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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ- UESC

DEPARTAMENTO DE LETRAS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II

GISELI DE CASTRO SILVA

FRÄULEIN: A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO


DE MÁRIO DE ANDRADE

ILHÉUS - BAHIA

2018
GISELI DE CASTRO SILVA

FRÄULEIN: A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO


DE MÁRIO DE ANDRADE

Trabalho apresentado à disciplina Trabalho


de Conclusão de Curso III, do curso de Letras
Vernáculas – EAD, UAB, Universidade
Estadual de Santa Cruz, como requisito para
aprovação na disciplina.

Professora Orientadora: Ma. Milena Santos


de Jesus

ILHÉUS – BAHIA

2018
EPÍGRAFE

Não se nasce mulher, torna-se mulher

(BEAUVOIR, 1980)
FRÄULEIN: A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO
DE MÁRIO DE ANDRADE

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a representação feminina em Amar, verbo intransitivo
de Mário de Andrade. Vê-se a importância em estudar a figura feminina da protagonista, Fräulein se
apresenta como uma mulher forte, alemã, vive no início do século XX. A narrativa impacta a
burguesia paulista ao relatar a iniciação sexual de um adolescente de família tradicional, por uma
professora de piano, de línguas e de amor, uma governanta que deixa o seu país e se transforma em
sujeito do seu próprio destino no Brasil. A palavra “novo” se evidenciava em todos os discursos, e
também para ressaltar a nova mulher, concretizava-se o Modernismo. Quando se pensa em Mário de
Andrade, não se pode deixar de fazer a relação com o Modernismo, pois esse movimento foi marcado
pela contestação da posição social das mulheres que ampliou-se produzindo identidades sexuais e
de gênero. Simone Beauvoir discursa que o olhar masculino domina a representação do mundo,
retratando da forma que o convém, destoando a verdade absoluta. Os anseios das mulheres, os seus
direitos e ideias foram desprezados pela sociedade. Foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica
realizada a partir do estudo de gênero e representação da mulher, pretende-se compreender o papel
da figura feminina de Fräulein em um romance que relata um caso amoroso, dentro de um contexto
familiar. O estudo abarca discussões socioculturais.

Palavras-chave: Amar. Representação. Mulher. Modernismo.

ABSTRACT

The present work aims to analyze the female representation in Amar, intransitive verb by Mário de
Andrade. One sees the importance in studying the female figure of the protagonist, Fräulein presents
himself as a strong, German woman, living in the early twentieth century. The narrative impacts the
São Paulo bourgeoisie by reporting the sexual initiation of an adolescent of a traditional family, by a
teacher of piano, languages and love, a governess who leaves her country and becomes the subject
of her own destiny in Brazil. The word "new" was evident in all the speeches, and also to emphasize
the new woman, the Modernism materialized. When one thinks of Mário de Andrade, one can not
fail to make the relation with Modernism, since this movement was marked by the contestation of
the social position of women that has been enlarged producing sexual and gender identities. Simone
Beauvoir argues that the masculine gaze dominates the representation of the world, portraying in
the way that suits it, unsettling the absolute truth. Women's longings, their rights and ideas were
despised by society. It was developed a bibliographical research carried out from the study of gender
and representation of women, we intend to understand the role of the female figure Fräulein in a
novel that relates a love affair, within a family context. The study encompasses sociocultural
discussions.

Key-words: Love. Representation. Woman. Modernism.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....……..……………………………………………...…………........5

1 A FORTUNA CRÍTICA DE MÁRIO DE ANDRADE ...................…………........8

2 A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO .…..11

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...…………………………………………………....... 13

REFERÊNCIAS ..................................................................................................15
INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta como proposta o estudo a representação


feminina na narrativa Amar Verbo Intransitivo a partir da personagem Fräulen. Ela é
narrada como uma mulher forte, alemã, vive no início do século XX. Essa tem a
função de ensinar a difícil tarefa sobre o amor. Ademais, adentrar outro país, com
cultura diferente, num lar que não é o seu, é preciso ser destemida. Assim pode ser
observada a rica personagem de Mário de Andrade.
Mário de Andrade impacta a burguesia paulista ao escrever sobre a iniciação
sexual de um jovem de família conservadora, por uma governanta, professora de
piano, de línguas e de amor, que parte da Alemanha para ser o sujeito do seu
próprio destino no Brasil.
Em Amar, Verbo Intransitivo (1927), sob o viés da protagonista Fräulen, se
estabelecerá uma articulação sobre o feminino e o modernismo. Observa-se
também o discurso literário modernista do autor, de caráter denunciativo que revela
a posição ocupada pela mulher numa sociedade machista. O espaço do romance é
São Paulo, no início do século XX, assim, é importante examinar questões sociais e
culturais da época.
A mulher se posiciona à margem de quem domina, suportando a autoridade
do poder. A escritora francesa Simone Beauvoir (1970), aponta que o discurso
religioso vai impor a mulher a condição de submissão na civilização ocidental. É
visto que o olhar masculino domina a representação de mundo, retratando da forma
que o convém, construindo verdades que se impôs como absolutas durante muito
tempo. Os anseios das mulheres, os seus direitos e ideias foram desprezados pela
sociedade.
É determinado às mulheres do período estudado um dever sociocultural
baseado na obediência e submissão ao saber falocêntrico, limitando-a numa figura
de docilidade e encarregada pela procriação, e simultaneamente descartam aquelas
identificações de sujeito que não se enquadram às normatizações de gênero
estipuladas. Dessa forma, as identidades fixas são confirmadas como resultado da
marginalização de sujeitos, que não se enquadram na representação identitária
aceita pelo deliberado.

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É viável a quebra dos paradigmas representacionais femininos impostos por
uma sociedade falocêntrica, posiciona as mulheres num lugar de subordinação.
Ademais, é importante o desenvolvimento da (des)construção das identificações
manipuladas no entre-lugar da incerteza, ressignificando a subalternidade.
Simone de Beauvoir (1947) discursa sobre a questão do homem focando o
que a filosofia do existencialismo sustentava:

O homem não se justifica por sua simples presença no mundo. O


homem só é homem por sua recusa em permanecer passivo, pelo
vigor com que se projeta do presente para o futuro e se orienta para
as coisas, a fim de dominá-las e dar-lhes forma. Para o homem,
existir é refazer a existência. Viver é a vontade de viver (apud
CAVALCANTI, 2014, p 1).

A mulher como sujeito, ao longo da história é um ser social que supera


preconceitos e estigmas. Vê-se a necessidade constante da reflexão das
representações sociais visando que as existências não sejam anuladas, e
possibilitando a negociação das diferenças.
Spivak (2010, p. 14) descreve que “a tarefa do intelectual pós-colonial deve
ser a de criar espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que,
quando ele ou ela o faça possa ser ouvido (a) (...)”. A autora defende que é preciso
criar formas para que o subalterno possa se articular e assim, também será possível
ser ouvido. As mulheres precisam criar e ter um espaço para lutarem por seus
objetivos e dialogarem sobre os seus anseios, é fundamental que não se contentem
com o “lugar inércia”, visar a prosperidade é uma forma de transcendência.
Judith Butler (2008, p.7) afirma que a posição da mulher:

Li Beauvoir, que explicava que ser mulher nos termos de uma cultura
masculinista é ser uma fonte de mistério e de incognoscibilidade para
os homens, o que pareceu confirmar-se de algum modo quando li
Sartre, para quem todo desejo, problematicamente presumido como
heterossexual e masculino, era definido como problema. Para esse
sujeito masculino do desejo, o problema tornou-se escândalo com a
intrusão repentina, a intervenção não antecipada, de um “objeto”
feminino que retornava inexplicavelmente o olhar, revertia a mirada,
e contestava o lugar e a autoridade da posição masculina. A
dependência radical do sujeito masculino diante do “Outro” feminino
expôs repentinamente o caráter ilusório de sua autonomia.

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Observa-se que o poder transpassa a reciprocidade entre sujeitos ou uma
relação de troca de papéis entre o sujeito e o “outro”, esse poder se concretiza na
produção dessa estrutura entre homem e mulher em que se reflete a concepção de
gênero.
É visto que a sensualidade e sexualidade presente na relação de Fräulein e
Carlos instiga a leitura de Amar, verbo intransitivo (1927). Corpo imperfeito, “... maior
que a média dos corpos de mulher [...] cheio nas suas partes [...]pesado e bastante
sensual”, “... beiços curtos, bastante largos, encarnados [...] olhos castanhos, pouco
fundos [...] cabelos mudáveis!” (ANDRADE, 1987, p. 27), continuamente num
movimento de atração e retração. Carlos “machucador” anseia ler o corpo da
professora do amor, aprender o que não pode ser apreendido, Fräulein “lança-se no
ensino, no aprendiz”, no entanto, também sinaliza que ler é um aprendizado sem
fim, é não findar significados.
A governanta alemã Fräulein, de 35 anos, foi contratada pelo patriarca da
família, Souza Costa, para iniciar sexualmente seu filho Carlos, de 16 anos. Fräulein
foi paga para ensinar o que é o amor carnal. A personagem, ainda que faça o papel
de prostituta para a família rica, declara ser séria: “Tenho a profissão que uma
fraqueza me permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão”
(ANDRADE, 1987, p. 49).
É imprescindível conhecer o contexto sociocultural da época para discutir a
representação feminina da personagem Fräulen. Sodré (2002) relata sobre o cenário
social do Brasil, em que a classe média urbana crescia, assim como a imigração,
observando-se as primeiras concentrações das fábricas que surgiam com
equipamentos modernos (apud, SILVA, 2010, p. 3).
Mário de Andrade revela traços da nação em seu romance: “Não tenho a
mínima reserva em afirmar que toda a minha obra representa uma dedicação feliz a
problemas do meu tempo e minha terra...” (ANDRADE, 1974, p 252). Viu-se no
próprio modernismo, exercido por escultores, pintores, escritores, enfim, por artistas.
O ato de fazer a arte participativa, envolvida com os movimentos políticos e,
simultaneamente, criar poesias livre dos acontecimentos atuais, finalizava um
impasse e um traço característico de uma nação.

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1 A FORTUNA CRÍTICA DE MÁRIO DE ANDRADE

Mário Raul de Morais Andrade foi um escritor brasileiro que exerceu


importante função na implementação do Modernismo no Brasil. Nasceu em 9 de
outubro de 1893, na cidade de São Paulo. Terminou o ginásio e entrou para a
Escola de Comércio Alves Penteado, por ironia, desistiu do curso depois de uma
desavença com o professor de Português. Em 1911 fez parte do Conservatório de
Música de São Paulo, formou-se em piano.
Seu pai faleceu em 1917, logo tornou-se professor de piano para ter o seu
próprio dinheiro. Dessa maneira, passou a conviver mais com os artistas da época,
fazendo amizade com Oswald de Andrade e Anita Malfatti. Em seguida, publicou seu
primeiro livro Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), utilizando o
pseudônimo de Mário Sobral fez críticas às mortes resultantes da Primeira Guerra
Mundial.
Envolvido com a literatura e música, participou da Sociedade de Cultura
Artística em 1921, fazendo parte do banquete do Trianon, marcando o lançamento
do Modernismo. Nesse mesmo ano, Oswald de Andrade escreveu Meu poeta
futurista, um artigo que foi veiculado no Jornal do Comércio de São Paulo, por meio
deste Mário de Andrade foi apresentado ao público.
Mário de Andrade foi intitulado professor catedrático do Conservatório de
Música na Semana de Arte Moderna, em 1922. Lançou uma coleção dos seus
primeiros poemas modernistas na obra Pauliceia Desvairada (1922), e fez parte do
grupo criador da revista Klaxon (1922), trabalhava com a divulgação Modernista.
Observa-se a importância da Semana de Arte Moderna:

Que os 90 anos da Semana de Arte Moderna sejam comemorados


oficial e oficiosamente de maneira tão ampla, geral e irrestrita poderia
levar um estrangeiro desavisado a supor que, no Brasil, a pintura é
mais apreciada do que na Itália, a música erudita mais ouvida do que
na Alemanha e a poesia mais lida do que na Rússia. Afinal, que eu
saiba, nenhum outro país devota tanta atenção a eventos artístico-
literários de seu passado, e a unanimidade com que nossa Semana
é cultuada pela mídia, pelas autoridades e pelo sistema escolar, só
encontra paralelo, por exemplo, na intensidade reverencial com que
os franceses celebram sua própria revolução. O fato é que a
Semana, ela mesma parte então das comemorações do centenário
da independência nacional, acabou se convertendo num importante
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acontecimento histórico, um momento que determinou como os
brasileiros, ou talvez, como certa elite e a intelectualidade, se viam –
e o que desejavam ser “quando crescessem” (ASCHER, 2012, apud
CHAVES, 2013, p.10).

A Semana de 22 é um fato relevante da literatura brasileira, um legado para a


cultura e a arte. Vê-se a manifestação do estado de um espírito novo, como o
próprio Mário Andrade define, viveu-se “um estado de poesia”. As novas linguagens
modernas instituídas pelos movimentos literários e artísticos europeus foram
absorvidas pelo cenário artístico brasileiro, mas evidenciando elementos da cultura
brasileira.
Mário de Andrade fez parte da primeira fase do modernismo, embasada no
moderno, polêmico e original, com o nacionalismo em suas variadas vertentes.
Retomando às origens, por meio da valorização do indígena e a língua falada pelo
povo, também foram temas explanados. Entretanto, o nacionalismo foi abordado de
duas formas: a crítica, formada pela esquerda política denunciando a realidade, e a
ufanista, exacerbado e de extrema direita. O modernismo, foi marcado, sobretudo,
pela liberdade de estilo, priorizava-se a necessidade de definições e de ruptura com
todas as estruturas do passado.
Macunaíma (1928) é considerado o livro de grande destaque de Mário de
Andrade, tanto que foi adaptado para o cinema. O autor morreu devido a um ataque
cardíaco, no dia 25 de fevereiro de 1945, em São Paulo.
Mário de Andrade se lançou como romancista ao publicar Amar, verbo
intransitivo, no ano de 1927. A presente proposta tendo como corpus a protagonista
Fräulen, busca estabelecer uma articulação sobre o feminino e o modernismo.
Observa-se também no discurso literário modernista do autor, um caráter
denunciativo que revela a posição ocupada pela mulher numa sociedade machista.
Segundo Lopez (1987), Andrade teve a boa ideia de aliar a nova estética ao
projeto linguístico do Modernismo, certificando a coerência e efetividade à obra.
Suas aspirações modernistas abarcam a linguagem, assim como a escolha por uma
protagonista alemã (apud SILVA, 2010, p. 2).
Amar, verbo intransitivo (1927), Mário de Andrade descreve fatos, reporta à
psicologia, à música, além de citar Castro Alves e Gonçalves Dias. Apresenta a
dicotomia de pensamento de Fräulein entre homem-da-vida (trabalhador,
interessado em ganhar dinheiro no serviço) caracterizado por Bismarck – motivador
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da unificação da Alemanha no ano de 1870 e Wagner, simbolizando o homem-do-
sonho. Andrade discursa que o homem-do-sonho figura os desejos de Fräulein, sua
vontade de voltar para a Alemanha, casar e ter filhos. No entanto, quem se faz vivo
na vida da personagem é o homem-da-vida, que a possibilita a continuação do seu
trabalho sem questionamentos. Gurgel discursa sobre o criador da personagem
Fräulein:

Leitor-aranha, intelectual-leitor, artista-crítico, poeta-pensador,


homem-do-sonho, homem-da-vida, Mário de Andrade foi, ao mesmo
tempo, múltiplo e ambíguo. Universal e regional. Deus-encarcerado,
paciente, escrevia e colecionava artigos, cartas, livros. Tecia a vida
com mãos frágeis prestes a explodir em algum movimento mais
ríspido, crispado. Mãos contorcidas que insistiam em sublimar a dor.
Para Mário, literatura era a dor sublimada. Era vida perdida em mil
tentativas de nomeá-la. Era silêncio e música. Rapsódia e
arrependimento. Idílio e grito de sinceridade (GURGEL, 1995, p. 24).

Como leitor do seu tempo, Mario de Andrade almejava uma língua atual que
simbolizasse verdadeiramente o Brasil. Não somente devido ao neologismo ou à
gramática, era o linguajar brasileiro erotizado e cantado. Não recalcar o país
provavelmente fosse a meta do poeta que, contraditoriamente, se isolava – atrás de
suas cartas, seus óculos, dos livros publicados.
A posição desconfortável e, notoriamente, defensiva de quem já se
reconhecia famoso, aliada a ânsia de liberdade, acompanhou toda a vida do escritor.
Gurgel (p.3, 1995) afirma que para Andrade, o que importava não era ficar, mas
viver: “Eu vivo. E vocês não vivem porque são uns despaisados e não têm a
coragem suficiente para serem vocês”, exclamava a Drummond. Um fator relevante
da vida era fazer parte de um país; carteira de identidade: assinatura, foto, nome,
porém o carimbo... Nacional! Um tempo depois, por volta dos cinquenta anos, com
um “olhar” de melancolia, porém interessado, Mário de Andrade expressava as suas
dúvidas: “Será que a liberdade é uma bobagem?”, “...será que não terei passeando
apenas, me iludindo de existir?”, “Vaidade, tudo vaidade...” (Andrade, 1974, apud
GURGEL, 1995, p. 3).
Mário de Andrade foi o precursor do modernismo brasileiro, sua obra
modificou intensamente a literatura e cultura do país. O autor procurou revolucionar
a forma de compreender e pensar a literatura brasileira, desprendendo-a dos antigos

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cânones. O seu trabalho inspirou e moldou a cultura, delineando a identidade
nacional.

1.1 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

2 A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO

Fräulein (senhorita em alemão) ou Elza é a protagonista em Amar, verbo


intransitivo (1927). Ao relatar a “sociedade de aparências”, por meio da narrativa da
relação amorosa entre um garoto de família de boa posição social e uma alemã de
35 anos, Mário de Andrade é criticado por uma sociedade com a mentalidade
colonizada e alienada. Amar, verbo intransitivo (1927) é prestigiado até hoje pela
qualidade do projeto ideológico e estético.
Amar, verbo intransitivo (1927) é um romance que favorece o gênero
feminino, pois admite a “liberdade” de Fräulein no início do século XX, a personagem
vende o seu trabalho para retornar à Alemanha com o intuito de se casar com o
homem que representa o seu ideal de amor:

Todo de preto, com o alfinete de ouro na gravata. Nariz longo, quase


diáfano, bem traçado... Todo ele é claro, transparente... Tossiria,
arranhando os óculos sem aro... Tossia sempre... E a mancha
irregular de sangue nas maçãs... Jantar iam quase sem dizer nada...
Como passara? Assim, e ele?... Talvez mais três meses e termina o
segundo volume de O Apelo da Natureza na Poesia dos
Minnesänger... Lhe davam o lugar na Universidade... A janta
acabava... Ele atirava-se ao estudo... (ANDRADE, 1987, p. 64)

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A vontade de viver em seu país com um homem sensível e inteligente delineia
a história da governanta que desempenha o seu trabalho com dignidade e não o
refere como prostituição. Fräulein considera exercer uma missão, pois por meio
dela, Carlos estaria protegido de doenças, não frequentaria prostíbulos, nem
contrairia vícios influenciado por prostitutas.
Através de sucintas definições feitas com comparações, o leitor interpreta
com liberdade a sua Fräulein, no entanto o autor expressa características
esmiuçadas ao declarar a semelhança com a ilustração feminina secundária
existente na tela O banho de Betsabê (1654), de Rembrandt. Enfatiza que mesmo
não tendo o corpo perfeito e não ser bonita, possui muita sensualidade. Fräulein é
uma personagem humana e real. Afinal, como é Fräulein? Uma descrição: “Não é
clássico nem perfeito o corpo da minha Fräulein. Pouco maior que a média dos
corpos de mulher. E cheio nas suas partes. Isso o torna pesado e bastante sensual”.
(ANDRADE, 1987, p. 57)

O narrador de Amar, verbo intransitivo, elucida, desde o início: “O começo


dela é de quem recomeça” (ANDRADE, 1987, p. 26). Fräulein, a professora de
amor, empregada por Souza Costa para ensinar uma lição de vida a Carlos, essa
que é assimilada com o corpo. Pontual como uma alemã, representa o relógio da
casa, para Fräulein, a surpresa, o inédito da vida é uma continuidade, porém, no
amor significa a falta de reticências, não há a expectativa do objeto, a sedução é
suspendida em trêmito.
Fräulein é leitora de Shakespeare, Nietzsche, Shopenhauer, Schiller, Racine,
Heine, Goethe e Romand Rolland, autores que tranquilizam as suas amarras e
embelezam os gestos do homem-da-vida. Gurgel ressalta:

O homem-da-vida é pragmático, direto e sabe o que quer, ou não


questiona sua (in)felicidade. É verbo ser. Verbo intransitivo que, por
pouco tempo, é verbo de ligação afetiva. O homem-do-sonho grita
alto, incomoda com ciúmes esquisitos, inconscientes, suspirando
“nas horas silenciosas de contemplação”, “queixume de deus
paciente encarcerado” (ANDRADE, 1987, p. 27).

Amar, verbo intransitivo (1927), não apresenta numeração de sequência,


capítulos ou títulos, no entanto, retrata um romance que aborda o tema amor entre a

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heroína e o herói, representados por Fräulein e Carlos. O romance configura a
identidade brasileira e expressa contradição até no nome, uma vez que “amar” não é
um verbo intransitivo, é um verbo transitivo direto.
Fräulein se considera de raça superior, e reconhece o preconceito ao ser
comparada com índios, negros, latinos e portugueses, pessoas que se envolve por
meio da sua prestação de serviços.
Mesmo que a mulher enfrente normas impostas no âmbito social, na sua
história sociocultural, a figura masculina determina limitações e proibições,
restringindo ações apreendidas e difundidas por várias gerações.
Por séculos, a sociedade procurou distinguir as ideias de feminino e
masculino utilizando estereótipos. Delinearam-se os papéis sociais evidenciando
comportamentos permitidos para cada sexo. A propensão de se considerar comum a
dualidade feminino/masculino deriva da biologia, contudo, a representação da
mulher e do homem não se limita às condições de fêmea e macho. A profunda rede
de construções sociais e culturais, contendo códigos simbólicos, na modernidade é
estudada como gênero e não apenas como sexo (BUTLER, 2010, apud SILVA,
2010, p. 5).
Bicalho (1998, apud SILVA, 2010, p. 6) enfatiza a colaboração de Beauvoir e
Woolf:

A célebre frase de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher”


inaugura uma nova era para o feminismo. Aqui se compreenderá que
o ser mulher é uma construção cultural. Argumentos serão
trabalhados a partir daí, para desconstrução do entendimento de que
a mulher é um ser frágil por natureza. Não é natural a desigualdade e
sim as diferenças biológicas. [...]
Outra grande contribuição da importância da diferença, no debate
sobre a igualdade, neste século, foi de Virginia Woolf. O século XX
trouxe a descoberta da relação natureza e cultura, no pensamento
humano, sobre as relações entre o masculino e feminino.

Quando Fräulein se submete a ensinar sobre o “amor” para o garoto da


família Souza Costa, recebendo oito contos, reconhece uma posição de
subordinação em relação à Carlos, evidenciando a dominação masculina em
detrimento do dinheiro que paga a sua volta à Europa. Cerceada ao espaço
doméstico, local historicamente ocupado por mulheres, apresenta um aspecto

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intimista. No início do século XX o silêncio da mulher era uma norma social, política,
contemplado como uma qualidade valiosa.
Ao discursar sobre o poder no campo da sexualidade, é relevante pensar
sobre as variadas perspectivas feministas que estão relacionadas à prostituição. A
historiadora Rago (1991, apud SILVA, 2010, p. 8) enfatiza a função positiva da
prostituição, ainda que o sentido negativo predomine na sociedade. A prostituição
seria a consequência de problemas econômicos ou do padrão moral machista, por
isso coercitiva, que conduziria as mulheres a um comportamento sexual
transgressor, possibilitando-as ser protagonistas dos seus corpos e desejos. A
“atribuição civilizadora” da prostituição de luxo descobre um mercado próspero com
a recente aristocracia do café de São Paulo.
Fräulein retrata a imagem da mulher que não vive à sombra de homens, é
autora do seu próprio destino. Possui a capacidade de se libertar do falocentrismo.
Através de Fräulein, Mário de Andrade apresentou a figura da mulher que resiste às
exigências de uma sociedade burguesa e patriarcal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar que quando surgiu o movimento modernista, Mário de


Andrade já havia provado o seu talento para poesia e prosa de ficção. Cinco anos
depois da Semana de Arte Moderna, em 1927, publicava Amar, verbo intransitivo.
Baseando-se na visão modernista, estabeleceu em suas obras relações com a
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cultura popular brasileira, ou seja, rompeu com as características literárias da época
e produziu uma nova linguagem.
Para Mário de Andrade, sua literatura possuía o compromisso com a função
reflexiva e social, não apenas estética, em Amar, verbo intransitivo (1927), o autor
discursa acerca da representação feminina, e simultaneamente relata sobre
aspectos sociais e culturais do seu tempo. Ele também aborda o perfil do brasileiro,
enaltecendo as qualidades e deficiências do seu povo e da própria sociedade
burguesa do início do século XX.
Amar, verbo intransitivo (1927) é um romance que “dá voz à mulher”,
relatando o poder que identifica o homem como um simples macho e recrimina o
poder que leva a mulher a se sentir submissa. Ainda, contesta o preconceito, o
estrangeirismo e o paradoxo social.
Amar, verbo intransitivo (1927), através de Fräulein, conseguiu apresentar a
figura de uma mulher que resiste às imposições de uma sociedade que desapodera
as mulheres. A conjuntura profissional da protagonista, ainda que favoreça o
contexto de dominação econômica e sexual, propicia à literatura brasileira, uma
personagem que ganha notoriedade por desobedecer códigos injustos.
Pode-se dizer que Fräulein dispensa o estereótipo de prostituta, posto a
grandeza da sua convicção no amor. Ela instruía sobre o amor embasado na razão.
Suas atitudes e palavras não expressavam a vulgaridade para conquistar os garotos
que ensinava. Logo, seu objetivo não era se deixar seduzir pelo aluno, mas
transformá-lo em homem para seguir com a sua vida conjugal.
Observa-se que o autor e narrador pretende ascender as qualidades de sua
protagonista que almeja a liberdade na conjuntura da marginalização. Dessa forma,
em vista da concepção de estudos instrumentalizados pelas questões de gênero,
entende-se que, no início do século XX, Fräulein submerge os padrões sociais de
São Paulo, visto que mesmo se sujeitando à prostituição, disponibiliza o seu trabalho
em um ambiente familiar da burguesia, “subsistindo” a hierarquia patriarcal.
O estudo aqui desenvolvido abarca a representação da mulher, no entanto,
há muito para se investigar, debater e refletir sobre o tema. A narrativa de Mário de
Andrade discursa sobre a submissão e dominação da mulher nas relações de
gênero. Fräulein, submetida pela burguesia da sua época, em um meio patriarcal,

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consegue superar obstáculos através do conhecimento, praticidade e razão,
revelando a desvalorização feminina e o preconceito.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Mario de. Amar, Verbo Intransitivo. Idílio. Belo Horizonte e Rio de Janeiro:
Villa Rica Editoras Reunidas Ltda, 1987.

_________ Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1974.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: Fatos e Mitos. Vol I, 8ª ed. tradução Sérgio Milliet:
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BECKER, N. de C. Fräulein Elza, a personagem expressionista de Amar, verbo


intransitivo, de Mário de Andrade. Kalíope, São Paulo, ano 4, n. 7, jan./jun., 2008.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

CAVALCANTI, Jardel D. Simone de Beauvoir: da velhice e da morte. 2014. Disponível em:


<http://sindprevs-sc.org.br/geap/11-artigos/3743-simone-de-beauvoir-da-velhice-e-da-
morte>. Acesso em: 14 dez. 2018

CHAVES, Simone da Cruz. O modernismo avaliado por Mário de Andrade.


Configurações da Crítica Cultural, vol. 1, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em:
<http://www.poscritica.uneb.br/revistagrauzero/edicoes/VOLUME-1_NUMERO-
1/1.VOLUME-1_NUMERO-1.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2018.

FÉLIX, Valdiná G. Sob o olhar de Maysa: Questionamentos às representações femininas


na minissérie Maysa: quando fala o coração e no poema Maísa. 2011. 109f. Dissertação de

16
Mestrado. Universidade Santa Cruz – UESC, BA, 2011. Disponível em:
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