Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DEPARTAMENTO DE LETRAS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II
ILHÉUS - BAHIA
2018
GISELI DE CASTRO SILVA
ILHÉUS – BAHIA
2018
EPÍGRAFE
(BEAUVOIR, 1980)
FRÄULEIN: A REPRESENTAÇÃO FEMININA EM AMAR, VERBO INTRANSITIVO
DE MÁRIO DE ANDRADE
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a representação feminina em Amar, verbo intransitivo
de Mário de Andrade. Vê-se a importância em estudar a figura feminina da protagonista, Fräulein se
apresenta como uma mulher forte, alemã, vive no início do século XX. A narrativa impacta a
burguesia paulista ao relatar a iniciação sexual de um adolescente de família tradicional, por uma
professora de piano, de línguas e de amor, uma governanta que deixa o seu país e se transforma em
sujeito do seu próprio destino no Brasil. A palavra “novo” se evidenciava em todos os discursos, e
também para ressaltar a nova mulher, concretizava-se o Modernismo. Quando se pensa em Mário de
Andrade, não se pode deixar de fazer a relação com o Modernismo, pois esse movimento foi marcado
pela contestação da posição social das mulheres que ampliou-se produzindo identidades sexuais e
de gênero. Simone Beauvoir discursa que o olhar masculino domina a representação do mundo,
retratando da forma que o convém, destoando a verdade absoluta. Os anseios das mulheres, os seus
direitos e ideias foram desprezados pela sociedade. Foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica
realizada a partir do estudo de gênero e representação da mulher, pretende-se compreender o papel
da figura feminina de Fräulein em um romance que relata um caso amoroso, dentro de um contexto
familiar. O estudo abarca discussões socioculturais.
ABSTRACT
The present work aims to analyze the female representation in Amar, intransitive verb by Mário de
Andrade. One sees the importance in studying the female figure of the protagonist, Fräulein presents
himself as a strong, German woman, living in the early twentieth century. The narrative impacts the
São Paulo bourgeoisie by reporting the sexual initiation of an adolescent of a traditional family, by a
teacher of piano, languages and love, a governess who leaves her country and becomes the subject
of her own destiny in Brazil. The word "new" was evident in all the speeches, and also to emphasize
the new woman, the Modernism materialized. When one thinks of Mário de Andrade, one can not
fail to make the relation with Modernism, since this movement was marked by the contestation of
the social position of women that has been enlarged producing sexual and gender identities. Simone
Beauvoir argues that the masculine gaze dominates the representation of the world, portraying in
the way that suits it, unsettling the absolute truth. Women's longings, their rights and ideas were
despised by society. It was developed a bibliographical research carried out from the study of gender
and representation of women, we intend to understand the role of the female figure Fräulein in a
novel that relates a love affair, within a family context. The study encompasses sociocultural
discussions.
INTRODUÇÃO ....……..……………………………………………...…………........5
REFERÊNCIAS ..................................................................................................15
INTRODUÇÃO
5
É viável a quebra dos paradigmas representacionais femininos impostos por
uma sociedade falocêntrica, posiciona as mulheres num lugar de subordinação.
Ademais, é importante o desenvolvimento da (des)construção das identificações
manipuladas no entre-lugar da incerteza, ressignificando a subalternidade.
Simone de Beauvoir (1947) discursa sobre a questão do homem focando o
que a filosofia do existencialismo sustentava:
Li Beauvoir, que explicava que ser mulher nos termos de uma cultura
masculinista é ser uma fonte de mistério e de incognoscibilidade para
os homens, o que pareceu confirmar-se de algum modo quando li
Sartre, para quem todo desejo, problematicamente presumido como
heterossexual e masculino, era definido como problema. Para esse
sujeito masculino do desejo, o problema tornou-se escândalo com a
intrusão repentina, a intervenção não antecipada, de um “objeto”
feminino que retornava inexplicavelmente o olhar, revertia a mirada,
e contestava o lugar e a autoridade da posição masculina. A
dependência radical do sujeito masculino diante do “Outro” feminino
expôs repentinamente o caráter ilusório de sua autonomia.
6
Observa-se que o poder transpassa a reciprocidade entre sujeitos ou uma
relação de troca de papéis entre o sujeito e o “outro”, esse poder se concretiza na
produção dessa estrutura entre homem e mulher em que se reflete a concepção de
gênero.
É visto que a sensualidade e sexualidade presente na relação de Fräulein e
Carlos instiga a leitura de Amar, verbo intransitivo (1927). Corpo imperfeito, “... maior
que a média dos corpos de mulher [...] cheio nas suas partes [...]pesado e bastante
sensual”, “... beiços curtos, bastante largos, encarnados [...] olhos castanhos, pouco
fundos [...] cabelos mudáveis!” (ANDRADE, 1987, p. 27), continuamente num
movimento de atração e retração. Carlos “machucador” anseia ler o corpo da
professora do amor, aprender o que não pode ser apreendido, Fräulein “lança-se no
ensino, no aprendiz”, no entanto, também sinaliza que ler é um aprendizado sem
fim, é não findar significados.
A governanta alemã Fräulein, de 35 anos, foi contratada pelo patriarca da
família, Souza Costa, para iniciar sexualmente seu filho Carlos, de 16 anos. Fräulein
foi paga para ensinar o que é o amor carnal. A personagem, ainda que faça o papel
de prostituta para a família rica, declara ser séria: “Tenho a profissão que uma
fraqueza me permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão”
(ANDRADE, 1987, p. 49).
É imprescindível conhecer o contexto sociocultural da época para discutir a
representação feminina da personagem Fräulen. Sodré (2002) relata sobre o cenário
social do Brasil, em que a classe média urbana crescia, assim como a imigração,
observando-se as primeiras concentrações das fábricas que surgiam com
equipamentos modernos (apud, SILVA, 2010, p. 3).
Mário de Andrade revela traços da nação em seu romance: “Não tenho a
mínima reserva em afirmar que toda a minha obra representa uma dedicação feliz a
problemas do meu tempo e minha terra...” (ANDRADE, 1974, p 252). Viu-se no
próprio modernismo, exercido por escultores, pintores, escritores, enfim, por artistas.
O ato de fazer a arte participativa, envolvida com os movimentos políticos e,
simultaneamente, criar poesias livre dos acontecimentos atuais, finalizava um
impasse e um traço característico de uma nação.
7
1 A FORTUNA CRÍTICA DE MÁRIO DE ANDRADE
Como leitor do seu tempo, Mario de Andrade almejava uma língua atual que
simbolizasse verdadeiramente o Brasil. Não somente devido ao neologismo ou à
gramática, era o linguajar brasileiro erotizado e cantado. Não recalcar o país
provavelmente fosse a meta do poeta que, contraditoriamente, se isolava – atrás de
suas cartas, seus óculos, dos livros publicados.
A posição desconfortável e, notoriamente, defensiva de quem já se
reconhecia famoso, aliada a ânsia de liberdade, acompanhou toda a vida do escritor.
Gurgel (p.3, 1995) afirma que para Andrade, o que importava não era ficar, mas
viver: “Eu vivo. E vocês não vivem porque são uns despaisados e não têm a
coragem suficiente para serem vocês”, exclamava a Drummond. Um fator relevante
da vida era fazer parte de um país; carteira de identidade: assinatura, foto, nome,
porém o carimbo... Nacional! Um tempo depois, por volta dos cinquenta anos, com
um “olhar” de melancolia, porém interessado, Mário de Andrade expressava as suas
dúvidas: “Será que a liberdade é uma bobagem?”, “...será que não terei passeando
apenas, me iludindo de existir?”, “Vaidade, tudo vaidade...” (Andrade, 1974, apud
GURGEL, 1995, p. 3).
Mário de Andrade foi o precursor do modernismo brasileiro, sua obra
modificou intensamente a literatura e cultura do país. O autor procurou revolucionar
a forma de compreender e pensar a literatura brasileira, desprendendo-a dos antigos
10
cânones. O seu trabalho inspirou e moldou a cultura, delineando a identidade
nacional.
11
A vontade de viver em seu país com um homem sensível e inteligente delineia
a história da governanta que desempenha o seu trabalho com dignidade e não o
refere como prostituição. Fräulein considera exercer uma missão, pois por meio
dela, Carlos estaria protegido de doenças, não frequentaria prostíbulos, nem
contrairia vícios influenciado por prostitutas.
Através de sucintas definições feitas com comparações, o leitor interpreta
com liberdade a sua Fräulein, no entanto o autor expressa características
esmiuçadas ao declarar a semelhança com a ilustração feminina secundária
existente na tela O banho de Betsabê (1654), de Rembrandt. Enfatiza que mesmo
não tendo o corpo perfeito e não ser bonita, possui muita sensualidade. Fräulein é
uma personagem humana e real. Afinal, como é Fräulein? Uma descrição: “Não é
clássico nem perfeito o corpo da minha Fräulein. Pouco maior que a média dos
corpos de mulher. E cheio nas suas partes. Isso o torna pesado e bastante sensual”.
(ANDRADE, 1987, p. 57)
12
heroína e o herói, representados por Fräulein e Carlos. O romance configura a
identidade brasileira e expressa contradição até no nome, uma vez que “amar” não é
um verbo intransitivo, é um verbo transitivo direto.
Fräulein se considera de raça superior, e reconhece o preconceito ao ser
comparada com índios, negros, latinos e portugueses, pessoas que se envolve por
meio da sua prestação de serviços.
Mesmo que a mulher enfrente normas impostas no âmbito social, na sua
história sociocultural, a figura masculina determina limitações e proibições,
restringindo ações apreendidas e difundidas por várias gerações.
Por séculos, a sociedade procurou distinguir as ideias de feminino e
masculino utilizando estereótipos. Delinearam-se os papéis sociais evidenciando
comportamentos permitidos para cada sexo. A propensão de se considerar comum a
dualidade feminino/masculino deriva da biologia, contudo, a representação da
mulher e do homem não se limita às condições de fêmea e macho. A profunda rede
de construções sociais e culturais, contendo códigos simbólicos, na modernidade é
estudada como gênero e não apenas como sexo (BUTLER, 2010, apud SILVA,
2010, p. 5).
Bicalho (1998, apud SILVA, 2010, p. 6) enfatiza a colaboração de Beauvoir e
Woolf:
13
intimista. No início do século XX o silêncio da mulher era uma norma social, política,
contemplado como uma qualidade valiosa.
Ao discursar sobre o poder no campo da sexualidade, é relevante pensar
sobre as variadas perspectivas feministas que estão relacionadas à prostituição. A
historiadora Rago (1991, apud SILVA, 2010, p. 8) enfatiza a função positiva da
prostituição, ainda que o sentido negativo predomine na sociedade. A prostituição
seria a consequência de problemas econômicos ou do padrão moral machista, por
isso coercitiva, que conduziria as mulheres a um comportamento sexual
transgressor, possibilitando-as ser protagonistas dos seus corpos e desejos. A
“atribuição civilizadora” da prostituição de luxo descobre um mercado próspero com
a recente aristocracia do café de São Paulo.
Fräulein retrata a imagem da mulher que não vive à sombra de homens, é
autora do seu próprio destino. Possui a capacidade de se libertar do falocentrismo.
Através de Fräulein, Mário de Andrade apresentou a figura da mulher que resiste às
exigências de uma sociedade burguesa e patriarcal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
15
consegue superar obstáculos através do conhecimento, praticidade e razão,
revelando a desvalorização feminina e o preconceito.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mario de. Amar, Verbo Intransitivo. Idílio. Belo Horizonte e Rio de Janeiro:
Villa Rica Editoras Reunidas Ltda, 1987.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: Fatos e Mitos. Vol I, 8ª ed. tradução Sérgio Milliet:
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
16
Mestrado. Universidade Santa Cruz – UESC, BA, 2011. Disponível em:
<http://www.biblioteca.uesc.br/biblioteca/bdtd/200960028D.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.
MELO, Inês. Mário de Andrade: a história de um modernista. Estante. 2015. Disponível em:
<http://www.revistaestante.fnac.pt/mario-de-andrade-a-historia-de-um-modernista/>. Acesso
em: 5 jan. 2019.
OLIVEIRA, Lilian S. de. Educação e religião das mulheres no Brasil do século XIX:
conformação e resistência. Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, 25-
28 agosto, 2008. Disponível em:
<http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST27/Lilian_Sarat_de_Oliveira_27.pdf>. Acesso
em: 14 dez. 2018.
ROSALDO, Michelle Zimbalist. A mulher, a cultura e a sociedade: uma visão teórica. In:
LAMPHERE, Louis; ROSALDO, Michelle Zimbalist (Coords.). A mulher, a cultura e a
sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 33-60.
17