Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
No romance Triste Fim de Policarpo Quaresma vemos alguns assuntos de
destaque que chamam a atenção do leitor, como o nacionalismo e o patriotismo da
época. O autor da obra, Lima Barreto documenta as lutas pela consolidação da
Republica, retratada a partir de um povo oprimido e suburbano. Porém, esse não
será nosso foco nessa análise.
O presente trabalho traz a discussão sobre a posição da mulher na sociedade
da época entre o fim do século XIX e início do século XX, naquela época as
mulheres não eram consideradas cidadãs, pois seus direitos não eram respeitados;
havia uma enorme inferioridade destas em relação aos homens.
A preparação e a importância atribuída ao casamento eram características
das imposições sociais que direcionavam a existência feminina a um único futuro
possível, seu objetivo final, casar. A educação recebida pela família e as
expectativas da Burguesia idealizavam uma mulher respeitável que vivia em função
do lar. Para a burguesia eram considerados verdadeiros tesouros ter um ambiente
familiar sólido, lar acolhedor, filhos educados e esposa dedicadacompanheirana vida
social junto ao marido.
Sendo assim, percebemos que as mulheres presentes no romance de Lima
Barreto viveram momentos de repressão que fizeram, ou não, alguma diferença em
suas formas de ser, assumindo papéis impostos pela sociedade burguesa e
aproveitando este enfoque para então descrever estas personagens femininas,
observando suas características, suas personalidades e como a sociedade molda a
mulher, apresentamos uma proposta de evolução das identidades e construção do
verdadeiro eu (selfie), por meio das intervenções da cultura machista do final do
século XIX, usando como exemplo duas personagens da obra Olga: filha de Vicente
Coleoni, afilhada de Policarpo, que vivia com o pai num palacete em Real Grandeza
e Ismênia: filha do coronel Albernaz, vizinho de Policarpo, e que como suas irmãs
tem como único objetivo o casamento.
Ambas as moças se encontram na idade de casar, entretanto na medida que
a primeira não o super valoriza e não chega a se opor, a segunda jovem faz dessa
um móvel para sua vida.
Com isso, pretende-se enfatizar um outro ponto que colabora para entendermos
os questionamentos femininos representados no romance, o desejo despertado e
condicionado pelas relações estabelecidas. Neste ponto recorre-se ao texto teórico
de René Girard: Mentira Romântica e Verdade Romanesca(1961) para relacionar
Olga com o protagonista da narrativa (Major Quaresma), cuja principal característica
é o nacionalismo exacerbado, e que nesta análise o destaque se dá ao fato que
podemos tirar considerações acerca de sua relação com Olga.
3
oposição às outras figuras do romance, pois Olga mostra-se com disposição para
tentar compreender os motivos que levam Policarpo Quaresma a escrever o
requerimento sobre a institucionalização da língua tupi como língua nacional, tão
cheio de repercussões hilariantes e sofridas.
Não concordando com a visão estreita do pai, Olga compreende a atitude de
Policarpo Quaresma naquele momento. Não só como afilhada, aberta
sentimentalmente para tentar entender os atos do padrinho e para revelar o seu
idealismo ingênuo e grandioso, transita Olga pelo romance.
Essa mulher, com razoável nível de educação, amante da literatura de
Goncourt, Anatole France, Daudet, Maupassant, picada também pelo idealismo, é
quem vai perceber com maior agudeza as causas que bloqueiam o desenvolvimento
agrário do país e explicar a miséria em que vive a população rural: “[...] e todas
essas questões [existentes no campo] desafiavam a sua curiosidade, o seu desejo
de saber e também a sua piedade e simpatia por aqueles parias maltrapilhos mal
alojados, talvez com fome, sorumbáticos![...]” (BARRETO, 2007, p.137).
Ambos mutuamente se influenciam, o peso maior recai sobre Olga que tem
simpatia pelas atividades de Quaresma, e lança mão de seus ideais. Olga internaliza
esse ideal presente na figura do Major Quaresma, o que lhe dá a possibilidade de
questionar a realidade, não somente com uma visão nacionalista, mas voltando-se
também para o papel social da mulher no determinado contexto. Vemos estimulado
um desejo segundo o Outro.
Olga se contrapõe á Ismênia na medida que sua identidade não é modelada
em função da manutenção da atuação feminina no final do século XIX. Ismênia foi
tão modelada que é a personificação da mulher totalmente subjugada e trancada em
uma sociedade que impõe uma política patriarcal. A única perspectiva para Ismênia
é o matrimônio, nela não havia outro desejo, e nenhuma outra perspectiva.
De acordo com Martins(2001, p.107) “[...] a personalidade resulta de relações
dialéticas entre fatores externos e internos sintetizados na atividade social do
indivíduo[...] ". Por fatores externos a autora entende as condições sociais
(materiais) do indivíduo, desde suas relações mais imediatas com outros indivíduos
àquelas que se estabelecem com o gênero humano. Os fatores internos (as
condições subjetivas) se referem à materialidade biológica e psicológica do
indivíduo, que se desenvolveram em decorrência da atividade social deste.
Olga ao longo da trama, torna-se mais madura, e com um caráter mais sólido,
na medida que expressa a possibilidade de superar uma consciência ingênua da
realidade. Nessa relação dialética a personagem constrói um olhar crítico que capta
a essência do contexto social, a partir disso a personagem abre caminho para se
constituir como sujeito autônomo (processo de subjetivação)ao passo que se
contrapõe ao estereótipo da mulher passiva, subordinada ao marido. Olga em
determinadas situações mostrava-se desafiadora: “[...]-você, no fundo, é uma
revoltosa(...) Ela não deixava de ser” (BARRETO, 2007.134).
Ismênia (“ela, tão incapaz de um sentimento mais profundo, de uma aplicação
mais séria de energia mental e física”) representa o oposto: a impossibilidade de
8
superação e de um olhar crítico sobre a realidade, de tal forma que após ser
abandonada pelo noivo, se desestabiliza vindo a falecer. Dessa forma, essa
construção da identidade, e do modo de perceber o mundo, não é anterior ás ações
das personagens, mas se constrói no decorrer do processo de interação que elas
realizam,e em relação à Ismênia vemos o engendramento social, simbolicamente
imposto à mulher. Charles Taylor no texto Multiculturalismo examinando a política do
reconhecimento(1998) aborda o caráter dialógico do ser humano, explica Taylor que:
Tornamo-nos agentes humanos plenos, capazes de nos
compreender a nós mesmos e, por conseguinte, de definir nossa
identidade, mediante a aquisição de ricas linguagens humanas de
expressão. E somos apresentados a essas linguagens por meio da
interação com outras pessoas que têm importância para nós. A
gênese do espirito humano, é nesse sentido não monológica, não
algo que cada pessoa realiza por si só, mas dialógica. (TAYLOR,
1998, p.246).
Se entendermos o indivíduo, de alguma forma, como constituído pelo outro,
podemos afirmar que o sujeito é uma construção do seu meio, ou seja, em alguma
medida é constituído e formado pelo contexto. Nesse sentido podemos falar de uma
subjetividade "exteriorizada" e, em alguma medida, "objetivada" pelo outro, pela
cultura, e que pode ser resumida na afirmação de Pontalis sobre o conceito
de self como "[...] um espaço aberto nas duas pontas, sobre o ambiente que o nutre
inicialmente e que, em retorno, ele cria[...]" (PONTALIS, 2001, p. 98) .
Issoé notado na forma como o contexto e as relações sociais influencia e
moldam o caráter das personagens, para Olga o casamento representava apenas
uma formalidade, e para não ser censurada preferia casar, e com o padrinho
aprendera (Major Quaresma) que uma ideia, um desejo, por mais absurdo que
pareça significa uma fonte de liberdade. Ismênia fora condicionada a considerar que
toda sua existência apontava unicamente para o casamento.
Considerando a teoria de René Girard sobre o desejo mimético, convêm
destacar que se o desejo não fosse mimético, não existiria cultura, nem linguagem,
nem sociedade, nem aprendizado: "[...] se o desejo não fosse mimético, não
seriamos abertos ao humano[...]” (GIRARD, 2013, p.33). Com isso, podemos dizer
que a construção de vínculos está em sintonia com a própria natureza desejante do
homem, e que se adoto X como meu modelo, ao imitá-lo, amplio meu repertório
social. Na narrativa, a personagemOlga passa por um alargamento dos próprios
horizontes culturais em relação ao papel social da mulher.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto(2007) relacionamos
três personagens chaves: Olga, Major Quaresma, e Ismênia, para entendermos
como o sujeito feminino se delineia no âmbito das relações estabelecidas, e que
estão presentes no romance.
9
REFERÊNCIAS
GIRARD, R. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. Trad. Lilia Ledon da Silva.
(2001).