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UNICAMP
CAMPINAS
2023
BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno; tradução de
Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985.
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
expõe os discursos que legitimam a autoridade paterna e a condição precária da criança antes
de 1760.
Na segunda parte, tem-se uma mudança das mentalidades, quando, no último terço do
século XVIII, a imagem da mãe, seu papel e importância modificaram-se radicalmente. Em
consequência dessa transformação na figura materna, na terceira parte, Badinter trabalha com
as novas responsabilidades e deveres da mãe, que vai além dos nove meses: o dever de criar
um bom cidadão.
Outrossim, as concepções filosóficas e científicas de Jean-Jacques Rousseau 1 e
Sigmund Freud2 atravessam o texto, não apenas ao longo dele, como nos questionamentos
finais que Badinter traz à luz das reflexões, pensando nas “instruções” de família moderna e
idealização de mulher descritas em Émile3 pelo primeiro intelectual e nas teses psicanalíticas
do segundo.
2
sua primeira evidência na questão discursiva do “instinto materno”. A maternidade, neste
recorte, não é relacionada com cuidado, carinho, amor ou instinto, entretanto, quando a alta
mortalidade de crianças começa a se tornar uma crise populacional, viu-se necessário criar a
narrativa da responsabilidade da mãe sobre o filho e, pouco a pouco, de seu amor
incondicional.
Posto isso, no último terço do século XVIII, tem-se uma espécie de revolução da
mentalidade. Muda-se a imagem da mãe, seu papel e importância, ainda que o
comportamento tardasse mudar. Dentro de uma lógica econômica e de necessidade de uma
maior população, as crianças começaram a ser vistas como um valor mercantil em potencial,
assim, inicia-se a imposição às mulheres para que cuidassem de seus filhos.
O primeiro indício de mudança materno é certamente a vontade de aleitar ela própria
seu filho e,lentamente, foi se enraizando que o carinho e o cuidado materno eram
imprescindíveis para o bom crescimento das crianças. O discurso de felicidade e igualdade
para as mulheres também foi muito difundido, na crença de que essas personagens se
sentissem incentivadas a dedicar-se ao seu filho e o cuidado dele. A autora, então, questiona
quem é a nova mãe, visto que as camadas burguesas absorveram o novo discurso da
maternidade, pois as mulheres de classe média viram na figura materna uma oportunidade de
emancipação e promoção. Entretanto, o amor e instinto maternos não comoveram as
mulheres da aristocracia (essas não se modificaram até meados do séculos XIX) e tampouco
as das classes menos abastadas, que continuaram a prática de entregar seus filhos às amas até
o início do século XX.
A narrativa da maternidade se construiu exigindo a doação da mulher ao seu papel de
mãe: assumindo novas responsabilidades, desdobrando-se além dos nove meses a fim de criar
um cidadão, bom cristão, sujeito que encontre o melhor lugar possível no seio social. A
imposição da maternidade e a criação da mãe e mulher ideal foi legitimada, principalmente,
pelo discurso moralizador herdado de Rousseau e pela psicanálise de Freud. Em Émile, obra
de Jean-Jacques Rousseau, o autor descreve a personagem Sophie 4, um exemplo a ser seguido
por todas as mulheres: de espírito agradável sem ser brilhante, sólido sem ser profundo 5.
Assim, Rousseau cria um imaginário da figura feminina, como uma esposa educada para
satisfazer os desejos do marido e as necessidades do filho, exercendo grande influência no
ideário de família moderna.
4 Sophie é a esposa de Émile e mulher ideal pensada por Rousseau. Companheira, fraca, tímida, submissa. A
mulher feita especialmente para agradar ao homem
5 Émile, La pléiade, Livro V
3
Em paralelo, Freud se esforça em analisar a evolução da menina em mulher. Essa tem
três características essenciais, segundo o psicanalista: passividade, masoquismo e o
narcisismo. De acordo com Helene Deutsch 6, com essa imagem da mulher, não era difícil
criar a boa mãe, definida como “mulher feminina”, constituída pela junção harmoniosa das
tendências narcisistas e aptidão masoquista a suportar o sofrimento. Em suma, acreditava-se
que uma verdadeira mãe não era livre, ou seja, não podia ser mãe e outra coisa.
Visto esse cenário, cerca da década de 1960 os discursos feministas tiveram
consequências fundamentais para a desconstrução da maternidade e transformação de
práticas. A maternidade começou a ser vista como um dom, não um instinto, e a insatisfação
das mulheres perante a desigualdade nos séculos XX e XXI entre os cônjuges no cuidado dos
filhos tornou-se pauta.
6 Helene Deutsch foi uma psicanalista polonesa americana e colega de Sigmund Freud. Deutsch foi uma das
primeiras psicanalistas a se especializar em mulheres.
4
masoquismo feminino. A culpabilização será sempre interessante recair sobre a figura
materna, e não sobre a figura que tem seus privilégios constantemente manutenidos.
Vale ressaltar, também, como Badinter se preocupa em mostrar como as mulheres,
por exemplo, do século XVII não são as mesmas do século XXI, no sentido de que a história
não é linear, teleológica. É nítido que a estruturação da obra é feita para pensar as
mentalidades, os discursos e as relações de poder e saber, que são impostas e validam práticas
em suas determinadas sociedades, e não de modo a refletir como a mulher dos séculos
anteriores construiu a mulher do vigente. Apesar de algumas narrativas e práticas persistirem
sobre a figura materna, ela não é unânime, universal ou cânone para todas as mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa maneira, o amor materno poderia ser considerado um sentimento universal que
se manifesta naturalmente em toda e qualquer mulher? Badinter responde brilhantemente, ao
longo da obra, que não, visto que foram as mudanças sociais e as transformações econômicas
alinhados com os interesses de um grupo (esmagadoramente masculino) que constituíram o
que deveria ser a maternidade.
No último parágrafo do prefácio à edição de bolso, Elisabeth Badinter convida todas
as mulheres ao debate filosófico da maternidade, visto que, segundo a autora, é a todas elas
que cabe testemunhar, ouvir e julgar. Em suma, Badinter cria um espaço para debates
imprescindíveis, fazendo com que seu livro seja um serviço a toda mulher, mostrando que
não há amor, instinto ou filhos que lhes faltam, por si, toda mulher é completa, mesmo sem
ser mãe
A autora perpassa por questões de gênero, poder, condição social, relacionando com
práticas e discursos, expondo discussões que são completamente atuais, apesar de tratar de
séculos passados. Mostra como demandas e imposições atravessam os intelectuais, a política,
a economia e a vida social, impactando nas vivências e nas construções das imagens dos
sujeitos. Badinter, com excelência, cumpre o que se propõe a fazer em O amor conquistado:
o mito do amor materno.