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Christine de Pizan e o seu projeto utópico

Lucimara Leite

Resumo

Este artigo faz uma apresentação de Christine de Pizan a partir de seu contexto histórico
e suas principais obras. Christine foi uma personagem que viveu no final da Idade
Média da profissão de escritora. Um dos grandes méritos de suas obras é o argumento
que as mulheres só são inferiores aos homens porque elas não têm acesso à educação.
Com esta tese a autora inicia a primeira Querelle des femmes: ela escreve para as
mulheres, mas também para os homens; defende as mulheres, propõe um perfil de
mulher atuante ao lado do marido ou na falta desse, sem a tutela masculina, uma mulher
capaz de tomar decisões, preparada para viver na esfera pública. Em duas de suas obras
faz uma primeira história das mulheres - La cité des dames - e um manual de educação
feminino - Trois vertus.

Palavras-chave

Christine de Pizan, Idade Média, literatura francesa, literatura medieval, feminismo

Lucimara Leite é autora do livro Christine de Pizan: uma resistência (Chiado, 2015).
Pesquisa Christine de Pizan há mais de 25 anos. Professora universitária, possui pós-
doutorado pela Universidade Aberta de Lisboa e USP em Filologia; doutorado pela
Sorbonne-Paris IV e USP em Literatura Francesa; mestrado pela PUC-SP em
Comunicação e Semiótica e graduação em Filosofia.

MORUS – Utopia e Renascimento, 13, 2018


Christine de Pizan et son projet utopique
Lucimara Leite

Résumé

Cet article présente Christine de Pizan à partir de son contexte historique et ses oeuvres
principales. Christine a vécu de sa plume à la fin du Moyen Àge. Un des grands mérites
de ses oeuvres est l’argument selon lequel les femmes ne sont inférieures aux hommes
que parce qu’elles n’ont pas accès à l’education. Avec cette thèse l’auteure entame la
première Querelle des femmes. Elle écrit pour les femmes mais aussi pour les hommes;
elle soutient les femmes, propose un profil de femme active à côté de son mari ou bien
en l’absence de celui-ci, sans la tutelle masculine, une femme capable de prendre des
décisions, preparée pour vivre une vie publique. Dans deux de ses oeuvres elle écrit une
histoire des femmes inaugurale - La cité des dames - et un manuel d’éducation féminin -
Trois vertus.

Mots clefs

Christine de Pizan, Moyen Àge, littérature française, littérature médiévale, feminisme

Lucimara Leite a publié Christine de Pizan: uma resistência (Chiado, 2015). Elle fait des
recherches á propos de Christine de Pizan depuis plus de 25 années. Professeure
universitaire, elle a fait son post-doctorat à Universidade Aberta de Lisboa e à l’USP en
Philologie, son doctorat à l’université de la Sorbonne-Paris IV et à l’USP en Littérature
Française, son master à la PUC-SP en Communication et Sémiotique et sa formation
universitaire en philosophie.

MORUS – Utopia e Renascimento, 13, 2018


Christine de Pizan e o seu projeto utópico

N
este texto, falaremos sobre Christine de Pizan, sua vida, o contexto social no
qual ela viveu e suas principais obras, tendo como fio condutor a ideia de
construção de um lugar utópico. Entendemos aqui o sentido idealista do
verbete utópico e atribuímos esse sentido ao propósito que a autora tinha de construir
um lugar de abrigo para ela, autora, e para as mulheres virtuosas em sua cidade
imaginária. Acreditamos que o termo se aplica aos objetivos de Christine, mesmo ela
tendo vivido antes da invenção do termo por Thomas Morus.
Christine de Pizan nasceu na região de Veneza em 1364. Foi a primeira filha de
Thomas de Pizan, um professor universitário. Em 1368, a família se muda para Paris a
convite do rei Charles V. Na corte francesa o pai de Christine exerceu um cargo
semelhante ao de ministro da Educação e conviveu próximo ao rei como seu astrólogo.
O fato de Thomas de Pizan ter livre circulação na corte e participar do círculo de
pessoas ligadas ao rei e à família real trouxe benefícios também para Christine. Após a
morte do pai, em 1386, ela mesma gozará dessa influência e livre acesso à corte e à
biblioteca.
Quando Christine está com quinze anos, 1379, seu pai escolhe entre os diversos
pretendentes Etienne Castel como seu marido. Tempos mais tarde, Etienne exercia a
profissão de secretário do rei, estavam casados há dez anos com três filhos - uma
menina e dois meninos – quando, numa viagem a trabalho, ele morre.
Christine se vê sozinha, sem a tutela masculina e com três filhos e a mãe para
cuidar. Ela decide tornar-se escritora, viver da profissão de autora e mais, irá buscar
refúgio, seu lugar utópico na Literatura, no Conhecimento, na Pesquisa; é nesse meio
que ela se sente segura, realizada.
Primeiro, ela começa a escrever poesias, participa de concursos. A partir da boa
recepção de seus primeiros textos ela se anima e segue para outros temas. Uma boa
parcela de seu público, constituída por nobres (devemos lembrar que praticamente só a
nobreza consumia livros - artigo raro e caro), se interessava em saber qual o conteúdo
abordado por uma mulher; ou seja, o que ela teria a dizer/escrever. E, outra parte, ao
contrário dos curiosos, era formada por pessoas que admiravam a escritora e seus temas.
Entre os vários temas, mitologia, tratados de moral e educação, sobre política e
ética, um deles se destaca até hoje por ser inusitado e original - a questão do feminino.
Boa parte da fama e da importância de Christine ainda hoje se deve à afirmação da
autorade que a desigualdade entre homens e mulheres é de origem social, se as
mulheres tivessem acesso à educação teriam papéis tão importantes e úteis para a
sociedade quanto os homens.
Eis aí o seu grande legado para as gerações posteriores, assim como o seu
tratado de educação para as mulheres também. Christine iniciou a Primeira Querela
Feminista ao reivindicar uma mudança de olhar sobre a mulher para além da posição de
sedutora. Ela ousou querer um espaço mais digno, mais adequado às mulheres que
tantos benefícios fizeram pela humanidade e, normalmente, são esquecidos.
Para termos ideia do quanto essa autora fez sucesso e foi, ou melhor, ainda é
importante, algumas de suas obras foram traduzidas para o inglês no início do século
XV. Durante o auge de sua produção literária, 1399-1407, ela escreveu em torno de 15
grandes obras.

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Em 1422, Christine se recolhe no convento de Poissy, onde morre em 1430.


É importante retomar o contexto histórico no qual a autora viveu porque alguns
fatos interferiram em sua vida e na sua escrita. Christine de Pizan viveu durante a
Guerra de Cem Anos (1337-1453) entre a França e a Inglaterra e pouco após a Peste
Negra (1348). Provavelmente este período de insegurança e transformações forjou essa
mulher escritora. Além disso, outros acontecimentos importantes foram:
 A criação das catedrais góticas (séculos XII-XIV), enquanto símbolo da
verticalização e ampliação da arte e do pensar através das redes de ofício.
 A instabilidade religiosa gerada primeiro pelo surgimento das duas ordens
mendicantes (Franciscanos e Dominicanos, século XII) e depois, entre o final
do século XIV e início do XV, com a transferência do papado de Roma para
Avignon e de Avignon para Roma; gerando uma disputa entre dois papas.
 O desenvolvimento social e urbano provocado pela criação das universidades
medievais e das Cruzadas, desde os séculos XI e XII.
 Os Renascimentos, primeiro do século XII, com a tradução de vários pensadores
gregos, árabes e judeus e depois o princípio do humanismo italiano, no século
XIV.

Todos esses itens formaram e transformaram o período em que Christine viveu.


O conhecimento e as informações passaram a circular mais, assim como as pessoas
também. A baixa Idade Média era mais ativa que as duas fases anteriores juntas. A
precariedade da vida sob a influência das guerras, doenças; as viagens a lugares
desconhecidos, o contato com culturas diferentes; o questionamento do poder da Igreja,
enquanto única detentora do poder e conhecimento; novas formas de arte, cultura,
filosofia e, principalmente do modo de ver o humano, tudo isso abrirá caminho para a
autora e seus textos.
Nessa sociedade mais flexível, as mulheres começaram a ter mais espaço e
poder. Muitos homens, reis, nobres, artífices, comerciantes, entre outras atividades, não
voltavam das Cruzadas, guerras ou viagens. Nessa situação cabia às mulheres - esposas,
mães, filhas, assumirem o negócio da família. É exatamente entre esse público e
sociedade que Christine teve seu trânsito livre.
As mulheres do final do medievo circulavam mais na esfera pública. Algumas
frequentavam as universidades, geriam conventos, administravam reinos, chefiavam as
guildas e sustentavam suas famílias. São essas mulheres que chamam a atenção de
nossa autora, grande observadora e cronista de seu tempo. Ela olhou para essas
mulheres de vida ativa, ela percebeu o quanto os autores que detratavam as mulheres
estavam equivocados em condenar a todas como pecadoras.
Nesse momento de percepção de injustiça social em relação às mulheres é
colocada a primeira pedra da construção utópica e idealizada da Cidade das Mulheres.
Christine começa a escrever publicamente em 1399 um de seus primeiros livros, Epitre
au dieu d'amour, uma carta endereçada a Cupido na qual a autora pede ao deus que
interceda pelas mulheres que sofrem por amor. Pouco depois, entre 1401-2, ela escreve:
Le livre des épistres sur le Roman de la Rose. Nestes dois textos ela argumenta que as
mulheres, assim como os homens, também padecem com a sedução e o abandono. Seu

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objetivo era demonstrar o quanto obras como Roman de la Rose e a Arte de Amar,
prestavam um desserviço à sociedade ao acusar as mulheres e ao ensinar a desprezá-las.
Com esse questionamento do olhar maniqueísta sobre as mulheres, a autora
inicia a primeira querela da literatura. Ela terá como seus partidários a rainha da França,
Isabeau de Bavière, o prevôt de Paris, Guillaume de Tignonville e, entre seus
adversários, alguns clérigos, Jean de Montreuil e Gontier Col, além de universitários de
Paris. Esse fato é importante para termos ideia da importância que Christine e suas
obras tiveram e a dimensão do seu alcance.

“Se houvesse o costume de enviar as


meninas às escolas, elas compreenderiam as
sutilezas das artes e das ciências.”
(Cité des Dames)

Entre 1405 e 1406, ela escreve suas duas obras de defesa das mulheres.
Primeiro, La cité des dames, que podemos considerar como uma primeira
história das mulheres. Neste livro a autora cita mais de cem mulheres. Mulheres que
tiveram uma existência concreta, mulheres da mitologia, mulheres da bíblia; rainhas,
nobres, mulheres do povo; todas mencionadas com o mesmo propósito: demonstrar a
utilidade, eficácia da mulher para a sociedade.
La Cité des dames foi inspirado em Mulheres Ilustres, de Bocácio, Speculum
historiale, de Vincent de Beauvais, histórias antigas, contos e vidas de santos.
O principal tema abordado é a indignação em relação ao tratamento dado às
mulheres pelos homens.
Essa Cidade construída com mulheres seria um lugar de abrigo e proteção, onde
elas poderiam ficar tranquilas e livres de ataques misóginos. A autora usa elementos
específicos da construção: demarcar a terra, escolher as pedras, erguer as fundações,
muros e as habitações, para argumentar em favor das mulheres; por exemplo, ela faz
menção ao uso da régua como medida de justeza.
Para começar a erguer a cidade, tarefa conduzida e dividida entre três alegorias -
Razão, com o espelho que lhe permite ver a essência das pessoas; Retidão, com sua
régua para traçar o limite da virtude e separar o bem do mal; e Justiça, com uma taça de
ouro em que está gravada a flor de lis, símbolo da Trindade. Christine, auxiliada pela
Razão, convoca a guerreira Semíramis escolhida como pedra de base: [...] voycy une
grande et large pierre que je vueil qui soit la premiere assise ou fondement de ta Cité
(PIZAN, 2004, p. 104).
Terminada a fundação da Cidade, começam a ser erguidos os edifícios, no Livro
II, sob a orientação da Retidão. Christine escolhe mulheres sábias - Carmente, entre
outras - para representar as torres altas que protegerão a Cidade. Como torres e palácios
são escolhidas as profetisas da bíblia e as sibilas, mulheres com o dom da palavra.
Como podemos perceber, para a base e os primeiros edifícios são escolhidas
mulheres que se destacaram por atitudes que não pertenciam ao âmbito feminino:

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coragem e domínio da palavra. A questão do falar é recorrente em todo o texto, pois era
necessário provar que a mulher sabia falar para além dos mexericos.
Terminada a construção é hora de povoar a Cidade. As escolhidas como
habitantes são [...] toutes preudefemmes de grant beauté et de grant auctorité (PIZAN,
2004, p. 250). Como primeiras habitantes foram escolhidas mulheres que foram
constantes, fiéis em seu amor. Essa escolha está ligada à refutação da corrente
antimatrimonial. Christine contesta os autores que pregavam que o casamento seria
mais oneroso e pesado aos homens. Para ela, no casamento, as mulheres podem ser as
maiores vítimas, pois sofrem com os maus-tratos, as humilhações e o desprezo.
No Livro III, conduzido pela Justiça, continua o povoamento e Christine
apresenta aquela que será a rainha e protetora da Cidade: Maria.
As principais ideias defendidas no livro são:
 A diferença entre homens e mulheres é de origem social porque as mulheres não
têm acesso à educação.
 Deve-se mudar a ideia de que só o homem é o detentor da palavra.
 Prova-se a dignidade e utilidade da mulher para a sociedade.

Na segunda obra, Trois vertus ou Le trésor de la cité des dames, na edição


portuguesa de 1518, Espelho de Cristina, se lê: [...] que ela tomaee coraçom d'homem,
scilicet, constante e forte e sajes, pera avisar e pera seguir o que lhe seja bem de fazer
(nom já como simprez molher, engorinhando-se em choros e em lagrimas sem outra
defesa [...] (PISAN, 1987, p. 277).
Estas duas obras são inaugurais no que tange à tomada de consciência da
situação feminina contra a tradicional imagem da mulher como ser menosprezado e
desprovido de qualquer inteligência. Christine escreveu esses livros para defender as
mulheres dos ataques misóginos. Em Trois vertus, dedicado à futura rainha da França,
Marguerite de Bourgogne, a autora faz uma adaptação das regras ditadas pelos
moralistas homens aos modos e costumes femininos.
A principal fonte usada por Christine foi a Bíblia. Outras foram Manipulus
florum, de Thomas Hibernicus e Speculum majus, de Vincent de Beauvais.
Uma inovação, neste tratado de educação: há conselhos às mulheres de todos os
estamentos sociais sobre como deveriam comportar-se e serem educadas. A obra está
dividida em três partes, também chamadas de Livros, como na Cité des dames. Cada
parte é dedicada a um estamento social: rainhas, princesas, duquesas e grandes
senhoras; mulheres que vivem na corte; mulheres casadas com homens da vida pública,
burguesas e mulheres do povo, apresentando conselhos para a vida prática, moral e
intelectual. Essa divisão por estamentos sociais é um critério diferente daquele vigente
na época, o critério espiritual da castidade, pelo qual, entre virgens, casadas e viúvas, as
virgens sobrepunham às demais.
Essa divisão singular proposta por Christine propõe uma nova forma de ver a
mulher não mais sob o critério religioso da castidade, mas como um ser humano com
um papel a ser cumprido e respeitado na sociedade tanto na esfera privada como na
pública. A mulher deixa de ser vista somente a partir de sua função biológica para
assumir uma atividade social.

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Christine de Pizan e o seu projeto utópico

O diferencial, em relação a Cité des dames, é que, em Trois vertus, cada um dos
três Livros é apresentado e conduzido por Christine e não pelas três Senhoras.
O prólogo desse livro refere-se a uma nova aparição das três Senhoras, que
pedem à autora que elabore outra obra. Argumentam que assim como Deus, que
primeiro fez o mundo e por último o povoou com animais e humanos, Christine, à sua
semelhança, também construiu primeiro a Cidade das Senhoras, depois a povoou, e
nessa nova obra deverá cuidar da educação moral e intelectual dessas mulheres: E per
exemplo de deos que no começo do mũdo vyo sua obra e benzeo a e depois fez o homem
e as outrras animallyas . e assi a nossa precedente obra , que é boa e proveitosa, seja
beenta e eixalçada per todo o universal mundo [...] (PISAN, 1987, prólogo).

Como podemos perceber, o conceito de construção de um lugar utópico está


presente nas duas obras através da edificação - física ou imaginária - de um lugar de
abrigo, da condução de suas habitantes e de sua formação moral e intelectual.
Para termos ideia da importância dessa obra, lembramos que ela foi traduzida
para o português duas vezes. A primeira tradução foi feita entre 1447 e 1455, a pedido
da rainha Isabel, sob o títuloTratado de las virtudes de las señoras.O manuscrito está na
Biblioteca Nacional de Madri. A segunda, feita por Germão de Campos em 1518, é
dedicada à rainha Leonor, sob o título O Espelho de Cristina.
Christine, nesse texto, traça o perfil da vida moral e intelectual das mulheres do
fim da Idade Média, legando-nos um registro do passado e, ao mesmo tempo, abrindo-
nos uma perspectiva para o futuro, uma abordagem humanística mais comum ao
Renascimento.
O ponto comum entre os dois livros, além da defesa do sexo feminino, é o seu
formato: diálogo alegórico, na Cité des dames, com as Senhoras Razão, Retidão e
Justiça e, em Trois vertus, da autora com suas leitoras.
O uso alegórico das três damas, como personagens que ordenaram a elaboração
do livro, foi um estratagema usado pela autora para eximir-se da responsabilidade de
dizer o que fazer às mulheres da corte e da família real, pois elas é que deveriam ditar,
exortar ou mesmo criticar o comportamento das outras mulheres. Não podemos
esquecer que Christine não pertence à nobreza e é a sua palavra que está por trás do
disfarce. Esse era um recurso comum na literatura de autores como Cícero, Santo
Agostinho, Dante e Petrarca, entre outros.

Conclusão
Como podemos perceber, as ideias da autora visavam uma mudança de olhar
sobre as mulheres. Ela própria, através de seus textos, construiu uma rachadura no muro
de fortificação do poder e hegemonia masculina. Com suas ideias ela queria provar a
importância e o papel das mulheres na sociedade. Seus livros com histórias e exemplos
de mulheres atuantes representam a tentativa de diminuir a ignorância dos homens em
relação às mulheres.

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Lucimara Leite

Seu objetivo maior era provar que se as mulheres tivessem acesso à educação
elas seriam úteis para a sociedade. Desse modo, acabaria a ignorância em relação ao
papel das mulheres. Christine acreditava que isso conduziria ao fim da misoginia.
A sociedade da baixa Idade Média estava aberta à participação da mulher, que
exercia vários papéis nessa época e já adquiria um certo gosto de emancipação, ainda
incipiente, porém real.
Assim, os homens e as mulheres daquele período estavam propensos a essas
mudanças de comportamento. O contexto histórico conturbado e instável abriu o
caminho para as mulheres exercerem o poder e administrar as propriedades, para que
estas não se perdessem. Logo, essa abertura de maior participação feminina, mais do
que uma tomada de consciência dos direitos das mulheres, foi uma necessidade imposta
pela história. A sociedade como um todo precisava da presença mais atuante da mulher
e, portanto, ela deveria ser melhor preparada e aceita para exercer o poder, na ausência
do homem.
As obras de Christine floresceram como fruto dessa vontade social. Nesse ponto,
a autora não foi um objeto estranho, escrevendo sobre coisas sem sentido para o seu
público. Ao contrário, ela escreveu atenta às mudanças ao seu redor. Sua obra tem as
marcas direcionadas pelo público, público este que começava a valorizar a participação
do sexo feminino fora da esfera privada.
Seu trabalho foi pioneiro e importante, uma das poucas tentativas, por parte de
uma mulher, de repensar e reformular a situação e o destino sociocultural da mulher.

Referências bibliográficas

LEITE, Lucimara. Christine de Pizan: uma resistência. Lisboa: Chiado, 2015.


PISAN, Christine de. O espelho de Cristina. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1987.
PIZAN, Christine de. La cité des dames. Paris: Stock, 1986
_______ . Le livre des trois vertus. Paris: Honoré Champion, 1989.
_______ . O livro das tres vertudes a insinança das damas. Lisboa: Caminho, 2002.
________. La città delle dame. Roma: Carocci, 2004.

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