Você está na página 1de 3

Escola Estadual Frei Rogato – Língua Portuguesa -  

       São três velinhas brancas, minúsculas, que a


Leitura e interpretação do gênero textual crônica mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E
enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo
A Última Crônica (Fernando Sabino) e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a
        A caminho de casa, entro num botequim da menininha repousa o queixo no mármore e sopra com
Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a
realidade estou adiando o momento de escrever. A bater palmas, muito compenetrada, cantando num
perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, balbucio, a que os pais se juntam, discretos:
de coroar com êxito mais um ano nesta busca do “Parabéns pra você, parabéns pra você…”
pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu         Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-
pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com
disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher
a faz mais digna de ser vivida. Visava ao está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha
circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao
acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito,
palavras de uma criança ou num acidente doméstico, como a se convencer intimamente do sucesso da
torno-me simples espectador e perco a noção do celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos
essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça olhos se encontram, ele se perturba, constrangido –
e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba
na lembrança: “assim eu quereria o meu último sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço
então um último olhar fora de mim, onde vivem os         Assim eu quereria minha última crônica: que
assuntos que merecem uma crônica. fosse pura como esse sorriso.”

        Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba  Fernando Sabino. In: Para gostar de ler. São Paulo:
de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao Ática, 1979-1980.
longo da parede de espelhos. A compostura da
humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-
se acrescentar pela presença de uma negrinha de
seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no
vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal
ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos
grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos
que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade. Vejo,
porém, que se preparam para algo mais que matar a
fome.

        Passo a observá-los. O pai, depois de contar o


dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o
garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta
no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe
limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa,
como se aguardasse a aprovação do garçom. Este
ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se
afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para
os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua
presença ali. A meu lado o garçom encaminha a
ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a
porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um
bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena
fatia triangular.

        A negrinha, contida na sua expectativa, olha a


garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom
deixou à sua frente. Por que não começa a comer?
Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno
à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de
plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai
se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha
aguarda também, atenta como um animalzinho.
Ninguém mais os observa além de mim.
b)   Entreter os leitores e, ao mesmo tempo, levá-los a
refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos
Entendendo o texto “A última crônica”, de humanos.
Fernando Sabino
c)   Dar instruções aos leitores.
01 – Qual é o título do texto? Quem é o autor?  
d)   Tratar de um assunto cientificamente.
02 – Qual era a finalidade do autor ao entrar no
botequim? e)   Argumentar, defender um ponto de vista e
persuadir o leitor.
03 – De acordo com o texto, identifique:
15 – Observe a linguagem empregada na crônica em
a)   Foco narrativo: estudo.
b)   Cenário:     a)   Como é narrada a cena do aniversário: de forma
c)   Personagens principais: impessoal e objetiva, isto é, em linguagem jornalística,
ou de forma pessoal e subjetiva, ou seja, em
d)   Tempo: linguagem literária?
04 – Qual a profissão do narrador? Retire do texto que b)   A crônica, quanto à linguagem que apresenta, está
justifique sua resposta. mais próxima do noticiário de jornais ou revistas ou
mais próxima de textos literários?
05 – O narrador conta que entrou no botequim para
tomar um café; mas qual era o real motivo? c)   Que tipo de variedade linguística ela adota?
06 – De acordo com o texto, no início do 2° parágrafo 17 – Com a maioria dos gêneros ficcionais, a crônica
o termo usado pelo narrador tem um tom pejorativo? pode ser narrada no presente ou no pretérito.
07 – O casal senta-se no fundo do botequim. Por que a)   Que tipo de tempo verbal predomina na crônica
motivo? em estudo?
08– No trecho: “Três seres esquivos que compõem em b)   Que efeito de sentido a escolha desse tempo
torno à mesa a instituição tradicional da família, célula verbal confere ao texto?
da sociedade.” Quem são esses Três esquivos?
18 - O autor faz uma descrição corriqueira no cotidiano
09 – Reescreva o trecho em que mostra a pobreza dos brasileiros trazendo uma reflexão sobre alguns
das personagens? problemas sociais. Uma temática social apresentada
pelo texto é:
10 – Para você, o texto “A última crônica” tem uma
ideia de discriminação? De que tipo? a) a mobilidade urbana.
b) os direitos das minorias na sociedade.
11 –O narrador usa alguns diminutivos quando se c) a desigualdade econômica.
refere à criança, como, por exemplo: “arrumadinha, d) os problemas educacionais.
perninhas, negrinha ...”. Esse uso como forma de
nomear as coisas pelo narrador demonstra 19 -  Localize no texto a que / quem os termos grifados
estão se referindo:
a) tamanho. b) exultação. c) compaixão. d)
alegria. 
a) “Passo a observá-los.”
12 – O que sente o autor, quando o pai da menina b) “... inclinando-se para trás na cadeira...”
olha para ele e sorri?
c) “... que merecem uma crônica.”
13 – Em uma crônica, o narrador pode ser observador
ou personagem. Qual é o tipo de narrador da crônica d) “... larga-o no pratinho...”
em estudo? Justifique sua resposta.

    14 – O cronista costuma ter sua atenção voltada e) “... torna a guardá-las na bolsa....”
para os fatos do dia-a-dia ou veiculados em notícias
20 - No trecho: “... muito compenetrada, cantando num
de jornal e os registra com humor, sensibilidade, balbucio...”, a palavra grifada poderia ser substituída,
crítica e poesia. Ao proceder assim, qual dos sem alteração de sentido, por:
seguintes objetivos o cronista espera atingir com seu a) concentrada. b) amorosa. c) temerosa. d)
texto? tímida.
a)   Informar os leitores sobre um determinado 21 - O trecho abaixo cuja palavra grifada introduz
assunto. ideia de oposição é: 
a) “... mas acaba sustentando o olhar...”
b) “O pai, depois de contar o dinheiro...”
c) “Assim eu quereria minha última crônica...”
d) “... ou do irrisório no cotidiano de cada um.”

22 - Em sua opinião, que lição de vida o texto traz


para o leitor?

Você também pode gostar