford Press, 2007), 361.↵
9. M. F. Barnes, 1995, citado em Abrielle Conway e Amy Smith, “Strategies for Addressing Childhood
Sexual Abuse in the Hope Approach”, Regent University Hope Research Study,
www.regent.edu/acad/schlou/research/initiatives.htm#hope.↵
10. J. Douglas Bremner e outros, “MRI and PET Study of Deficits in Hippocampal Structure and Function
in Women with Childhood Sexual Abuse and Posttraumatic Stress Disorder”, American Journal of
Psychiatry 160, n. 5 (1º de maio de 2003): 924-32. Esses pesquisadores descobriram que as mulheres
com histórico de abuso sexual infantil apresentam alterações mensuráveis na área cerebral do
hipocampo — a área do hipocampo passa por diminuição de 16% a 19% e foi encontrada menos
ativação do hipocampo em mulheres que passaram por abuso infantil que no grupo de controle. O
hipocampo é envolvido nas tarefas da “memória declarativa verbal”, assim como na consolidação de
novas memórias e respostas emocionais — o que leva à intrigante questão sobre a possível luz que esse
resultado poderia jogar sobre a habilidade do cérebro, em mulheres que passaram por abuso sexual
infantil, de experimentar facilmente seu “eu” sem mediação. Esse estudo também poderia demonstrar
que o transtorno de estresse pós-traumático induzido por estupro ou abuso sexual pode destruir a
capacidade da mulher de “saber o que ela sabe” e reconstituir certo sentido de ser de forma contínua.
OBJETIVO: Estudos em animais sugerem que o estresse infantil está associado com alterações no
hipocampo, uma área do cérebro que tem um papel crítico no aprendizado e na memória. O propósito
deste estudo foi mensurar a estrutura e a função do hipocampo em mulheres com e sem abuso sexual
infantil e diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático. MÉTODO: Trinta e três mulheres
participaram deste estudo, incluindo mulheres com abuso sexual infantil e transtorno de estresse pós-
traumático (N = 10), mulheres com abuso e sem transtorno de estresse pós-traumático (N = 12) e
mulheres sem abuso e sem transtorno de estresse pós-traumático (N = 11). O volume do hipocampo foi
medido com imagens de ressonância magnética em todos os sujeitos, e sua função foi medida durante a
execução de tarefas da memória declarativa verbal usando tomografia de emissão de pósitrons em
mulheres abusadas com ou sem transtorno de estresse pós-traumático. RESULTADOS: A falha na
ativação do hipocampo e seu volume 16% menor foram registrados em mulheres com histórico de
abuso e transtorno de estresse pós-traumático em comparação com mulheres com abuso e sem
transtorno de estresse pós-traumático. Mulheres com abuso e transtorno de estresse pós-traumático
apresentaram um hipocampo 19% menor em comparação com as mulheres sem abuso e sem transtorno
de estresse pós-traumático. CONCLUSÕES: Estes resultados são consistentes com os déficits da
função e estrutura do hipocampo em transtorno de estresse pós-traumático relacionado ao abuso.↵
11. R. Yehuda, 2003, e S. M. Southwick e outros, 1999, citado em Thomas Steckler, N. H. Kalin, e J. M. H.
M. Reul, Handbook of Stress and the Brain: Integrative and Clinical Aspects, vol. 15, Techniques in the
Behavioral and Neural Sciences (Nova Iorque: Elsevier Science, 2005), 251,272.↵
12. S. M. Southwick, R. Yehuda e C. A. Morgan III, “Clinical Studies of Neurotransmitter Alterations in
Post-Traumatic Stress Disorder”, em Neurobiology and Clinical Consequences of Stress: From Normal
Adaptation to PTSD, ed. M. J. Friedman, D. S. Charney e A. Y. Deutch (Filadélfia, PA: Lippincott-
Raven, 1995), 335-49. ↵
13. Ib.↵
14. K. Stav, P. L. Dwyer e L. Roberts, “Pudendal Neuralgia: Fact or Fiction?” explica o ponto de vista de
Nancy Fish. Obstetrical and Gynecological Survey 64, n. 3 (março de 2009): 190-99.↵
15. Nancy Fish, entrevista, Copake, Nova Iorque, 5 de abril de 2011.↵
16. Veja Stephen Porges, The Polyvagal Theory: Neuropsychological Foundations of Emotions, Attachment,
Communication, and Self-Regulation (Nova Iorque: W. W. Norton, 2011).↵
17. Mike Lousada, entrevista, Londres, Reino Unido, 12 de junho de 2011.↵
18. Dr. James Willoughby, corpo docente da Faculdade de História em New College, Arquivos de New
College, Universidade de Oxford, entrevista, 11 de junho de 2011.↵
19. Juan Eduardo Cirlot e Jack Sage, A Dictionary of Symbols (Nova Iorque: Philosophical Library, Inc.,
1971), 381.↵
No início a vagina era sagrada
No topo do mundo, dou à luz o pai; meu útero está no meio das águas, no oceano. De lá eu
expando através de todos os mundos e alcanço o céu distante com minha grandeza (…) o útero
de Devi (Yoni), às vezes traduzido como “origem” ou “lar”, é seu poder criativo (…) daí emana
o universo inteiro.
Deva Datta k a ¯ L ¯ ı , em Praise of The Goddess: The Devimahatmaya and Its Meaning
A equação de uma “virgem” mulher com alguém que seja “bom” e “puro” é tão
profundamente impressa em nós, que mal pensamos se esses termos têm alguma
relação com a realidade; supomos que a equação é uma noção antiga, mas a ideia
da “pura” virgem cristã é bastante recente. Estudiosos da Bíblia geralmente
concordam que a ideologia da sagrada virgindade de Maria era uma construção
mental muito tardia da Igreja e que não pode ser confirmada nos textos originais
do Novo Testamento, que sugerem que Maria teve vários filhos. O credo
complexo sobre a virgindade de Maria que herdamos foi aceito, na verdade,
somente cinco séculos após os eventos descritos ou narrados no Novo Testamento
[16]
— oficialmente, somente em 451 d.C., no Concílio de Calcedônia.
Pouquíssimas provas sobrevivem acerca de como a vagina foi retratada ou
entendida na Idade das Trevas, e o pouco que existe vem de textos médicos.
Apesar dos Pais da Igreja, durante os primeiros 1.500 anos da era cristã,
considerava-se que as mulheres ocidentais tinham a necessidade de satisfação
sexual se a reprodução acontecesse. A frustração sexual nas mulheres foi
compreendida durante um milênio e meio como causa de doença e sofrimento
mental; na era de Hipócrates, os médicos usavam massagem genital em suas
pacientes ou incumbiam uma parteira de realizar a terapia. A prática de
prescrever massagem genital para o orgasmo, como remédio para “histeria”,
perdurou até os períodos Tudor e Stuart na Inglaterra.
Como observado anteriormente, Galeno, cuja influência ressurgiu na Idade
Média, desenvolveu um modelo da genitália feminina como sendo uma versão da
masculina de fora para dentro. Os antigos gregos também sustentaram que as
mulheres ejetavam sêmen, contribuindo para a concepção. Como se entendia que
o útero migrava pelo corpo, considerava-se que mulheres que não tinham nenhum
escape sexual corriam o risco de sofrer por causa do sêmen não expelido em seus
[17]
ventres, corrompendo seu corpo e enviando “vapores imundos ao cérebro”.
Na Idade Média, uma afeição informal alternava-se com a condenação oficial
da vagina. Uma quantidade razoável de folclore e obscenidades da época trata a
vagina com um tipo de afeição coloquial — como no jogo com a palavraqueynte
em “O conto da mulher de Bath”, de Geoffrey Chaucer, e “O conto de Miller” em
Os contos de Canterbury, que data do fim do século XIV. Em “O conto de
[18]
Miller”, linha 90, lemos: “Discretamente ele a agarrou pela boceta (queynte)”.
(Em 1380, queynte pronunciava-se cunt = boceta.) Em Os contos de Canterbury,
Chaucer usa a palavra boceta não como obscenidade, mas como era comumente
usada naquela época — de uma forma simplesmente luxuriante e descritiva.
Essa época, apesar de ideais do amor cortês, também viu o início de práticas
destinadas a prejudicar ou restringir ainda mais a vagina. O cinto de castidade,
por exemplo, foi inventado no início da Idade Média. Seu uso continuou durante a
alta Idade Média. Não eram peças delicadas, mas travas para o corpo, feitas de
metal. O dispositivo envolvia os quadris de quem o usava com duas bandas de
ferro, e uma terceira ficava entre as pernas. Essa banda era fechada com uma
tranca. O marido de uma mulher o qual desejasse viajar ou estivesse partindo
para a guerra literalmente trancaria a vagina de sua mulher e levaria a chave
consigo. O dispositivo não impedia relações sexuais simplesmente; também
tornava a higiene difícil, causando abrasão severa, e foi mais visto como
instrumento doméstico de tortura.
Nos séculos XIV e XV, a “caça às bruxas” varreu a Europa. Seu efeito era
atacar a sexualidade feminina de novas formas terríveis e múltiplas. De
comunidade em comunidade, as mulheres identificadas como bruxas pelos
inquisidores ou por seus companheiros aldeões eram frequentemente aquelas
vistas como demasiadamente sexualizadas ou livres, e as formas de tortura
focavam sua sexualidade. A pera da angústia era um dispositivo de tortura usado
em vítimas de todos os gêneros. Era um objeto em forma de pera feito de ferro
que se expandia dentro da vítima conforme o torturador virava os parafusos.
Quando infligido em homens, era introduzido dentro da boca. Mas, quando usado
em mulheres acusadas de bruxaria ou de induzir o aborto, era inserido dentro da
vagina e expandido. Durante a caça às bruxas na Europa do século XV ao XVII, a
vagina das mulheres era o alvo das buscas pela “marca das bruxas” ou “marca do
diabo”, procurada nas cavidades de seu corpo. Os inquisidores mutilavam a
[19]
vagina das suspeitas de heresia.
O período do Renascimento na Europa testemunhou a ascensão do estudo de
anatomia e, uma vez mais, o redescobrimento do clitóris. Nesse período, as
mulheres eram vistas como sexualmente incansáveis, e a sexualidade feminina era
tida como mais forte que a resposta sexual masculina. Ainda se dava como certo
que as mulheres tinham que chegar ao orgasmo para conceber.
A dra. Emma Rees, uma acadêmica literária britânica da Universidade de
Chester que escreveu sobre a vagina na literatura elisabetana e vitoriana,
argumenta que os elisabetanos intencionalmente confundiam o significado dos
lábios faciais e vaginais. Ela mostra a similaridade entre duas tecnologias de
controle daquela época — cintos de castidade e “mordaças de repreensão” — e
argumenta que as plateias elisabetanas viam a licença verbal e sexual por parte
das mulheres exatamente da mesma forma. O cinto de castidade trancava os
órgãos genitais femininos rigidamente, argumenta ela, forçando a mulher à
inatividade e ao silêncio sexual. Da mesma forma, a “mordaça de repreensão” era
um dispositivo feito de ferro e couro, que trancava a cabeça da mulher tagarela ou
[20]
argumentativa, amordaçando sua boca.
Shakespeare, o eterno neologista, inovou criando dezenas de termos de gíria
para a vagina, desde “escuridão” em Otelo, a “barco” em Rei Lear. A dra. Rees
analisa todas as vaginas de Shakespeare: ela cita, por exemplo, o “poço que bebe
sangue, escuro e detestado” de Tito Andrônico. Nessa peça, a heroína, Lavínia, é
estuprada, e seus estupradores cortam sua língua. A dra. Rees argumenta que,
nessa mutilação, as imagens dos lábios da boca e dos lábios vaginais colidem:
ambas, a boca de Lavínia e a vagina, são atacadas em atos repetidos de
[21]
silenciamento e controle.
A ideia do corpo feminino como topografia e da vagina como um poço
sulfuroso nessa paisagem ou como fonte bucólica também se tornou um padrão da
retórica do Renascimento. Para uma versão mais agradável da vagina/analogia
paisagística, veja “Vênus e Adônis”, de Shakespeare, quando ela se oferece a ele:
Eu serei o parque e você será meu cervo
Alimente-se onde desejar, na montanha ou no vale
Paste em meus lábios, e se estas colinas estiverem secas
[22]
Perca-se mais embaixo, onde estão as fontes agradáveis.
Em Rei Lear, a dra. Rees interpreta a resistência de Cordélia de fazer aquilo
em que seu pai insiste no contexto da palavra elisabetana nada como gíria para a
vagina. A teoria da dra. Rees é que em Shakespeare há frequentemente um jogo de
palavras com a palavra vagina, e é usada como metáfora para a “diversidade” da
feminilidade, a rebeldia da sexualidade feminina e as naturezas “doentes” e
“contaminadas” de ambos, o corpo e o discurso femininos, como eram entendidos
na época.
CORDÉLIA: O que Cordélia falará? Ame e fique em silêncio.
(Ao lado)… nada, meu Senhor.
LEAR: Nada?
CORDÉLIA: Nada.
LEAR: Como nada virá do nada. Fale novamente.
CORDÉLIA : Infeliz que sou, não posso ter meu coração em minha boca. Eu amo vossa
[23]
majestade de acordo com meu vínculo, nada mais nada menos.
1. Riane Eisler, The Chalice and the Blade: Our History, Our Future (Nova Iorque: HarperOne, 1988), 51.
[Edição brasileira: O cálice e a espada; São Paulo, Palas Athena, 2008.]↵
2. Veja J. A. MacGillivray, Minotaur: Sir Arthur Evans and the Archaeology of the Minoan Myth (Nova
Iorque: Hill and Wang, 2000).↵
3. Rosalind Miles, The Women’s History of the World (Londres: Paladin Books, 1989), 34-37. [Edição
brasileira: A história do mundo pela mulher; Rio de Janeiro, LTC, 1989.]↵
4. Asia Shepsut, Journey of the Priestess: The Priestess Traditions of the Ancient World (Nova Iorque:
HarperCollins, 1993), 62-79.↵
5. Ib., 16.↵
6. Ib., 72.↵
7. Ib., 69.↵
8. Catherine Blackledge, The Story of V: A Natural History of Female Sexuality (New Brunswick, NJ:
Rutgers University Press, 2004), 30.↵
9. Erich Neumann, The Great Mother: Analysis of an Archetype (Princeton, NJ: Princeton University
Press), 168. [Edição brasileira: A grande mãe; São Paulo, Cultrix, 1996.]↵
10. Sigmund Freud, “Three Essays on The Theory of Sexuality”, The Freud Reader, ed. Peter Gay (Nova
Iorque: W. W. Norton, 1989), 239. [Edição brasileira: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade; Rio de
Janeiro, Imago, 1997.]↵
11. Thomas Laqueur, Making Sex: Body and Gender from the Greeks to Freud (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1990), 26.↵
12. Levítico 15:19, www.come-and-hear.com/editor/america_3.html.↵
13. Talmude babilônico, Tractate Kerithoth 2B Soncino Edição de 1961, 1, www.come-and-
hear.com/editor/america_3.html.↵
14. Tertuliano, “One the Apparel of Women”, www.public.iastate.edu/~hist.486x/medieval.html; veja
também Kristen E. Kvam, Lina S. Schearing e Valarie H. Ziegler, Eve and Adam: Jewish, Christian, and
Muslim Readings on Genesis and Gender (Bloomington, IN: Indiana University Press, 1999), 131.↵
15. Morton M. Hunt, The Natural History of Love (Nova Iorque: Minerva Press, 1959), 187.↵
16. Ib., 207. Para relato completo sobre a ascensão da ideia de Maria assexuada, veja Jacques Delarun,
“The Clerical Gaze”, A History of Women: the Silences of the Middle Ages, ed. Christiane Klapisch-
Zuber (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1992), 15-36. ↵
17. Mary Roach, Bonk: The Curious Coupling of Science and Sex (Nova Iorque: W. W. Norton, 2008), 214-
15.↵
18. Geoffrey Chaucer, The Canterbury Tales, ed. Nevill Coghill (Nova Iorque: Penguin Classics, 2003), 285.
No texto original em inglês em “The Miller’s Tale”, um dos ajudantes diz a Alison: “If I don’t have my
wish, for love of you, I will die”. “And prively he caughte hire by the queynte, /And Seyde, ‘Ywis, but if
ich have my wille, /For deerne love of thee, lemman, I spille”, Prólogo, 88. No Prólogo de “The Wife of
Bath”, a mulher de Bath diz a um de seus maridos: “For, certeyn, olde dotard, by youre leve,/ Ye shul
have quente right ynogh at eve”. Mais tarde, ela se refere à sua própria vagina como “belle chose” (em
francês, belle chose, coisa bonita). ↵
19. “Case Study: The European Witch-Hunts, c. 1450-1750”, www.gendercide.org/case_witchhunts.html.↵
20. Dra. Emma Rees, “Cordelia’s Can’t: Rhetorics of Reticence and (Dis)ease in King Lear”, Rhetorics of
Bodily Disease and Health in Medieval and Early Modern England, ed. Jennifer Vaught (Londres:
Ashgate, 2010), 105-16.↵
21. Rees, “Cordelia’s Can’t”, 105-16.↵
22. William Shakespeare, The Complete Works, ed. G. B. Harrison (Nova Iorque: Harcourt, Brace and
World, 1958), 1546.↵
23. Rees, “Cordelia’s Can’t”, 110.↵
24. Ib.↵
25. Ib.↵
26. Ib.↵
27. John Donne, The Complete Poetry and Selected Prose of John Donne, ed. Charles M. Coffin (Nova
Iorque: Modern Library, 2001), 85. [Trecho em português extraído da tradução de Augusto de
Campos.]↵
28. Naomi Wolf, “Lost and Found: The Story of the Clitoris”, em Promiscuities: The Secret Struggle for
Womanhood (Nova Iorque: Random House, 2003), 143-53. Também, Catherine Blackledge, The Story
of V: A Natural History of Female Sexuality (New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2004),
125. [Edição brasileira: Promiscuidades: a luta secreta para ser mulher; Rio de Janeiro, Rocco, 1998.]↵
29. Laqueur, Making Sex, 4, 239.↵
A vagina vitoriana: medicalização e subjugação
O estado de excitação, que ocorria com muita frequência (…) cessou completamente depois da
cirurgia (…) em 6 de Janeiro de 1865, o ferimento estava completamente curado; e a paciente,
em boas condições (…) e não foi mais incomodada pela excitação sexual.
Ginecologista Gustav Braun, em “A amputação do clitóris e dos pequenos lábios: uma contribuição ao
tratamento de vaginismo”, 1865
A sexualidade feminina, elas argumentam, era vista como uma ameaça tão
profunda à ordem social estabelecida como o terrorismo ou anarquismo:
Como a sociedade vitoriana queria dar uma experiência educacional às mulheres jovens, mas não a
experiência de ser uma pessoa educada, queria que elas tivessem (nas bases maritais permitidas para os
[7]
propósitos reprodutivos) experiência sexual, mas não a experiência de ser uma pessoa sexual.
RESISTÊNCIA
A VAGINA ESTÉTICA
A VAGINA FREUDIANA
1. Michel Foucault, The History of Sexuality, vol. 1, An Introduction (Nova Iorque: Vintage, 1990), 12.
[Edição brasileira: História da sexualidade; Rio de Janeiro, Graal, 1988.]↵
2. Jeffrey Moussaieff Masson, A Dark Science: Women, Sexuality, and Psychiatry in the Nineteenth
Century (Nova Iorque: Noonday Press, 1988), 63-65.↵
3. Erna Olafson Hellerstein, Leslie Parker Hume e Karen M. Offen, eds., Victorian Women: a
Documentary Account of Women’s Lives in the Nineteenth-Century England, France and the United
States (Palo Alto, CA: Stanford University Press, 1981), 5.↵
4. William Acton, A Complete Practical Treatise on Venereal Diseases (Londres: Ibotson and Palmer,
1866), citado em Suffer and Be Still: Women in the Victorian Age, ed. Martha Vicinus (Bloomington, IN:
Indiana University Press, 1973), 82-83, 84.↵
5. Steven Seidman, Romantic Longings: Love in America, 1830-1980 (Nova Iorque: Routledge, 1993),
33.↵
6. Hellerstein, Hume e Offen, Victorian Women, 3.↵
7. Ib., 5.↵
8. Ib.↵
9. Masson, A Dark Science, 3.↵
10. Ib., 65-90.↵
11. Dra. Emma Rees, “Narrating the Victorian Vagina: Charlotte Brontë and the Masturbating Woman”,
The Female Body in Medicine and Literature, ed. Andrew Maugham (Liverpool: Liverpool University
Press, 2011), 119-34.↵
12. Peter T. Cominos, “Innocent Femina Sensualis in Unconscious Conflict” e E. M. Sigsworth e T. J.
Wyke, “A Study of Victorian Prostitution and Venereal Disease” em Vicinus, Suffer and Be Still, 77-99,
155-72. Veja também A New Woman Reader, ed. Carolyn Christensen Nelson (Nova Iorque:
Broadview Press, 200).↵
13. Veja A. N. Wilson, The Victorians (Nova Iorque: W. W. Norton, 2003). A History of Private Life, vol. 4,
From the Fires of Revolution to the Great War, ed. Michelle Perrot (Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1990), 261-337. Havia contracorrentes à hostilidade vitoriana e eduardiana em relação
à vagina: na França vitoriana e eduardiana, um homem prestes a se casar mandava à noiva flores que
lembravam o intumescimento vulvar nas vésperas do casamento: “Seguindo um costume oriental, alguns
homens escolhiam flores que gradualmente ficavam mais vermelhas e na véspera das bodas se
tornavam roxas, como um símbolo de seu amor ardente. Os manuais de etiqueta declararam que essa
nova moda era do pior gosto possível”. Ib., 311.↵
14. George Eliot, The Mill on the Floss (Londres: Penguin, 1979), 318, 338.↵
15. Rees, Narrating the Victorian Vagina, 119-34.↵
16. Christina Rossetti, Poems and Prose, ed. Simon Humphries (Oxford, Reino Unido: Oxford World
Classics, 2008), 105-19.↵
17. Veja Richard von Krafft-Ebing, Aberrations of Sexual Life: The Psychopathia Sexualis (Londres:
Panther, 1951); Havelock Ellis e John Addington Symonds, Sexual Inversion (Nova Iorque: Arno Press,
1975).↵
18. Freud on Women: A Reader, ed. Elisabeth Young-Bruehl (Nova Iorque: W. W. Norton, 1990), 137.↵
19. Wilhelm Stekel, Frigidity in Woman, vol. 2, The Parapathiac Disorders (Nova Iorque: Liveright, 1926), 1-
62. [Edição brasileira: A mulher fria: estudo minucioso da frigidez feminina; São Paulo, Civilização
Brasileira, 1941.]↵
Modernismo: a vagina “liberada”
Cara Janet em cinza e branco… obrigada pelo buquê. O prazer é indescritível — como todo o
encantamento, e há algo triste em ser incapaz de contar o segredo do prazer…
Dolly Wilde a Janet Flanner
Da mesma forma, para Henry Miller, toda a matriz da realidade era um “útero”
no qual ele se insere: “Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o
caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita
(…) Eu ainda estou vivo, dando pontapés em seu útero, uma realidade sobre a
[9]
qual escrever”. Quando os homens modernistas possuíam e inseminavam a
vulva do cosmo com suas ideias, a vulva e o útero eram vistos como positivos;
mas, quando as mulheres, com suas ideias próprias, tentavam possuir sua própria
vulva e útero, esses mesmos órgãos as degradavam. EmTrópico de câncer, de
Miller (1961), quando as mulheres eram criativas, ele tendia a reduzi-las a
“bocetas” e a apetites sexuais; quando Elsa o visita em sua casa e toca Schumann,
Miller escreve: “Uma boceta que toca como ela tem que ter mais noção e parar de
trepar com qualquer cara de pau grande que apareça em seu caminho”. Ou
descreve as artistas expatriadas como “bocetas americanas ricas com caixas de
[10]
tintas penduradas nos ombros. Um pouco de talento e uma bolsa polpuda”.
O dr. Whitworth destaca que os homens modernistas identificavam “o feminino
[11]
como um submarino e o masculino como a terra firme”. Em contraste com as
imagens dinâmicas de Pound e Miller das ideias masculinas eretas, Pound, assim
como T. S. Eliot, tendia a caracterizar a obra de suas colegas mulheres em
metáforas vaginais negativamente molhadas, flácidas ou trêmulas. Eliot acusou a
poetisa do imagismo Amy Lowell, por exemplo, de “flacidez generalizada”, uma
flacidez que tinha, segundo os termos desse movimento literário, “ido longe
demais”. O dr. Whitworth observa que o crítico Conrad Aiken encoraja os
leitores a “passar levemente sobre (…) o tremor tentacular de Mina Loy”, dando
[12]
preferência aos “dotes masculinos” de Eliot e Stevens.
Quando os homens modernistas de fato escreviam sobre a sexualidade feminina
ou sobre o clitóris e a vagina, faziam-no em respostas que demonstravam o
dualismo freudiano emergente: suas reações iam de uma admiração fria — como
na referência de Samuel Beckett à “grande vagina cinza do universo” — ao
aparente espanto de D. H. Lawrence mediante o potencial transcendental do
êxtase sexual feminino, como nas cenas de amor em que Mellors desperta as
sensações vaginais de lady Chatterley, até uma resistência irritada; como na
descrição das “bicadas” clitoridianas da “nova mulher” em outra cena de sexo em
Oamante de lady Chatterley (1928). Mas, além das reações ansiosas por parte
dos homens às questões do clitóris e uma eventual descrição positiva da
sensualidade da vagina nessa era, aparece um novo ponto no espectro,
estabelecido primeiramente por Henry Miller: o dispensável, desprezível e
pornográfico “buraco”. Em sua falta de importância, diferia dos infernais poços
de cobras repletos de pecados de Tertuliano; é a vagina pornográfica moderna:
uma coisa vulgar e barata, que simplesmente não importa.
Na obra de Lawrence, as cenas de excitação clitoridiana têm frequentemente
uma qualidade ameaçadora e em geral são ligadas ao que ele descreve como a
natureza excessivamente intelectualizada das renegadas e feministas sociais do
movimento Nova Mulher: “Você quer uma vida de pura sensação e ‘paixão’”, diz
o personagem Rupert para a “nova mulher” Hermione em Mulheres apaixonadas
(1920),
mas a paixão é uma mentira (…) Não é paixão em absoluto, é sua vontade (…) Você não tem nenhum
corpo real, nenhum corpo escuro e sensual cheio de vida (…) Se seu crânio rachasse, talvez se pudesse
extrair uma mulher espontânea e apaixonada de dentro de você, com sensualidade real. Nessa
cirscunstância, o que você quer é pornografia — olhar para si própria em espelhos (…) para que possa
[13]
(…) tornar tudo mais mental.
A “nova mulher”, com sua sexualidade liberada, até mesmo exigente, não foi
uma imagem facilmente acolhida pelos modernistas.
Não estou argumentando sobre que tipo de texto é mais excitante. Algumas
mulheres vão reagir mais ao de Anaïs, outras ao de Miller — algumas, sem
dúvida, aos dois ou a nenhum. Minha intenção, em vez disso, é chamar a atenção
para o fato de que são formas culturais muito diferentes de representar a vagina. A
visão masculina modernista das mulheres está toda aqui quando o narrador vê a
vagina de Germaine. A mulher tem desejos sexuais, mas não faz distinção entre os
favores sexuais comprados ou dados de graça. Ela é retratada como morta em
todos os locais, menos em seu centro sexual. É identificada com a vida e com o
vigor, e há metáforas atraentes — “roseira”, “tesouro” —, mas ela tem uma
existência separada de sua vagina e de sua relação com o narrador masculino. A
vagina em si é separada da mulher, em vez de integrar outra dimensão feminina,
como acontece de forma tão delicada no “portal transcendentalista” de Nin.
A VAGINA DO BLUES
Memphis Minnie lamenta por sua “cesta vazia”. Um ano depois, Bessie Smith,
uma sensação imediata, cantaria “I Need a Little Sugar in My Bowl”. Ela precisa
de açúcar, mas precisa também de uma salsicha em seu pão, precisa que seu
amante mexa um pouco seu dedo, precisa de algo que “se pareça com uma cobra”
e algo para colocar em sua tigela:
Cansada de ser sozinha, cansada de ser triste
Queria ter um homem bom, para quem contar meus problemas
Parece que o mundo todo está errado, desde que meu homem se foi
Preciso de um pouco de açúcar em minha tigela
Preciso de uma salsicha em meu pãozinho
Preciso de um pouco de amor, preciso tanto
Eu me sinto engraçada, triste
Preciso de um pouco de vapor em meu chão
Talvez eu possa consertar as coisas, e elas desaparecerão
Essa é a questão, papai, venha salvar a alma da mamãe
Pois eu preciso de um pouco de açúcar em minha tigela
É isso aí
Preciso de um pouco de açúcar em minha tigela
Preciso de uma salsicha em meu pãozinho
Você está diferente, me disseram
Mexa seu dedo, ponha algo em minha tigela
Preciso de um pouco de vapor em meu chão
Talvez eu possa consertar as coisas, e elas desaparecerão
Levante-se daí, não vejo para onde você está indo!
Está escuro aí!
Parece uma cobra!
Venha até aqui e ponha algo em minha tigela!
[18]
Deixe de ser bobo e ponha algo em minha tigela!
Bo Carter respondeu a essas vozes femininas tão assertivas com sua própria
contra-argumentação cheia de metáforas sexuais. Em contraste com a forma de ver
a sexualidade das brancas vitorianas, cheia de “erros” e “sedução e traição” — a
dominância masculina e a reticência feminina —, no pareamento de pênis e
vagina nas letras dos blues , os dois órgãos ganham um status de igualdade: são
interdependentes e trabalham juntos; cada um precisa do outro. O mundo sexual
do blues é cheio de afeição e intensas necessidades físicas mútuas, no qual nem o
homem nem a mulher estão necessariamente “por cima”. Em “Banana in Your
Fruit Basket”, Carter implora ao seu público por uma mulher que, ao assar seu
pão, faça uso de seu “forno novinho”. Ele jura que, se a dama em questão o deixar
pôr sua “banana” na “cesta de frutas” dela, isso será suficiente para ele. Segue
uma série de metáforas que descrevem pares de objetos que funcionam não
apenas reciprocamente, mas que se encaixam. Carter observa que ele é dono de
uma tábua de lavar roupa, e sua amada tem uma tina — e que, juntos, o casal pode
“esfregar, esfregar, esfregar” —, é claro que tábua de lavar roupa sem a tina
correspondente (na qual ela se encaixa) não tem utilidade. Carter faz uma
comparação semelhante quando fala de sua pá de bater manteiga. Não é por acaso
que sua amada tem o recipiente onde a manteiga é batida. A canção continua em
suas descrições lascivas e adoráveis: Carter tem uma agulha, e a garota tem um
pano, juntos podem costurar “até que os dois possam senti-lo”. Essa série de
conjunções descreve relacionamentos recíprocos nos quais nenhum dos objetos é
útil sem o do parceiro. As metáforas enfatizam a necessidade mútua no sexo.
Carter fecha a música dizendo que, se sua garota tem a “carne”, ele tem a “faca”
— e que, se ela o deixar “fazer seu corte”, isso vai “resolver” a vida dele.
A cantora de blues Blu Lu escreveu e interpretou a sensual “Don’t You Feel My
Leg” em 1938 — uma canção tão quente e com uma letra tão obviamente focada
no desejo sexual do ponto de vista feminino, que foi proibida durante algum
tempo.
Você não sente minha perna?
Porque, se você tocar minha perna, vai querer a coxa.
E se tocar minha coxa, vai querer subir mais.
Então, não quer tocar minha coxa?
Você não vai comprar um drinque?
Porque, se comprar um drinque, vou ficar bêbada.
E se eu ficar bêbada, você vai me contar uma mentira.
Não quer me fazer ficar bêbada?
Você disse que ia me levar para sair e me tratar bem.
Mas sei que há algo que você tem em mente.
Se você continuar bebendo, vai ficar fraquinho.
E vai acabar pedindo um bom peru marrom…
Você não sente minha perna? [Refrão]
Não quer sentir minha perna agora, você sabe por quê.
Porque não vou deixar você tocar minha perna
[19]
Porque você pode querer subir… [Refrão]
Artistas femininas transformaram uma mesma letra sexualmente explícita em
versões ainda mais gráficas, em gravações posteriores. Georgia White gravou
“I’ll Keep Sittin’ on It” (If I Can’t Sell It) em 1936. A música usa o motivo de uma
cadeira para expressar orgulho e autoestima sexual, assim como humor — algo
que facilitava a aprovação pela censura. A música descreve uma mulher
decidindo se vai vender uma cadeira, mas apenas se for pelo preço certo. Se ela
não puder vender sua cadeira, diz White, vai decidir simplesmente continuar a se
sentar nela. O ouvinte tem que comprar a cadeira dela, já que a quer tanto —
White não vai dá-la de graça, independentemente do desejo do candidato a
comprador. De fato, ela se recusa terminantemente a considerar a possibilidade.
A letra pede ao comprador que se manifeste e mostre que ele a valoriza. Georgia
canta com orgulho a beleza do estofamento, feito para durar. Ela observa que, se o
comprador deseja algo de boa qualidade, se espera que contribua com dinheiro, e
ela promete que ele jamais se arrependerá de sua decisão. Ela insiste que não está
falando por falar: faz questão de deixar isso claro. No contexto, a ideia de trocar
“dinheiro” pela “cadeira” não sugere uma metáfora para trabalho sexual, em uma
troca literal de sexo por dinheiro, mas sim uma reafirmação do valor que Georgia
dá a sua própria sexualidade — ela não vai tratá-la como algo sem valor.
A versão de Ruth Brown de quatro anos depois é ainda mais explícita.
Tenho uma loja de móveis de segunda mão
E acho que meus preços são justos.
Mas, um dia, chegou esse homem bem sovina
Viu a cadeira e quis comprá-la
Mas não quis — disse que o preço estava muito alto.
Aí, olhei-o bem nos olhos,
E esta foi minha resposta…
Se eu não puder vendê-la, vou me sentar nela.
Não vou dá-la de graça.
Agora, querido, se você a quer, vai ter que comprar.
E quero dizer justamente isso.
O que você me diz de encontrá-la
Todas as noites esperando-o em casa?
Só foi usada uma ou duas vezes, mas ainda é linda e firme…
Você não vai encontrar um par de pernas melhor na cidade
E um traseiro assim? Nem a quilômetros de distância…
Porque foi feita para seu conforto,
Feita para durar.
Onde mais você vai achar uma cadeira melhor?
É luxo, maciez, conforto e lustro.
Meu bem, uma peça de alta classe não custa pouco…
Olhe o lindo traseiro.
Não cai bem aos olhos?
Garantia de qualidade
Para qualquer tamanho e preço.
[20]
Se não puder vender…
A tradição do blues afro-americano continuou influenciando a música popular
americana: seus descendentes incluem o rock n’roll e o hip-hop. Mas o humor e
caráter explícito do blues, que davam como certa a natureza positiva essencial do
desejo sexual feminino, não sobreviveram nas tradições musicais que
descenderam desse estilo musical. Os produtores brancos, que empacotaram a
música afro-americana para o público branco na década de 1950, limparam todas
as referências nas letras que comercializaram para as massas, e quando o rock e o
hip-hop levaram adiante sua própria iniciativa de cantar sobre o sexo, essa
tradição das letras amistosas às mulheres já havia desaparecido havia muito
tempo.
Nesse ponto, a efervescência dos anos 1930 e 1940, com as bananas e cestas
de frutas, as agulhas e o tecido, o cachorro-quente e a salsicha e a manteiga batida
das letras do blues — metáforas sobre a dependência ou energia mútua, em vez da
dominância e submissão —, havia se perdido no tempo. Para Andrea, a
penetração masculina da vagina sempre foi inerentemente um ato de agressão.
Segundo seu ponto de vista, é impossível que uma mulher queira livremente ser
penetrada. Caso ela de fato deseje a penetração, seria o resultado de ter
interiorizado uma “falsa consciência” sobre a natureza de seu desejo, por ter
interiorizado as normas de seu opressor. Paradoxalmente, da mesma forma que as
mulheres foram atacadas pelos misóginos da era elisabetana por serem “feridas”,
Dworkin fez — na defesa das mulheres — a mesma alegação. Na obra de
Dworkin, a vagina é relegada de volta ao seu status elisabetano de ferida
[29]
alegórica, de uma “fenda”, de lesão pronta à espera do homem agressor.
Mas outros tipos de defesa também apareceram nas décadas de 1980 e 1990.
Em 1993, Joani Blank editou Femalia, uma coleção de fotos coloridas em close
de várias vaginas, incluindo as de algumas mulheres muito conhecidas. (O livro
foi publicado pela Down There Press.) Foi uma atualização do livro de colorir da
ativista Tee Corinne de 1973. As duas mulheres quiseram inserir na cultura
imagens da imensa variação entre vaginas, pois achavam que as mulheres sentiam
vergonha de suas próprias formas de lábios e vulva com demasiada frequência.
Os monólogos da vagina, originalmente uma peça de 1996 de Eve Ensler,
produziu um grande impacto: Eve usou os monólogos de mulheres reais sobre sua
própria vagina para chamar a atenção para questões que ainda eram tabus sobre a
sexualidade feminina e o estupro. Em 1998, Inga Muscio escreveu Cunt: A
Declaration of Independence — tentando reaver a palavra e o conceito,
transformando-o de negativo em emblema de poder.
E hoje? Dependendo de onde se olha, há um movimento generalizado de
mulheres musicistas, artistas e escritoras pintando, tirando fotos, narrando,
liderando e “problematizando” — como se diz na academia — a vagina. E-mails
me alertaram para um círculo de crochê em Toronto, no qual jovens mulheres, em
busca da aquisição de poder, criam vaginas de lã. Uma artista dinamarquesa
pedala em volta de Copenhague com uma escultura de vagina de gesso de dois
metros presa à sua bicicleta. O site de jovens feministas Feministing.com tem uma
seção chamada “I Love My Vagina”. Outro site, Vulvavelvet.com, com muito
charme encoraja as mulheres a postar imagens de sua própria vagina para que
nenhuma mulher se sinta “estranha”. A diversidade labial nas fotos que as
mulheres enviam ao site é verdadeiramente impressionante, e a ampla faixa do
que é “normal” para as mulheres certamente desafia a uniformidade cirúrgica,
assim como a assustadora infantilidade da vagina pornográfica. Como Tee
Corinne e Joani Blank, as fundadoras do site também querem que as mulheres
aceitem nelas mesmas a grande variedade das variações normais e simetrias e
assimetrias complexas nos arranjos labiais. (Vulvavelvet.com também tem uma
página fascinante na qual as mulheres escrevem dicas e truques para uma
masturbação satisfatória. As sugestões variam do uso de uma variedade de
vegetais — excluindo os suspeitos usuais — a formas criativas de se sentar em
máquinas de lavar e coreografias complexas envolvendo o chuveirinho. Em seu
tom informativo e informal — tente isso em casa! —, se parece muito mais com
as “dicas da Palmirinha”, programa de tevê com dicas culinárias, que o fórum da
Penthouse.)
É como se houvesse umzeitgeist em curso, e as mulheres no ambiente público e
no mundo cultural desejassem se juntar a um movimento vago e não específico em
direção a um novo tipo de defesa da vagina — mais delicada, gentil ou
engraçada.
É claro que a motivação para tudo isso é positiva. Mas será uma demanda
profunda o suficiente?
1. Steven Seidman, Romantic Longings: Love in America, 1830-1980 (Nova Iorque: Routledge, 1993), 76-
77.↵
2. Elizabeth Sprigge, Gertrude Stein: Her Life and Work (Nova Iorque: Harper and Brothers, 1957), 128.↵
3. Ib., 94.↵
4. Rhonda K. Garelick, Electric Salome: Loie Fuller’s Performance of Modernism (Princeton, NJ:
Princeton University Press, 2007), 164-65. ↵
5. Hunter Drohojowska-Philp, Full Bloom: The Art and Life of Georgia O’Keeffe (Nova Iorque: W. W.
Norton, 2004), 115, 135. Sarah Greenough, ed., My Faraway One: Selected Letters of Georgia
O’Keeffe and Alfred Stieglitz (New Haven, CT: Yale University Press, 2012), 127.↵
6. Edna St. Vincent Millay, Collected Poems of Edna St. Vincent Millay, ed. Norma Millay (Nova Iorque:
HarperPerennial, 1981), 19. [Trecho extraído da tradução de Carlos Machado.] ↵
7. Ellen Chesler, Woman of Valor: Margaret Sanger and the Birth Control Movement in America (Nova
Iorque: Simon and Schuster, 1992), 272, 343.↵
8. Remy de Gourmont, The Natural Philosophy of Love, trad. Ezra Pound (Londres: Casanova Society,
1992), 205-6.↵
9. Henry Miller, Tropic of Cancer (Nova Iorque: Grove Press, 1961), 2. [Edição brasileira: Trópico de
câncer; São Paulo, Ibrasa, 1963.]↵
10. Ib., 24, 31.↵
11. Michael Whitworth, “Modernism” (Palestra, Departamento de Língua e Literatura Inglesa,
Universidade de Oxford, 10 de maio de 2011).↵
12. Mina Loy, The Lost Lunar Baedeker, ed. Roger L. Conover (Nova Iorque: Farrar, Straus e Giroux,
1997), xv.↵
13. D. H. Lawrence, Mulheres apaixonadas. São Paulo: Abril, 1973.↵
14. Anaïs Nin, Delta of Venus (Nova Iorque: Penguin Modern Classics, 1977), 8-19.↵
15. Miller, Tropic of Cancer, 31.↵
16. Paul Garon, Blues and the Poetic Spirit (Londres: Eddison Press, 1975), 69.↵
17. Memphis Minnie, “If You See My Rooster”, Bluesistheroots, www.youtube.com/watch?
v=UxSjUmGweqg.↵
18. Bessie Smith, “I Need a Little Sugar in My Bowl”,
www.lyricstime.com/bessie_smith_i_need_a_little_sugar_in_my_bowl_lyrics.html.↵
19. Merline Johnson, the Yas Yas Girl, “Don’t You Feel My Leg”, 1938,
www.jazzdocumentation.ch/audio/rsrf/high.ram.↵
20. Ruth Brown, “If I Can’t Sell It I’ll Keep Sittin’ on It (Before I Give It Away)”, 1940, Essential Women
of Blues, compact disk, Hill/Razaf, Joe Davis Music.↵
21. Veja Betty Friedan, The Feminine Mystique (Nova Iorque: W. W. Norton, 2001). [Edição brasileira: A
mística feminina; Rio de Janeiro, Vozes, 1971.]↵
22. Veja Shere Hite, The Hite Report: A Nationwide Study of Female Sexuality (Nova Iorque: Macmillan,
1976).↵
23. Betty Dodson, “Getting to Know Me”, Ms. Magazine, 1974, em Jeffrey Escoffier, Sexual Revolution
(Nova Iorque: Running Press, 2003), 698.↵
24. Germaine Greer, The Madwoman’s Underclothes: Essays and Occasional Writings (Nova Iorque:
Atlantic Monthly Press, 1994), 74-89.↵
25. Erica Jong, Fear of Flying (Nova Iorque: Signet, 1974), 310-11. [Edição brasileira: Medo de voar; São
Paulo: Nova Cultural, 1973.]↵
26. Siedman, Romantic Longings, 150-51.↵
27. Ib.↵
28. Andrea Dworkin, Intercourse (Nova Iorque: Free Press, 1997), 188.↵
29. Ib.↵
Quem dá nome à vagina?
A pior palavra que existe
Dividiram sessenta e três ratas em três grupos iguais, todas em período estral
(ou seja, em circunstâncias normais, ansiosas para acasalar). Um corrimento
mucoso foi extraído do tecido vaginal de cada rata. “Um rato macho foi, então,
gentilmente introduzido na jaula, e o comportamento sexual foi observado. Todos
os experimentos de comportamento sexual foram gravados em vídeo, os
resultados receberam um escore e foram analisados por um observador cego aos
detalhes do estudo.” Os pesquisadores checaram a “receptividade” das ratas
registrando suas respostas de “lordose”, as costas arqueadas, patas para cima em
sinal de que a fêmea está interessada em acasalar. Qualquer chute defensivo,
empurrão ou corrida foi considerado uma resposta de rejeição. Justo.
Por todo o caminho abaixo na escala de mamíferos, cientistas como os
liderados por Yoon estão confirmando que colocar as fêmeas “no espírito
correto” é um processo cientificamente mais complexo e mais “mente-corpo” que
o análogo em machos:
Em geral, a resposta sexual nas fêmeas requer reações mentais e físicas recíprocas, que são mais
complicadas que nos machos. Portanto, os efeitos do estresse físico e psicológico na atividade sexual
podem ser muito maiores nas fêmeas que nos machos (…) Trabalhamos com a hipótese de que o
estresse físico crônico possa afetar a função sexual feminina e buscamos identificar alterações
fisiopatológicas induzidas pelo estresse crônico. Além disso, investigamos como essas alterações
[5]
poderiam ocasionar dificuldades na excitação e no orgasmo.
Os cientistas encontraram exatamente o que estavam procurando: as ratas
estressadas não foram gentis com seus parceiros e não queriam fazer amor: “As
ratas sob estresse demonstraram uma redução significativa na receptividade a
seus parceiros machos”, escreveram os cientistas; as ratas também exibiram graus
mensuráveis de agressão e irritabilidade. O estresse diminuiu a capacidade física
das fêmeas de se excitar; diminuiu seu fluxo sanguíneo genital:
Em estudos em modelo animal, o estresse mental ou físico aumenta o nível de catecolaminas no soro,
causando, assim, contração vascular, que, por sua vez, reduz o fluxo sanguíneo e leva à disfunção sexual
(…) Como o estresse é concomitante a uma contagem aumentada de catecolaminas no sangue (…)
pode-se concluir que o fluxo sanguíneo nos órgãos genitais é reduzido durante períodos de estresse (…)
medimos a noradrenalina como um índice indireto do nível de catecolamina e concluímos que ela
aumentou no grupo de estresse e diminuiu no grupo de recuperação. Esse resultado indiretamente
[6]
confirma a sugestão de que o estresse afeta o fluxo sanguíneo genital.
O estresse mexe com os hormônios sexuais em ratas e, segundo a hipótese dos
autores, interfere nas ações vaginais basais — neurotransmissão, relaxamento dos
músculos moles e intumescimento dos vasos sanguíneos — necessárias para a
excitação sexual feminina:
O nível de estradiol foi significativamente reduzido no grupo de estresse. É amplamente sabido que os
hormônios sexuais têm papel preponderante na resposta sexual de machos e fêmeas. Nossos dados
mostram que a expressão de nNOS e eNOS vaginais no grupo de estresse foi reduzida em comparação
com o grupo de controle (…) Portanto, postula-se que os níveis menores de nNOS e eNOS causam a
neurotransmissão reduzida, menos relaxamento nos músculos moles e uma redução no fluxo sanguíneo
vascular em resposta ao estímulo sexual no tecido vaginal. Além disso, isso é clinicamente expresso
[7]
como uma dificuldade de resposta de excitação e orgasmo.
1. John Austin, How to Do Things with Words (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1975), 12.↵
2. Sarah Forman, “Yikes!... Yale Edition”, Yale Daily Herald Blog, 24 de outubro de 2010, blog
dailyherald.com/tag/yale.↵
3. H. Yoon e outros, “Effects of Stress on Female Rat Sexual Function”, International Journal of
Impotence Research: Journal of Sexual Medicine 17 (2005): 33-38.↵
4. Ib.↵
5. Ib.↵
6. Ib.↵
7. Ib.↵
8. Ib.↵
9. Veja Kate Millett, The Prostitution Papers: A Candid Dialogue (Nova Iorque: Avon Books, 1973).↵
10. Matthew Hunt, “Cunt: The History of the C-Word”(PhD), abstract
www.matthewhunt.com/cunt/abstract.html; veja também www.matthewhunt.com/cunt/references.html.
↵
11. Ib. Veja também encyclopedia.jrank.org/articles/pages/657/Cunt.html para história adicional sobre a
palavra cunt.↵
12. Hunt, “Cunt”.↵
13. Ib.↵
14. Christina Caldwell, “The C-Word: How One Four-Letter Word Holds So Much Power”, College Times,
5 de março de 2011.↵
15. Citado em Hunt: “Cunt”. www.matthewhunt.com/cunt/abstract.html; veja também
www.matthewhunt.com/cunt/references.html.↵
16. Ib. www.matthewhunt.com/cunt/abstract.html; veja também
www.matthewhunt.com/cunt/references.html.↵
17. Veja Gordon Rattray Taylor, Sex in History (Nova Iorque: Vanguard Press, 1954).↵
18. Russell Ash, citado em Hunt, “Cunt”. www.matthewhunt.com/cunt/abstract.html; veja também
www.matthewhunt.com/cunt/references.html.↵
19. “Egypt Bans Forced Virginity Tests by Military”, Al Jazira 27 de dezembro de 2011,
www.aljazeera.com/news/africa/2011/12/20111227132624606116.html. ↵
20. Vanessa Thorpe e Richard Rogers, “Women Bloggers Call for a Stop to ‘Hateful’ Trolling by Misogynist
Men”, The Observer, 5 de novembro de 2011. www.guardian.co.uk/world/2011/Nov/05/women-
bloggers-hateful-trolling.↵
Foi engraçado?
1. Richard E. Nisbett, The Geography of Thought: How Asians and Westerners Think Differently... And
Why (Nova Iorque: Free Press, 2003), citado em Marcia Beauchamp, “Somasophy: The Relevance of
Somatics to the Cultivation of Female Subjectivity”, (PhD diss., California Institute of Integral Studies,
São Francisco, 2011), 301-3.↵
2. Douglas Wile, Art of the Bedchamber: The Chinese Sexual Yoga Classics, Including Women’s Solo
Meditation Texts (Albany, NY: State University of New Iorque Press, 1992), 9.↵
3. Sunyata Saraswati e Bodhi Avinasha, Jewel in the Lotus: The Sexual Path to Higher Consciousness
(São Francisco: Kriya Jyoti Tantra Society, 1978), 180-81: “É só por meio da mulher que o homem pode
se iluminar, pois ela é o princípio divino. Portanto, no Tantra, a energia feminina, simbolizada pela mãe
divina, é adorada”.↵
4. Veja Clement Egerton, The Golden Lotus, Trad. Lanling Xiaoxiaosheng (Londres, Tuttle, 2011).↵
5. Virginia Woolf, A Room of One’s Own (Nova Iorque: Mariner Books, 1989), 18.↵
6. Onlineslangdictionary.com/thesaurus/words+meaning+vulva+(‘vagina’),+female+genitalia.html.↵
7. Blackchampagne.com/wordpress/.↵
A vagina pornográfica
Houve provavelmente uns dias em que vi 300 vaginas antes de sair da cama.
Músico de rock John Mayer, Playboy
Não só a vagina perdeu um pouco de sua magia: os homens que estão envolvidos
com ela estão perdendo um pouco de sua própria magia. Torna-se cada vez mais
claro que uma infinidade de vaginas de plantão faz que alguns homens fiquem um
pouco loucos, e não de uma maneira positiva; a pornografia, onipresente agora,
parece reformatar o cérebro masculino.
Um problema crescente para a vagina, e para toda a vida da mulher que a
possui, é que a pornografia afeta os homens neurologicamente, em detrimento
deles. Há provas de que ela está também habituando muitos homens a ficar
entediados com a “dança da deusa” — os muitos gestos e carícias que o sistema
nervoso autônomo (SNA) das mulheres necessita —, e o resultado é que avançam
rapidamente pulando vários passos para chegar até ela.
O sexo “comum” já não é estimulante o suficiente para muitos homens que são
grandes usuários de pornografia. Então, há uma tendência para a penetração anal
(frequentemente violenta) e o clímax anal como o “objetivo” da ação sexual.
Comecei a perceber em que problema sistêmico isso poderia estar se
transformando quando dei palestras em dois diferentes campi universitários no
espaço de poucos meses. Em uma faculdade liberal do estado de Massachusetts,
onde vale tudo, depois de uma discussão focada na cultura do sexo anônimo sob o
efeito do álcool no campus universitário, coloquialmente chamado de “ficadas
rápidas”, uma estudante de terapia na área da saúde, angustiada, levantou-se e
perguntou-me o que eu poderia fazer para ajudá-la com um terrível problema que
ela estava presenciando: o problema médico número um que as mulheres jovens
apresentavam em sua clínica era, para meu espanto, fissuras anais.
“Fissura anal” é um eufemismo para o rasgo anal, um ferimento que as
mulheres jovens podem sofrer devido ao sexo inábil, impessoal, inexperiente, às
vezes inseguro, frequentemente sob o efeito do álcool que é comum em uma
cultura de “ficadas rápidas”. Essas jovens haviam repetidamente dito à terapeuta
que os rapazes no campus esperavam esse tipo de sexo por causa da pornografia
e que elas se sentiam obrigadas a se dispor a fazê-lo assim, especialmente se
quisessem que essa ficada se transformasse em um encontro ou relacionamento
futuro.
No mês seguinte, fiz uma apresentação em uma universidade religiosa mórmon
conservadora no Centro-Oeste. Outra estudante, terapeuta de saúde corporal,
levantou-se e me perguntou o que eu poderia fazer para ajudá-la com o problema
médico número um que as mulheres jovens apresentavam em sua clínica —
fissuras anais. Naquele campus, havia forte pressão social para que as jovens
preservassem sua virgindade até o casamento. Os rapazes estavam incitando as
jovens ao sexo anal como uma maneira de transar, preservando ao mesmo tempo a
“virgindade” das jovens.
Não estou estigmatizando o sexo anal entre adultos com consentimento mútuo e
quando sabem o que estão fazendo (embora o rasgo pélvico de qualquer tipo não
seja bom para a rede neural da mulher ou do homem). Mas existem cada vez mais
provas substanciais de que a onipresença e a facilidade de acesso à pornografia
contemporânea — que se afastou dos tipos de carícias e estimulação que excitam
as mulheres — degradaram a vagina e valorizam a penetração violenta frequente;
promovem o tipo de amor que aumenta a insatisfação sexual e emocional das
mulheres — insatisfação essa que vimos nas pesquisas nacionais de satisfação
sexual dos anos 1997 e 2004. A exposição dos homens à pornografia (e, de forma
crescente, a exposição das mulheres) tem aumentado em quantidades meteóricas
de modo a ser quase que não mensuráveis desde o Relatório Hite sobre a
sexualidade feminina. A satisfação sexual da mulher e a honestidade sexual sobre
as necessidades femininas diminuíram. Poderia haver uma conexão?
Se, como sugere o estudo relatado acima no Daily Mail, em qualquer grupo de
cem casais, 85% dos homens acham que sua parceira sexual atingiu o clímax —
mas apenas 61% das mulheres na verdade atingiram —, será que a frequentemente
bizarra representação pornográfica teatral da resposta sexual feminina poderia
estar conduzindo muitos homens a interpretar mal suas próprias situações íntimas?
O perigo aqui não é apenas como o consumo da pornografia pelos homens pode
afetar sua percepção dos sinais do desejo feminino, excitação e satisfação no ato
sexual imediato. A pornografia também parece apresentar outro problema menos
óbvio, embora grande para as mulheres heterossexuais também: a prova está no
fato de que a masturbação crônica com a pornografia dessensibiliza sexualmente
os homens de forma geral. Quando muitas mulheres reagem instintivamente contra
o uso da pornografia por seus companheiros masculinos, elas podem se sentir
irracionais — especialmente porque nossa cultura tem uma atitude em relação ao
consumo da pornografia de “relaxe e goze”, ou “é inofensivo”, ou até mesmo “é
positivo; apimenta sua vida sexual”. Mas, de fato, dados recentes mostram que
exatamente o oposto acontece: a pornografia lesa a virilidade dos homens, e está
confirmado que assistir a ela é potencialmente viciante para muitos homens que
têm uma vulnerabilidade a esse tipo de resposta aditiva em geral.
Uma vagina heterossexual feliz requer, para afirmar o óbvio, um homem viril.
Atualmente, a suposição geral é que o que acontece no cérebro do homem quando
ele se masturba com a pornografia é de sua própria conta e de mais ninguém. Mas,
de fato, neurologicamente, o que acontece no cérebro masculino naquele momento
pode, no final das contas, ter um efeito negativo em seu corpo e, assim, no corpo
de sua parceira — e depois em seu cérebro também. As mulheres não estão
erradas quando reagem instintivamente — frequentemente com ciúmes — contra o
interesse de seus parceiros pela pornografia, pois ela é, na verdade,
neurologicamente, um rival destrutivo da mulher, lutando pelas capacidades
sexuais de seu homem. Quanto mais sintonizado com a pornografia um homem
estiver, menor vigor sexual ele poderá ter, no final das contas, para ele mesmo ou
para sua amante humana.
Em 2003, escrevi um ensaio chamado “O mito da pornografia” na revista New
Iorque que apontou que os terapeutas e conselheiros de sexo estavam percebendo
uma correlação entre o aumento do uso da pornografia dentre os rapazes e o
aumento nos problemas de disfunção erétil e ejaculação retardada no mesmo
[1]
grupo. Esses rapazes que não tinham nenhum motivo orgânico ou psicológico
para apresentar problemas de virilidade, conforme relataram seus médicos e
terapeutas, estavam tendo problemas para manter ereções, tinham a ejaculação
dificultada ou retardada. A hipótese dentre esses especialistas era que o uso
intenso de pornografia estava progressivamente dessensibilizando esses homens
sexualmente. A ciência por trás dessa evidência qualitativa não foi ainda
completamente estabelecida.
Após a publicação desse artigo, fui inundada por e-mails angustiados — e
angustiantes — de homens relatando que o que eu descrevera havia acontecido a
eles. Estavam desesperados. Escreveram-me dizendo que, com o passar do
tempo, eles sentiam a necessidade de cada vez mais assistir à pornografia para
conseguir se excitar; sentiam cada vez menos o poder de escolha quanto ao seu
uso ou não; e estavam enfrentando crescentes dificuldades sexuais na cama com
suas namoradas ou esposas por quem haviam se sentido muito atraídos
anteriormente. Esses homens eram uma amostra perfeitamente “normal” de
pessoas sem aparentes segundas intenções; não tinham nenhuma objeção
ideológica ao uso da pornografia em geral e nem eram seus “defensores” —
estavam simplesmente assustados e sofrendo. O que realmente me impressionou
quanto aos seus e-mails foi o sentido inquietante que muitos tiveram da perda de
escolha: eram frequentemente homens que estavam no controle perfeito da maior
parte ou todas as outras áreas de sua vida e estavam escrevendo para mim porque
se sentiam à mercê de algo acerca do qual se sentiam impotentes.
Desde que esse texto foi publicado, uma grande quantidade de novos dados tem
se acumulado sobre o efeito da pornografia no sistema de recompensa do cérebro
masculino, o que explica mais concretamente a infelicidade sexual autorrelatada
desses homens e a perda de virilidade. Masturbar-se com a pornografia
proporciona um forte impulso de dopamina de curto prazo no cérebro masculino,
que, por uma ou duas horas depois, melhora o humor dos homens e os faz se sentir
bem em geral. Esse efeito funciona ao longo do mesmo circuito neural, digamos,
como os jogos de azar ou a cocaína. Mas, como os jogos de azar e o uso da
cocaína podem acionar comportamento viciante, da mesma forma o uso da
pornografia também pode quando se torna parte do que o dr. Jim Pfaus chama de
“resposta do tipo TOC” (transtorno obsessivo-compulsivo) da masturbação
crônica com a pornografia que os pesquisadores estão registrando como cada vez
mais comum.[2] Pode parecer linguagem vitoriana, mas os pesquisadores do vício
pornográfico masculino descrevem a “masturbação crônica do tipo TOC” com a
pornografia como a situação em que os homens se sentem atraídos a se masturbar
muitas vezes seguidas, ou finalmente perdem o interesse por outros aspectos de
sua vida e se sentem incapazes de restringir sua necessidade de ver a pornografia
no contexto da masturbação compulsiva.
O dr. Pfaus explica a neurociência do vício pornográfico:
A cada ejaculação, como com o orgasmo, você ativa um período refratário. Sofre os efeitos do opioide,
serotonina e endocanabinoide. Isso produz êxtase, saciedade e sedação. A cada ejacula ção sucessiva,
para os masturbadores crônicos, a inibição se torna mais forte — devido ao a umento da serotonina —
tornando menos provável que esses homens consigam outra ereção e muito menos outra ejaculação.
Para neutralizar isso, esses indivíduos necessitam de acesso aos estímulos que ativarão cada vez mais
seu SNS. É por essa razão que as pessoas que se masturbam cronicamente com a pornografia se
habituam ao material erótico e necessitam cada vez mais de imagens interessantes que ativem o SNS.
A razão pela qual isso acontece a algumas pessoas e não a outras é a frequência do uso. É como fumar
ou beber — o uso eventual é bom; mas o uso crônico, neurológico ou frequente pode viciar. E o vício é
absolutamente sempre um risco do uso. O perigo aqui é “crônico” e é a natureza do distúrbio obsessivo-
compulsivo da masturbação. Não é a pornografia por si só, mas seu uso na masturbação crônica ou
obsessiva. O vício não é, na verdade, em pornografia, mas no orgasmo e na previsibilidade da
[3]
recompensa.
Acrescente a essa imagem o fato de que alguns homens (e mulheres) nascem
com o que é chamado por aqueles que tratam o vício pornográfico de “buraco de
dopamina”: seu cérebro não produz recompensa com a mesma eficiência que
outros cérebros, assim, essas pessoas são muito mais propensas a se tornar mais
facilmente viciadas em pornografia extrema (e outros estimulantes). Essa situação
pode tornar alguns homens com essa vulnerabilidade impotentes ou levá-los a
sofrer ejaculação retardada após a masturbação consistente com a pornografia.
Mas, para outros homens, essa vulnerabilidade combinada com altos níveis de
masturbação com pornografia pode afetar o controle do impulso sexual. Alguns
homens desafortunados podem sofrer de ambos os problemas como resultado da
desregulação de dopamina.
Tal como acontece com qualquer vício, é muito difícil, por razões
neuroquímicas, que um viciado pare de fazer até mesmo as coisas mais
destrutivas que lhe permitem obter a próxima recompensa. Um homem com
processo de desregulação da dopamina, que se masturba cronicamente com
pornografia, pode se tornar mais viciado em salas de bate-papo de sexo que
outros homens, ou envolver-se em outros tipos de simulação sexual dos quais se
envergonha e deseja controlar. Mas, muito mais sério, em termos do nosso foco
aqui, a masturbação com pornografia pode levar os homens em geral a
desenvolver problemas sexuais “habituais” — a dessensibilização que leva a
problemas de ereção ou sua manutenção, ou problemas com a ejaculação. Quanto
maior a quantidade de vaginas com que o homem se masturba em um formato on-
line, sem mediação, por meio do mouse do computador, tanto mais habituado ele
se tornará a esse estímulo e tanto menos será capaz de se envolver no despertar
lento da atenção sustentada e paciente da dança da deusa que o “orgasmo
profundo” da mulher requer.
O biólogo Robert Sapolsky explicou a biologia do desejo e da saciedade em
seu livro Por que as zebras não têm úlceras:
Explosões artificiais de experiência, sensações e prazer sintéticos evocam altos níveis artificiais de
habituação. Isso tem duas consequências: primeiramente, logo quase não mais notamos os sussurros
fugazes do prazer causados pelas folhas outonais, ou pelo olhar demorado da pessoa certa, ou pela
promessa de recompensa que virá após uma tarefa longa, difícil e valiosa. A outra consequência é que,
depois de um tempo, até mesmo nos habituamos a esses dilúvios de intensidade artificiais (…) Nossa
tragédia é que apenas nos tornamos mais famintos.
Graças à maneira como nosso cérebro funciona, a excessiva estimulação crônica falha em satisfazer e
pode deixar uma pessoa quase ávida [por mais níveis de estimulação]. Esse homem passaria a se
perguntar automaticamente sobre cada mulher: “Será que ela se envolveria em…?”. Também, qualquer
diferença entre sua realidade virtual e a física pode levantar dúvidas quanto ao seu parceiro/união,
tornando-o estranhamente irritável e absorvido em si mesmo. Ele vai focar naquilo que seu
relacionamento não oferece, e não no que ele oferece. E a insatisfação não necessariamente para por
aí. Os humanos tendem a projetar tais sentimentos automaticamente em outros aspectos da vida
também (…) Tristemente, a percepção distorcida que nasce da desregulação neuroquímica pode tornar
uma pessoa extremamente resistente a compreender o que realmente a incita ou o que aliviaria seu
sofrimento. Seu cérebro límbico o convence firmemente de que apenas a sua droga predileta vai
proporcionar as sensações boas.
Pode levar um ou dois meses de desconforto para restaurar a percepção normal após a excessiva
estimulação habitual. Mas, à medida que os sentimentos vorazes diminuem, é mais fácil encontrar
[4]
satisfação em todos os aspectos da vida.
Isso pode não ser uma situação tão rara: de acordo com um estudo publicado
no Journal of Adolescent Research, enquanto nove de cada dez rapazes dizem
usar pornografia, um terço das mulheres jovens admite a mesma situação.[13]
Verifiquei com Pfaus os relatos que estava recebendo das mulheres, dizendo
que o uso da pornografia e de vibradores parecia estar correlacionado à
dessensibilização delas também. Ele observou que os vibradores dessensibilizam
as mulheres com o passar do tempo devido a um fenômeno de habituação natural
— o circuito da coluna vertebral se habitua aos mesmos estímulos repetidos.
Então, na verdade, para as mulheres, as tecnologias de pornografia e dos
vibradores não oferecem substitutos neurobiológicos de longo prazo a um amante
atento e inventivo, ou à própria pessoa que seja inventiva, atenta e imaginativa. A
tecnologia está criando seus próprios problemas.
Há mais maneiras negativas nas quais a pornografia intervém e distorce o
sentimento das mulheres sobre sua própria vagina. Labioplastia — a reconstrução
cirúrgica dos lábios vaginais — é uma nova indústria importante na cirurgia
cosmética. A variação natural das dobras e do arranjo, e até mesmo da simetria,
dos lábios vaginais internos e externos é bastante extensa entre as mulheres. É
muito comum que os lábios vaginais de uma mulher não se pareçam nem
remotamente com as versões padronizadas dos que aparecem em revistas
pornográficas e sites; consequentemente, muitas mulheres que são completamente
normais acham que há algo muito incomum ou até mesmo uma deformação em
seus lábios vaginais longos “demais”, complicados “demais” ou assimétricos
“demais”.[14]
O dr. Basil Kocur, do Hospital Lenox Hill, defensor de seus próprios
princípios e renomado especialista em problemas do assoalho pélvico, que faz as
“verdadeiras” vaginoplastias, licenciadas, credenciadas e medicamente
justificadas, para ajudar as mulheres a se recuperar do prolapso do assoalho
pélvico (afrouxamento das paredes vaginais após o parto e na meia-idade, que
pode envolver o prolapso de outros órgãos), explicou em uma entrevista que a
cirurgia do assoalho pélvico é a onda do futuro na cirurgia: a população feminina
está envelhecendo, e cada vez mais as mulheres querem reconquistar as sensações
sexuais positivas da juventude e ter uma melhor função da região, que pode ser
devolvida pelo aperto corretivo das paredes vaginais e suporte do assoalho
pélvico. (Ele também alertou sobre o fato de que existem “açougueiros” não
credenciados lá fora, explorando o desejo das mulheres por esse tipo de
reconstrução.) Mas também observou que, nos últimos anos, às vezes, quando tem
uma paciente com cirurgia de assoalho pélvico ou vaginoplastia marcada, ela lhe
entrega uma página da revista Penthouse ou Playboy e pede uma labioplastia
também, para “ficar assim” — sendo que não há nada errado com seus lábios
vaginais. Ele acredita que a pornografia deu a muitas mulheres uma ideia irreal de
como sua vulva deve parecer, porque os lábios vaginais perfeitos e simétricos
das modelos pornôs frequentemente foram cirurgicamente reconstruídos.[15]
Fiquei surpresa por ela evitentemente não se importar que o vídeo ficasse em
primeiro lugar. As mulheres mais jovens à mesa não reagiram com absolutamente
nenhuma surpresa ao que Lisa estava dizendo. Eu, é claro, sendo duas gerações
mais velha, fiquei estarrecida por Lisa sentir que o vídeo e seu timing mediavam
o que ia acontecer a ela sexualmente, em vez de sua sexualidade se inflamar ou se
distrair com o vídeo. Mas os comentários que tenho ouvido de muitas jovens
mulheres (e rapazes) agora são que, de fato, o vídeo pornográfico — seu timing ,
suas opções de atividades, suas posições — é o script dominante para o que se
espera entre jovens amantes ocidentais contemporâneos. Agora, para os jovens, a
luta pela pornografia e pelo controle remoto frequentemente é, na verdade, uma
luta pelo comportamento sexual e pelo ritmo.
Ao mesmo tempo que nos dizem que vivemos em uma época de liberação
sexual, isso pode apenas significar mais sexo, ou até mesmo só mais imagens de
sexo — e não um sexo melhor e “mais livre”. Pois é bem provável que, de fato, a
sofisticação dos conjuntos de habilidades e o nível de habilidade geral ensinados
aos homens, de geração em geração, por sua cultura e seus pares, sobre como
agradar às mulheres na cama tenham caído vertiginosamente desde a metade do
século passado, quando se generalizou a pornografia pública e quando a educação
sexual masculina passou de histórias de seus pares e suas próprias experiências
com mulheres reais para o modelo apresentado na nova mídia de mercado de
massa.
Fanny Hill, ou Memórias de uma mulher de prazer, de John Cleland, escrito e
publicado como pornografia em 1748, está recheado da dança da deusa: foi
claramente considerado um guia para os homens do século XVIII sobre como
excitar as mulheres, e a vagina não podia ser descrita com mais apreço em ambas
as vozes, masculinas e femininas:
Diz Fanny Hill ao descrever sua própria vagina:
Esse meu ponto que agora queima inflamou o centro de todos os meus sentidos (…) o cabelo ondulado
que cobre sua fronte de deleite (…) os lábios poderosamente divididos desse canal sedento de prazer
(…) uma parte minha tão vital (…) uma dobra tão rigorosa! Uma sucção tão feroz! (…) essa glutona
delicada, minha boca de baixo.
1. Naomi Wolf, “The Porn Myth”, New Iorque Magazine, 20 de outubro de 2003,
nymag.com/nymetro/news/trends/n_9437.↵
2. Dr. Jim Pfaus, entrevista, 29-30 de janeiro de 2012.↵
3. Ib.↵
4. Veja Robert Sapolsky, Why Zebras Don’t Get Ulcers: An Updated Guide to Stress, Stress-Related
Diseases, and Coping (Nova Iorque: W. H. Freeman, 1998). [Edição brasileira: Por que as zebras não
têm úlceras; São Paulo, W11 Editores, 2011.]↵
5. Dra. Helen Fisher, The Anatomy of Love: A Natural History of Mating, Marriage and Why We Stray
(Nova Iorque: Ballantine Books, 1992), 182-84.↵
6. Dr. Jim Pfaus, entrevista, Montreal, Quebec, 29-30 de janeiro de 2012.↵
7. Marnia Robinson, Cupid’s Poisoned Arrow: From Habit to Harmony in Sexual Relationships (Berkeley,
CA: North Atlantic Books, 2009), 133-66.↵
8. Ib., 137-66. Para mais informações sobre vício em pornografia, veja J. M. Bostwick e J. A. Bucci,
“Internet Sex Addiction Treated with Naltrexone”, Mayo Clinic Proceedings 83, n. 2 (fevereiro de
2008): 226-30. Veja também Marnia Robinson e Gary Wilson, “Santorum, Porn and Addiction
Neuroscience”, Psychology Today, 26 de março de 2012,
www.psychologytoday.com/blog/cupids_poisoned_arrow/201203/santorum-porn-and-addiction-
neuroscience.↵
9. Naomi Wolf, “Is Pornography Driving Men Crazy?” Project Syndicate, 13 de junho de 2011,
www.project-syndicate.org/commentary/is-pornography-driving-men-crazy.↵
10. Reuniting.info/science/articles/sexual_neurochemistry#reward.↵
11. Ib.↵
12. www.psychologytoday.com/blog/cupids-poisoned-arrow/201107/porn-induced-sexual-dysfunction-is-
growing-problem.↵
13. Jason S. Carroll e outros, “Generation XXX: Pornography Acceptance and Use Among Emerging
Adults”, Journal of Adolescent Research 23, n. 1 (janeiro de 2008): 6-30.↵
14. No Reino Unido, o número de labioplastias realizadas no Serviço Nacional de Saúde aumentou em 70%
em 2009. http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/2009/nov/20/cosmetic-vulva-surgery.↵
15. Dr. Basil Kocur, entrevista, Nova Iorque, 26 de fevereiro de 2011.↵
16. John Cleland, Memoirs of a Woman of Pleasure (Oxford: Oxford University Press, 2008), 116-17.↵
17. Ib., 139.↵
A dança da deusa
“O ser amado sou eu”
Sentada sob um lótus, com um lótus nas mãos, é Lakshmi, a deusa (…) trazida em carruagens a
deusa surge (…)
Devi Kavacham, escritura sagrada hindu
Como responder-te, la plus belle Katherine du Monde, mon tres cher et divin deesse?
William Shakespeare, Henrique V
Voltemos aos anos 1970, quando o feminismo de Betty Dodson e Shere Hite e a
oportunidade de mercado explorada por Hugh Hefner e seus colegas pornógrafos
nas décadas seguintes “estabeleceram” nosso modelo ocidental de sexualidade
feminina.
Esse modelo da vulva e vagina feministas — agregado posteriormente à sua
elaboração pornográfica — foi o utilizado na formação das mulheres de minha
geração. A vagina e a vulva foram principalmente entendidas como mediadoras
do prazer sexual. O que importava era a técnica — as técnicas de masturbação da
própria mulher e as habilidades que ela ensinava a seu parceiro. Tanto as
feministas quanto os pornógrafos definiram a vagina e a vulva em termos de
mecânica para se chegar ao orgasmo.
Porém, embora a técnica seja importante, esse modelo deixa de fora boa parte
do “significado” da vagina e da vulva. Deixa de lado as ligações que a vagina tem
com a espiritualidade e a poesia, a arte e o misticismo e o contexto de uma
relação na qual o orgasmo pode ou não ocorrer. Certamente ignora a grande
questão da qualidade da relação da mulher que se masturba com ela mesma.
O modelo Dodson da mulher independente ajudou bastante, mas também causou
alguns problemas. O lado bom é que o feminismo daquela era teve que desbancar
a ideia de que o despertar sexual de uma mulher heterossexual dependia de um
homem. O lado ruim é que aquele feminismo dessa era acabou definitivamente
com a ideia de que o despertar sexual de uma mulher heterossexual depende de
um homem. “Uma mulher precisa de um homem, assim como um peixe precisa de
uma bicicleta”, dizia um adesivo feminista dos anos 1970. O modelo feminista de
sexualidade — que mulheres héteros podem foder como homens ou se virar com
um ótimo vibrador sem nenhuma outra atenção dada ao amor-próprio e ser
simplesmente instrumentalistas em relação a seu prazer — acabou criando uma
nova gama de ideais impossíveis, imposta, na melhor das intenções, às mulheres
“livres”. O feminismo evitou a questão mais complicada de todas: como ser uma
mulher heterossexual livre e aceitar a forte necessidade física da conexão com um
homem. Do jeito como a natureza pensou as coisas, idealmente nós temos um
parceiro para dançar. Se não tivermos um parceiro, temos que dedicar mais amor
a nós mesmas como forma de autocuidado. A simples declaração de que a dança
mudou não resolve o dilema existencial das mulheres héteros, a tensão entre nossa
necessidade de dependência e nossa necessidade por independência.
O problema com esse modelo de sexualidade feminina é que ele reafirma uma
tendência cultural fragmentada e comercializada de ver as pessoas, incluindo as
“mulheres sexualmente livres”, como unidades isoladas e narcisistas e de ver o
prazer como algo que se adquire da mesma forma que se compra um sapato novo,
em vez de como uma forma de profunda intimidade com o outro, ou consigo
mesmo; ou como um portal para uma dimensão superior e mais imaginativa que
inclui e afeta todos os aspectos da vida da pessoa.
Dados recentes coletados em 2009 pelo sociólogo Marcus Buckingham,
derivados de pesquisas realizadas em vários países, mostram que a mulher
ocidental apresenta níveis cada vez mais baixos de felicidade e satisfação,
mesmo com o aumento de sua liberdade e de suas opções, em relação aos homens.
[1]
Tanto feministas quanto antifeministas tentaram encontrar respostas para essa
tendência amplamente difundida: as feministas tentaram argumentar que isso é
culpa da desigualdade, das diferenças de salário nos locais de trabalho e da
“segunda jornada” no lar — mas as pesquisas foram ajustadas para levar em
conta a discriminação de gênero. Os antifeministas obviamente argumentaram que
isso é culpa do feminismo, que faz que as mulheres busquem a realização em
esferas profissionais, o que não faz parte da natureza delas.
Acredito que seja completamente possível, a julgar pela enorme quantidade de
dados que temos visto sobre as necessidades psicológicas das mulheres
(necessidades essas que, no geral, não estão sendo atendidas), que elas estejam
dizendo que estão insatisfeitas porque os “modelos disponíveis de sexualidade”
— os modelos pós-Dodson, pós-Hefner, pós-pornô, casada, dois empregos,
atarefada, ou jovem e solteira bêbada com um estranho em um bar ou em um
quarto de república — são, em longo prazo, fisicamente insustentáveis. Esses
modelos de sexualidade feminina — deixados para nós por uma combinação de
pressões que vão desde o desenvolvimento incompleto do feminismo nos anos
1970, de um mercado que gosta de nos ver sobrecarregadas e dessexualizadas, até
a aceleração do ritmo sexual estabelecida pela pornografia — condenam as
mulheres à dor emocional provocada pela dor fisiológica. Esses modelos de
sexualidade feminina são simplesmente insatisfatórios física, emocional e
existencialmente. (Esse modelo de sexo também pode prejudicar os homens
heterossexuais ocidentais de outras formas, algo que merece seu próprio livro.)
Agora que sabemos que a vagina é a porta para a felicidade e criatividade da
mulher, podemos criar e nos dedicar a um modelo totalmente diferente de
sexualidade feminina, que a estime e valorize. É aí que entra o modelo da deusa,
um que se concentra na dança da deusa — um conjunto de comportamentos e
práticas que devem preceder e acompanhar o ato sexual. Porém, onde é possível
encontrar o modelo da deusa no mundo contemporâneo?
Minha busca para encontrar um modelo funcional da deusa me levou
primeiramente ao passado, às diferenças históricas entre as atitudes ocidentais e
orientais em relação à sexualidade feminina. É claro que as mulheres são
subjugadas no Oriente assim como no Ocidente, porém, em duas culturas em
particular — na Índia dos tântricos, cerca de 1.500 anos atrás, e na dinastia Han,
cerca de mil anos atrás —, as mulheres foram, por algum tempo, elevadas a outro
nível e gozaram de uma relativa liberdade. Essas duas culturas viam a vagina
como provedora de vida e sagrada, e, como destaquei, acreditavam que o
equilíbrio e a saúde dos homens dependiam da excelência com que tratavam a
vagina — e a mulher. Ambas as culturas parecem ter compreendido aspectos da
resposta sexual feminina a que a ciência ocidental só está chegando agora.
Tantra é uma palavra que vem do sânscrito e pode ser traduzida como doutrina.
Surgiu na Índia medieval. O Tantra vê o universo como uma manifestação da
consciência divina em um estado de brincadeira divertida, expresso por meio do
equilíbrio das energias feminina e masculina: Shakti e Shiva . Desenvolveu-se um
braço do Tantra que usou a sexualidade como caminho para a realização do
Divino. No Tantra, a vagina é o assento do Divino, e o fluido ( kuladravya ) ou
néctar ( kulamrita ) originados nos céus.
Do século II depois de Cristo até o século XVIII, foram desenvolvidas na
China uma tradição taoísta de práticas sexuais semelhantes e uma filosofia sexual
relacionada. No Tao, a vagina também era vista como divina e uma fonte de vida.
Encorajavam-se os homens a levar a mulher ao orgasmo com grande cuidado e
habilidade, para que se beneficiassem das essências energéticas do yin. O pênis
era visto como um receptor da longa vida concedida pelos fluidos vaginais
femininos. Os homens recebiam treinamento com base nos textos clássicos do
ioga sexual (“a educação do pênis”) para garantir que satisfizessem a suas
mulheres e concubinas sexualmente com longas preliminares e a penetração
cuidadosamente ritmada, já que a harmonia pessoal e cósmica, juntamente com a
prole saudável, eram vistas como dependentes do êxtase sexual feminino.
Como o historiador Douglas Wile descreve em seu livro Art of the
Bedchamber: The Chinese Sexual Yoga Classics, “no mínimo, o homem deve
retardar seu clímax para se ajustar à diferença no tempo de excitação entre ‘fogo
e água’ para garantir a plena satisfação da mulher”. Wile elucida a filosofia
taoísta ainda mais:
Diz-se que a mulher ama a lentidão (hsu) e a duração (chiu), detesta a pressa (chi) e a violência (pao)
(…) A mulher expressa seus desejos por meio dos sons (yin), movimentos (tung) e sinais (cheng ou
tao). Em suas respostas sexuais, ela é comparada ao elemento água, “demora a aquecer e demora a
esfriar” (…) Longas preliminares são uma pré-condição fundamental para o orgasmo.[2]
Apesar de nem todos esses termos serem poéticos ou positivos, esse panorama
cultural diferente em torno da vagina mostra um direcionamento não ocidental de
níveis elaborados de atenção cultural masculina às sutilezas e à estética da vagina
de diferentes mulheres, seus humores, seus apetites variados e suas relações com
a vida da mulher em questão; e uma conscientização nada ocidental de que a
vagina é pluralística, individualista e possui desejos e intenções próprios.
Depois de perceber como a mulher ocidental ainda sofre sexualmente, de
acordo com os dados disponíveis, mesmo depois da “revolução sexual” e depois
de aprender com minha pesquisa mais sobre como o Tantra e as tradições taoístas
veem a vagina de uma forma tão diferente do Ocidente, eu me convenci de que o
Tantra responde a algumas questões em relação a como a sexualidade feminina
pode ser mais bem compreendida, especialmente em relação à ligação do cérebro
com a vagina. Cada vez mais, muitos estudos — tanto históricos quanto
neurobiológicos — apontam a centralidade do “ponto G” — ou “ponto sagrado”
em termos tântricos — na mediação da relação entre a sexualidade e a
consciência feminina. No Tantra, entender o “ponto sagrado” é fundamental para
entender a natureza da deusa, que é vista como uma parte inata de toda mulher.
Sendo assim, a fim de encontrar um tesouro tântrico de sabedoria, fui até um
dos mais conhecidos e conceituados workshopstântricos que aborda
especificamente a “massagem do ponto sagrado”. Oworkshop de dois dias é
ministrado por Charles Muir — cuja voz metálica ecoou na mente de todos
aqueles universitários na biblioteca da faculdade — juntamente com sua ex-
mulher, Caroline Muir (divorciados amigavelmente). O casal realiza o workshop
da “massagem do ponto sagrado” há vinte e cinco anos.
Confesso que, antes de participar do workshop dos Muir, considerava o Tantra
intimidador. Antes de conhecê-lo melhor, quaisquer tesouros que ele pudesse
guardar pareciam obscuros perto de toda aquela ladainha esotérica praticada por
pessoas com excesso de pelos faciais. Eu não tinha dúvida de que aprenderia
coisas interessantes e úteis, mas, para mim, uma mulher ocidental muito ocupada,
o Tantra era uma complicação distante e trabalhosa, que envolvia não só meu
conhecimento sobre toda uma nova gama de abordagens, como o envolvimento de
meu também muito ocupado parceiro. Será que eu poderia absorver a base do que
o Tantra ensinava sobre a sexualidade feminina — e passar adiante de uma forma
acessível para mulheres que não queriam adotar um novo modo de vida que
consumisse ainda mais tempo?
Outro homem que entrevistei reiterou seu desejo por intimidade não sexual, um
desejo que constituía a base de sua abordagem tântrica. Começamos a conversar
depois que percebi que ele estava sorrindo maliciosamente para mim — ele era
totalmente careca, um tanto atarracado e, no geral, charmosamente inofensivo.
Cruzei meus braços, identifiquei-me como jornalista — o anafrodisíaco universal
— e perguntei o que o levou àquele final de semana.
Ele abriu um sorriso maior ainda.
Ele já havia participado do workshop quatro vezes e estava de volta, segundo
ele, porque “minhas amantes dizem que estou ficando cada vez melhor”.
— Qual é o segredo? — perguntei a ele.
Não pude deixar de sorrir também para sua bravata pueril.
— Eu transmito energia, amor e carinho com meu toque sem fazer algo
necessariamente sexual — disse ele. — É a arte de aproveitar o momento, em vez
de apenas “chegar lá”. Sentir e manter uma conexão, e não fazer algo de forma
ensaiada para satisfazer a uma determinada pessoa, ou para satisfazer a si mesmo.
Todos os homens deviam aprender a técnica tântrica com vinte anos.
Perguntei a ele por que ele havia começado a buscar essas habilidades.
— Descobri que a intimidade sexual sem amor faz me sentir vazio. Não quero
mais passar por essa situação. Descobri que não é uma questão de ejacular [a
princípio].
“Na abordagem tântrica do desejo feminino”, disse ele, “você presta atenção…
você não está em seu próprio mundo. Como isso pode dar errado?” Ele disse que
“os homens sempre reclamam que as mulheres são emocionalmente voláteis, mas
a massagem no ponto sagrado”, disse ele, “ajuda a construir um alicerce
emocional para a mulher”:
— Se você [como homem] estiver presente e der espaço para as emoções dela,
impossível não ter sucesso na relação com uma mulher. As mulheres [que
recebem a massagem no ponto sagrado de um homem] conseguem construir um
alicerce para si mesmas, deixam de se apegar a coisas pequenas e de criar
histórias, como: “Você nunca me dá atenção”. Você presta atenção, pede
permissão para entrar. Os professores tântricos falam sobre quantas terminações
nervosas existem nos lábios vaginais. A maioria das terminações nervosas está
localizada nos primeiros centímetros. Você dá mais atenção. É uma experiência
totalmente diferente. Você passa a apreciar aquela região e não fica apenas
tentando entrar o mais rápido e o mais fundo possível. O que é o pornô? Fundo,
rápido, ejaculação. Por outro lado, o Tantra é: devagar, conexão, explorar cada
centímetro do que você está fazendo.
— Você acha que a maioria dos homens em nossa cultura conhece a vagina? —
perguntei.
— Os homens de nossa cultura não conhecem nem o pênis nem a vagina —
disse ele. — Afinal, com que frequência os homens de nossa cultura exploram
esses órgãos? É entrar, fazer o serviço e sair. A maior parte de nossa
sensibilidade também está nos primeiros centímetros — na cabeça. Charles Muir
fala sobre as sete áreas do pênis — cada uma relacionada a um chacra, mas os
homens não aprendem sobre controle em nossa cultura, nem em relação a seu
próprio prazer. O orgasmo pode ser mais longo, para alguns homens pode durar
dias. Você acha que a maioria dos homens de nossa cultura sabe que o ponto
sagrado da mulher pode ser acessado de diferentes formas, que talvez você tenha
que fazer uma curva ou tentar um ângulo diferente? Por que eles saberiam disso?
— Riu ele. — Ângulo, profundidade, ritmo: cada um desses fatores cria uma
resposta diferente. Mesmo que você não fique excitado no momento, estará
explorando; é um jogo que pode acabar sendo uma das partes mais intensas da
noite.
E prosseguiu:
— Especialmente hoje em dia, os homens mais jovens aprendem com os filmes
pornôs. Você fica assistindo a pessoas se colocando em posições um tanto quanto
esquisitas. Ficando sujeito a todas aquelas imagens, você começa a comparar a
pessoa que está com você com um par de seios ou pernas; você entra nesse lance
de comparação; e também fica se comparando com centenas de caras no mundo
com pênis de vinte e cinco ou trinta centímetros. Os homens não falam muito
sobre sexo, quer dizer, sobre técnicas, detalhes ou emoções. Eles podem até
dizer: “Nossa, estávamos no telhado e foi uma loucura”. Mas não falam muito
sobre o que é realmente útil em relação às mulheres. A maioria dos homens não
conhece essas coisas, porque não está disponível em lugar nenhum dentro de
nossa cultura.
Perguntei ao meu novo amigo tântrico o que surgia na mente dele quando
pensava na vagina. Como muitas pessoas para as quais fiz essa pergunta, ele riu.
E depois disse:
— Ela é ótima. Incrivelmente divertida, um mistério a ser explorado. Um lugar
de diversão, alegria, magia… e confuso, às vezes: se elas [as mulheres] não
chegam ao orgasmo, nós, homens, que somos muito presos ao processo, podemos
pensar: “Mas isso deu certo da última vez!”. É um lugar maravilhoso; por outro
lado, é atormentador ao mesmo tempo.
Ele ponderou:
— Se as mulheres se conhecessem melhor, poderiam explicar o que está
acontecendo: comunicando-se com elas mesmas ou com o parceiro, a fim de
melhorar a conexão entre eles. Seria muito bom se mais mulheres dissessem o que
querem — oferecessem, usassem o reforço positivo.
No sábado à noite, entrei no salão de festas do hotel onde a seleção para a
massagem do ponto sagrado aconteceria. Eu estava ainda mais curiosa depois das
conversas que tive durante a tarde.
Um tangka, uma tapeçaria sagrada, estava pendurado na parede do palco. O
tangka tinha a deusa Shakti em pé dentro de um triângulo invertido, o símbolo
feminino universal. Shakti tinha cabelos longos, pretos e ondulados; segurava um
lótus rosa aberto em cada uma das quatro mãos; e havia uma aura em volta dela.
Ela parecia a irmã mais mundana e morena da radiante Maria do manuscrito de
New College.
No grande e decadente salão de festas no porão do hotel, fora montado um
pódio decorado com rosas amarelas, e havia almofadas confortáveis espalhadas
no chão. Mulheres e homens de todas as idades se esparramavam ou se sentavam
nelas para prestar atenção às instruções. Charles Muir estava em pé no pódio,
falando sobre como os homens deveriam tocar a yoni. Ele tinha um sotaque seco
de Borscht Belt e abria um sorriso a cada frase de efeito. Ressaltou os mesmos
pontos gerais que Mike Lousada abordara em nossas conversas e que eu também
já havia ouvido nas fitas de áudio do próprio Muir: carinho, paciência, respeito,
cuidado, atenção.
Existe um ponto na mulher chamado yoni-nadi, que está localizado dentro dela: atrás dos pelos
pubianos fica o osso púbico; se você penetrar a vagina e curvar seu dedo contra o osso púbico dela, há
um tecido erétil e intumescido de aproximadamente cinco centímetros quadrados. Quando a região é
estimulada, o ponto fica proeminente e se manifesta provocando um orgasmo vaginal. Esse é o ponto
que liga “a parte de baixo” com o cérebro — já que existem muitos circuitos neurológicos ali. Esse é o
polo sul do clitóris, que, por outro lado, é o norte da energia sexual da mulher. (Eu diria que isso
confirma as últimas descobertas anatômicas ocidentais sobre a verdadeira relação do clitóris com o
ponto G — eles são o polo norte e sul da mesma estrutura anatômica.) Paramos no clitóris, pois há
muito prazer ali, mas do outro lado do clitóris existe o ponto G.
Durante todo o workshop, notei que, sempre que a massagem no ponto sagrado
era discutida, era apresentada mais como uma prática para liberar emoções que
como uma forma para dar prazer. Caroline Muir explicou que Charles ensinaria
aos homens
como estar presentes para uma mulher enquanto ela liberava tudo que precisasse liberar — a manter
seu amor mesmo ela estando com raiva (…) Os homens receberão treinamento sobre essa arte da cura
sexual (…) O incentivo, permissão e convite feito por um homem para que ela expresse sinceramente o
que quer que esteja sentindo, e isso leva a uma ótima preliminar, pois ela poderá confiar em você de
verdade. Caso algum dano nos seja causado pelas mãos de um homem, o que já aconteceu com quase
todas as mulheres, precisamos confiar que um homem é capaz de estar com nosso corpo e nossa yoni
sem precisar trepar. São suas mãos, coração, lábios e espírito que trazem a cura.
Estava anoitecendo lá fora. Olhei em volta uma última vez: eu ainda não
acreditava que uma noite nas mãos de um estranho pudesse mudar tanto uma vida
— eu não me imaginava nem fazendo aquilo sozinha — e, ainda assim, desejei
que todas aquelas mulheres, em suas comoventes e corajosas jornadas,
encontrassem o que estavam buscando. Cada uma delas estava dizendo uma
verdade interessante e fundamental, de sua própria maneira: aquilo que ela sabia
que lhe havia sido sexualmente dado por nossa cultura não era o suficiente para
refletir quem realmente era.
Conforme eu mergulhava no caos iluminado da Broadway, as palavras de
Caroline Muir para as mulheres que buscam algo ficaram em minha cabeça: “A
maior parte da jornada envolve retirar aquelas camadas de ‘eu não sou o
suficiente’. O ser amado não é o marido ou o amante. O ser amado está em mim.
O ser amado sou eu”.
Eu me convenci de que o Tantra tem algumas respostas para questões que levam a
uma melhor compreensão da sexualidade feminina. Porém, mesmo depois do
retiro da massagem do ponto sagrado, ele ainda me intimidava.
Entrevistei diversas dakinistântricas — mulheres de todas as origens que
participaram deworkshops sobre Tantra e que o praticam em seu dia a dia. De
acordo com as descrições delas, as dakinis eram muito mais orgásticas que
grupos de mulheres parecidos que também me falavam sobre sua vida sexual.
Elas também pareciam mais alegres e com mais energia, e não importava qual era
sua aparência — e, como em qualquer grupo de mulheres, poucas delas pareciam
top models ou tinham uma beleza convencional. Diferente de um grupo de
controle teórico, pareciam muito satisfeitas com sua própria feminilidade e
possuíam certa segurança em relação à sua sexualidade.
Quanto mais eu aprendia sobre Tantra, outro fator ficava mais evidente: notei
que as práticas tântricas em relação à sexualidade feminina combinavam de
maneira interessante com a nova ciência sobre o cérebro e a endocrinologia. Os
mestres tântricos dos séculos passados parecem ter identificado pontos-chave no
corpo da mulher que correspondem a importantes vias neurais: o “ponto sagrado”
corresponde ao ponto G. Os textos taoístas da antiga China encorajavam homens a
sugar os mamilos das mulheres, explicando que dessa forma o corpo e a mente
delas relaxariam; a ciência vem mostrando que sugar o seio da mulher libera
oxitocina, o hormônio do relaxamento. Os mestres tântricos e taoístas
identificaram fluidos importantes na vagina da mulher que, apesar de terem nomes
esotéricos, parecem corresponder ao que a ciência descobriu sobre as substâncias
químicas e hormônios contidos nos fluidos corporais. Os mestres tântricos
identificaram a ejaculação feminina, que só agora tem sido estudada pela ciência
ocidental. E o Tantra simplesmente traz resultados sexuais empíricos fascinantes
para as mulheres que participam desses workshops.
Meu interesse nos segredos divinos do Tantra foi o que me levou até Mike
Lousada, o homem que passei a considerar “meu conselheiro de plantão para
todas as questões da yoni” e cujas conversas tiveram um impacto tão duradouro
sobre mim. O site dele na Internet, Heartdaka.com, é intrigante. No topo da página
inicial, está escrito “A cura sexual sagrada de Mike Lousada em Londres”, e logo
abaixo há uma citação do poeta Rumi: “Sua tarefa não é buscar o amor, mas
simplesmente buscar e encontrar todas as barreiras que construiu dentro de si
mesmo contra ele”.
Uma série de perguntas íntimas confronta o visitante do site: “Você evita estar
em um relacionamento?”; “Você acha que pode conseguir mais do sexo, mas não
sabe exatamente o quê?”; “Você tem dificuldade em chegar ao orgasmo?”; “Você
deseja recuperar a inocência de sua sexualidade?”. Porém, os extasiados
comentários — todos de mulheres — rapidamente neutralizam qualquer possível
ameaça.[5] “Obrigada por abraçar com tanta habilidade minha vulnerabilidade,
srta. D.”; “Depois de me consultar com você, passei a ouvir meu coração bater,
eu me sinto tão viva — uma mulher de verdade (…) Obrigada, srta. S.”;
“Obrigada, Mike. Sinto graça e coragem, feminilidade, proteção, clareza, foco
(…) há um sorriso sereno em meu rosto”, e por aí vai. E no fim da página há um
link para a página do Facebook de Lousada, completo e com foto, como se a
Heartdaka.com fosse um negócio como outro qualquer: um belo homem de barba,
sentado em uma pedra, olhando a meia distância e usando calças hippies.
Por fim, depois de certa hesitação, liguei para Lousada e marquei uma consulta.
Descobri que ele cobrava cem libras por hora (cerca de 150 dólares).
Ele explicou que sua missão era dar poder à mulher sexualmente e que ele
também se concentrava em curar por meio da massagem na yoni a mulher que
tivesse algum trauma sexual. Sua base de clientes incluía mulheres de todas as
origens e idades. Seu histórico é no mínimo impressionante: ele recuperou o
potencial orgástico de centenas de mulheres.
Nossa, eu pensei, isso era bem mais explícito que um vago “workshop” e a
nebulosa “massagem” para a qual eu havia me preparado. Expliquei que, como eu
estava em um relacionamento, não poderia fazer o trabalho na yoni em si, e ele
me garantiu tranquilamente que respeitaria meus limites. O fato de que eu ia
entrevistar um curandeiro sexual/guru da yoni também causou uma reviravolta em
meus reflexos feministas autoritários em relação ao comércio do sexo e sua
moralidade.
Fiquei chocada com minha reação e com a das minhas amigas e colegas depois
de ter marcado a sessão com Lousada. Nenhuma das minhas amigas demonstrou
horror ou aversão à ideia: ou ficaram completamente encantadas ou irritadas por
não poderem ir junto. E uma mãe de dois filhos muito bem casada me mandou um
e-mail: “E aí? Já foi? Como foi?”. Nós não consideramos essa ideia com muita
maturidade. Nossas reações não foram inspiradas nem politicamente corretas. Em
vez disso, voltamos a um estado quase adolescente, quase como um papo de
vestiário feminino.
Ainda assim, Lousada não parecia ser a vítima nem o predador de ninguém:
como eu argumentaria contra a decisão dele de inserir um aspecto de sua
sexualidade dentro de um mercado? Descartei logo a possibilidade da
prostituição, pelo simples fato em si.
“Você se considera um profissional do sexo?”, perguntei em nossa primeira
conversa.
Ele disse que preferia o termo curandeiro sexual (apesar de agora, um ano
depois, falando para um público mais tradicional ou da área médica sobre o
sucesso de suas técnicas, ele se identificar como “terapeuta somático”). Ele disse,
ainda, que trabalhava vestido ou nu, como a cliente preferisse, e que a cliente
também poderia ficar com ou sem roupa, como ela quisesse. Algumas imagens
passaram pela minha cabeça — eu não conseguia acreditar que estava prestes a
encontrar meu primeiro instrutor de yoni, ou profissional do sexo a serviço das
mulheres, ideia que posteriormente constatei ser errônea. Será que o fato de uma
mulher procurar alguém como Lousada significa que as mulheres têm tanto
“tesão” — péssima palavra, mas os sinônimos também não são muito bons —
quanto os homens dizem ter? Ou será que isso é uma pequena prova da tristeza
sexual difundida entre as mulheres ocidentais? Será que as mulheres que podem
pagar contratam homens para encontros sexuais, independentemente de como eles
descrevem a si mesmos — encontros nos quais elas podiam comandar e ditar o
ritmo — porque sua vida sexual com seus parceiros não está indo bem?
O “estúdio” de Lousada é, na verdade, um charmoso chalé reformado próximo
a Chalk Farm, na região norte de Londres. Ele abriu a porta. Como na foto, era um
homem magro, de pele dourada e cabelos cacheados que, para minha surpresa, me
ofereceu um abraço logo de cara. O Tantra deve fazer maravilhas pelo organismo,
já que ele tinha quarenta e três anos, mas parecia ter uns dez a menos. Sentei
apreensiva no chão e olhei em volta: estávamos em uma aconchegante sala de
estar com pilhas de almofadas laranja e vermelhas, um relicário da deusa hindu
Kali em uma mesa baixa e velas e incensos queimando ao nosso redor. Para meu
horror, havia um fotógrafo lá.
Eu havia me comprometido a escrever um artigo para o Sunday Times sobre
minha experiência com Lousada. Um fotógrafo do jornal chegaria ao fim da
sessão, mas Lousada explicou que ele havia pedido ao rapaz que chegasse antes
para evitar que eu me expusesse demais. “Pensei no seu bem-estar”, explicou ele.
“Acontecem algumas coisas na sessão”, continuou ele. “Pode ser chocante. Você
pode despertar um trauma; pode ficar extasiada, ou gritar — ou pode até chorar.”
Fiquei um pouco retraída e me senti um tanto manipulada. Não era para um
curandeiro sexual fazer a pessoa ficar calma em vez de deixá-la mais nervosa
atropelando seus compromissos profissionais?
Lousada, então, conversou com o fotógrafo sobre possíveis fotos e sugeriu que
ficássemos na posição yab-yum. Ele apontou para uma estátua que mostrava
Shiva em êxtase, entrelaçado com uma deusa, suas pernas envoltas na cintura
dele, suas virilhas se tocando. “Eu não vou fazer aquilo!”, soltei. Como eu havia
me comprometido a fazer as fotos, acabamos decidindo por ficar sentados em
posição de lótus um de frente para o outro.
Antes de começar a sessão, Lousada explicou que muitas de suas clientes
haviam sofrido abuso sexual quando crianças, e, como resultado, os efeitos
colaterais variavam desde uma profunda raiva dos homens, que se manifestava
sexualmente, até uma incapacidade de sentir as coisas profundamente ou de ter um
orgasmo. O sexo com ele — ele usava as mãos na maior parte do tempo — as
ajudava, segundo ele, a curar a raiva e a depressão.
Lousada logo começou a me orientar sobre o básico do Tantra. Ele me fez
sentar à sua frente em uma almofada e começou a fazer exercícios de respiração.
Ficamos de frente um para o outro, a centímetros de distância. Ele me fez
visualizar cada chacra, de minha cabeça ao meu “chacra raiz”, que no Tantra é o
centro sexual (e que agora eu sei que corresponde a uma das três ramificações do
nervo pélvico feminino): “Sinta seu chacra raiz se expandir pela terra… Sinta-o
crescer com força… Sua yoni está propagando raízes pela terra… agora as raízes
estão partindo as pedras”.
Caí na risada. E o fotógrafo continuava tirando fotos.
— Nervosa? — perguntou Lousada. — Tudo bem.
— Não — disse eu, mal conseguindo me segurar. — É que é engraçado.
De alguma forma, a ideia de uma yoni poderosa que pudesse partir a terra —
dentro de uma cultura que geralmente odeia e insulta a yoni — era engraçada, não
de uma forma desagrad á vel, mas sim legal; ainda rindo, imaginei, como em uma
animação, uma super-heroína yoni poderosa — uma yoni vingadora.
Então, Lousada me fez olhar fixamente nos olhos dele enquanto respirávamos
em uníssono. A essa altura, eu estava atenta a meus instintos para descobrir se ele
era um doido, um predador ou só uma farsa, mas ele me olhou bem nos olhos, e eu
tive que admitir que confiava nas motivações dele. Meus conceitos estavam indo
por água abaixo, e, quando levei em consideração a repetida reafirmação de sua
missão — que o trabalho de sua vida era curar mulheres que haviam sido
sexualmente feridas —, ficou muito difícil encontrar uma razão para desprezar ou
ridicularizar seu trabalho.
Ao fim da sessão de respiração, ele sorriu e disse: “Bem-vinda, deusa”.
E eu não pude deixar de sorrir também. Pensei em todas as mulheres que estão
em casamentos sem amor, mulheres verbalmente agredidas diariamente com
desrespeito ou puro desprezo. Pensei também no estereótipo da “prostituta com o
coração de ouro” e nos relatos frequentes de muitos homens que procuram
prostitutas apenas para que ela os ouça ou elogie. Para muitas mulheres, o
conhecimento de Lousada sobre o sagrado feminino que há em toda mulher já
valia o preço da consulta. Quantas mães exaustas ou esposas negligenciadas não
ficariam pelo menos tentadas a ouvir um aparentemente sincero “Seja bem-vinda,
deusa” por apenas cem libras, em vez de gastar isso com uma roupa ou corte novo
de cabelo?
— Como exatamente — perguntei a ele — você cura uma mulher sexualmente?
— Eu faço o “esvaziamento da yoni” — disse ele — para encontrar o trauma
armazenado nos genitais. Por inúmeros motivos, incluindo o fato de alguém que
trabalha com o corpo não conseguir uma licença para tocar nos genitais, esses
profissionais geralmente não procuram o trauma nessa parte do corpo —
explicou. — Começo massageando o corpo e, depois, passo a trabalhar na yoni.
Primeiro trabalho externamente. Quando é apropriado, pergunto se posso penetrar
[a cliente] com meus dedos. A yoni é um local sagrado, o santuário de seu corpo.
Ninguém pode entrar sem sua permissão. Pergunto: “Deusa, posso entrar?”. Se
tenho o consentimento, confirmo com a yoni. Coloco meus dedos na entrada dela
e, se ela estiver pronta para me receber, entrarei. Não preciso forçar meus dedos
para dentro, ou “inseri-los”; se a mulher estiver pronta para receber, a yoni me
puxa para dentro, com um tipo de contração ou sucção. Caso [a ação de sucção]
não ocorra quando uma mulher está fazendo sexo, ela estará desonrando sua
própria yoni.
Ele disse, ainda, que aconselha os homens a nunca acreditar no que uma mulher
diz verbalmente sobre estar preparada — entre apenas “se a yoni também disser
que sim”. Achei que esse seria um bom conselho a ser dado a homens mais
jovens, como parte de sua educação sexual básica.
Há relação sexual com as clientes? “No geral, não tenho relação sexual com
minhas clientes, a não ser que seja extremamente terapêutico.” Ele reafirmou que
geralmente trabalha com as mãos. Perguntei se as clientes já ficaram viciadas
nele, e ele respondeu dizendo que toma cuidado para manter os limites
apropriados e que sua intenção é libertar a cliente dos vícios. Ele admitiu que
elas podem desenvolver um apego emocional, mas que ele lida com a situação
como qualquer terapeuta lidaria com a questão da transferência. Acrescentou,
ainda, que teve uma namorada que também fazia trabalhos de cura sexual, muitas
vezes juntamente com ele.
— Suas clientes chegam ao orgasmo? — perguntei.
— Geralmente, sim — respondeu —, mas esse não é o objetivo. Tenho três
tipos de clientes. Mulheres que me procuram porque não estão felizes com suas
relações com seu próprio lado masculino ou feminino. Elas anseiam por um
homem masculino, mas não os atraem, pois elas mesmas estão “em seu
masculino” [forçadas a viver de forma desequilibrada e exigindo muito do lado
masculino de sua personalidade].
Ele falou das pressões da vida profissional moderna sobre as mulheres —
como elas são recompensadas por serem desequilibradas e desencorajadas a
explorar o lado feminino dentro delas. Segundo ele, depois do tratamento, elas
recuperam o equilíbrio feminino e passam a atrair homens masculinos maduros,
responsáveis e protetores. Eu estava cética, e ele se ofereceu para me colocar em
contato com algumas dessas mulheres. Lousada disse que a tarefa de um homem
em relação a uma mulher é “acolhê-la” como uma taça de vinho acolhe o líquido.
Até ali, eu já havia ouvido variações dessa ideia tântrica de que o papel do
homem no sexo é acolher e apoiar o lado selvagem da mulher. “O verdadeiro
estado da mulher é a felicidade oceânica”, disse ele. Um homem precisa deixar
uma mulher “se movimentar e respirar” para que ele possa entrar em “seu fluxo”.
Aquilo estava ficando oceânico demais para mim. Então, perguntei a ele sobre
a segunda categoria de clientes. “A categoria número dois”, disse ele, “são
mulheres que sofreram um grave abuso ou trauma e querem lidar com isso por
estar afetando sua vida de forma ruim.”
Categoria três? “Algumas vezes, minhas clientes são mulheres que apenas
desejam sentir prazer.”
— E se você não as acha atraentes? — perguntei.
— Sempre há beleza em uma mulher — disse ele, de forma cativante.
Explicou que algumas dessas clientes têm entre cinquenta e sessenta anos;
outras têm alguma dificuldade ou deficiência física; muitas delas são sozinhas.
“Em uma sessão”, disse ele, “sempre consigo perceber alguma coisa.”
Ele disse que normalmente são necessárias duas ou três horas para realizar a
massagem na yoni; ele quer que as mulheres sintam que não precisam ter pressa.
Essa carga horária me surpreendeu profundamente, assim como as descrições
que ouvi no workshop dos Muir sobre a parcela de tempo (uma hora e meia)
destinada apenas para a massagem na yoni. Isso, com certeza, era uma ideia
completamente diferente da ocidental da relação entre o prazer feminino e o
tempo.
— Isso não é muito tempo? — perguntei. — Acho que, se você disser a um
homem que precisa dar atenção a uma mulher dessa forma por duas ou três horas,
ele vai imediatamente começar a procurar o controle remoto — brinquei.
— Por isso preciso ensinar os homens — respondeu Lousada, sério.
Ele me ganhou, pelo menos por sua sinceridade. Seguimos para a massagem —
ou, pelo menos, para a parte dela com a qual eu me sentia confortável.
Ele me levou para o andar de cima, para um pequeno quarto sedutor. A essa
altura, o fotógrafo havia ido embora. O quarto era iluminado por velas e
aromatizado por incensos. Lá, mais uma vez, começamos a negociar: ele queria
fazer uma massagem na yoni. Era uma situação explicitamente sexual, diferente de
toda a possibilidade de negação que eu havia imaginado quando entrei no site
dele pela primeira vez e achei que aquilo tinha a ver com algum tipo de massagem
vagamente sensual — eu não podia ir até o fim. Eu estava na cama com um
estranho atraente e não havia como fingir que o que ele estava propondo não era
uma forma de sexo. A boa e monogâmica garota judia em mim, mais uma vez,
impôs um limite.
— Podemos fazer algum tipo de massagem corporal? — perguntei. Ele também
tinha formação em Reiki. — Reiki? — perguntei, esperançosa.
Ele pareceu ofendido:
— Meu trabalho é com a yoni — disse ele, com certo orgulho profissional.
Finalmente, entramos em um acordo: trabalharíamos de forma não sexual, e eu
continuaria vestida. Bem, em trinta segundos, eu estava em um estado de — sim
— felicidade oceânica. Em cinco minutos, eu estava rindo e, depois de dez
minutos, estava em um estado alterado.
O que ele estava fazendo?
“O que você está fazendo ?”, perguntei. Lousada explicou que, com muito
treinamento, ele conseguia projetar sua energia Shakti (masculina) para todas as
partes de seu corpo — incluindo mãos e dedos — e que isso é o que causava o
efeito do toque dele. Explicou que estava buscando com as pontas dos dedos as
linhas dos meridianos em meu corpo — linhas de energia, ou chi , que a medicina
oriental acredita que formem uma rede entre os pontos do chacra. Havia uma
inexplicável carga cinética. Nossa sessão durou uma hora, e, sim, mesmo sem
uma troca sexual, havia algo de eletrizante e enriquecedor sobre “receber” algo
fisicamente daquela maneira tão sem pressa nem programação.
Quando saí do estúdio, estava (agora eu entendo) entorpecida de dopamina. As
cores pareciam mais brilhantes, o mundo parecia repleto de alegria e
sensualidade, e as amigas que me encontraram depois disseram — com um pouco
de raiva — que eu estava corada e radiante.
Voltei a falar com Lousada por telefone para tentar arrancar dele como o
método funcionava — eu queria entender principalmente qual era a ligação entre
a cura de uma mulher com a massagem vaginal e seu resultado em outras áreas da
vida, além da sexual.
“Quando uma mulher se sente segura, ela permite aela mesma — não a mim —
seu prazer orgástico. Um homem leva em média quatro minutos para chegar ao
orgasmo”, disse Lousada novamente.
Uma mulher, dezesseis minutos. A menos que ele seja paciente, ele vai gozar bem antes dela. Então,
quando falamos sobre “sexo normal”, o homem ejacula bem quando o corpo da mulher está começando
a amolecer, a se abrir e relaxar para aquela maravilha (…) e aí acaba. Muitas mulheres desistiram
desse tipo de sexo. As mulheres estão abandonando esse tipo de sexo por chegar à conclusão de que
não é satisfatório.
Muitos homens não gastam o tempo necessário com suas amantes. As mulheres experimentam esse
tipo de sexo e acham que é assim. Em parte, é falta de conhecimento, tanto do homem quanto da
mulher. A sexualidade real da mulher é reprimida pela sociedade. Nossa cultura não permite os mesmos
tipos de respostas para homens e mulheres. Estudos mostram que 29% das mulheres nunca chegaram
ao orgasmo durante uma relação sexual. E 15% das mulheres só chegam lá raramente. Comparado a
0,6% dos homens. Testes em mulheres mostraram que não existe uma razão fisiológica para elas não
terem orgasmos. Isso mostra que a condição pré-orgástica é psicológica.
Nós [homens] precisamos fazer a mulher se sentir segura se quisermos que elas respondam com um
orgasmo. Precisamos de algum conhecimento rudimentar acerca de onde e como tocá-la — é uma
simples questão de anatomia e sensibilidade. Na verdade, uma das coisas mais importantes que os
homens precisam lembrar é que todos nós agimos de acordo com nossas próprias experiências sexuais,
então, os homens fazem com suas esposas e amantes o que eles acham que é gostoso de acordo com
sua própria experiência sexual; e as mulheres não estão dispostas a dizer a eles que existe outro jeito.
Então, quando uma mulher me diz: “Meus amantes não me fazem chegar ao orgasmo”, ela geralmente
não está assumindo a responsabilidade. Poucas das minhas clientes expressam seus desejos sexuais.
Algumas clientes já me disseram: “Queria ter um orgasmo, seria um presente lindo para ele”, ou “até
parece que vou dar a ele meu orgasmo”. Então, sim, existem coisas que os homens podem fazer, mas
as mulheres é que precisam ser curadas. As mulheres entram em contato com seu eu sexual e se
tornam mais criativas; espirituais; artísticas. Elas conseguem empregos diferentes! É uma só uma
questão de liberar sua força vital.
1. Veja Marcus Buckingham, Find Your Strongest Life: What the Happiest and Most Successful Women
Do Differently (Nova Iorque: Thomas Nelson, 2009).↵
2. Douglas Wile, Art of the Bedchamber: The Chinese Sexual Yoga Classics, Including Women’s Solo
Meditation Texts (Albany: State University of New Iorque Press, 1992), 9.↵
3. Ib., 140-41.↵
4. Richard Burton, trad., The Perfumed Garden of Cheikh Nefzoui: A Manual of Arabian Erotology
(Londres, Reino Unido: Kama Shastra Society of London and Benares, 886), 129-59.↵
5. Leora Lightwoman, do Diamond Light Tantra, outra professora, dá um alerta sobre o campo crescente
da cura sexual tântrica para mulheres. Em um e-mail, ela escreveu: “A massagem tântrica para
mulheres, incluindo a massagem da yoni, é um ritual lindo a ser compartilhado entre amantes, e
profissionais como Michael oferecem esta oportunidade àqueles que não estão em um relacionamento,
ou cujos parceiros não têm inclinação para o Tantra, para que possam receber essa oferta sexual e
emocional sagrada e deliciosa. E isso é bom. A massagem tântrica pode ser profunda (...) Fico,
entretanto, profundamente preocupada com a reputação do campo da massagem tântrica como um
todo, pois claramente não é uma área regulamentada. Qualquer um pode se autoproclamar um
massagista tântrico. A diferença entre uma massagem tântrica e uma massagem erótica pode ser
nebulosa, até mesmo para as pessoas da área, e eu vejo a coisa como um contínuo.” Ela estabelece a
distinção que vê entre os terapeutas tântricos reais e os de última hora e alerta que o mestre tântrico
tem respeito pela cliente e deve manter um “sentido de inocência” a respeito da transação. Entrevista
com Leora Lightwoman, Londres, Reino Unido, 15 de julho de 2011.↵
Prazer radical, despertar radical: a vagina como
liberadora
Hoje quero pintar a nudez (…) te quero (…) me levaria noite afora — afora na escuridão azul, e
o dia jamais chegaria…
Georgia O’Keeffe
No filme de Spike Lee de 1986 She’s Gotta Have It, o seguinte diálogo ocorre
entre um homem e uma mulher que haviam acabado de começar a se beijar.
— Aonde você vai? — pergunta o homem enquanto a jovem Nola se levanta e
sai da cama.
— Pegar as velas — ela responde sedutoramente.
— Tem certeza de que vai ter velas suficientes? — ele aponta para as dezenas
de velas à volta deles, sarcasticamente.
— Você não sente o cheiro delas? São perfumadas — ela responde, ainda em
voz baixa.
— Sim, elas cheiram bem — ele responde abruptamente. — Agora, por que
você não tira a roupa?
Essa é a clássica falta de comunicação entre os gêneros. Nola não está somente
tentando “pegar as velas”. Ela está tentando entrar em um estado ativado de seu
SNA que vai influenciar a intensidade de seu orgasmo. Mas seu amante pensa que
ela está só perdendo tempo em decorações inúteis que eles podiam estar usando
para ir direto ao ponto.
Para o cérebro de Nola, a luz de velas éparte de seu desejo físico, não apenas
uma decoração qualquer. Em The Female Brain de Louann Brizendine, ela
explica a neuroquímica por trás disso:
Finalmente, tudo estava em seu lugar. Sua mente estava calma. A massagem fez sua mágica. As férias
eram sempre o melhor momento. Sem trabalho, sem preocupações, sem telefone, sem e-mail. Nenhum
lugar para onde o cérebro de Marcie pudesse correr (…) Ela podia se abandonar e deixar acontecer. O
centro de ansiedade em seu cérebro estava desligando. A área para tomada de decisão consciente já
não estava tão iluminada. As constelações neuroquímicas e neurológicas estavam se alinhando para o
orgasmo (…) Ironicamente, a excitação sexual feminina é ligada quando algo é desligado. Os impulsos
podem correr para os centros de prazer e engatilhar o orgasmo apenas se a amígdala — o centro de
medo e ansiedade no cérebro — foi desativada. Antes de a amígdala ser desligada, qualquer
preocupação de última hora (…) pode interromper a marcha em direção ao gozo. O fato de que uma
mulher exige essa etapa neurológica extra pode explicar por que ela leva uma média de três a dez vezes
mais tempo que o homem normal para chegar ao orgasmo (…) Os nervos na ponta do clitóris se
conectam com o centro do prazer no cérebro feminino. Se o medo, o estresse ou a culpa interferem no
estímulo, o clitóris congela (…) Na verdade, o clitóris é o cérebro abaixo da cintura.[5]
Penso em procurar nas gavetas dele, abrir uma delas e levar uma camiseta dobrada até meu
nariz. Ainda sinto o cheiro dele em tantos lugares e me pergunto como vai ser quando isso
também desaparecer.
Quando Mike Lousada começa uma sessão de Tantra, gasta vários minutos —
talvez dez; pareceu-me uma eternidade — cara a cara com sua cliente, olhando
direta e inquisidoramente em seus olhos. Muitas clientes suas têm uma dificuldade
inicial de suportar esse olhar. Começam a rir ou precisam desviar os olhos. Mas
todas as clientes que entrevistei — e eu própria —, mais cedo ou mais tarde,
acham essa troca de olhares muito profunda na criação de uma atmosfera de apoio
ao feminino.
Por que isso acontece? O dr. Daniel Amen, em seu livro The Brain in Love,
mostra que o olhar olho no olho dá pistas sobre a excitação sexual e que está
envolvido no comportamento dos neurônios espelhos, que dão sinais às pessoas
[26]
sobre como os outros se sentem a respeito delas. Daniel Goleman, em Social
Intelligence: The Revolutionary New Science of Human Relationships, discute a
neurociência da importância do olho no olho em contextos íntimos:
Esses longos olhares podem ter sido um prelúdio neural necessário para o beijo [de um casal] (…) Os
olhos contêm projeções nervosas que levam diretamente a estruturas-chave do cérebro para a empatia
e emoções compartilhadas, a área orbital frontal (em inglês, OFC) do córtex pré-frontal. Sustentar o
olhar de alguém nos põe em looping (…) Essa estreita conexão [do OFC com o córtex, amígdala e
tronco cerebral] (…) facilita a coordenação instantânea do pensamento, sentimento e ação (…) O OFC
realiza um importante cálculo social, que nos diz como nos sentimos a respeito da pessoa com quem
estamos, como a pessoa se sente sobre nós e o que faremos a seguir de acordo com o modo como a
[27]
pessoa reage.
Dado o poder do OFC, é surpreendente que as mulheres anseiem pelo olho no
olho como forma de conexão? Na realidade, é uma mídia neurológica de conexão.
As mulheres sempre sentem falta do “olhar” — o contato visual direto que outras
mulheres e crianças pequenas lançam continuamente a elas. Elas leem isso como
um fortalecedor da conexão. Em contraste, os homens têm uma aversão natural a
um olhar profundo diretamente nos olhos. Os homens preferem a interação lado a
lado — eles interpretam o olhar direto como ameaçador. Nos dois primeiros anos
do relacionamento, quando estudos mostram que a neuroquímica do homem se
torna mais como a da mulher, e vice-versa, os homens darão às mulheres esse tipo
de olhar longo e profundo. Esse olhar tende a diminuir significativamente despois
[28]
dessa paquera inicial. (As ratas fêmeas olham profundamente antes de ficar
prontas para o sexo: elas fazem, se vocês se lembram, a “orientação pela cabeça”
— olham intencionalmente o rato cara a cara e saem correndo para iniciar o
sexo.)
Nos humanos, o contato visual direto requer confiança. No contexto sexual, o
olhar combinado com a dilatação da pupila significa que pode ler o que seu
parceiro sente por você, já que a dilatação da pupila significa excitação sexual.
Os restaurantes românticos têm luzes fracas para facilitar a dilatação, que envia a
mensagem da excitação.
Mas o anseio feminino pelo olhar profundo do amante masculino não fica por
aí: a maior parte das cenas românticas de filmes e romances envolve descrições
do homem “olhando profundamente nos olhos dela”. Na natureza, a corte e o sexo
entre os primatas envolvem olho no olho profundo. Esse apetite feminino voraz
pelo que eu chamo de “olhar de contato” — ou talvez ainda melhor:
“comunicação visual” — pode ajudar a explicar vários mistérios sobre o estresse
da vida conjugal e as relações heterossexuais de longa duração.
Muitas mulheres consideram o olhar direto de um homem como sensual. A
comunicação visual é parte da dança da deusa. Quantas mulheres estão famintas
por um olhar e buscam inconscientemente provocar seus parceiros — somente
porque querem sua plena atenção, olho no olho? Quantas mulheres não acham que
seus parceiros raramente as olham profundamente nos olhos, a não ser que
estejam zangadas? Uma experiência familiar e frustrante para muitas mulheres é
sentir que seus maridos ou parceiros levam sua vida dia a dia com elas sem ao
menos olhá-las. Essa frustração crescente por parte delas pode levar àquelas
cenas de provocação que, para o homem, parecem saídas do nada. Nem ela
mesma entende completamente por que de repente ficou tão irritada com ele. Ele
não disse nada horrível, nem fez nada terrível — simplesmente passou três ou
quatro dias, do ponto de vista dela, semolhar para ela. Pobre mulher — ela nem
tem consciência de estar sendo privada da interação profunda que anseia, pois
essa não é uma informação que esteja disponível ou seja disseminada. Pobre
homem — ele pode se achar a companhia perfeita, enquanto ela começa a
espumar, pois a atividade lado a lado com os olhos desviados do outro é como os
homens passam felizes o tempo com seus amigos e colegas homens.
Os dados mostram uma queda marcante na satisfação conjugal após o
nascimento do primeiro filho — e os bebês são evolutivamente programados para
buscar o olhar do cuidador e sustentá-los.[29] Poderia ser que algumas mães
recentes — famintas do olhar profundo de seus maridos — corram um risco maior
de ficar enfeitiçadas pelo círculo encantado de olhares mútuos com seus bebês,
deixando de fora os homens? Quantas novas mamães não são seduzidas pelo
interesse intenso do bebê em olhar em seus olhos em um relacionamento no qual o
recém-chegado se torna o principal, deixando de lado o pai como parceiro
romântico? Essa triangulação infeliz após o nascimento de um novo bebê e as
reclamações subsequentes da baixa libido ou até mesmo de um casamento sem
sexo são extremamente comuns em nossa cultura. Quanto isso se deve à inanição
de olho no olho?
O homem que deseja ativar a dança da deusa terá consciência dos perigos de
exagerar no uso do BlackBerry em casa. Vai abrir um tempo em sua agenda, de
quando em quando, mesmo que isso não seja um impulso natural, para olhar
profundamente nos olhos de sua esposa ou amante.
FALE, OUÇA
Um fator de estresse para as mulheres héteros que vivem com os homens que
amam é o silêncio masculino. Não estou falando do silêncio hostil ou antagônico
— quero dizer simplesmente aquela antiga quietude do cérebro macho.
Muitos estudos já confirmaram a diferença entre os cérebros masculino e
feminino em termos de processamento verbal: as mulheres têm níveis muito
maiores de atividade entre os dois hemisférios cerebrais, fazendo que tenham
mais interesse em falar, usando maior variedade de vocabulário, e estão sempre
[30]
mais prontas para discutir emoções. Por razões puramente biológicas, essas
atividades interessam muito menos aos homens. Não é que estejam sendo rudes ou
desdenhosos. Seu cérebro simplesmente não responde a essas atividades dessa
maneira. Adicione-se aí o fator de que muitos homens chegam em casa depois de
um dia de trabalho processando verbalmente e lendo as emoções das pessoas —
os empregos pós-revolução industrial que exigem que o cérebro dos homens, de
fato, aja como o das mulheres. Muitos homens entram pela porta no fim do dia
completamente exaustos em termos de atividade cerebral. Tudo que querem é se
recuperar — para repousar o cérebro masculino.
Acredito que seja esse o motivo pelo qual tantas brigas acontecem justamente
quando os dois entram em casa depois de um dia de trabalho — o cérebro dela
está agitado e louco para falar de tudo, que é como ela se acalma e se sente
melhor, enquanto o dele está desesperado para passar um tempo sem fazer nada
em frente à tevê, que é como ele se acalma e se sente melhor. Ela se sente
entediada e frustrada se ele não pode ou não quer falar com ela — e ele se sente
invadido pela vontade dela de falar.
A dra. Louann Brizendine no livro The Male Brain destaca o fato de que o
cérebro do homem não se engaja tanto em processamento verbal quanto o da
mulher. [31] O cérebro feminino está sempre ligado verbalmente. Portanto,
frequentemente quando uma mulher pergunta a um homem “o que você está
pensando?” e ele responde “nada”, as mulheres assumem que o homem está se
preservando, ou negando a elas o acesso à vida dele. Isso acontece porque,
existencialmente, hermeneuticamente, o cérebro feminino não consegue imaginar
um estado cerebral no qual o processamento é menos proeminente, pelo menos
enquanto a pessoa está consciente. Mas os homens literalmente entram em um
estado cerebral menos verbal — eles precisam disso, para recuperar seu
equilíbrio.
Esta é uma realidade difícil de aceitar para as mulheres com seu cérebro
incansável.
Em praticamente todas as culturas fora do Ocidente, muitas mulheres passam
algum tempo, em geral diariamente, com outras mulheres apenas (e crianças). São
as mulheres que cuidam dos mercados na África ocidental; que lavam roupas
diariamente nas margens do Vale das Rosas no Marrocos; que visitam umas às
outras na hora do almoço nas varandas dos bairros residenciais de Delhi. Se, por
um lado, as mulheres nessas sociedades enfrentam imensas dificuldades e
obstáculos, frequentemente parecem estar menos irritadas com os homens com
quem vivem que as mulheres ocidentais. (Não estou aqui falando do abuso físico.)
Essa carga não pertence somente ao marido, e não é ele quem tem que,
heroicamente, satisfazer a essa necessidade neural de falar, já que sua química
cerebral torna isso praticamente impossível.
Na sociedade ocidental contemporânea, em contraste, espera-se que homens e
mulheres em uma relação, ou pais de famílias, gastem a maior parte de seu tempo
de lazer juntos. Portanto, homens e mulheres raramente têm um tempo, em casa ou
no trabalho, sem essa união inevitavelmente estressante do ponto de vista
biológico, por causa do desalinhamento verbal.
Manejar os arranjos sociais, como fazemos no Ocidente, de forma que a mulher
tenha que conseguir a maior parte de suas necessidades em termos de toques,
olhares e atenção em umas poucas horas após o trabalho, e tudo isso vindo de
uma pessoa só — e mais implausível ainda, de um homem cansado, que necessita
desesperadamente do oposto, pelo menos por um tempo —, é praticamente a
receita do conflito e da frustração.
O dr. Daniel Goleman, em seu livro de 1995, Inteligência Emocional , e o
psicólogo John Gottman, em seu livro de 2005, Sete princípios para o casamento
dar certo, exploram as diferenças entre os gêneros na reação ao estresse e seu
papel no conflito conjugal. No capítulo “Inimigos íntimos”, Goleman observa que
os homens são o “sexo vulnerável” porque, na média, tendem a “se sentir
inundados (…) em um nível menor de intensidade” do que suas mulheres e, “uma
vez afogados nessa inundação, jogam mais adrenalina na corrente sangu í nea (…)
portanto, leva mais tempo para os maridos se recuperarem psicologicamente
desse afogamento”.[32] Esses livros importantes aconselham as mulheres a
entender a resposta masculina ao estresse — os homens se sentem “inundados”
por processamento emocional excessivo e precisam se recolher para se ajustar.
Esse é um conselho bom. Mas acredito que também seja muito importante para
nós entender a resposta feminina ao estresse e o ajuste a ela. Gottman atribui à
mulher o papel de moderar sua abordagem ao conflito, já que, segundo ele,
biologicamente ela lida melhor com ele. Isso é verdade no curto prazo, e os dois
autores dão aos leitores uma boa orientação sobre como evitar que o nível de
estresse de suas mulheres ou namoradas afunde a discussão. Mas acho que esse
excelente conselho deveria ser complementado com um debate sobre os efeitos de
longo prazo para as mulheres — especialmente em termos sexuais — de certos
tipos de estresse crônico que surgem inevitavelmente como consequência da vida
no modelo ocidental, em contato próximo e isolado até mesmo com o mais gentil
dos homens.
Eu, pessoalmente, posso atestar que minha própria tendência à alta ansiedade e
ataques de raiva quando certos assuntos aparecem no contexto de um
relacionamento foi domada com o uso dessa prática. Desde que falei dessa
descoberta com meu parceiro, ele faz carinho em meu cabelo e pescoço quando
surge algum assunto difícil entre nós, e isso tende imediatamente a baixar minha
pressão sanguínea — chega até a me fazer rir.
Se os homens relataram que é difícil para eles dar carinho quando se sentem
atacados durante uma briga (um ponto muito razoável quando se pensa na alta
susceptibilidade aos hormônios do estresse durante a briga), notaram também que,
se podiam acariciar suas mulheres frequentemente em um contexto natural ao
longo do dia, isso fazia que ficassem mais felizes e calmas em geral. Muitas
mulheres, por sua vez (em respostas separadas), notaram com surpresa que se
sentiam menos irritadas em geral com seus maridos ou namorados depois da
introdução de carinhos regulares no relacionamento. O nível de implicância com
assuntos menores caiu, e se sentiam mais carinhosas com seus parceiros ao longo
do dia. Isso faz sentido. Se Kathleen Light descobriu que carícias elevam os
níveis de oxitocina nas mulheres em pelo menos um quinto, isso sem dúvida as
fará se sentir mais afetuosas e mais confiantes em relação a seus homens. Fará
que se sintam também mais relaxadas. Ao baixar a pressão sanguínea das
mulheres que amam, os homens as estão protegendo de doenças cardíacas e
AVCs.
Vimos a correlação direta entre a capacidade da mulher de permanecer em um
estado de relaxamento perto de seu marido e amante e sua habilidade de se abrir
completamente em termos sexuais. O reverso dessa moeda é que precisamos levar
muito a sério o que acontece fisicamente quando um homem regularmente se sente
no direito de bater em sua mulher ou namorada.
Ainda estou para ver um guia de relacionamento para casais que leve a sério o
suficiente a questão de homens que praticam pequenas violências contra suas
mulheres e filhos, e como isso as afeta fisicamente. Muitas mulheres são também
culpadas de bater em seus parceiros e filhos ou de demonstrar irritação
excessiva, é claro — e os homens merecem um livro só deles mostrando o que a
violência feminina faz ao seu corpo. Mas meu tema aqui é o corpo e a mente
femininos. Ainda há uma premissa frequentemente inconsciente em nossa cultura
de que o direito dos homens de bater e demonstrar irritação com suas mulheres e
filhos não é exatamente uma questão séria, e esse direito vai junto com outros
privilégios da vida doméstica masculina. Não há muita energia cultural
direcionada a exigir que esses homens que praticam essas agressões parem de
bater em mulheres e crianças em suas casas.
Mas, em um ambiente em que as mulheres já vivem na expectativa de apanhar
regularmente, o SNA feminino fecha os canais que elas precisam abrir para se
sentir abertas sexualmente. Para as mulheres, é evolutivamente negativo se ligar a
homens imprevisivelmente violentos ou amedrontadores. Por razões
evolucionárias, provavelmente muitas mulheres reagem à raiva repentina dos
homens direcionada a elas ou a seus filhos (com quem têm uma ligação de
proteção) de forma imediata, com um aumento no batimento cardíaco, liberação
de adrenalina e assim por diante. Se a violência for crônica, os níveis de
“estresse negativo” serão cronicamente aumentados, e sua capacidade de resposta
sexual sofrerá. Os homens que desejarem uma resposta sexual mais apaixonada de
suas mulheres ou namoradas poderão experimentar passar uma semana toda sem
violência de sua parte e observar as coisas boas começarem a acontecer quando o
sistema nervoso autônomo de suas parceiras puder ser completamente ativado,
acostumado a um ambiente emocional sem esses estressores.
Perguntei a Mike Lousada que conselhos ele tinha a dar para os homens
heterossexuais. Qual era a mensagem de toda a experiência bem-sucedida dele em
excitar e despertar sexualmente mulheres — mesmo as que tiveram muita
dificuldade em chegar ao orgasmo ou grandes problemas de baixa libido.
“De certa forma, é muito simples”, disse ele. “Não é ciência espacial. Queria
dar aos homens dois conselhos: um, sejam pacientes e compassivos. E a outra
coisa que os homens têm que lembrar é que as mulheres têm dois centros sexuais,
o clitóris e o ponto G.” (Na realidade, há muitos, como vimos, mas dois já é um
ótimo começo.)
Como já vimos antes, o homem médio goza em quatro minutos, enquanto a
mulher média goza em dezesseis minutos. Temos que levar a sério essas
diferenças de tempo. Frequentemente se espera que as mulheres se “adaptem”
sexualmente aos homens, mas essa é uma área na qual essas expectativas não
fazem sentido. Muitas mulheres já aceitaram que, tristemente para elas,
simplesmente não é fácil gozar quando estão com um homem. Mas essa é uma
conclusão desnecessária, que os dados mais recentes não confirmam. O tipo certo
de estímulo — que dá mais certo quando combina o estímulo no clitóris, ponto G
e outros — aumenta a taxa de orgasmo entre as mulheres para quase 90%. Em um
estudo, Milan Zaviacic, da Universidade Comenius, na Bratislava, Eslováquia,
descobriu o ponto G em cada uma das vinte e sete mulheres que estudou, e cada
uma delas que teve seu “ponto sagrado” massageado chegou ao orgasmo: dez
delas ejacularam. Em outro estudo, 40% das 2.350 respondentes também
experimentaram a ejaculação.[37] Portanto, os baixos níveis de satisfação
reportados por mulheres dos Estados Unidos e da Europa Ocidental são sinais de
um grande cisma entre os níveis de capacidade prazerosa e orgástica que as
mulheres podem atingir nas condições certas e sua experiência real. São um sinal
de que elas não estão sendo tratadas da forma ideal, física ou emocionalmente.
“Vaginal Eroticism: a Replication Study”, um estudo publicado por Heli Alzate
em Archives of Sexual Behavior investigou o “erotismo vaginal” em um grupo de
[38]
mulheres voluntárias. Alzate e o grupo de pesquisa promoveram o “estímulo
digital sistemático das duas paredes vaginais”. O resultado é que “zonas
erógenas” foram encontradas em todas as mulheres, principalmente localizadas na
parede anterior superior e na posterior inferior. A resposta orgástica foi
alcançada por estímulo dessas regiões em 89% das mulheres. Essa é,
inegavelmente, uma alta taxa de retorno para as mulheres e o orgasmo. Lembre
que de um terço à metade das mulheres no estudo da Universidade de Illinois teve
problemas para manter uma satisfação sexual regular. Quando li os resultados
surpreendentes desse estudo, que foram replicados em algum outro lugar, pensei
na quantidade extraordinária de tempo — pelos padrões ocidentais — que os
praticantes do Tantra passam acariciando o ponto sagrado (a técnica em si é
demonstrada com um gesto do tipo “venha aqui” com o indicador ou o indicador e
o dedo médio, em geral combinada com estímulo no clitóris ou outro).
Alzate concluiu que o estudo confirma descobertas anteriores sobre a
importância do erotismo vaginal e do ponto sagrado, ou ponto G, para o orgasmo,
apesar de ele observar que não encontrou uma “estrutura anatômica distinta” que
pudesse chamar de “ponto G”. Alzate também argumenta que as descobertas
confirmam o conceito de que há dois tipos de orgasmos para mulheres, o de
estímulo clitoridiano e o de estímulo vaginal, e que algumas mulheres expelem
fluido pela uretra durante o orgasmo.
Muitas mulheres — e gurus do Tantra — relatam que, enquanto o orgasmo
clitoridiano envolve uma tensão corporal e depois uma liberação (muito parecida
com o orgasmo masculino), o orgasmo pelo “ponto sagrado” envolve o
relaxamento. Muitas mulheres aprendem a ter orgasmos no ponto sagrado, aqueles
do tipo quatro estrelas, intermináveis e tântricos, quando se focam no relaxamento
e perdem a consciência durante o estímulo do ponto sagrado — para a surpresa
delas, isso pode fazer que o orgasmo venha em ondas inexauríveis e sequenciais
— em vez da tensão e foco em pensamentos e fantasias sexuais, que as mulheres
costumam usar para garantir o orgasmo clitoridiano (e que seguem o modelo de
sexualidade ocidental).
Vimos ao longo deste livro que a satisfação sexual e os orgasmos regulares
promovem a criatividade, a confiança e o sentido de ser das mulheres. Quanto
mais os homens aprendem a levar as mulheres heterossexuais ao orgasmo via
massagem no ponto G, assim como de outras formas, melhor para o estado mental
das mulheres. Stuart Brody e Petr Weiss relatam que cientistas da Escócia e
República Tcheca descobriram que o orgasmo simultâneo no coito e o orgasmo
vaginal regular não apenas contribuem para a satisfação das mulheres com sua
vida sexual, como também se correlacionam com seus níveis de felicidade com
seus parceiros, com sua vida e a satisfação com sua saúde mental generalizada.
(As mulheres, é claro, poderão chegar ao orgasmo simultâneo com mais
facilidade se entenderem e sentirem uma sensação de controle sobre sua própria
sexualidade e se sentirem no direito de se comunicar a respeito de suas próprias
reações.) Em outras palavras, a satisfação sexual se correlaciona com a
[39]
satisfação em muitas outras áreas não relacionadas da vida das mulheres.
Outro dado extraordinário, mas ainda pouco divulgado, sobre a satisfação
vaginal confirma que, quando os pesquisadores são treinados, podem identificar
mulheres que têm orgasmos vaginais pela forma como andam, com taxas de
acerto acima de 80%, uma descoberta que Mike Lousada acredita ter a ver com o
músculo elevador pélvico. Outros pesquisadores, G. L. Gravina e seus colegas,
descobriram que uma parede uretral mais espessa facilitou o orgasmo vaginal nas
mulheres que eles estudaram — talvez porque a parede espessa torne a pressão
do pênis ou outro tipo de pressão sobre a rede neural pélvica feminina mais
eficiente. Em 2008, esses cientistas italianos descobriram o Cálice Sagrado da
compreensão da resposta sexual feminina quando confirmaram que alterações no
clitóris e no ponto G durante o orgasmo pareciam provar que esse ponto é, na
verdade, parte do clitóris — a parte de trás dele, essencialmente —, que, por sua
vez, é muito maior e entra mais profundamente na pelve do que se acreditava
[40]
anteriormente.
O livro da dra. Deborah Coady e Nancy Fish de 2011, HealingPainfulSex,
confirma essa teoria que agora está sendo integrada no conceito de anatomia
feminina pelos pesquisadores da vanguarda do estudo da resposta sexual
feminina: de fato, o clitóris e o ponto G são dois pontos na mesma estrutura
[41]
nervosa.
O pesquisador escandinavo Zwi Hoch relatou em “Vaginal Erotic Sensitivity by
Sexological Examination” que 64% das mulheres que se identificaram como
“anorgásticas no coito”, isto é, podiam ter orgasmo por meio da masturbação ou
estímulo externo, mas não durante o coito, conseguiram aprender a ter orgasmos
na relação sexual imediatamente após a demonstração de como fazer uma pressão
[42]
rítmica no que até então se chamou de “ponto G”.
Na realidade, esses pesquisadores também refutaram a ideia de um ponto G
distinto, assim como a noção de reflexos clitoridianos versus vaginais, e
descobriram — outra confirmação da ciência moderna — que o que realmente
acontece nas mulheres durante o orgasmo envolve o que eles, sem doçura alguma,
chamaram de “um braço sensorial clitoridiano/vaginal de um reflexo orgástico”
que inclui “tecidos profundamente situados” para os quais nem temos nomes
específicos. Descobriram que toda a parede anterior da vagina pode apresentar
resposta sexual:
Descobriu-se que a totalidade da parede anterior da vagina, incluindo a bexiga urinária situada mais
profundamente, tecidos periuretrais e a fáscia de Halban, em vez de um único ponto específico, é
eroticamente sensível na maior parte das mulheres examinadas, e 64% delas aprenderam como chegar
ao orgasmo por meio de estímulo digital direto específico e/ou de coito na área. Todas as outras partes
da vagina apresentaram baixa sensibilidade erótica. Isso confirma nossa conceituação de um “braço
sensorial clitoridiano/vaginal de um reflexo orgástico” incluindo o clitóris, toda a parede anterior da
vagina, assim como tecidos situados mais profundamente. Em vez de buscar o “orgasmo vaginal (por
meio do coito)” diferente do “orgasmo clitoridiano”, esse conceito se refere a um “orgasmo genital” que
pode potencialmente ser alcançado por estímulos separados, ou, mais efetivamente, por estímulos
combinados desses diferentes componentes do braço sensorial genital do reflexo orgástico.
Dada a facilidade orgástica da maioria das mulheres com nada mais romântico
acontecendo do que um pesquisador minimamente informado mostrando a elas o
que fazer, é chocante que os dados sobre o orgasmo e a satisfação sexual feminina
atualmente mostrem níveis tão relativamente baixos de felicidade sexual entre
elas.
Não se alarme: não acho que qualquer um desses dados sugira que devamos
ressuscitar o Relatório Hite, quando as mulheres tinham que ajustar suas
respostas ao ritmo da penetração masculina. Os dados acima sobre o uso de
diferentes tipos de estímulo para abordar todos os centros sexuais da mulher
mostram que até 90% das mulheres podem ter orgasmos regularmente se quiserem
— se seus parceiros forem “pacientes e compassivos” e minimamente
informados. Podemos também analisar esses dados como uma demonstração de
que aqueles que tratam bem a vagina de suas amantes e ajustam seus ritmos têm
uma probabilidade maior de produzir orgasmos clitoridianos/vaginais em suas
parceiras de forma confiável. Os dados também podem mostrar que ter alguém
assim na cama — ou conhecer essa habilidade para seu próprio uso — tem uma
correlação positiva com outras áreas da vida — incluindo uma boa saúde mental
e física.
Isso não é trivial. Há razões evolucionárias, como mencionei acima, para que as
mulheres tenham a necessidade de ouvir regularmente de seus parceiros que são
bonitas — de fato, “a mais bonita” — para ter uma verdadeira liberação sexual.
Quando eu estava na faculdade, uma amiga estava saindo com um homem que
era muito gentil, mas jamais disse a ela que era bonita. Eles faziam muito sexo,
mas ela nunca ficava completamente à vontade depois do amor. Ele ia embora, e,
então, nós três, as três amigas que moravam no apartamento, nos sentávamos à
mesa da cozinha, bebíamos garrafas de café com leite e ouvíamos as fantasias de
nossa colega de quarto. Ela sempre imaginava trancá-lo em um quarto que não era
usado no apartamento e não o soltar até que, dois dias de fome depois, ela
finalmente ouvisse a voz rancorosa dele murmurar: “Ok, tudo bem. Você é
bonita”.
Ela era uma vadia? Ou estava lidando com um desconforto terrível do sistema
nervoso autônomo? Não houve uma única mulher que passasse por nosso
apartamento que tenha deixado de entender essa fantasia.
Vimos que é por razões evolutivas que as mulheres respondem sexualmente a
“comportamentos de investimento” por parte de seus parceiros — sinais de que
ele veio para ficar. Se uma mulher pensa que seu parceiro considera outras
mulheres mais atraentes que ela, não vai conseguir relaxar completamente, pois já
vai começar a antever a concorrência pelos recursos de proteção que ela precisa
para sua própria cria. (Só esse aspecto da sexualidade feminina já é motivo
suficiente para o efeito negativo sobre a excitação da mulher com o fato de que os
homens se excitam vendo pornografia.) Mas, se um homem garante a uma mulher
frequentemente que para ele ela é a “mais bonita”, o sistema nervoso autônomo
pode mandar a mensagem: ela está segura. Então, ela se libera do estresse da
vigilância da ameaça potencial de outra mulher se apoderando de seu “zelador”.
Por causa do papel do SNA na resposta sexual feminina, para se liberar por
inteiro em um estado de transe sexual, a mulher precisa, até certo ponto, sentir que
pode se permitir entrar em um tipo de autoabsorção que para as mulheres de hoje
se parece com o narcisismo. Ela precisa perder a consciência de si mesma. Não
pode se preocupar com a celulite, ou com o tempo que está levando para gozar, ou
com seu cheiro “lá embaixo”. Tudo isso é mais fácil se uma mulher é admirada e
apreciada, que é onde entra a parte do “você é tão linda”.
Na antologia em tom meio de piada Cambridge Women’s Pornography
Collective, Porn for Women, um modelo masculino sensual olha profundamente
[43]
para a câmera, e a legenda diz: “Você fica mais linda cada vez que eu a vejo”.
Outra página mostra outro modelo parecendo surpreso: “Você está me dizendo
que há pornografia na Internet?”, diz a legenda. Para que o SNA seja
completamente ativado, idealmente a mulher deve se sentir não apenas bonita,
mas de fato “a mais bonita” — e é aí que entra aquela coisa tão incomum de
deusa.
Por que Mike Lousada e outros gurus do Tantra dizem, no início de seu contato
sexual com uma mulher: “Seja bem-vinda, deusa”, e iniciam rituais de sedução
dirigidos à deusa dentro da mulher? E por que muitas mulheres que nem acreditam
nesse tipo de blá-blá-blá de Nova Era reagem com orgasmos transformadores, ou
têm orgasmos pela primeira vez depois de serem abordadas dessa forma? Que
tipo de mágica é produzida por esse título honorífico meio obscuro e ligeiramente
ridículo? Será que ele opera, eu me pergunto, em algum nível fisiológico?
Quanto mais aprendo sobre o SNA, mais percebo que chamar uma mulher de
deusa ou se dirigir à deusa que existe dentro dela — se a primeira hipótese
parece um pouco ambiciosa — é uma forma de permitir a ela uma resposta sexual
transcendental, ou mesmo o primeiro orgasmo da vida.
Por que a deusa? As deusas são poderosas: os que estão à sua volta a tratam
com reverência. As deusas não precisam duvidar de si mesmas, nem de seu valor,
nem de seus encantos — podem ser até um pouco absortas em si próprias — para
que possam dar permissão para a jornada do transe interior identificada pela
equipe de Georgiadis. E as deusas têm direito, sem nenhuma ansiedade, culpa ou
autocrítica, a altos níveis de atenção e prazer.
Apresentei, com algum nervosismo, minha hipótese e a experiência de Mike
Lousada com suas clientes em relação ao uso dessa linguagem de deusa nas
minhas comunidades on-line e nas entrevistas pessoais com mulheres. Mais uma
vez, recebi uma confirmação surpreendente desse aspecto da dança da deusa, que
eu considero como o aspecto erótico da reverência — ou pelo menos da
admiração.
Uma leitora escreveu:
Tentei aquilo que você sugeriu. Estávamos em nossa Jacuzzi no jardim (…) Adoro meu marido, e em
geral nossa vida sexual é boa, mas com o trabalho, o trânsito etc., a coisa tem estado meio mundana na
maior parte do tempo.
Contei ao meu marido sobre a hipótese da deusa e sobre as informações que você dá em seu artigo. Ele
achou engraçado, mas pareceu interessado, acho que principalmente pela possibilidade de mudar minhas
reações. Ele começou a tentar dar um tom mais sensual à conversa, mas eu ainda não estava no
espírito — pareceu-me um pouco pornográfico e não ia me envolver. Podia até fazer e gozar, mas
pareceria mais do mesmo. Já estava me preparando para uma pontinha de decepção dessa que você
sente nesses momentos. Mas consegui fazê-lo dar um passo para trás, brincando com ele, e disse:
“Você devia falar com a deusa”.
Ele riu e disse, meio sem jeito: “Você é tão fofa, deusa”. Pareceu a coisa mais louca, mas algo em mim
se abriu. Acho que ele notou, porque logo falou, aproveitando o momento: “Você é uma yoni fofa”. Ri
também. Ele falou de uma forma tão apatetada, que ficou engraçado, mas havia algo de sincero naquilo
tudo. Quando fizemos amor depois disso, foi como se portões enferrujados se abrissem. Quando
acabamos o sexo, eu me senti diferente a respeito de mim mesma. Senti coisas diferentes em relação a
ele também, por causa do que ele havia dito. Não era só um elogio vazio. É difícil colocar em palavras.
De algum jeito, sinto que ele me viu.
Não estou sugerindo que todo mundo que leia isso deva se dirigir à sua amante,
mesmo que de passagem, chamando-a de deusa. O sensor do ridículo que mora
em cada um de nós não permitiria que isso acontecesse. Mas é óbvio que, se
colocarmos lado a lado a ciência recente sobre a resposta sexual feminina com o
básico do Tantra, o resultado será que, quando os homens tratam as mulheres
como deusas — abertamente — de várias formas, mesmo nas mais cotidianas e
práticas, simplesmente verbalizando sua admiração, dizendo a elas o quão
unicamente preciosas são, como são lindas — “a mais linda” aos seus olhos —,
ou fazendo gestos que mostrem que eles as apreciam, tudo isso ajuda a abrir até a
mais cansada, deprimida e machucada das mulheres.
O que quer que ela queira que você faça com os mamilos dela — faça exatamente
da forma que ela gosta e na quantidade que ela quiser. Como já vimos, a
estimulação dos mamilos libera oxitocina, o que faz a mulher achar que o mundo é
um lugar melhor, que o amor existe, que é significativo e que ela pode confiar nas
circunstâncias (os homens também podem ter a estimulação dos mamilos durante
o sexo, mas de forma menos contínua e frequente, em geral). Isso também pode
ajudá-la a ver a conexão entre as coisas e a ler melhor as nuanças emocionais —
tornando-a uma parceira mais sensível, uma líder melhor, uma artista criativa
mais talentosa dentro das circunstâncias da vida dela e uma mãe mais carinhosa.
Acho muito interessante que, quando peço às mulheres que reflitam sobre quando
encorajam a estimulação dos mamilos pelos amantes, o que ouço na prática é que
as mulheres querem ter seus mamilos tocados, beliscados ou sugados pelos
homens que amam ou gostam. Elas podem ter um sexo bastante bom com homens
que não gostam, mas muitas mulheres me contaram que não suportam que um
homem assim toque, belisque ou sugue seus mamilos. Talvez você já tenha que
confiar em seu parceiro para entregar seu corpo mais ainda.
Como já sabemos, é cientificamente provado que, quando o bebê mama no seio
da mãe, isso libera oxitocina no corpo dela, que, por sua vez, estabelece os laços
de ligação entre mãe e bebê. Quando o homem suga os seios de uma mulher, isso
também libera oxitocina — gerando aquela resposta química nas mulheres que as
faz se sentir mais relaxadas e afetuosas, ou seja, fazendo que a mulher se sinta
mais ligada à pessoa que suga seus mamilos. Dada essa possibilidade, seria um
conselho para as mulheres que não deixassem homens (ou mulheres) com quem
não querem se sentir conectadas tocar seus seios. A oxitocina tem um papel
importante para diminuir a neofobia, ou o medo do novo, e a ansiedade. Quanto
mais um amante suga seus seios, mais à vontade você se sentirá com ele. Por
causa da oxitocina, as mulheres se sentem tanto excitadas quanto relaxadas
quando o amante suga seus mamilos. Desta forma, as mulheres vão se sentindo
mais “ligadas” à atenção sexual de seus amantes, mais “ligadas” ao amor.
É bom que as mulheres saibam que, se desejam fazer sexo anônimo com um
homem em quem não podem confiar, por quem não querem se apaixonar, seria
melhor desencorajar qualquer interação com os mamilos.
EJACULAÇÃO
Será que a ejaculação masculina afeta os sentimentos das mulheres? A dra. Helen
Fisher leva tão a sério o efeito psicológico do sexo sobre as mulheres, que alerta
que, já que os antidepressivos podem suprimir a ejaculação, os homens para
quem esses medicamentos são prescritos deveriam ser avisados de que, se não
puderem ejacular, podem “perder a capacidade de enviar sinais de sedução”.[46]
Receber a ejaculação dele enquanto fazem amor pode fazer que a mulher se
sinta diferente em relação a um homem do que se sentiria se não a recebesse. O
sêmen contém açúcar, espermatozoides e alguns compostos aromáticos. Como é
viscoso, é sexualmente estimulante para mais partes da vagina e do colo do útero
do que somente a penetração do pênis. A mulher literalmente ingere o açúcar da
ejaculação pelas paredes de sua vagina. Se ela se sente energizada depois do
sexo com ejaculação, também pode ser porque está em um pequeno pico de
açúcar, combinado com a estimulação mais profunda que recebeu do líquido
quente e viscoso. A dra. Cindy Meston e David M. Buss, em Por que as mulheres
fazem sexo, afirmam que o sêmen contém traços de elevadores de humor:
O sêmen contém hormônios que incluem testosterona, estrogênio, hormônios folículo-estimulantes,
hormônio luteinizante, prolactina e vários tipos de prostaglandinas. Todos esses hormônios têm a
capacidade de alterar o humor e podem ser absorvidos na corrente sanguínea da mulher através das
paredes vaginais.[47]
Se as pessoas praticam sexo seguro, então o ato sem a camisinha pode sinalizar
que isto está acontecendo no contexto de um relacionamento seguro e
comprometido, conduzido com práticas de sexo seguro — liberando ainda mais
oxitocina e opioides que ela vai poder experimentar. Muitas mulheres relataram
que de fato se sentiram diferentes em relação a um homem depois de fazer amor
com ejaculação, sem camisinha, em comparação a como se sentiam antes.
Sentiram-se mais próximas a ele, mais satisfeitas, mais felizes, e as pequenas
coisas que antes as perturbavam pareciam menores agora.
Conduzi entrevistas informais com grupos de mulheres que havia conhecido
pessoalmente ou on-line. Falei a elas dos possíveis efeitos do sêmen e, depois,
pedi que se lembrassem de um relacionamento em que no início usavam
camisinha religiosamente e que, depois de fazer os exames de doenças
sexualmente transmissíveis — esse era um grupo de mulheres sexualmente
responsáveis —, haviam parado de usar o preservativo. Mesmo homem, mesmo
estilo sexual, mesmo cheiro: alguma diferença?
Vi olhares de reconhecimento chocante cruzarem o rosto das minhas
entrevistadas. “Totalmente diferente”, disse Julia, uma designer gráfica:
Ah, meu Deus. Depois que eu parei de usar camisinha, as pequenas coisas que meu namorado fazia e
que me perturbavam passaram a ser fofas. Ele ficou mais bonito! As camisetas bobas não me
incomodaram mais! Achei que o relacionamento de algum jeito havia ficado mais sério, e não apenas
pelo compromisso implícito de não usar mais preservativo (…) foi inacreditável.
Não faz sentido para um homem se perguntar por que motivo sua amante subiu
nele com entusiasmo na última terça-feira depois dos mesmos toques da parte
dele, mas hoje alega uma dor de cabeça, se ele não estiver disposto a pensar em
como tratou da dança da deusa nesse dia ou nessa semana. Mas, se ele entender
como realmente funciona a dança da deusa, entenderá que, digamos, por ter
dedicado alguns momentos a olhar profundamente nos olhos dela antes de dar um
beijo de despedida naquela manhã antes do trabalho, ou de ter pegado a roupa
suja do chão do quarto naquela noite antes de se voltar para ela com intenções
sexuais — chegando ao ponto de programar o ciclo da máquina de lavar e dobrar
as roupas depois —, tudo isso pode ser, mais tarde, extremamente sedutor para
sua esposa ou namorada. Se essa questão foi uma fonte de estresse para ela, o fato
de que ele realizou ações que baixaram seus níveis de estresse vai literalmente
fazer que ela fique mais pronta para lubrificar, e a vagina estará mais capaz de se
intumescer com sangue.
Eu diria ainda mais: o fato de que ele olhou para ela ou a elogiou ou mesmo
dobrou uma máquina de roupas não é apenas corretamente considerado
preliminares muito efetivas. É, na verdade, do ponto de vista do corpo feminino,
uma parte essencial do bom sexo.
“CHUVA DE ESTRELAS”
1. Judith Horstman, The Scientific American Book of Love, Sex and the Brain: The Neuroscience of How,
When, Why and Who We Love (Nova Iorque: Jossey-Bass, 2012), 85.↵
2. Dra. Louann Brizendine, The Female Brain (Nova Iorque: Morgan Road Books, 2006), 123: “No
cérebro masculino, a maior parte das emoções origina menos sensações intuitivas e mais pensamentos
racionais. A típica reação do cérebro masculino a uma emoção é evitá-la a todo custo...”.↵
3. Dra. Helen Fisher, The Anatomy of Love: A Natural History of Mating, Marriage and Why We Stray
(Nova Iorque: Ballantine Books, 1992), 182-84↵
4. A seguir, uma descrição do aparelho que mede a amplitude do pulso vaginal: Fotopletismografia vaginal:
Embutida na extremidade frontal da sonda, há uma fonte de luz que ilumina as paredes vaginais. A rede
é refletida e difundida através dos tecidos da parede vaginal e chega à célula fotossensível montada
dentro do corpo da sonda. As alterações na resistência da célula correspondem às alterações da
quantidade de luz refletida de volta que chega à superfície sensível à luz. A premissa é que um sinal de
mais luz refletida significa um aumento no volume sanguíneo nos vasos vaginais (Levin, 1992). Hoon et
al. (1976) apresentaram um modelo melhorado do fotômetro vaginal que substituiu por um LED
infravermelho a fonte de luz incandescente e por uma fotocélula o fototransistor. Essas inovações
reduziram os níveis de oxigenação sanguínea potencialmente associada aos artefatos, problemas de
histerese e efeitos históricos da luz. O fotômetro vaginal é projetado para ser facilmente colocado pela
participante. O protetor pode ser colocado no cabo da sonda para que a profundidade da inserção e a
orientação dos fotorreceptores sejam conhecidas e mantidas constantes (Geer, 1983; Laan, Everaed &
Evers, 1995). O fotômetro produz dois sinais analisáveis. O primeiro é um sinal DC, que forneceria o
índice da quantidade total de sangue (Hatch, 1979), em geral abreviado como VBV (Volume Sanguíneo
Vaginal). O segundo é o sinal AC, abreviado VPA (Amplitude do Pulso Vaginal), que refletiria as
alterações fásicas nas paredes vasculares resultantes de alterações de pressão dentro dos vasos
(Jennings et al., 1980; Veja figura 11.2). Apesar de confirmado que os dois sinais refletem respostas a
estímulos eróticos (ex: Geer, Morokoff & Greenwood, 1974; ex: Hoon, Wincze, & Hoon, 1976), sua
natureza e fonte exatas são desconhecidas. Heiman et al. (2004) compararam, em doze mulheres, o
VPA e as alterações de volume genital medidas em ressonâncias magnéticas e não descobriram
nenhuma correlação significativa entre os dois. Heiman e Maravilla (2005) sugeriram que poderia ser
possível que, em níveis moderados de excitação, a sonda vaginal detectasse alterações no tecido vaginal
que não corresponderiam a outras alterações no volume sanguíneo genital. (Entretanto, de forma
interessante, o mesmo estudo relatou correlações maiores entre a excitação sexual subjetiva e o VPA
que para as variáveis da ressonância.) A interpretação da relação entre o resultado do fotômetro e os
mecanismos vasculares subjacentes é afetada pela falta de uma estrutura teórica sólida (Levin, 1992) e
de um método de calibração que permita a transformação do resultado em eventos fisiológicos
conhecidos. No presente, a maior parte dos pesquisadores descreve seus achados em medidas relativas,
tais como mms por deflexão ou alterações em microvolts. Levin (1997) afirmou que uma das premissas
básicas apoiando o uso da pletismografia é que as alterações no VBV e VPA sempre refletem eventos
vasculares locais. Em sua discussão dos achados de estudos sobre os efeitos do exercício e orgasmo
sobre o VBV e o VPA, entretanto, ele sugere que os sinais provavelmente refletirão interações bastante
complexas entre os processos reguladores simpáticos e parassimpáticos e entre a pressão sanguínea
circulatória e vaginal. Entretanto, Prause et al. (2004) descobriram que, se o VPA apresentava
discriminação entre os estímulos de filmes sexuais, sexualmente ameaçadores, a pressão sanguínea
(aumentada em todas as três condições) não discrimina. A validade do constructo do VPA é mais bem
estabelecida que a do VBV. Pesquisadores relataram altas correlações entre o VPA e o VBV,
especialmente com estímulo sexual forte, mas outros não encontraram concordância ou concordância
baixa entre os dois sinais (Heiman, 1976; Meston e Gorzalka, 1995). O VPA parece ser mais sensível a
alterações em intensidade de estímulo que o VBV (Geer et al., 1974; Osborn & Pollack, 1977). A VPA
também corresponde mais proximamente aos relatos subjetivos de excitação sexual que o VBV
(Heiman, 1977). Finalmente, as alterações do VBV em resposta a aumentos na excitação geral,
indicando que o VBV é menos específico para a excitação sexual que o VPA (Laan, Everaerd &
Evers, 1995). Dois estudos mediram as respostas de mulheres sexualmente funcionais a extratos de
filmes sexuais, indutores da ansiedade, sexualmente ameaçadores e neutros e encontraram aumento
máximo do VPA ao estímulo sexual e aumentos modestos aos filmes sexualmente ameaçadores. (As
participantes também relataram níveis intermediários de excitação sexual com o estímulo da ameaça
sexual.) Nos dois estudos, o VPA não aumentou em resposta ao estímulo indutor da ansiedade. Esses
resultados demonstram a especificidade da resposta de vasocongestão vaginal aos estímulos sexuais.
De E. Janssen, N. Prause e J. Geer, “The Sexual Response”, em Handbook of Psychophysiology, eds.
J. T. Cacioppo, L. G. Tassinary e G. G. Berntson, 3. ed. (Nova Iorque: Cambridge University Press,
2007).↵
5. Dra. Louann Brizendine, The Female Brain, 77-86.↵
6. Beverly Whipple e John Delbert Perry, “Pelvic Muscle Strength of Female Ejaculators: Evidence in
Support of a New Theory of Orgasm”, Journal of Sex Research 17, n. 1 (1981): 22-39.↵
7. Ib., 22-39. Whipple e Perry também analisaram as conexões neurais na coluna lombar para explicar
essa hipótese. De fato, um membro da equipe de pesquisa sofreu uma torção na lombar e descobriu que
a medida da força de suas contrações uterinas tipo Kegel estava significativamente mais baixa que o
usual: a saúde e funcionalidade da medula espinhal, nesse estudo, confirmadamente afetaram o poder de
contração da vagina.↵
8. Ib., 22-39.↵
9. Ib., 22-39.↵
10. Ib., 22-39.↵
11. Janniko R. Georgiadis e outros, “Regional Cerebral Blood Flow Changes Associated with Clitorally
Induced Orgasm in Healthy Women”, European Journal of Neuroscience 24, n. 11 (2006): 3305-16.↵
12. K. Mah e Y. M. Binik, “The Nature of Human Orgasm: A Critical Review of Major Trends”, Clinical
Psychology Review 6 (21 de agosto de 2002), 823-56. Veja também R. King e outros, “Are There
Different Types of Female Orgasm?”, Archives of Sexual Behavior 40, n. 5 (outubro de 2010), 865-75:
Em uma tentativa de identificar e validar diferentes tipos de orgasmo que as mulheres têm durante o
sexo com um parceiro, os dados coletados por Mah e Binik (2002) sobre a fenomenologia dimensional
do orgasmo feminino foram sujeitos à análise tipológica. Um total de 503 mulheres forneceu descrições
adjetivas de orgasmos experimentados com um parceiro (n = 276) ou solitariamente (n = 227). Análise
da classe latente revelou quatro tipos de orgasmos que variaram sistematicamente em termos do prazer
e sensações envolvidos. Dois tipos, coletivamente rotulados de “orgasmo de sexo bom”, receberam as
maiores notas de prazer e sensação, do que os outros dois tipos, coletivamente rotulados de “orgasmos
de sexo não tão bom”, que receberam notas menores. Esses dois grupos de notas maiores diferiram em
uma série de fatores psicológicos, físicos e de relacionamento examinados para o propósito da validação
da tipologia. O pensamento evolutivo a respeito da função do orgasmo feminino serviu de base para a
discussão das descobertas. Direções da pesquisa futura foram estabelecidas, especialmente a
necessidade de examinar se o mesmo indivíduo experimenta diferentes tipos de orgasmos com parceiros
com diferentes características, como prediz a teoria evolutiva. ↵
13. Kevin Nelson, The Spiritual Doorway in the Brain: A Neurologist’s Search for the God Experience
(Nova Iorque: Penguin, 2012), 242-43.↵
14. R. W. B. Lewis e Nancy Lewis, The Letters of Edith Wharton (Nova Iorque: Scribner, 1989), 12.↵
15. Edith Wharton, The House of Mirth (Nova Iorque: Barnes and Noble Classics, 2003), 177.↵
16. Georgiadis, “Regional Cerebral Blood Flow”, 3305-16.↵
17. Ib., 3305-16.↵
18. Sally Ryder Brady, A Box of Darkness: The Story of a Marriage (Nova Iorque: St. Martin’s
Press/Griffin), 114.↵
19. Mary Roach, Bonk: The Curious Coupling of Science and Sex (Nova Iorque: W. W. Norton, 2008),
293.↵
20. Wen Zhou e Denise Chen, “Encoding Human Sexual Chemosensory Cues in the Orbitofrontal and
Fusiform Cortices”, Journal of Neuroscience 28, n. 53 (31 de dezembro de 2004), 14416-21.↵
21. Ib., 14416-21.↵
22. Virpi Lummaa e Alexandra Alvergne, “Does the Contraceptive Pill Alter Mate Choice in Humans?”,
Trends in Ecology and Evolution 25, n. 3 (6 de outubro de 2009): 171-79.↵
23. George Preti e outros, citados em “Pheromones in Male Perspiration Reduce Women’s Tension, Alter
Hormone Response that Regulates Menstrual Cycle”, Penn News, 14 de março de 2003.
www.upenn.edu/pennnews/news/pheromones-male-perspiration-reduce-womens-tension-alter-
hormone-response-regulates-mentrual-cycle.↵
24. Ib.↵
25. Bob Beale, “What Women Need: Sweaty Male Armpits”, ABC Science Online, 26 de junho de 2003,
www.abc.net.au/science/articles/2003/06/26/888984.htm.↵
26. Dr. Daniel G. Amen, The Brain in Love: Twelve Lessons to Enhance Your Love Life (Nova Iorque:
Three Rivers Press, 2009), 50-72.↵
27. Dr. Daniel Goleman, Social Intelligence: The Revolutionary New Science of Human Relationships
(Nova Iorque: Bantam Books, 2006), 63-64.↵
28. Veja Naomi Wolf, Misconceptions: Trues, Lies and the Unexpected on the Journey to Motherhood
(Nova Iorque: Doubleday, 2000).↵
29. Ib.↵
30. Brizendine, Female Brain, 77.↵
31. Louann Brizendine, The Male Brain (Nova Iorque: Three Rivers Press, 2010).↵
32. Daniel Goleman, Emotional Intelligence: Why It Can Matter More Than IQ (Nova Iorque: Bantam,
1995), 129-47.↵
33. John M. Gottman, The Seven Principles for Making Marriage Work (Nova Iorque: Three Rivers Press,
1988), 38, 39.↵
34. null↵
35. Kathleen Light, citada em Roger Dobson e Maurice Chittenden, “Women Need that Healthy Touch”,
Sunday Times (Londres, 16 de janeiro de 2005). www.thetimes.co_uk/tto/public/site search.do?
qugrystring=women+need+that+healthy+touch8p-tto8pf-all&bl-on.↵
36. Naomi Wolf, página de comunidade no Facebook, pesquisa on-line informal, setembro-outubro de
2011.↵
37. Veja Milan Zaviacic, The Human Female Prostate: From Vestigial Skene’s Paraurethral Glands and
Ducts to Woman’s Functional Prostate (Bratislava: Slovak Academic Press, 1999).↵
38. Heli Alzate, “Vaginal Eroticism: a Replication Study”, Archives of Sexual Behavior 6 (14 de dezembro
de 1985), 529-37.↵
39. Stuart Brody e Petr Weiss, “Simultaneous Penile-Vaginal Orgasm Is Associated with Satisfaction
(Sexual, Life, Partnership, and Mental Health)”, Journal of Sexual Medicine 8, n. 3 (2011): 734-41.
Pesquisa anterior com múltiplas variáveis descobriu que a satisfação estava associada positivamente
com a frequência de intercurso peniano-vaginal especificamente (PVI; em oposição a outras atividades
sexuais), assim como com o orgasmo vaginal. A contribuição para a satisfação de orgasmos simultâneos
produzidos por PVI mereceu exame direto em amostra altamente representativa.↵
40. G. L. Gravina e outros, “Measurement of the Thickness of the Urethrovaginal Space in Women with or
without Vaginal Orgasm”, Journal of Sexual Medicine 5, n. 3 (março de 2008): 610-18.↵
41. Veja Deborah Coady e Nancy Fish, Healing Painful Sex: A Woman’s Guide to Confronting, Diagnosing
and Treating Sexual Pain (Nova Iorque: Seal Press, 2011). ↵
42. Zwi Hoch, “Vaginal Erotic Sensitivity by Sexological Examination”, Acta Obstetricia et Gynecologica
Scandinavica 65, n. 7 (1986): 767-73. Estudamos a sensibilidade erótica vaginal pelo exame sexológico
do órgão como parte da avaliação e processo de tratamento de casais com queixas de anorgasmia de
coito feminina, mas prontamente orgástica em estímulo genital externo autoaplicado ou por parceiro. A
existência na parede vaginal anterior de entidade eroticamente originadora claramente definida,
chamada de “ponto G”, foi refutada pelas nossas descobertas.↵
43. Cambridge Women’s Pornography Collective, Porn for Women (São Francisco: Chronicle Books,
2007).↵
44. Lumaa e Alvergne, “Does Contraceptive Pill Alter Mate Choice?”.↵
45. Dr. Jim Pfaus, entrevista, Montreal, Quebec, 29-30 de janeiro de 2012.↵
46. O impacto dos antidepressivos sobre a função sexual não é um alerta insignificante, como a dra. Anita
Clayton e o dr. Angel L. Montejo relataram em “Major Depressive Disorder, Antidepressants, and
Sexual Dysfunction”, Journal of Clinical Psychiatry 67, Supl. 6 (2006): S33-S37: A disfunção sexual é
um problema comum por uma série de causas, incluindo fatores psicossociais, doenças médicas em
geral, distúrbios psiquiátricos e medicações psicotrópicas e não psiquiátricas. Ela (...) tem sido
fortemente associada às medicações antidepressivas. Os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina (SSRIs) em particular demonstraram uma alta incidência de disfunção sexual em
comparação com outros antidepressivos que operam por mecanismos de ação diferentes. Confirmando
ainda mais a relação entre a disfunção sexual e o mecanismo de ação dos antidepressivos, dados de
vários estudos indicam que a Bupropiona, a Nefazodona e a Mirtazapina aliviam os sintomas da
disfunção sexual e são tão efetivas quanto os SSRIs no controle dos sintomas da depressão. Apesar de
várias estratégias terem sido utilizadas além da substituição de medicação para administrar a disfunção
sexual induzida por antidepressivos, vários pacientes permaneceram em estado subótimo; cerca de 42%
dos pacientes foram avaliados em espera passiva pela remissão espontânea (...) A disfunção sexual é
um problema frequente que ocorre em pacientes saudáveis e depressivos. De acordo com a Pesquisa
Nacional de Saúde e Vida Social, a disfunção sexual é mais prevalente em mulheres (43%) que em
homens (31%); além disso, a disfunção sexual é mais prevalente nos dois sexos com saúde emocional
pobre que nos controles saudáveis. A disfunção sexual é um efeito colateral particularmente atribuído ao
uso de antidepressivos e representa um problema substancial especialmente no caso de tratamento de
longo prazo. Aproximadamente 36% dos pacientes avaliam que a disfunção sexual é um efeito
inaceitável do tratamento, constituindo possivelmente a base para sua interrupção. Dados sugerem que
o mecanismo de ação por trás dos antidepressivos contribua muito para a disfunção. Um melhor
entendimento desses dados da fisiologia e etiologia da disfunção sexual levarão a estratégias de manejo
mais efetivas, o que pode resultar em mais adesão terapêutica. A dra. Helen Fisher também acredita
que os SSRIs sejam parte do contexto das mulheres experimentando o desejo diminuído. Em uma
apresentação dada por ela em 2004 no Fórum da Associação Psiquiátrica Americana com J. Anderson
Thomson Jr., “Sex, Sexuality and Serotonin: Do Sexual Side Effects of Most Antidepressants Jeopardize
Romantic Love and Marriage?”, ela observou que, em 2002, milhões de prescrições para
antidepressivos foram feitas nos Estados Unidos, a maior parte para medicações estimulantes de SSRIs;
73% dos pacientes que tomam essas medicações, ela relatou, podem sofrer de um ou mais de uma série
de efeitos colaterais: Está bem estabelecido que essas medicações podem causar disfunção sexual,
desejo sexual diminuído, excitação sexual atrasada e orgasmo mudo ou ausente (...) O resultado é que
os antidepressivos estimulantes de SSRIs podem afetar negativamente o desejo de sexo, o que
logicamente também afeta os circuitos cerebrais para o amor romântico (...) De uma perspectiva
darwiniana, o orgasmo também é o mecanismo primário pelo qual as mulheres inconscientemente
avaliam o parceiro. Por um longo tempo, os antropólogos pensaram que esse era um mecanismo ruim:
as mulheres não têm orgasmos todas as vezes. Mais recentemente, percebemos isso. Chamamos o
mecanismo de “orgasmo feminino mutável” e agora o consideramos um mecanismo adaptativo muito
sério pelo qual as mulheres distinguem entre os parceiros que estão dispostos a gastar tempo e energia
com elas — aquele que chamamos de Príncipe Encantado — e os impacientes, que carecem de
empatia e que não dariam um bom marido ou pai — o Sapo. Quando as mulheres tomam
antidepressivos estimulantes da serotonina que inibem a resposta orgástica, em algumas delas a
capacidade de avaliar o nível de comprometimento do parceiro será prejudicada. As mulheres também
usam o orgasmo para avaliar as parcerias existentes: elas tendem a gozar mais regularmente com o
parceiro de longo prazo. Com o estabelecimento da anorgasmia, isso pode desestabilizar a relação.↵
47. Cindy M. Meston e David M. Buss, Why Women Have Sex (Nova Iorque: Times Books, 2009), 252.↵
48. Dr. Jim Pfaus, entrevista, Montreal, Quebec, 29-30 de janeiro de 2012.↵
49. Kurt Hahlweg e Notker Klann, “The Effectiveness of Marital Counseling in Germany: A Contribution to
Health Services Research”, Journal of Family Psychology 11, n. 4 (dezembro de 1997): 410-21.↵
50. Beverly Whipple, Barry Komisaruk e Julie Askew, “Neuro-Bio-Experiential Evidence of the Orgasm”,
trabalho apresentado na reunião anual da Sociedade para o Estudo da Saúde Sexual da Mulher,
Scottsdale, AZ, 10-13 de fevereiro, 2011: Desert Heat: International Society for the Study of Women’s
Sexual Health, 2011. Annual Meeting Program Book, 153-84.↵
Conclusão: Reivindicando a deusa
Eu me sinto em casa.
Madonna, “Like a Prayer”
Eu não esperava que minha própria visão passasse por uma mudança tão radical
apenas por explorar dimensões da vagina antes desconhecidas para mim. Mas,
assim como fui atraída pelo assunto por suspeitar que um livro sobre a vagina
seria sobre algo muito maior e distinto de um “mero” órgão sexual, também a
alteração em meu entendimento não se limitou à vagina, mas parece incluir uma
mudança na forma como vejo o mundo.
Para concluir o livro, meus filhos e eu fomos, junto com outra família, para uma
casa alugada perto da cidade grega de Eressos, em uma cadeia que havia sido
outrora as ilhas minoicas. Íamos para ficar uma semana lá, no início do verão.
Dois anos haviam se passado desde que iniciei minha jornada.
Fisicamente, apesar da cicatriz horrorosa que cruzava a parte de baixo das
minhas costas, eu estava completamente curada. Podia nadar e caminhar
novamente, apesar de que, para minha tristeza, jamais poderia torcer
completamente minha coluna de novo — portanto, esportes como o tênis e alguns
tipos de dança estavam eliminados para sempre. Apesar de alguns espasmos
ocasionais, estou muito grata por não estar usando um colete ortopédico — e, tão
importante quanto, imensamente grata por ter todos os meus sistemas neurais
funcionando de novo, recuperando todos os aspectos e dimensões de minha
consciência, e porque essas são oscilações passageiras, muito menores do que a
alegria de saber que recuperei o que poderia ter perdido para sempre. Minha
gratidão à dra. Coady, dr. Cole, dr. Babu e outros médicos que me ajudaram será
eterna.
Psicologicamente, sinto que descobri, por meio da pesquisa que fiz para este
livro, uma espécie de tesouro para mim também. Fico surpresa de ver como isso
se manifesta, pois fico vendo aspectos da realidade que estavam ocultos para mim
antes.
No dia em que terminei o livro, coloquei o computador em uma mochila e
caminhei para a cidade costeira perto da casa que alugamos. No dia anterior,
havia saído para velejar em um pequeno catamarã branco com uma adolescente
britânica que estava trabalhando na cidadezinha durante o verão e com minha
amiga da outra família. A manhã estava clara e limpa, translúcida com o calor
vítreo. A água tinha aquela característica única do mar Egeu — um tom púrpura
abaixo da superfície azul, o que levou Homero a chamá-lo de “mar de vinho
tinto”, coisa que era misteriosa para mim até que o vi. Riqueza oculta, tesouro
oculto, profundeza das profundezas.
A jovem mulher confiava em suas habilidades na vela: ia manobrando o barco
de acordo com o vento. Em vinte minutos, estávamos no centro de uma baía
escarpada, com a vista da costa e da cidadela. Quando chegamos, cansadas e com
o fuso invertido, ocupadas com as necessidades das crianças e fazendo tudo para
acomodar todos, ainda não havíamos nos aclimatado à realidade de que
estávamos, cultural e fisicamente, na Grécia. Ainda não havia visto que as casas
simples onde estávamos foram construídas em um oco no pé de uma cadeia baixa
de montanhas douradas, adjuntas a montanhas ainda mais altas que davam em
picos arredondados mesclados de cinza e dourado. Levei um susto quando vi a
paisagem: tudo à nossa volta era majestoso, e uma brisa constante cortava o ar.
As montanhas ondulavam e balançavam como se a própria terra fosse um corpo
feminino.
Observando a paisagem com toda sua majestade e suavidade, senti como se
uma espécie de borrão em minha visão — que estivera ali durante toda minha
vida adulta consciente — houvesse sido eliminada, e de repente as coisas
entraram em foco. A mancha escura e obscura, percebi em um flash, era a
vergonha e o desrespeito que atribuímos ao feminino, e isso não converge apenas
na vagina, apesar de ser seu arquétipo central. Isso se espalha por todo o mundo,
com uma obscuridade ou incorreção que colore toda nossa percepção e relação
com a questão. Tudo me pareceu absolutamente extraordinário quando, por um
instante, o véu foi retirado. Conseguia ver nossa relação uns com os outros, com a
Terra, tornando-se mais harmônica nessa luz suave da manhã.
Percebi, de repente, que rumávamos para o norte de Creta: estávamos próximas
ao início da jornada. Essa baía e essa ilha eram próximas ao epicentro da
adoração da deusa nas antigas civilizações minoicas — as civilizações que
antecederam a ascensão do panteão de deuses arianos masculinos na Grécia
Clássica, além da adoração patriarcal mais rígida dos hebreus.
A própria paisagem era da cor da argila com a qual dezenas de deusas-cobras
minoicas que eu tinha visto — deusas do sexo — foram esculpidas. De fato,
percebi, eu havia inconscientemente registrado aspectos, pistas e traços dessas
deusas em toda a ilha: uma versão padronizada da deusa-cobra minoica,
segurando cobras enroladas à volta de seus seios era o símbolo oficial da ilha —
estava no correio, na prefeitura. Em cada casinha e vila, notei que havia uma
estatueta de argila rústica de um rosto feminino, encravada em uma moldura em
forma de vulva, muito parecida com a mandorla que circundava a Virgem Maria
no manuscrito do New College, colocada em cada ponta dos telhados para
invocar proteção. Sinais de que o reconhecimento da sacralidade e poder das
energias femininas ainda estava ali, nessa ilha.
No início da semana, havíamos visitado Molivos, uma linda aldeia encravada
na montanha. Quando exploramos o castelo bizantino na encosta da montanha,
minha amiga disse: “Olhe!”. Ao longo do vale, enormes colunas de chamas
escarlates e laranja crepitavam a dezenas de metros céu adentro, e grandes nuvens
de fumaça branca e acinzentada, mesclada com matizes da cor do carvão,
espalhavam-se nas alturas. Era um incêndio florestal, ameaçando a cidade
próxima de Petra. Corremos de volta para o cais, onde assistimos a aviões
jogando água na parede de chamas imensa. Os habitantes locais nos disseram que
esses incêndios haviam começado a se repetir a cada verão. Não eram facilmente
dominados. Dezenas de pessoas haviam morrido no incêndio no ano anterior.
Estava tão perigoso agora, disseram, porque era o verão mais seco em muitos
anos, em condições climáticas extremas; o clima estava mudando.
Em um instante, percebi que o pecado original não se originou, como sustenta a
tradição judaico-cristã, na sexualidade humana. O pecado original de nossa
espécie foi o desvio de nossa tradição primitiva de reverência aofemininoe à
sexualidade feminina e tudo o que isso representou para nós. Nosso pecado
original está nos 5 mil anos de imposição de vergonha, estigma, controle,
submissão, separação das mulheres, dos homens, compartimentação, insulto e
comércio do feminino e sua sexualidade. Grandes deslocamentos e alienações na
civilização e no desenvolvimento humano se seguiram ao pecado original, e os
resultados estão à nossa volta. Em umflash, vi ondas de tragédia — para as
mulheres, para os homens e para uma civilização agora desequilibrada e
saqueada que se formou com base nessa alienação original.
Todos esses momentos e entendimentos agora pareciam ligados a mim.
Eu me lembrei da educadora Liz Topp, que descreveu as garotas no colégio em
Manhattan. Essas garotas lhe disseram que estavam tão fartas do desrespeito
sexual dirigido a elas e de terem de ficar na escuridão e no silêncio sobre seus
próprios desejos e desenvolvimento, que um dia foram a uma reunião da escola
em grupo e pediram a palavra. Levantaram-se e gritaram em uníssono:
— Vagina, vagina, vagina!
Sorri quando lembrei esse caso e o impulso dessas meninas: como se sua
própria força e desenvolvimento dependessem dessa reivindicação — tão
impulsiva quanto o gesto em si.
Elas estavam certas.
No dia em que terminei o livro, saí sozinha em direção a Eressos, um pouco
mais adiante na baía. Cabras pastavam pacificamente embaixo das oliveiras, e
seus filhotes trocavam chifradas na sombra. O caminho que segui corria paralelo
ao Egeu, a cadeia de montanhas à minha esquerda. Levava a uma pequena ponte.
Dezenas de peixes e tartarugas nadavam no rio verde que corria debaixo dela. Ao
lado do caminho, flores multicoloridas cresciam abundantemente: espirradeiras
rosa-choque, trepadeiras em forma de trompetes alaranjados e cardos lilases.
Parecia que em cada flor havia uma abelha trabalhando ocupadamente. As flores,
é claro, são os órgãos sexuais das plantas. Eu havia comido aquele mel no café da
manhã em todos os dias de nossa estada.
Sorri. Para todos os lugares onde olhava, eu via uma indisfarçável e imaculada
energia feminina, criativa e generosa. A sexualidade feminina estava por toda a
parte, nada menos que nutrindo e sustentando todo o mundo. Nada menos que
nutrindo e sustentando todos nós, a humanidade.
Vagina, vagina, vagina, pensei, achando graça.
Bibliografia seleta