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CASA DE JOSÉ DE A
PROGRAMA EDIT
Lnagino um Tauá bem longe, um Tamboril per-
dido, sei lá que mais perto seja um Quixadá desses
cheio de pedras ...- Vem, noite antiquíssima e idênti-
ca /.. ./ Com as estrelas lantejoulas rápidas / No
teu vestido franjado de infinito / - diria Pessoa
num dos mais belos poemas da língua lusa; e ali a
casa, grande, e os compadres meus, um vento leve,
dizem-no Aracaty, assim mesmo com "ipsilone", é um
vento muito velho; naqueles mundaréus onde o as-
sunto é sempre um "será que vai chover, compa-
dre?" -e Lustosa, senhor e proprietário de todas as
histórias, a todos nós, de antigamente, as do Amazonas.
UM GOVERNO SÉRIO
DOM
A CABECEIRA
GÊNERO
SOARES FEITOSA
Fortaleza, novembro99
mundo todo são vários: fundem-se as ruas da
Você, Lustosa, é inesgotável falando da Europa, as poltronas dos aviões, os salões de fes-
erra. Você falando de Fortaleza, Sobral, e tas, as redações dos jornais, os corredores do
r parte do Ceará, do seu passado e do seu Congresso, Veneza, Sobral, Brasília...
vivido, você é cinema ambulante. (Carlos Augusto Viana)
(Caio Porfírio Carneiro)
Rache o Procópio! é um livro saboroso,
Rache o Procópio! é um manual da arte que deve ser degustado com todo o apetite e toda
de contar estórias. É assim a mais recente produ- a voracidade do olhar. É um exercício de inteli-
ção de Lustosa da Costa, coletânea de crônicas gência ler o que é bem escrito, o que nos remete
cada qual melhor do que a outra, culminando com à magia machadiana com os seus eufemismos
a anedótica conversa que dá título ao livro. mortais: "aprovado no vestibular de geologia do
Discípulo de Milton Dias, de Moreira campo santo", "a cobradora implacável", "Mor-
Campos, ou de Mario Lago, Chico Anísio e al- reu de que? De solidão? Do desencontro com a
guns outros excelentes causeurs, Lustosa se apri- vida?". "É melhor envelhecer do que morrer" É
mora em seu estilo chistoso, mantendo o interes- um livro de saberes, do mundo, e para o mundo".
se do leitor numa constante. (R. Leontino Filho)
(Blanchard Girão)
Lustosa aprendeu, no seminário, a ler os
Lustosa da Costa é um desses eleitos: clássicos e isso ajudou-o no seu ofício de jornalis-
nele, a composição constrói efeitos que a lingua- ta e escritor. Creio que as gerações posteriores à
gem comum não consegue produzir, uma vez que de Lustosa, Paulo Elpídio, Hélio Barros, Lúcio
é manipulada de forma diferente, de onde trescala Brasileiro, a geração dos ativos e participantes
o novo - depósito de inquietações e perplexida- quarentões, não possui o mesmo estofo cultural
des humanas. daqueles que, nos seminários ou em colégios tra-
A leitura de Rache o Procópio! aponta- dicionais, aprenderam a ler e a estimar escritores
nos um texto que prima pelo trabalho artesanal da da craveira de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão,
palavra. A linguagem direta, simples e correta (o Camilo Castelo Branco, Machado de Assis e
autor é daqueles que se rendem à beleza do Por- Graciliano Ramos.
tuguês bem escrito, talvez por ver na literatura Nas Cartas do Beco percebe-se de ime-
também um instrumento de aprendizagem). diato, o reflexo dessas leituras, não só pela cita-
Ler Rache o Procópio! é sobretudo, mer- ção dos autores, mas, principalmente, pela estru-
gulhar numa multiplicidade de seres e de coisas, tura do texto feito à maneira de cartas, como o
exercício de múltiplas sensações. É reencontrar fez magistralmente Eça de Queirós, através do
Manuel Bandeira, o nosso "tísico profissional" ou seu alter ego Fradique Mendes.
o prosaísmo do Beco da Piedade. Nesse livro, o (Carlos d 'Alge)
UFC
CASADEJOSÉDEALENCAR
PROGRAMAEDITORL\L
COLEÇÃO ALAGADIÇO NOVO
COORDENADOR
Antônio Martins Filho
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Carvalho
Joaquim Haroldo Ponte
Geraldo Jesuíno da Costa
CAPA
--
Assis Martins
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Carlos Alberto A. Dantas
Lustosa da Costa
Como •
me torne1
Sexagenário
UFC
CASA DE JOSÉ DE ALENCAR
PROGRAMA EDITORIAL
1999
Ao amigo José Sarney,
na iminência dos seus
venturosos setenta.
APRESENTAÇÃO
Espancamento
Não fazia calor como hoje, porque ainda não existia muita rua
asfaltada. Havia ficus de benjamin à vontade, ensombrando a cidade.
Tinha eu de sete para oito anos. Estava sentado, num final de tarde, a
uma janela do primeiro andar do sobrado que dava para a casa de "seu
Capote", na rua Deolindo Barreto, numa enorme cadeira de madeira,
tipo avião.
De repente, vi e nunca pude esquecer. Gritos, um tropel de
gente. Dois soldados se esforçam para recolher um bêbado. Ele resiste.
Grita. Quando dois soldados tentam detê-lo, foge. As autoridades O es-
pancam com seus sabres. Já há sangue no chão empoeirado. O bêbado,
porém, não se deixa prender tão facilmente. Continua seu espancamento
até que Walter Andrade (vinha chegando do sítio, a cavalo, de botas
altas, chicote à mão, à porta de sua serraria), intervém. Aos gritos, man-
da que os soldados parem a violência e libertem o preso, na base do
"sabem com quem estão falando". O bêbado valente resistira à prisão e
aos lanhos dos sabres dos soldados, que empapavam sua camisa de suor
e de sangue. Uma inquietante agonia agitava meu coração. Quando os
policiais atenderam à ordem de Walter Andrade e libertaram o quase
preso, sai de cima de meu coração o peso de enorme pedra.
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Outros vizinhos
Presença da morte
14
Ratos insones
Cinema
Os vizinhos
15
Um casal soturno
MENINO EM SOBRAL
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na correnteza pacífica! Oiticicas antigas, talvez centenárias, debruçavam
sua sombra sobre o regato - sombra escura de árvore escura, crescida no
úmido e envelhecida pelo beijo das águas passantes e boêmias.
Depois, ganhava a estrada real, pedregosa e ressequida, em meio
a descampados onde o gado erguia um olhar vazio de esperança, para
cidade já próxima, até encontrar, em toda sua lúgubre aparência, o mata-
douro - prédio esguio, cinzento, em torno do qual corvejavam, em vôos
preguiçosos, espaçadas levas de urubus, tingindo o céu de azul cinza.
Chegava, enfim, à estação de trem, à altura da Santa Casa, à
cancela rodoviária, e logo estava dentro de Sobral. Era bem cedo,
mas já podia ver as primeiras casas abertas, aquele murmúrio
precocemente cansado dos lugarejos, os velhos de pijama na calçada,
jumentos que carregavam, penduradas em cada cangalha, quatro pipas
de madeira para transporte de água. Uma grande pasmaceira em tudo!
Rumava, então, para casa, deixando para trás a alimária passada de
anos, umidade e suor.
Em período de estudo, ia diretamente para o colégio, onde ouvia
e prestava atenção a qualquer coisa, menos ao que dizia a professora...
A sineta tocava. Se era hora do recreio, merendava o pão com
doce. Se fim de aula, debandava, normalmente só. Costumava sair entre
os últimos, sem correria ou atropelo, com algum amigo mais chegado,
raramente alguma amiga. Aproveitava a ocasião para falar de coisas
grandes, distantes mundos de romance e fantasia, por onde vagava a
imaginação irrequieta e abrasada de idéias.
Voltava para casa, sol ainda a pino, muita fome e um desejo
louco de amainar o tempo. Vinha-me aquela vontade de pegar a espin-
garda, caçar nos vaus ou nas grotas, de ir pescar carás e enguias, de dar
longas caminhadas por sobre a areia branca, solta e fina, na qual era
gostoso assentar o pé inquieto de meus nove anos. (08/08/93)
DECEPÇÃO ELEITORAL
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Rocha", pobre edição da Typografia "Guarany"" de Recife. O estabele-
cimento escolar situava-se na antiga praça do S. Francisco, hoje penso
que Francisco Monte, no local onde atualmente funciona a Teleceará, e
era da ex-freira Honorina Passos, irmã do vigário geral da Diocese, mons.
Olavo Passos, gente da Viçosa, muito amigos lá de casa. Tanto assim
que foram padrinhos dos dois Elcias Lustosa, o que faleceu criança no
prédio do Museu Diocesano onde moramos e o outro, hoje diretor do
Espaço Cultural da Câmara. O único defeito dos dois era serem da UDN.
Não posso jamais esquecer a noite em que nos foram visitar e a uma
pergunta de dona Dolores, Honorina respondeu:
"Estou tentando engolir a pílula amarga da eleição do marechal
Eurico Dutra". Não prestou, não. Foi o maior bate-boca.
Dona Dolores era radical em política desde os tempos de
integralismo em Cajazeiras em que rebateu, de público, pregação de Otá-
vio Maia. Seu sobrinho, o falecido governador da Paraíba, Antônio Mariz,
me contava que seu tio, já velhinho, costumava lembrar o desafio da
atrevida professorinha da terra do padre Rolim.
Claro que nem tudo foram desavenças entre elas. Recordo a
visita que nos fez, mais tarde, quando da morte de Elcias e o pranto
desatado com que abraçou minha mãe, irmanadas ambas na mesma dor.
Memória não me falta
Guardo, comigo, outros documentos da infância o que devo à
minha mãe. Na certa, sonhava ela com aquelas reportagens sobre os
começos dos que se tornaram grandes homens. Bem que começo tive. O
resto é que não foi esses balaios todos. Mas a papelada está aqui para o
caso de a Presidência da República me cair no colo.
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Ainda hoje sinto, nos costados, chuva fina e persistente que nos
perseguia no açude Mocambinho, em Sobral - onde hoje se situa a fábri-
ca de cimento - que sangrava. A vida era risonha e franca. Tanto que eu,
menino tímido, arriscava as mãos nas gratas e locas de pedra, para capturar
muçuns e carás.
Recordo, ainda, de banhos de chuva tomados com meu pai, nas
ruas da cidade. A água despencava lá de cima dos jacarés do sobrado do
Bispo e escorria, pressurosa, pela coxia das calçadas, ávida do rio Acaraú.
Adolescente, uma tarde estava passando pela Praça da Boa Vista.
O céu de repente, não mais que de repente, como diria o poetinha, ficou
escuro. Da terra se desprendia cheiro forte, carregado de expectativa
d' água, de fecundação, de erotismo. Alguém dizia na tarde úmida: "o
açude de dona Arolisa está pra arrombar". Décadas depois me disseram
que ela não tinha fazenda nem açude. Por que esta frase ficou pairando
nas recordações? Talvez fosse o açude do Júlio Coelho, funcionário do
IAPC, marido de dona Gláucia Aragão. A chuva desabou com força -
em pingos grossos, "de cruzado", como dizia meu pai - antes que eu
pudesse chegar à casa na Praça do S. Francisco.
Pela vida, agora, gosto de ver a chuva cair, lá fora, eu com nariz
espremido contra a vidraça. De ouvir seu arruído sobre o telhado.
Um dia destes, entrei numa gelada, por não atentar para as con-
dições de vida do interlocutor. Estava numa loja fazendo compras quan-
do a água começou a cair. Disse à funcionária que me atendia do meu
deslumbramento com a chuva. Ela não mostrou o mesmo entusiasmo.
Quando estranhei, explicou o porquê:
"O senhor não gostaria, se tivesse de atravessar um quilômetro
de barro do ponto de ônibus até sua casa."
O ex-senador Passos Porto, na quadra chuvosa de Brasília, hos-
pedou, certa vez, um prefeito do interior de sua Sergipe que vinha à
capital. Para a clássica peregrinação pelos ministérios. Todo o dia, desci-
am para a garagem e tomavam o carro rumo à garagem do Senado, onde
se apeavam quer chovesse ou fizesse sol. Finda a temporada, o bom
Passito perguntou ao prefeito o que achava da vida de senador? O matuto
foi sucinto: "é boa porque senador não se molha".
A maioria das pessoas quer ir para a chuva, mas não quer se
molhar. São assim as mulheres dos homens de vida muito intensa e bem
sucedida, que, por isso mesmo, não têm tempo para a família. Elas ado-
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ram as mordomias do sucesso. Não desejam, porém, pagar por elas
preço algum. E não há almoço de graça, advertem os americanos. É
assim a humanidade. Ocorre que a vida tem sua tabela de preços, suas
cobranças, e, raramente, é careira e injusta. Ela simplesmente cobra.
Agora ou depois. É pagar. Sem tugir nem mugir. Aliás, espernear bem
que pode. Ninguém jamais o conseguiu. ( 17 /03/91)
A PRIMEIRA PROFESSORA
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da vida, fumei escondido o primeiro cigarro e, um dia, viajei. Maravilha
das maravilhas, sabem vocês onde ia?
A Viçosa, cidade do meu amor, daquela mestra-quase-mãe (des-
culpem os analistas!). E lá fui eu, cheio de ansiedade, confrontar o pas-
sado com o presente, tentando extrair do passado alguma beleza que
este, eventualmente, tivesse esquecido de me mostrar. Se fui buscar
beleza, só encontrei decepção. Minha amada era agora pobre criatura
cujos dentes a rapadura e o mau açúcar haviam feito cariar e enegrecer.
Seu asseio, tanto quanto o do local, era pouco, no chão batido onde
rolava uma criança nascida de sua traição a mim. Mirei meu rival, ma-
gro, dentadura igualmente maltratada e pensei seriamente no mau negó-
cio que ela fizera, trocando-me por aquilo ...
Adeus às ilusões! Botei pedra e cal em cima de minha saudade.
Percebi, vez primeira, quão traiçoeira é a memória. Poe confete e con-
feito no que passou e foi bom, distribuir "glamour" sobre as coisas preté-
ritas, só para aumentar o desgosto e a desdita do reencontro. Mas nem
todo esse sofrer adiantou ou me corrigiu a mania de redourar o passado.
Anos depois, barba feita, coração por fazer, amei. E, amando,
gastei a sola dos sapatos passando, muitas vezes por dia, pela rua Joa-
quim Ribeiro, na esperança de avistá-la à janela. Por ela, consumi, tími-
do e silencioso, conhaque e quinado (bebia-se isto àquele tempo). Talvez
até cachaça pois é imbatível o fígado dos tempos do primeiro amor. Fui
acometido de esperanças violentas e desesperos mortais. Até que veio o
"não". Empatara romantismo incipiente, fígado igualmente incipiente,
disponibilidade igual; e o resultado era este. Ao criar coragem para che-
gar perto da amada, ali na Praça 5 de Julho, na alameda atrás da Igreja
do Rosário, ouvi dela:
"Não. Não podia. Era comprometida. Não usava aliança, mas
era comprometida. Namorava um rapaz que morava fora e ia fazer
concurso pro Banco do Brasil".
A esse tempo, meu sonho menor era a Presidência da República
e estava sendo preterido, atropelado por uma larva, uma expectativa de
bancário.
O tempo passou. Enquanto me doíam coração e cotovelo, an-
dou muito devagar.
Depois, correu a mais não poder. O concurso do banco não se
realizou. O amor era mofino e geográfico. Mudamos ambos da cidade.
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Assim também o sentimento. Anos mais tarde encontrei-a. Revi aquele
rosto adorado, analisando as sardas que lhe povoavam a face morena
(era morena, mas tinha sardas a valer!). O nariz arrebitado, um vago ar
suburbano que antes me escapara e, surpreso, só soube lhe dizer desas-
tradamente:
"Maria Helena, como é que pude ser tão apaixonado por você?"
Nunca, até então, fora tão descortês com uma mulher. Poucas
gafes lamentei como aquela.
Em verdade, em verdade hoje vos digo. Não houve, propria-
mente, intenção de grosseria. O que aconteceu foi o choque com a atroz
traição da memória que, pérfida como cobra, mente que nem camelô.
Diante desse último ocorrido, fiz solene promessa, vã talvez, de
não mais volver o pensamento à primeira namorada nem ao amor passado.
PRESTÍGIO FUNCIONAL
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"Gaudêncio, não fui demitido, não. Fui promovido".
O outro, com feroz pragmatismo, ponderou:
"Mas o gerente agora é o Jader."
Não vi Judith Sendy nas fotografias da festa com que Luiz Frota
Carneiro homenageou a crônica social dos anos cinqüenta. Nem se falou
na Maura Barbosa, de O Povo, nem em Bayard, do Correio do Ceará.
Bayard se chamava José Calazans Pires. Era solteiro e com-
prava telefones, como forma de fazer poupança. Sua crônica se limita-
va a narrar, em duas a três linhas, o acontecimento social e depois dizer
que estavam presentes" O Sr. e Sra., Fulano de Tal e noiva etc e tal.
Uma comprida relação que ocupava toda a coluna. Só. Em certa edição,
ao lado do rol de presenças, publicou a foto do patrão, Eduardo Campos,
com legenda. Como ele não houvesse comparecido, lamentava a
ausência ao acontecimento narrado. Não era mal, no entanto. Só ofendia
a comida que comia. Ficou, todavia, uma fera quando Lúcio Brasileiro
trouxe sua coluna pro jornal. Era uma parada enfrentar concorrente tão
brilhante. Estava numa calorosa tarde de sábado, na velha redação de
Unitário e Correio, quando ele entrou, baixinho, muito bem
encadernado num paletó croisé azul marinho, fulo da vida, furioso,
fumando numa quenga. Nem o percebi. Quando lhe perguntei como ia,
respondeu feroz:
"Vou bem. O jornal é que não".
Seria algo contra mim? Não podia ser. Indaguei porquê e ele
detonou a injúria: "Está entrando até veado, aqui."
Fiz de conta que não percebi seu despeito. Não passei recibo.
Respondi-lhe bem-humorado:
"O sol nasceu pra todos."
A esse tempo (ou foi antes? Não estou certo), pelas manhãs dos
dias úteis, havia congestionamento de trânsito, abalroamentos, batidas
de automóveis na rua Costa Barros. Eram dezenas de fortalezenses, bem
sucedidos, que paravam, de repente, seus carros, empenhados em dar
carona a Eutimio Moreira, colunista social de O Povo, em transportá-lo
escassos quarteirões adiante, até o Fórum, onde tinha cartório. Um dia,
não se sabe porquê, atribuíram-lhe calores tardios por moçoilas em flor
que povoavam o café soçaite e ele perdeu a coluna. Deixou de ter sua
banca na feira das vaidades. Dia seguinte, aqueles motoristas que se
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matavam para levá-lo, não mais o viam, parado, à esquina, à espera do
ônibus. Passavam ao largo.
O mesmo aconteceu ao pernambucano Tavares Miranda, comu-
nista e grande poeta antes de se tomar rei da sociedade de S. Paulo. Era
feliz e dormia em alcova de cetim. Pintava e bordava. Casava e batizava.
Um dia, grassou na Folha de S. Paulo a febre da juventude. Ninguém
mais confiava em ninguém com mais de trinta anos. Sua redação encheu-
se de focas, a ponto de se dizer que se alguém jogasse uma daquelas
bolas grandes de plástico no local, ela jamais cairia, amparada pelo focinho
de tais bichos. Assim, a Folha fez o que fazem muitas empresas quando
um de seus funcionários chega aos trinta anos de serviço: presenteiam-
no com uma bandeja de prata e um pontapé na bunda. Tavares nem
bandeja recebeu. Só o bilhete azul. Foi catapultado, de repente, pro
anonimato. Morreu, um dia desses, varado de saudades da fama e do
prestígio perdidos. Sic transit gloria mundi.
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No auge da campanha, Gerardo fez acusações ao desempenho
de Acácio como tesoureiro, obrigando-me a mim, seu ghost writer, a
escrever resposta num panfleto em que dizia: "aplicou-me o epíteto de
ladrão que só a ele cabe e bem se ajusta". Evidentes exageros de disputa
eleitoral. Ignoro em que deu a campanha pois estava de mudança para
Fortaleza. Só sei que tive de sustentar os atos embora não fosse nem seja
corajoso. Como sempre, fazendo das tripas coração.
BAIRRISMO DE SOBRAL
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inglês. Durante a guerra, quando as fortalezas voadoras defendiam os
ares nordestinos contra a ameaça nazista, falavam em que reivindicáva-
mos "Sobral voadoras".
Tudo porque Sobral não é uma cidade qualquer. Distingue-se
das outras. Pode não ter o Sena, como Paris, mas é banhada pelo Acaraú.
Tem seu Arco de Triunfo, assentado, sabem onde? No boulevard Pedro
II. Isto explica muita coisa.
Há, porém, diferenças. Uma delas, o calor insuportável à tarde,
amenizado à noite, quando os pernilongos varam calças jeans como se
fossem de voile. Nem todos, contudo, reconheciam a inclemência do
clima. Dolores Marinho de Andrade, da aristocracia da terrinha, organis-
ta da Igreja do Rosário, à tardinha, à janela de sua casa na rua da Aurora,
punha sua pele de raposa sobre os ombros, tal o frio que sentia. A esta
hora, soprava a brisa do Aracati-açu.
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suas aposentadorias. O que os espera à frente é ainda mais negro. Na
matriz, o Banco Mundial e o FMI simplesmente pretendem acabar com
as forças armadas dos países periféricos. Não teríamos mais Exército,
Marinha nem Aeronáutica. Seríamos assim feito a Costa Rica.
Bancário, então, nem se fala. No interior, o funcionário do Ban-
co do Brasil era um rei. Um príncipe em que estavam de olho todas as
moças casadouras da cidade. Partidão raro tava ali: tinha posição social,
salário elevado, aposentadoria confortável. Nem parece hoje em dia em
que está sendo jogado no olho da rua pelo governo e pintado como
marajá, apontado como parasita pelos meios de comunicação.
Conto mais uma vez: quando adolescente, fui mordido por uma
dessas paixões incuráveis da idade. O objeto desse amor era morena e
tinha sardas no rosto. Recém-saído do Seminário, morria de timidez.
Não tinha coragem de abordá-la. Nutria paixão ilimitada e inconfessada.
Tudo, porém, caminha prum desfecho. O certo é que, um dia, fiz das
tripas coração e fui, de qualquer jeito, a seu encontro, no footing da
avenida. Que decepção! Com sorriso brejeiro nos lábios, me descartou.
Não podia. Não podia, porque era comprometida com outro. Masoquis-
ta, quis saber quem era o felizardo, meu rival. Eu não o conhecia, expli-
cou. Morava noutra cidade. Sua profissão: estudava pro concurso do
Banco do Brasil. Que humilhação! Eu, que entre os menores sonhos,
alinhava o de ser Presidente ou Papa, era derrotado por uma larva, uma
expectativa de bancário.
Tem mais.
o
Costumo ainda contar caso de dona Alice Rodrigues de Sou-
za, uma vitoriosa: conseguira colocar dois filhos no Banco do Brasil.
Além disso, ninguém podia ser mais bairrista do que ela, na cidade. O
mundo começava e terminava em Sobral. E nos filhos. Uma vez, estava
particularmente eufórica com o êxito funcional de um deles. Dizia à amiga,
Alaíde Sobreira:
"Meu filho, o Toim, estourou de letra... "
A outra quis saber o que isto significava. Alice explicou:
"Já foi A, B, C, D, Z. Não tinha mais letra pra ser promovido.
Aí o fizeram fiscal do Banco..."
Quando terminou o esfuziante contentamento, lembrou-se de
indagar da outra:
"E seu filho, o Narcélio, como vai?
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Alaíde, muito modesta, respondeu:
"Ele é inspetor do Banco Central. .. "
Dona Alice olhou-a intrigada, sem entender direito o significado
do posto. Não resistiu e perguntou:
"Banco Central, Banco Central? Tem agência em Sobral?"
A outra explicou que não. Não tinha. Dona Alice, então, sentenciou:
"Se não tem agência em Sobral, não deve ser importante, não..."
Ignorância ousada
A MATRIARCA EM PARIS
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de turismo na Europa, por conta duma viagem a Roma, os amigos João
Dias e a Neuza foram, "seu" Costa, porém, não quis. Ou não pôde. A
matriarca do Beco da Piedade enfrenta as peregrinações parisienses com
um pique de me dar inveja. Será que chego lá com a mesma disposição'?
Levo-a a jantar no "Le Train Bleu que Luis Bunuel considerava um dos
lugares mais bonitos do mundo. Conta que costumava comer ali, numa
mesa que dá pra chegada e partida dos trens da Gare de Lyon. Quero
imitá-lo. "Estão todas ocupadas", informa o garçon, alegando: "O
espetáculo é o mesmo em todo o restaurante." Não creio que ele tenha
1 ido as memórias do diretor de" A Bela da Tarde". Por isso, eu o perdôo.
E vou ao rango noutro canto do salão, que a convidada merece. Afinal,
não é todo o dia que tenho mãe em Paris, não.
"Meninos
Uns marmanjos cinqüentões,
Calvos, vividos, usados
Mas resguardando no peito
Essa alvura de garoto,
Essa fuga para o mato,
Essa gula defendida
E o desejo muito simples
De pedir à mãe que cosa,
Mais do que nossa camisa,
Essa alma frouxa, rasgada."
(Carlos Drummond de Andrade)
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O país, então, praticamente se dividia entre integralistas e co-
munistas. O integralismo os aproximou. Depois do malogro do putsch
de 1938, eles já casados, a camisa verde dele terminou saia dela, rude
metáfora do que foi o fascismo caboclo.
Depois de algum tempo em Fortaleza, meu pai foi nomeado ge-
rente do IAPC em Sobral, onde nasceu a maioria dos Lustosa da Costa.
Em nossa casa, foi ressuscitada a Academia Sobralense de Letras. Lá o
Grupo Cênico Sobralense encenava peças. Ele escrevia e editava o boletim
"O Reino de Cristo" da Congregação Mariana de Moços. E ficava
orgulhoso de contabilizar a quantidade de chapéus eclesiásticos, sobre a
mesa, pertencentes aos muitos padres que iam nos visitar, conversar
fiado, contar fofocas de sacristia. Por isso, o dr. José Sabóia, líder da
UDN, o chamava de "monsenhor Costa".
Dona Dolores era e é desafeiçoada de tarefas domésticas, no
cumprimento das quais era ajudada por "seu" Costa que trabalhava em
casa. Uma vez, eles foram a Fortaleza, de trem. Vendo sua falta de jeito
com um dos filhos recém-nascidos, em contraste com o desembaraço do
marido, Paulo comentou:
"Papai é uma verdadeira mãe materna."
Recebeu, como benção de Deus, o emprego no Ministério da
Fazenda, que somente deixou por força da expulsória. Sempre trabalhou
fora, o que lhe fez muito bem. Vassourite jamais foi seu forte. Não
nasceu para desempenhar tarefas de governanta que nunca pode ter.
Nem de empregada doméstica. Mulher forte da Escritura, jamais nos
lembraremos dela tremendo os lábios nas emoções fáceis das comemo-
rações familiares nem preparando comidinhas gostosas. Quando, um dia
desses, o Brito ironizava a ausência da cozinheira, a refeição que faria,
matou, na fonte, qualquer esperança do genro:
"Você pode até comer algum jantar pago por mim, nunca feito
por mim."
Chefe de numerosa tribo, ao lado de "seu" Costa, preparou os
filhos para o jornalismo, a vida pública, o magistério, o País. Hoje, nos
seus firmes e ativos oitenta anos, não desfalece na execução do projeto a
que se impôs. Está sempre a cobrar, dos mais jovens, a conclusão da
tese de doutorado ou a estimular os netos no caminho da Universidade.
Assim fez comigo, o filho mais velho. Se nada fiz na vida, ela
não tem culpa. Bem que tentou. Condescendeu, porém, em muito, com
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minha preguiça para os números. Toda vez que precisava de que eu
fosse à lojinha de dona Iracema Pompeu, à padaria do Gonzaga Melo, à
farmácia do João Dias, ali na antiga rua da Aurora, pra comprar linhas,
biscoitos, remédios, eu ia. Antes, porém, negociava:
"Vou, se a senhora fizer meu dever de aritmética."
Crescido, em nada melhorei. Na época devida, entrei na Facul-
dade de Direito. Era o jeito. Não sonhava com vitórias no foro. Jamais
pensei em ser advogado. Queria sair bacharel em ciências jurídicas soci-
ais do outro lado da linha de produção universitária para ser procurador
autárquico, "marajá" àquele tempo, o que logo aconteceu.
Quando entrei em nossa Salamanca, já estava na moda, escre-
vendo para o rádio, jornal e, logo depois, comparecendo, toda a noite, à
tevê. O jornalismo era meu destino, meu fado. A dona Dolores cabia,
assim, acender uma vela em seu santuário pedindo aos céus me provessem
do saber jurídico que me faltava, ocupado que me encontrava, após as
aulas, nas noitadas de generoso uísque, sorvido no restaurante do Ideal
Clube. O certo é que saí da Faculdade tão virgem em ciências jurídicas
quanto quando entrei. Por isso, "seu" Costa me chama "doutor de vela",
porquanto diplomado à custa de promessas e orações maternas.
Leitora atenta e vigilante, sempre reclama quando escrevo sobre
as mulheres com quem sonhei, a morte ou sobre o oceano de bebida que
hei consumido e ainda consumirei. Roberto Aurélio, quando morou em
Paris, ainda não era o primoroso cronista dos tempos atuais. O certo é
que tropeçou em carta que lhe enviou. Erro besta, de distração. Na volta
do correio, recebeu uma gramática e um dicionário, tão implacável é seu
policiamento do vernáculo.
Por isso mesmo, formou todos os treze filhos, em uma ou duas
faculdades. Vitoriosa em tal empreitada, motor de proa de seu clã, bata-
lha, hoje, para que saiam as teses de Clélia e de Fred, torce por novo
êxito literário de Isabel, se empenha para que os netos estudem.
Ao lado de seu Costa, é a provedora. Isto porque o maior salário
é o dele e ela sempre tem com quem o repartir. Ora é a família dum
amigo, outrora próspero, que ficou pobre e recebe a cesta básica. Um
parente, afligido por angústias materiais a quem acode. Ou um filho,
cheio de êxitos intelectuais, e de dinheiros curtos, que precisa de ajuda
pra comprar o carro. Os mendigos batem à sua porta, todas as sextas.
Tem sempre algum dinheiro em espécie, para os mais eloqüentes, que
31
sabem pintar melhor a miséria de sua condição, ou farinha do Camará
pro mingau, pro pirão. O tempo e a relativa folga, depois de criados os
filhos, só lhe ampliaram a generosidade efetiva e racional.
É bom envelhecer, assim, lúcida, prestante, profícua, liderando
seu clã do alto da gávea de um telefone que não pára de tocar. E que,
com freqüência, lhe traz problemas que encara com intrepidez: "A vida
seria até monótona sem eles." Quando me preocupo com o impacto de
tais desafios sobre sua saúde, brinca:
"Eu vejo tudo isto como se fosse um filme." Deve de ser grato,
também, olhar pra o caminho trilhado e lembrar que jamais se deixou
abater pela adversidade nem se deslumbrou com a sega dourada do que
plantou. (Junho de 1994)
32
lutava para sustentar a família numerosa e, nas horas vagas, empolgava
terceiros com oratória inflamada nas reuniões da Fênix Caixeiral, da
Congregação Mariana, nos comícios políticos? A moça, conhecida no
interior da Paraíba, em fase de luta política que os uniu por idealismo,
seria, depois - segundo seu rude senso de humor - por degeneração em
romantismo, sua fiel e forte parceira durante 57 anos?
O primeiro filho que transportava agarrado às costas, na garupa
do cavalo, a caminho do sítio no Mocambinho, com quem tomava banho
de chuva, em Sobral, recebendo ambos, sobre a cabeça, as bátegas d' água
que os "jacarés" do sobrado do Bispo despejavam lá de cima e em quem,
por algum tempo, enganosamente, sua vaidade enxergou o menino prodígio
que jamais foi e que não pôde, homem maduro, exilado na Gália moderna,
recolher seu último suspiro, fechar docemente seus olhos? Os relativos
sucessos da prole numerosa que se espalharia pelo mundo afora? Em suma,
será, indago, de novo, sem esperança de resposta, que divisou, por sobre o
ombro, a sombra da Morte que o convocava, que o vinha buscar? Por
mais que o pergunte, aquele átimo de tempo em que se mirou, ante o
espelho, será sempre uma carta que se não abriu, um segredo que se não
revelou, um mistério que levou para o túmulo, onde foi dormir literalmente
junto com os pais, à sombra dos mangueirais de Messejana.
33
Rio, Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza. Enfim, chegamos. No velório,
estreito, nos braços, o pranto convulso de minha mãe viúva, que emerge
de lá do fundo de sua dor:
"Eu vou ficar só", é seu gemido.
Digo-lhe que não. Não estará jamais sozinha, pois a acompanha-
rão sempre a sombra do companheiro, findo apenas em seu invólucro
material, o amor da descendência e o bem-querer dos muitos a quem
jamais faltou sua solidariedade efetiva e generosa. Logo, a intrépida mulher
se recompõe para iniciar o noviciado da solidão, partilhada com os muitos
que a amam e tanto lhe devem. No cemitério de Messejana, já recomposta,
acompanha filhos, netos e amigos, entoando cantos religiosos, enquanto
lanço a primeira pá de terra e flores sobre o jazigo que guarda os restos
mortais daquele que me deu a vida e que, em 85 anos de passagem sobre
o planeta, se chamou Francisco Ferreira Costa. E que, agora, dorme
profundamente, como disse o poeta, à sombra do mangueiral nos sítios
onde viveu e amou Iracema, a virgem dos lábios de mel.
Seu Costa foi embora, me devendo. Sem quitar dois compro-
missos. Visitar Sobral comigo, conforme acertáramos num almoço do
Marina - de que tanto gostava. E esperar pela festa de 60 anos de casado.
Como também prometera. Aliás, como nos prometêramos. Eu lhe pedia
sempre esperar até lá, 1997. E, por minha vez, temerário, garantia ficar
vivo até lá.
Escrevo, numa madrugada desolada do inverno parisiense, no
primeiro Natal de minha existência, sem a presença física e espiritual de
meu paL.
Passeando em Sobral com os olhos de ontem
Na manhã, quase madrugada, insone, passeio pelas ruas de Sobral,
com os olhos de ontem. Vou até a praça do Siebra onde moram três
professoras, Alzira Madeira, Laís Rodrigues e Jacira Pimentel, que,
naturalmente, dormem.
Nos meus tempos de menino, para chegar à casa de dona Alzira,
passava por uma bodega pouco sortida e quase nada freqüentada, numa
esquina de calçada altíssima, dando pra concorrente, situada mais abaixo
e melhor provida de mercadorias. Uma delas parecia ser do irmão do seu
Solon Vasconcelos, que possuía outra mercearia lá pras bandas da Praça
da Boa Vista, em frente à casa do Chico Romano da Ponte.
34
Com ela, estudaram alguns irmãos. Um deles, certa vez, ao vol-
tar pra casa, indagou de dona Dolores:
"Mamãe, por que é que dona Alzira bate com a régua em minha
cabeça, dizendo: 'que coisa rude!'?"
A julgar por seus êxitos posteriores, a professora errou de
diagnóstico.
Quando transitava por ali, rumo do Colégio Sobralense, o amplo
espaço em que a prefeitura, posteriormente, implantou avenida arborizada,
era deserto, açoitado pelo sol inclemente, com algumas efêmeras poças
d' água, porque, a esse tempo, chovia em Sobral. Numa esquina ficava o
grupo escolar Professor Arruda. Na outra, situava-se a casa do vereador
udenista, José da Mata, negro retinto, sempre muito elegante, em seus
ternos brancos. Solteirão irredutível, presidia o clube dos artistas, em
cuja biblioteca ia fartar minha fome de livros para inquietação de meu
pai, pois o dono da casa não era chegado a afeições femininas. Morava
com a irmã, Semiramis, que fabricava gostosos sequilhos e que viria a
morrer queimada. A lamparina, que lhe alumiava o quarto, pegou fogo
na rede, nos punhos da rede em que dormia.
No quarteirão, defronte ao da professora Alzira Madeira, estava
o sobradinho do José Custódio, advogado provisionado, pai do jornalista
Stênio Azevedo, que tomava conta das misses, ao tempo em que este
concurso era de responsabilidade dos "Diários Associados".
Na esquina do lado de cá, morava Huet Arruda, cujos filhos, aos
meus olhos de menino tímido, superprotegido, eram cães em figuras de
gente, inimigos de todas as vidraças da cidade. Hoje se converteram em
cidadãos úteis, prestantes, a barriguinha dos cinqüenta despontando, as
primeiras cãs denunciando a passagem deste canalha, o tempo. Era vizinho
do irmão, Clodoveu, grande advogado, ex-juiz, ex-secretário de justiça,
aliado do dr. José Sabóia, chefe da UDN, com quem, às vezes, se atritava
tremendo caga-raiva, conhecido ainda por sua intemperança verbal.
Num desses janeiras desolados, de céu muito azul e incerteza
quanto às chuvas, de repente divisou, no horizonte, nuvem promissora
que podia muito bem desfazer-se lá sobre sua fazenda nas Caraúbas, tão
carecida de água. Gritou por Huet para que viesse à porta partilhar, com
ele, a novidade e a expectativa. O irmão tardou. Quando apareceu, só
pôde ouvi-lo, aos berros, dizendo tudo quanto era nome feio contra a
nuvem que, para sua frustração, passara ao largo.
35
Clodoveu não se entibiava diante de nenhum interlocutor. Quando
um de seus convivas, na imensa "barraca" de conversa da porta de sua
casa, zombou de sua potência, chamou, aos gritos, a mulher que estava lá
dentro, aviando o café, sem se perturbar com a presença do Bispo:
"Romélia, vem aqui dizer: nós não demos uma, ainda nesta
madrugada!?
Era hipocondríaco até dizer chega. Falava tanto na morte que,
quando morreu, houve quem, a princípio, não acreditasse. Vivia tirando
a pressão. Como sua casa tivesse fundos correspondentes com a do
médico Guarany Mont'Alverne, seu comensal, mandou abrir buraco no
muro, pelo qual pudesse passar o braço, para que, nas horas de angústia,
soubesse a quantas andava sua saúde.
No dia do falecimento, outro de seus amigos, presença diária no
papo de fim de tarde, Júlio Álvaro Coelho, saiu correndo pra sua casa.
Lá, banhado em prantos, abraçou o defunto deitado numa rede que de-
sabou com o peso de ambos.
Disso tudo me lembro enquanto perambulo por estes locais, tão
povoados de histórias. É quando começam a caminhar, na avenida de-
serta, três senhoras. Uma delas, Dadá, filha do cirurgião Guarany
Mont' Alverne, casada com o banqueiro Paulo Pierre, indaga:
"Lustosa, o que está procurando aqui, a estas horas?
Respondo-lhe:
"O passado. O passado!"
Não seja por isso. Parece dizer. E me aponta uma de suas com-
panheiras de andanças matutinas, Conceição Vasconcelos, uma das minhas
professoras no curso primário do Educandário S.José, de dona Honorina
Passos.
ITINERÁRIO DA SAUDADE
36
cabulado, vibrante discurso seu, em altas vozes, porque orador de antes
dos tempos do microfone e do alto-falante. Seu Costa vai comigo, con-
forme combináramos meses antes.
Sua sombra e sua memória me seguem quando contemplo o que
resta do casario antigo que, no meu tempo de criança, parecia tão alto e
imponente e que hoje vejo tão acanhado. Encolheu até diante da dimensão
em que os retinha a saudade de adulto.
Andamos pela Avenida Senador Paula, hoje D. José. Passamos
pelo sobradão do Radier Frota. Em frente à casa comercial que foi de
Chagas Barreto onde, às vezes, era mandado a fazer compras. Paro
ante a antiga residência de Dalva e Agenor Rodrigues, pais de Hélio,
meu colega e amigo. Aqui conheci Oscar Wilde, AI dous Huxley, Erich
Maria Remarque. Chorei até babar a gravata, que ainda não usava,
lendo Servidão Humana de Sornrnerset Maugharn. Aqui tornei o pri-
meiro pileque.
Adiante é a capela de Rosa Gatorno, anexa ao Colégio de
Santana, onde estudaram minhas irmãs. Na igrejinha, ajudei, muitas
vezes, o falecido D. Expedito Lopes - assassinado, posteriormente, por
um padre a quem chamara ao cumprimento de seus votos - a celebrar o
santo sacrifício da missa.
Reencontramos, em sua casa apalacetada, aos noventa anos, o
comerciante Valter Araújo, hoje viúvo. Foi casado com Cristina, que,
durante mais de seis décadas, manteve roda de conversa na calçada,
com as irmãs e amigas. Gostava tanto do papo que, certa tarde de
chuva, esperou, sombrinha em punho, as parceiras para saber todas as
novidades do dia.
Valter, há décadas, fechou as portas de seu armazém de tecidos,
na praça José Sabóia. Até um dia desses, qual patético personagem de
Gabriel Garcia Marquez, andava pra cima e pra baixo, pelas ruas, avenidas
e praças da cidade, seguido por seu ex-auxiliar, Abelardo Lopes e Silva,
que conduzia os livros de caixa do estabelecimento. De quando em vez,
paravam e os folheavam na nostalgia dos negócios dantanho.
Este Abelardo - já desaparecido - de que falo, era um que me
dava de presente duas moedas de cruzado, oitocentos réis, quando ia
ao IAPC tratar, com meu pai, de financiamento imobiliário, naquele
tempo um negócio da China, porque ainda não havia correção monetária.
Este dinheirinho eu torrava logo no bar do Cascatinha, consumindo
37
três saborosíssimos sorvetes de 250 réis, que ainda hoje não me saem
da memória gustativa. Já falei tanto nisso que a impressão que muito
leitor deve de ter é que ele me presenteou com uma sorveteria, me deu
logo a Kibon.
Transitamos diante das portas do velho sobrado do bispo, hoje
sede do Museu Diocesano, do qual "seu" Costa era uma espécie de
animador cultural do Grupo Cênico Sobralense, que abrigou a sessão de
ressurgimento da Academia Sobralense de Ciências e Letras. Foi onde
moramos logo que chegamos a Sobral.
No velho casarão, pela madrugada, ouviam-se passos apressa-
dos sobre o assoalho das escadas. Diziam que era a alma penada de um
escravo, enforcado no local. Meu pai foi conferir: era nada. Apenas o
álacre footing das ratazanas nos descampados da noite.
Ali, uma das empregadas domésticas engravidou. Tomou não sei
quantas "garrafadas" para abortar e nada. Terminou bebendo formicida.
Ainda hoje retenho, nas ouças, os gemidos com que atroava o cavo
silêncio da madrugada até que foi levada a morrer na Santa Casa.
Nesse tempo, chovia em Sobral. Tomávamos banhos de chuva,
na calçada. Era delicioso receber na cabeça o despencar da água lá de
cima, das bicas em forma de jacarés do sobrado, depois seu pressuroso
escorrer, ávida do rio Acaraú.
Não tivemos tempo de rever a desmantelada serraria que foi
do Walter Andrade, situada em diagonal à segunda casa em que resi-
dimos e ainda mantinha a aparência de cinqüenta anos atrás. Não sei
porquê, ela me lembrava a tenda do ferreiro de As Grandes Esperan-
ças, de Charles Dickens. Não passamos na casa apalacetada do coro-
nel Antônio Mont' Alverne, construída em 1918, com seu inalcançável
pé-direito, altura esta destinada a garantir a ventilação do suntuoso
imóvel. Nem de dar uma olhadela na sua sala de visitas, conservada
pela viúva Marfisa, tal qual ele a deixou em 1928, quando morreu
atropelado no Rio, e ainda hoje é assim conservada pela filha Rute.
Nem pudemos ir também à sala de visitas da residência do doutor
Juvêncio Andrade, pai do cônego Egberto, ver aqueles móveis de
estilo austríaco que sempre me encantam.
Fui a Sobral, na companhia de "seu" Costa, como combinára-
mos num almoço de domingo, no restô do Marina, que ele tanto gostava
de freqüentar. Houve um porém. Na estrada, logo ao deixar a cidade,
38
falo pelo telefone, do carro, para a família em Paris e os meus já não
podem ouvir a voz alegre, otimista e ensolarada do patriarca que me
acompanha apenas na saudade. Nem pode ele testemunhar este
esplendoroso milagre da tecnologia.
Por isso, digo aqui em Paris, com mais uma razão, um novo
motivo, em Brasília ou onde quer que esteja: Sobral não é uma cidade. É
uma saudade, chorando baixinho dentro de mim.
O DIVINO BALZAC
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O rapazola, sem entortar caminho, manteve sua preferência:
"É Honoré de Balzac".
E como se não bastasse, acrescentou:
"Balzac, excelência. É divino".
O bispo deixou a sala, danado da vida, deixando, no ar, a ameaça
de sanções tenebrosas que nunca se efetivaram. Muitos anos depois, o
leitor de Balzac, o grande poeta Oswaldo Chaves, foi por ele ordenado
padre. Na hora decisiva de tomá-lo sacerdote ad aeternum, o bispo, que
não esquecera o incidente, lembrou:
"Espero que, doravante, seu divino seja outro..."
Dom José tinha suas implicâncias gratuitas. Uma delas era o
padre Luizito Dias Rodrigues, o último dos sacerdotes, ordenado por ele
em 1958. Funcionou algum tempo como seu secretário, sem entusiasmar
o chefe. Muito moço, não tivera tempo de ler todos os livros conhecidos
do bispo. Certa ocasião, para testá-lo, dom José perguntou:
"Já leu Humboldt?°
"Não, excelência."
"Que padre véi burro', murmurou o bispo a seus botões.
"Conhece Bossuet?"
"Não, excelência."
O bispo sussurrou outra expressão de seu descontentamento.
Todo o santo dia, era a mesma provação pro padre Luizito. Não
acertava uma. Até que lhe aconteceu a oportunidade de se sair melhor,
em que pensou, afinal, haver caído nas graças do bispo. Falava-se de
Virgílio e, na reiterada perseguição ao pupilo, o bispo atacou:
"Lembra-se da Eneida?"
Pe. Luizito tinha o seu Virgílio na ponta da língua. E, com segu-
rança, desfiou o arma virumque cano até que o bispo dissesse o seu
"basta". Dom José, como se estivesse só, lançou a apreciação sumária,
num julgamento implacável:
"Boa memória, mas péssima pronúncia."
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TOU NUINHA E OS FRADES ESTÃO EM CIMA
(Ou "As missões")
A DEFESA DA MORAL
41
obscenos, a inércia da autoridade em punir incorrigíveis Dom-Juans, a
residência de decaídas em quase todas as travessas da cidade".
Reconhecia, porém, algumas derrotas. E a culpada era a tecnologia.
O progresso, a serviço do pecado. Responsabilizava, então, "esses
cobiçados automóveis, as tantas casas de pasto, lanternas elétricas que
permitem a alguns galgar muros e telhados pelas misérias que nos
envergonham e aviltam" (17/12/1920). Por aí dá pra ver como era perigosa
e, ao mesmo tempo, excitante a vida sexual de nossos avós.
Mulheres de mangas curtas ou vestidos decotados não podiam ir
à igreja, não recebiam a comunhão nem podiam pensar em ser madri-
nhas de batismo ou crisma. As filhas de Maria sofriam o diabo naquele
calorão. O vestido era de mangas compridas e as meias iam até os joelhos.
Tinham de usar combinação que cobria até três quartos do braço, por
baixo do vestido. As moças da sociedade achavam logo saída para
satisfazer à vaidade, sem correr o risco de ir pro inferno. Inventaram
"manguitos", uns canudos de pano, às vezes do tecido do vestido, às
vezes não, com que escondiam os braços, quando no interior do templo.
À saída, se descobriam, fugindo do calor infernal.
Carnaval
A beata
42
para dar consultas gratuitas, a fim de evitar que ovelhas se
tresmalhassem. Era tal o respeito de que desfrutava que, certa vez, lhe
coube o encargo de preparar sertanejo, bronco de espírito, mas forte
de compleição física, para o ingresso no seminário. Em meio ao
apostolado, a carne falou mais alto. E a beata, ao invés de colocar o
jovem cristão na senda do Senhor, encaminhou-o para a cama. Casa-
ram-se às pressas e se mudaram da cidade.
Piedoso
Documento
Conforto
43
A FUGA DO PADRE IVAN
AS GLÓRIAS DO BISPO
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Ao retornar à terra natal, viu, com desgosto, que o lugar estava
ocupado, firmemente ocupado, pelo doutor José Sabóia de Albuquerque,
bacharel de Olinda, juiz de direito, chefe político, industrial riquíssimo
que não demonstrava a menor intenção de abandoná-lo.
A rivalidade entre eles durou a vida inteira e rendeu uma metáfo-
ra ao bispo:
"A torre de minha igreja estará sempre acima do prédio do fórum".
A Catedral da Sé de Sobral está erguida sobre modesta colina,
acima do prédio da prefeitura, onde despachava o juiz.
Ele se gabava de seus conhecimentos musicais, de ser capaz de
captar, no ato, um sustenido desafinado. De seu latim, de brigar por
causa de um "i" breve ou longo na palavra "totius".
Poucos anos após voltar a Sobral, chega à cidade o tenente Tobias
Coelho, conterrâneo, residente no Rio, que fazia praça de seu maçonismo
e que, num boletim ao público, criticara "as idéias retrógradas de dom
José" e se referira "a seu jesuitismo que conseguira, por pistolão, afastar
do cargo de vigário aquele que a ele faz jus" (dom José era protegido e
primo de dom Jerônimo Tomé da Silvã, bispo primaz do Brasil, a quem se
deveu a criação da diocese de Sobral). Dom José desafiou-o ao debate
público, no Teatro S. João:
"Dei-lhe a liberdade de escolher a língua que preferisse: portu-
guês, espanhol, italiano, latim e alemão".
Dom José amava as insígnias do posto e a liturgia. Era um
espetáculo vê-lo entrar na catedral, de batina roxa com cauda, erguida
por um seminarista, coberto de arminho, portando a pesada cruz
peitoral de ouro, vistoso anel de dedo que os fiéis deviam beijar,
genuflexos, enquanto os sinos bimbalhavam, festivos, saudando o
acontecimento.
Em tais ocasiões, manda a liturgia que o vigário e o sacristão
estejam a esperá-lo à porta, com a caldeirinha de água benta, para que
ele possa aspergir a entrada do templo. O vigário, padre Domingos, nunca
estava a postos. O bispo, aos gritos, reclamava:
"Igreja sem vigário e sem sacristão".
Nessas ocasiões, anunciava a demissão do sacristão, Eduardo,
ameaça que jamais se concretizava.
Demorou, certa ocasião, um dia inteiro, resmungando. Porque,
ao passar pela igreja do Menino Deus, à noitinha, flagrara Monsenhor
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Olavo Passos infringindo uma regra da liturgia. É que a bênção do
Santíssimo Sacramento pode ser ministrada com ostensório, se solene.
Se simples, com âmbula. Na bênção solene, o oficiante deve estar vesti-
do com capa de asperge quando for erguer, para a adoração, o ostensório
com a hóstia grande. Basta-lhe, porém, estar de roquete e estola no caso
de ser a benção simples, com âmbula e hóstia pequena. Ao ver que
Monsenhor dera a benção solene, sem ostensório, sem capa, passou o
resto da noite se queixando:
"O santo padre Olavo desmoraliza minha diocese".
Dia seguinte, no almoço com padre Correia Lima, voltou a se
lamuriar:
"Donde menos se espera ... "
Até morrer, em 1959, se gabava de não haver uma só igreja
protestante em sua diocese. Os "crentes" eram escorraçados pela vee-
mência de sua oratória ou, em caso de necessidade, pelas pedradas de
seus fiéis.
Já no fim da vida, não mais resistia à instalação do Lion's Clube
de Sobral. Um grupo de leões chegou mesmo a convidá-lo para sua
instalação na cidade. À certa altura, para lisonjeá-lo, um de seus inte-
grantes disse:
"Porque afinal quem manda na cidade é o senhor.
"Mando, nada", respondeu. "Quem manda é a Chica Agosti-
nho. Fecho o cabaré dela na quarta e ela o reabre no sábado".
Apesar disso, sua força política ainda era muito grande. A ela se
atribuiu a não instalação, em Sobral, do Batalhão de Engenharia do Exér-
cito, localizado finalmente em Crateús. Alegou a defesa da moralidade
da família sobralense contra a implantação do estabelecimento.
No fundo, temia a chegada à cidade de elite de forasteiros sobre
os quais não exerceria qualquer ascendência.
Nas missas, em te-déuns, bênçãos do santíssimo, facilmente se
impacientava com as falhas dos ajudantes. Isto no tempo do apogeu da
liturgia, em que os ofícios religiosos eram belos e sofisticados espetáculos
cênicos e de indumentária. A um deles, que lhe entregou o turíbulo, por
trás, resmungou, a respeito da solenidade do ato:
" Por trás, só se dá clister".
Nada tão grave, aquele tempo, que a ordenação de um padre ad
aeternum. Ainda sim, nesses momentos, se permitia desabafos. Foi
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quando da ordenação de Austregésilo Mesquita, hoje bispo de Ingazeira.
Deu vexame antes de indagar:
"Juras obediência a teu bispo?"
Ao mesmo tempo, resmungava:
"Não pergunto. Não pergunto. É uma farsa".
Terminou por fazer a indagação.
Depois explicou que ainda se encontrava traumatizado com o
padre Francisco Sancho, que abandonara a diocese, para ir morar no
Rio, sem sua autorização:
"Naquela hora, estava vendo os olhos do padre Sancho". (31/10/93)
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"A carne está boa, Valdemar?"
"Está ótima, excelência".
"Pois, então, coma, Valdemar".
Noutra oportunidade, dizia:
"Quando eu morrer, quero que plantem uma bananeira em cima
da minha cova".
"Pra quê, dom José", perguntou Valdemar.
"Para dar banana pra todo o mundo, Valdemar. Pra uns, uma penca".
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"D. José, os padres não obedecem nem aos dez mandamentos,
quanto mais às ordens do bispo".
Ele hesitava em aludir aos chifres dos fiéis do sexo masculino.
Quando oficiava a missa na capela de S. Vicente de Paulo, vizinho ao
prédio dos Correios, irritava-se porque os homens ficavam do lado de
fora do templo, conversando, fumando:
"Entrem, entrem na casa de Deus. Vão entrando. Quem não
puder entrar de frente, entre de lado ... "
Durante certo tempo, respondeu pelo internato do Colégio
Sobralense. A noite, no centro do pátio, era colocada lata vazia de que-
rosene que funcionava como mictório e poupava esforço de vigilância
sobre os alunos.
Quando um deles, desavisado, começava a usar a lata, ouvia-se
a voz fanhosa do padre, berrando nos descampados da noite:
"Mija, de tabela, fi duma égua. Mija de tabela. Deixa eu dor-
mir. ..". (21/06/92)
HISTÓRIAS DE SEMINARISTAS
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queria era deixar, por um instante sequer, nem o da duração da prova, as
emoções de Quo vadis? Curtia o romance que me empolgava. Ante o
papo saudosista, deu-me vontade de rever o enorme casarão que abrigou
minhas fantasias, meus sonhos, minhas inquietações aos 16, aos 17 anos.
Pra quê, pensei depois, se eu não há muito tempo deixei de ser aquele?
Só se for para ter saudades minhas. Antônio Carlos, que, no Seminário
de Tianguá, chamávamos "Tatais", não sei bem porquê, é poliglota e
começou a fazer carreira no Banco do Brasil, carreira frustrada em 1964
por suas simpatias esquerdistas. Quando voltei a vê-lo em 1967, no Rio,
morava pertinho, ali na Domingos Ferreira, eu na Avenida N. Sra. de
Copacabana. Era, então, ligado a uma senhora que, em crises de ciúme.
costumava deitar à banheira cheia d' água aparelhos de tevê, de rádio, de
sons, o ferro de passar roupas, discos, o diabo a quatro. Chegava o
nosso Antônio Carlos a seu apartamento no Edifício Master e encontrava
toda aparelhagem doméstica em exercício de mergulho. A esse tempo,
profissionalmente encontrava-se exilado numa agência no Meyer, região
remota, por perseguição política. Também por isso tivera de vender o
carro. Como eu detestasse dirigir, era quem pilotava meu fosca azul claro
por todo o Rio. Assim, graças a ele, pude conhecer a antiga cidade
maravilhosa.
Uma terça-feira de Carnaval de 1968, encontramo-nos num bar
da rua Santa Clara. Bebemos. Falávamos alto como bons cearenses. Em
determinado momento, discutíamos a Divina Comédia. E ele, em flu-
ente italiano, começou a declamar o poema imortal. Neste instante, en-
trou no local Milton Dias. O grande cronista pensou com seus botões:
"Quem são estes dois malucos que, numa terça-feira de Carnaval cario-
ca, debatem Dante Alighieri?". Ao me ver, sentou-se à mesa e brindou-
nos com seu papo vivaz, colorido, inteligente.
50
Um dia destes, fui ao Mosteiro de São Bento, aqui em Brasília,
assistir à missa de domingo: cantada. Canto gregoriano. Vi muito coroa,
na platéia, acompanhando a missa, em latim. Eram ex-seminaristas. O
que nos levava lá? O remorso de havermos dado o cano em Deus? De
não lhe termos consagrado a vida? Realmente, não sei dizer. Sei, porém,
que adoro rever a Escola Apostólica São José em Tianguá, no alto da
Serra da Ibiapaba, percorrer seu pátio solitário, o dormitório idem, as
salas de aula, o campo de futebol, a casa do motor da luz.
Tão gostosa nostalgia não me impede de lembrar também os
momentos menos agradáveis dos dois anos que estudei ali e que me
valeu, um dia desses, descompostura de um colega daqueles anos, revol-
tado porque não glamurizei o passado, não vi apenas encantamento no
que passou.
Ali no pátio externo, o coração na mão, ouvimos todos o jogo do
Brasil versus Uruguai. Fiz muitas promessas a Deus para que o Brasil
fosse campeão. Tenho a impressão, porém, de que algum menino uru-
guaio cobriu meu lance, por isso o Barbosa engoliu aquele gol do Gighia
e nós perdemos. Ficou, na boca e na alma, o sabor avinagrado daquela
derrota das cores nacionais.
Os frades alemães, vindos da humilhação da guerra, liam as cartas
que escrevíamos e que recebíamos. Nada lhes escapava. Uma vez
reclamei da comida. Sabem os leitores como é famélico o adolescente,
dum modo geral? O certo é que, na aula de Geografia, dava pra notar a
irritação do padre Reitor, frei Celestino Knob. Eu nem me tocava. Não
sabia, não podia imaginar que tudo se devia a mim. À certa altura, ele me
repreendeu diretamente por reclamar da comida que talvez não tivesse
igual em casa. Eu, que a este tempo, era um fedelho atrevido, me levantei
no ato pra dizer:
"Não é igual, porque é melhor".
O padre subiu nas tamancas. Fumando numa quenga, apoplético,
expulsou-me da classe aos berros:
"Comunista! Comunista! Comunista!"
Eu era comunista e não sabia.
Saí da sala de aula, chamando o professor de "tedesco", como
se fosse a suprema ofensa.
Um colega desses tempos, a quem nunca mais vi, foi Guimarães,o
Cuscus, filho da Meruoca que tinha criação clandestina de galinhas e
51
coelhos, em sociedade com o falecido Os mundo de Souza e com o Félix
Eduardo de Souza, o "Gato Félix", com a cumplicidade da cozinheira do
colégio. Depois, entrou no Exército. Um dia desses, o Nivardo Melo me
contou que, depois de passar para a reserva, ele se mudou pra Campina
Grande. E vive num sítio, em Ipuarana, vizinho ao prédio do Seminário
Maior, onde estudamos. Quem me explicará por que fez isso? Foi morar
junto à fonte da saudade? Remorso por não haver sido padre? Ou quer,
simplesmente, a ilusão de recuperar a juventude perdida? Não sei. Jamais
vou sabê-lo.
Enfim, férias. O caminhão misto do "Cajazeiras" (já havia o do
pai Walfrido Salmito?) passou lotado. Eu queria chegar, de qualquer
maneira, naquele dia a Sobral. Veio outro caminhão. Não havia lugar
junto ao motorista. Só lá em cima, na carroceria, em cima da mercado-
ria. Na minha ansiedade, na pressa de voltar pra casa, joguei a mala lá
em cima e fui. Não sabia o que me aguardava na descida da serra, onde,
às vezes, para segurar o caminhão ou o ônibus, era preciso amarrá-lo
numa das árvores mais fortes que margeavam a estrada. Nunca tive
tanto medo na vida. Claro, ainda não havia asfalto. A estrada era estreita,
lá em baixo o abismo me olhando como se me chamasse, me atraísse.
Agarrava-me à corda que amarrava a carga até as mãos doerem, tal o
receio de cair. Não caí. Cheguei vivo a Sobral.
Quem me chamou a seu apartamento para me dizer que eu não
dava pra agente de Deus aqui na terra foi frei Silvério Cavalcante
Albuquerque, um aristocrata pernambucano que amava os bons perfu-
mes e que era um gentleman de Deus. Até um dia desses, era bispo de
Feira de Santana. Recriminou-me, em termos brandos, a continuada
indisciplina, mostrando que não tinha vocação para procurador do Céu.
Fê-lo de maneira tão elegante e gentil que ainda hoje dele me lembro,
com carinho. Enfim, era (é) um príncipe.
Há algum tempo, tive em mãos o guia de educação sexual, edita-
do pela Igreja Católica, na Áustria. Pelas ilustrações, pude perceber que,
apesar do frio e da religião, os católicos austríacos andam muito inventivos.
Um amigo me acrescentou que eles falavam ali, com toda naturalidade,
de masturbação. Que tremenda mudança! Lembro-me de como ela nos
era pintada, na adolescência. Para os frades alemães, fazia mal à saúde.
Podia levar à cegueira.No mínimo, à loucura. Do ponto de vista de vida
eterna, era pecado mortal. De modo que, além do castigo imediato, aqui
52
na terra, você ainda teria de expiar o erro, a eternidade inteira, penando
nas caldeiras de Pedro Botelho, isto é, naquele calorão do inferno, muito
pior que o do Iraque, durante o bombardeio ocidental. E pensar que tudo
aquilo era um equívoco, hoje totalmente revisto. Mas agora, pra quê
Isto é hora?
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Queimava por combustão espontânea (ou diabólica?). Estava o nosso
santo padre lendo o Breviário quando arrancam justo a página que estava
lendo e a jogam no chão. Uma mão invisível fizera tudo aquilo.
O Cão era sedentário. Algumas vezes, porém, abria exceção.
Por exemplo quando os donos da casa, fugindo às suas estrepulias, se
mudaram para Sobral. Mal se instalaram na nova moradia, ouviram uma
voz diabólica e zombeteira dizer:
"Vim a pé, mas cheguei primeiro".
Eles foram, certa vez, a Fortaleza, a passeio. Estavam postos em
sossego no bonde da Light quando o banco de madeira em que estavam
sentados começou a arder.
Numa viagem ao Rio, hospedaram-se no Hotel Glória.
À tarde, quando faziam o footing no centro, suas malas pegaram
fogo, com tudo o que continham.
Tão logo o casal retornou a S. Benedito, o Cão voltou às suas
travessuras na terrinha. Ele não era apenas de tocar fogo nos objetos,
não. Era também um grande brincalhão. Um cão moleque. De virar
panelas no fogão. De mexer quadros na parede. De movimentar móveis
na sala e nos quartos.
Pior, porém, ocorreu num jantar da família. O cão ficou percor-
rendo o prato de canjica, com o dedo, com tanta rapidez que esparramou
a comida sobre a toalha, depois sobre o rosto e a roupa dos presentes.
De outra vez se divertiu, dançando. Tirou a dona da casa para
dançar. E quase a mata de cansaço, pois o parceiro invisível a impeliu a
dançar, durante quatro a cinco horas, sem parar, sem intervalo, sequer,
para beber água.
Estou contando estas histórias, ouvidas na infância, porque ouvi
falar de um pesquisador que está escrevendo sobre a cidade de S. Bene-
dito, sem citar o Cão da década de 40, que tanto deu o que falar na Serra
da Ibiapaba. Ele precisa descobrir porque o Capiroto fez tantas diabruras
por lá.
Há uma versão antiga, que atribui as danações do Cão a castigo
do céu. O dono da casa vivia amasiado, porque casado de papel passado
e escritura assinada, com uma amazonense que continuou em sua terra,
quando ele concluiu a aventura na selva. Somente anos depois, os filhos,
já homens feitos, quando ela morreu, pôde casar no civil e no religioso,
no Ceará. O Cão os perseguia porque viviam em adultério, em pecado.
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Um amigo, pesaroso diante da dissolução dos costumes moder-
nos que afligem a todos nós, respeitosos de Deus e temerosos do demônio,
lamenta que não haja um Cão, como em S. Benedito, para atormentar
cada pecador:
"Há tanta amigação no mundo de hoje que não há cão suficien-
te. O inferno não dá vencimento".
Foi bom ressuscitar o Cão. Ótimo será sua multiplicação, a ser-
viço da virtude. (13/08/89).
O PADRE PALHANO
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Dispunha do dinheiro que queria. Tesoureiro das riquezas da
Diocese, era ele quem distribuía seus cargos e suas honrarias. Largo e
generoso, sua camioneta estava sempre à disposição da pobreza com
quem gostava de conversar e conviver, para transportar convalescente
de volta pra casa, parturiente à maternidade, noivos aos pés do altar. Em
seu avião, carregado de doces e bombons para agradar as crianças.
Gostava de levar as moças bonitas das cidades vizinhas para ver o céu de
perto. Quando o padre-voador descia de sua máquina, vestindo elegante
macacão, fazia disparar os corações femininos.
Era adorado. A matutada chegava a dizer que ele, uma vez,
recusara ser Papa porque não quisera ficar longe dos amigos. Da próxi-
ma, porém, não escapava. Teria de deixar a terrinha, ir pra Roma chefiar
a Igreja Católica. Simpaticíssimo, nenhum inimigo mantinha a cara
fechada, quando se defrontava com seu sorriso.
Não era de surpreender entrasse na política, indispondo dom
José com um velho aliado, Chico Monte, sogro de Parsifal Barroso. Foi
candidato à prefeitura de Sobral em ruidosa campanha eleitoral de que o
País teve notícia e que valeu ao Bispo - no fim da vida - humilhante
inspeção do Arcebispo de Fortaleza, dom Antônio de Almeida Lustosa.
Passava, em seu jeep, em frente ao sobrado de Chico Monte, agredindo-
º e a intimidade familiar. O veterano político queria reagir, como de seus
feitio e tradição. Era, porém, contido pelos seus, achando que a
provocação tinha o objetivo de levá-lo à violência e à derrota da candida-
tura Parsifal Barroso ao governo do Estado.
Palhano ganhou. Dom José, que sempre fizera política partidá-
ria, pôde saborear seu último triunfo, presidindo almoço em homenagem
ao novo prefeito. Logo depois, morreu.
Palhano, que não conhecia limites, não podia habituar-se à disci-
plina dos novos Bispos. Terminou excomungado por haver processado
dom Valfrido Vieira, pena esta somente levantada na proximidade de sua
morte, quando da passagem do Papa João Paulo II, por Fortaleza.
Entreteve polêmicas homéricas em que não hesitava em aludir
ao homossexualismo de seus superiores, zoofilia e roubo de seus colegas
de batina, adultério da mulher de seus adversários. Mantinha um
jornalzinho, modelar nessa linha.
Quando ia mais odiosa e odienta a polêmica com o padre Sabino
Loyola, suspendia a programação musical de sua Rádio Tupinambá para
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lançar, no ar, edição extraordinária do jornal falado, anunciando a
internação, em hospital de saúde mental de Fortaleza, do contendor:
"Acaba de sair, amarrado na carroceria de um caminhão, com
destino ao Asilo de Porangaba, o padre Sabino Loyola."
No mesmo diapasão, na Rádio Educadora, o adversário replica-
va num trocadilho de mau gosto:
"Palhano fedeu como seminarista, fede como padre e como
deputado federá."
Inventou-se a esse tempo, historinha que bem demonstra odes-
conforto da cidade, com o destempero verbal de seus padres. O jornalis-
ta José Maria Soares, doce criatura, então diretor da Rádio Iracema de
Sobral, teria comentado:
"Só tenho medo de que o monsenhor Fontenele queira vir para a
Rádio Iracema."
Era outro sacerdote famoso por suas cóleras.
Ao tempo dessa briga, Palhano pregava o boicote à rádio do
Bispo, dirigida pelo padre Sabino:
"Não ouçam rádio que fale mal de padre."
Padre Palhano, cassado, como deputado federal, por Castello,
tantas inimizades semeara, foi residir no Rio onde se formou em Direito.
Logo que pôde, voltou a Sobral, às polêmicas, aos divertidos banhos
de saúde no Quebra, paradisíaca propriedade na serra da Meruoca. E
à política.
Seu Costa foi seu amigo, até morrer. Certa vez, levou-o ao
hospital para uma hemodiálise. No caminho, ele se queixou a meu pai de
solidão:
"Pra você ver, Costa, como são as coisas. Eu, que tive tantas
mulheres, morro sozinho."
Minha mãe, que vinha no banco de trás no carro, repreendeu-o.
Ele se desculpou, alegando não se lembrar de que ela estava presente. O
galante padre morreu dias depois. Seu enterro foi uma consagração.
Festa que gostaria de ter presenciado. A cidade, inteira, o levou à derra-
deira morada, lembrando seu charme, seus encantos, sua alegria de vi ver,
perdoando-lhe os arrebatamentos e as paixões que suscitara.
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JOSÉ SABÓIA, O OUTRO PATRÍCIO
Se houve rivalidade que durou a vida inteira, foi entre o juiz dr.
José Sabóia de Albuquerque e o bispo dom José Tupinambá da Frota.
Eram dois bicudos que não se beijavam. Dizem que a ciumeira
começou em 1908, quando o padre retornou de Roma, laureado e explo-
diu, quatro anos depois, ao lançar loteria em favor das obras da Santa
Casa, que o juiz mandou a polícia apreender, chamando seu responsável
de contraventor pelo jornal Pátria, da família.
Em muita cousa se identificavam, principalmente no bairrismo.
Por isso o bispo se rendeu ao rival, para sua mortificação, no comecinho
da década de 1920. Teve de recorrer ao prestígio de seu irmão, Vicente
Sabóia, junto ao Ministro das Relações Exteriores, a fim de não ser
transferido para a diocese de Uberaba.
Por sua vez, convidado para integrar o Tribunal de Justiça pelo
Presidente do Estado, o sobralense Moreira da Rocha, José Sabóia res-
pondeu brincando: "Aceito, se o Tribunal vier para Sobral".
José Sabóia ( 1 871-1950) formou-se pela Faculdade de Direito
de Recife. Ainda jovem estudante, salvou a vida de dois náufragos do
navio "Bahia" em que viajava e que, à noite, colidiu com o " Piabanha",
gesto de bravura que lhe rendeu calorosas homenagens.
Juiz de 1892 a 1936, reinou absoluto na cidade até que foi apo-
sentado compulsoriamente por dispositivo inserido na Constituição do
Estado, com o objetivo expresso de afastá-lo do cargo e esvaziar-lhe a
tremenda influência política que exercia na região.
Casado com dona Sinhá Sabóia, filha do falecido doutor Paulinha,
falecido no Rio como deputado federal, neta do senador Paula Pessoa,
"o senador dos bois", durante cinqüenta anos foi o homem mais impor-
tante de Sobral. Enfeixava o poder econômico porque era dono da fábri-
ca de tecidos e de 16 fazendas de gado no Ceará e Piauí, herdadas do pai
e do sogro. E o poder político porque controlava, com mão forte, a
justiça, gozando a segurança da vitaliciedade de magistrado e o Partido
Republicano Conservador, depois PSD, e, por fim, a UDN da zona norte
do Estado.
Esteve quase sempre de cima, até mesmo no curto período de
Franco Rabelo, apesar de seu pai haver sido vice-presidente do Estado,
no primeiro período em que o comendador Nogueira Accioly foi alçado
58
ao poder. Conheceu a oposição depois da eleição de Menezes Pimentel
ao governo do Estado, em 1935, decidida na Assembléia Legislativa pelo
Smith and Wesson de seu ex-liderado, Chico Monte, que passou a ser,
desde então, até o fim do Estado Novo, dono da bola e das camisas em
Sobral. Antes, seu partido, o PSD, sofrera violenta resistência do bispo e
do clero, que o chamava, dos altos dos púlpitos e no silêncio dos
confessionários, de partido sem Deus.
Menino, presenciei a última polêmica que, apoiado pelos genros
Plínio Pompeu e José Maria Alverne, Sabóia travou com o bispo e o
padre Sabino Loyola, pelo Correio da Semana. Ele lançara seu velho
aliado, o desembargador Faustino de Albuquerque, candidato ao gover-
no do Estado pela UDN, sustentando sua candidatura contra muitas ad-
versidades. D. José foi fundo na campanha do PSD que lançara o general
Onofre Muniz Gomes de Lima, brandindo, contra o outro candidato, o
anátema de ser apoiado pelos comunistas, apesar de arquiconservador e
ex-presidente do Instituto Brasil-Estados Unidos. No auge da briga, o
bispo escreveu artigo, sob o título "Por que vês tu o argueiro no olho do
teu irmão e não vês a trave no teu?". José Sabóia foi ao juiz Floriano
Benevides e conseguiu ordem para publicar, no Correio dez Semana,
jornal da diocese, resposta sob o título "O meu anticlericalismo".
Os céus, porém, não acudiram o candidato do bispo. José Sabóia
fez cabelo e bigode. Elegeu o amigo do peito governador, fez do genro
Plínio Pompeu senador, do outro genro suplente e a maioria da bancada
federal da UDN. Morreu no poder, como sempre vivera. Não pôde,
porém, por ter sido enterrado no Rio, usar o caixão de cedro, de árvores
plantadas por ele no sítio Pedra Furada, na serra da Meruoca, que expe-
rimentava, para constrangimento do carpinteiro, que o fabricara.
José Sabóia sempre teve relações difíceis com a imprensa de sua
terra. Ele sempre foi implacável com os jornalistas que "não conheciam
seu lugar". Quando rompe o século XX, está em guerra com Álvaro Ottoni,
de A Cidade. Mais tarde, Vicente Loyola, de O Rebate, teve de depor
perante ele, moribundo, apesar de atestado médico, fornecido por seu
irmão, Massilon Sabóia, dando-o como inválido, o que teria apressado sua
morte. Cordeiro de Andrade, o romancista de O anjo negro, foi por ele
colocado diante do dilema: fechar O Debate ou ir para a cadeia. Preferiu se
mandar, levando, pela vida afora, até à morte precoce, a amargura do
exílio. Deolindo Barreto foi outro que o desafiou até seu trucidamento.
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O doutor José Sabóia era mestre em colocar apelido nas pessoas,
o que seguramente não lhe aumentava sua popularidade. Tinha também
muito humor. Não gostava de que lhe batessem freqüentemente à porta do
escritório da fábrica. Quando isso acontecia, repetidas vezes, queixava-se:
"estou que nem rapariga nova. Todo mundo bate na minha porta".
Nos últimos dias de vida, no Rio, recebeu a visita de um amigo
que, para animá-lo, o achou bem disposto e saudável. Reagiu, com iro-
nia: "eu sei que você morreu bem melhorado "
Ante as limitações alimentares que o médico lhe impôs, indagou,
então, do irmão Massilon:
"Será que posso comer, pelo menos, capim?"
Certa vez, quando lhe disseram que o deputado Egberto
Rodrigues, parente de sua mulher, porquanto bisneto do Senador Paula,
andava espalhando que ele era "bananeira que não deu cacho", saiu-se
com essa:
"Não tenho tempo a perder com recalques de nobreza arruina-
da". (25/01/87)
COLUNA DA HORA
60
estava na praça com amigos, e tocou "Velha valsa, valsa amiga, tão
boêmia como seu cantor". E também "Suburbana, que estás por trás da
veneziana, vem sorrir nessa canção". Por que estas músicas ainda ressoam
em meus ouvidos, quatro décadas depois?
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Castello Branco vai ao encontro do desafiante e é por ele mortal-
mente esfaqueado no baixo-ventre, ao final de um duelo de feras, travado
lealmente em praça pública.
Absolvido, Chico, dois anos depois, é acusado de ser um dos
executores do jornalista democrata Deolindo Barreto, inimigo jurado de
José Sabóia, trucidado no início dos trabalhos da principal sessão eleito-
ral de Sobral.
Com a democratização do País após a revolução de 1930, busca
espaço próprio e decide ser deputado estadual contra o antigo chefe.
Em 1935, na Assembléia Legislativa, sua argumentação é decisi-
va para a tumultuada eleição indireta do novo presidente do Estado,
Menezes Pimentel, em face da indecisão de dois colegas:
"Se o doutor Pimentel perder, um de vocês sai daqui pro ce-
mitério e eu pra cadeia." Catequista tão convincente não ia perder
seu latim. Pimentel se elegeu e ele afirmou prestígio político em todo
o Estado.
Depois da queda do Estado Novo, para surpresa e irritação da
aristocracia da cidade, elegeu-se membro da Assembléia Nacional Cons-
tituinte onde não deu um pio, como, aliás, aconteceu em sua longa
trajetória parlamentar. A não ser quando se exasperou ante a virulência
de ataques do comunista Trifino Correia ao presidente Eurico Outra e,
ágil, como um felino, saltou sobre várias poltronas, palavrões na boca e
faca na mão, para sangrar o atrevido.
À essa época, querendo irritar um adversário, Paulo Sarasate,
jornalista e intelectual, espalhou, perante os jornalistas do Palácio
Tiradentes, que, na bancada cearense, havia três analfabetos:
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Quatro anos depois, Raul disputou e perdeu a cadeira senatorial para
Parsifal Barroso, logo a seguir, nomeado Ministro do Trabalho de Juscelino
Kubitschek.
Seu aliado Carlos Jereissati lhe trouxe então de presente, dos
Estados Unidos, um revólver a gás, explicando assim sua utilidade:
"Chico, quando você for agredido, dá um tiro no agressor e ele
fica caído, desacordado, permitindo a retirada."
Ele não estava pelos autos e respondeu assim:
"Sair, nada. Vou lá e costuro ele de faca."
Seus projetos não se esgotariam, porém, na reeleição à Câmara
e na presença do genro no ministério.
Em 1958, Virgílio Távora armou esquema imbatível para se ele-
ger o chefe do executivo estadual, prometendo fazer, de Chico ou al-
guém indicado por ele, vice-governador. Depois dum torneio de negaças,
avanços e recuos, este, porém, levou o eixo da sucessão estadual para o
sítio "Monte", na serra da Meruoca, e arrebatou a govemança do Estado
para Parsifal Barroso. Quando Távora, finda a campanha, se queixou
aos jornais de ter sido derrotado pela força dos dinheiros federais do
DNOCS, ironizou:
"O Virgílio chora que nem bezerro desmamado..."
As coisas, porém, haviam mudado. Chico era deputado federal,
há quinze anos. Convivia com os poderosos do país. Não se locomovia
mais na burra de estimação, que o doutor José Sabóia tanto ironizava,
mas em moderno avião particular. Fizera da filha única, Olga, primeira
dama do Estado. Ocorre que, em Sobral, o Bispo, que sempre o apoiara
contra o outro ilustrado patrício, agora se encontrava em trincheira
diversa, patrocinando a eleição do pupilo querido, padre José Palhano
de Sabóia, à prefeitura do município, sua base de sustentação desde
1947. Este e outros inimigos caprichavam nas provocações, nas
agressões, nas calúnias, para levar o velho coronel de volta à violência
costumeira e, agora, à derrota nas urnas. Para assegurar a vitória, ele,
que jamais levara desaforos pra casa, era obrigado a se conter, em seu
terreiro, em sua cidade, e isso lhe arrebenta o coração bravio e indomável
na solidão da nova capital da República, na metade do governo que
conquistara e não veria terminar.
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DONDON PONTE
Sinapismo
Ele e ela
(comédia em I ato)
- Casalzinho amoroso.
Iam juntinhos, mas não de braço, como disseram. Cada qual
respondia melhor. Ele foi primeiro e disse que aqui não havia partido
rabelista e ela disse que o Correio da Semana entrava muito na política.
Aí ele disse que Deolindo não falava mal dos padres, em geral, e nem
do padre Leopoldo em particular, apenas tirava prosa que ele é muito
prosista, foi. Ela disse: Deolindo vai todas as noites no hotel e nunca
falou de ninguém.
Agora, Lopes, nos diga: o que é mais admirável nesse colóquio,
a ingratidão dele para com as rabeias ou o amor dela para com o padri-
nho? K. Listo (A Ordem de 26/05/1924, ironiza depoimento de Dondon
Ponte em favor de Deolindo Barreto Lima, movido pelo padre Leopoldo
Fernandes, diretor do Correio da Semana e eleitor exaltado de Belizário
Távora, derrotado na disputa pela presidência do Estado por Justiniano
de Serpa).
Menino ainda, conheci Dondon Ponte, sentada numa cadeira de
balanço, na calçada do Hotel do Norte, apaziguada pela idade, em seus
fervorosos ódios político-partidários.
A cidade inteira celebrava seus ditos espirituosos, seus desafo-
ros, sua coragem. Eram citadas com admiração as respostas que dava
aos hóspedes pretensiosos que procuravam seu estabelecimento. Viúva
de Cosme Ponte, enfrentou, com desassombro, inimigos poderosos. Na
República Velha, dava a maior força ao partido democrata. E ao jornal A
Lucta de seu aliado político, Deolindo Barreto Lima. Por cortar o cabelo
à la homme, por fumar em público seus charutos, por seu falar
desabusado, Dondon causava escândalos a seu tempo, na cidade.
Rabelista rubra, inimiga jurada do doutor José Sabóia e de Chico
Monte, dela se conta que, ao vê-los passar à frente de sua pensão, vestidos
com a opa de irmãos do santíssimo, acompanhando a Procissão dos
Passos, comentou, referindo-se a Jesus Cristo:
"Oh, homem bom pra ter irmãos ruins..."
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Nery Camelo, em Viagens na nossa terra assim a viu: "Usa
cabelos cortados à escovinha. De atitudes desassombradas. Dizem que,
quando sai à rua, leva sempre um revólver dentro da bolsa e um punhal
à liga. Temida pela sua mordacidade. Espirituosa e comunicativa, sua
palestra constitui o melhor passatempo para os hóspedes. Mesmo para
aqueles que não podem dormir à noite com as muriçocas ... "
A propósito, um alemão se hospedou no Hotel do Norte. A noi-
te, nada de conseguir pegar no sono, perseguido pelos pernilongos de
picada mais funda que broca de perfurar petróleo. Queixou-se à hospe-
deira, que lhe recomendou apagar a luz para afastar os mosquitos. O
hóspede atendeu à sugestão. Não obteve resultados. As muriçocas volta-
ram a atacá-lo, com redobrado vigor. Ele percebeu, além disso, a presen-
ça de vaga-lumes no quarto e falou:
"Dona Dondon, piorrou. Eles estão a atacarrrr, agorrra de
lanterrrrna..."
Defensora da ecologia, ficava furiosa com qualquer dano causa-
do às árvores. Certa vez, acompanhou, com muita atenção, todo o
minueto de jovem casal de namorados que se aconchegava debaixo de
um fícus benjamim, próximo ao hotel. Lá pelas tantas, levada pelo hábi-
to, a mocinha arrancou um galho de árvore e passou a morder-lhe o talo.
Foi o bastante para ela sair com quatro pedras na mão na direção da
namoradinha:
"Ótimo, minha filha. Coma esse galhinho que é muito bom para
lombriga e é o que você tem e muito".
Pelo que se vê, não tinha papas na língua. Desmontava qualquer
um. Foi o caso de um cliente de origem modesta que voltara do Rio,
próspero e cheio de riquififes. Ao café, começou a reclamar que não
havia salame, bacon e outras ingresias. Ao ouvir as queixas, ela ali nas
buchas, lhe desmanchou a pose:
"O que é que está falando, hein, seu Zé Chinelinha?"
"Nada, nada não, dona Dondon', respondeu, assustado, o hós-
pede, já devolvido a seu natural, pela pontaria do apelido maldoso.
Outro cliente voltou para o hotel exasperado. Fora desfeiteado,
no curso de uma discussão de que não se saíra bem. Ficou remoendo o
fato, andando dum lado pro outro, dizendo:
"Porque eu sou é homem. Não sou de trazer desaforo para casa,
porque sou é homem. Eu sou é homem".
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Depois de certo tempo, ante tantas reafirmações de sua virilida-
de, Dondon não se conteve e perguntou:
"E havia alguma dúvida a respeito?".
O próprio Nery Camelo narra que ela se recusou a se deixar
fotografar, com pergunta irônica:
"Então, você está fazendo coleção de animais antediluvianos?"
Ao longo dos dez anos de existência de A Lucta, Dondon, o
Hotel do Norte, seus hóspedes, geralmente viajantes comerciais, estão
sempre aparecendo no jornal. Daí as ironias do jornal da família Sabóia
de Albuquerque à sua amizade com Deolindo.
Involuntariamente, conforme contei antes, precipitou uma tra-
gédia a 7 de março de 1922, à hora do almoço, quando lhe chegaram
notícias das estripulias de Chico Monte. Ela instou o chefe do desta-
camento policial, tenente Antônio Castello Branco, seu hóspede, a
pôr paradeiro naquilo. O tenente acabou por atendê-la e foi morto.
(11/01 /87)
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"Que nada! Fale com dona Olga, que é quem manda no governo."
Diz ele que, já ali no carro, definiu o título de sua reportagem
publicada em Salvador e, posteriormente, transcrita, nos jornais do Cea-
rá. O secretário do governo, jornalista Temístocles de Castro e Silva, lhe
endereçou o seguinte telegrama:
"Volte a Fortaleza para morrer."
Nery respondeu num sucinto despacho:
"Não volto". E ficou nisso.
Nos tumultuados dias de setembro de 1961, Olga foi ao quartel
da 1 O." Região Militar libertar o auxiliar do marido, Temístocles de Cas-
tro e Silva, ali constrangido por haver defendido, em artigo assinado no
jornal O Estado, a posse pura e simples do vice-presidente, ante a renún-
cia de Jânio Quadros. Empossado João Goulart, muitos dos oficiais
rebelados foram dispersos país afora, transferências que geraram ódio
mortal. Sentimento que foi responsável pelo posterior seqüestro de Parsifal,
quando, após assistir à posse do general Portugal Tavares, no comando
do IV Exército, em Recife, foi transportado à força para Caruaru, onde o
deixaram sozinho, a pé, às margens da estrada.
Durante o governo Parsifal Barroso, os jornais andaram lotados
de notícias de contrabando de café, distribuído pelo sistema de cotas, a
moageiras existentes ou não e, embarcado, depois, por intermédio de
agentes da economia informal para as Guianas, para o exterior. Um dos
mais notórios muambeiros da terra, para tomar a vida mais fácil quando,
nas proximidades das cancelas de fiscalização da Secretaria da Fazenda,
bradava, a plenos pulmões:
"Passagem pro café de dona Olga!"
Por conta disso, depois do golpe militar de primeiro de abril de
1964, ela respondeu ao IPM do café, presidido pelo major Egmont, filho
de velho amigo e correligionário de seu pai, o ex-presidente da assem-
bléia legislativa do Ceará, Joaquim Bastos Gonçalves. Magoada, humi-
lhada pelo zelo revolucionário do outro, não se conteve. Endereçou-lhe
bilhete que Egmont leu, perante as câmeras da TV Ceará:
"Egmont, dona Maria Alice, sua mãe, é uma santa. Você, po-
rém, é um grandíssimo fdp!".
A última vez que tive o privilégio de sua companhia foi numa
viagem de Brasília para Fortaleza. Sentei-me a seu lado, porque gostava
de ouvi-la contar seus "causos" e os "causos" do pai. Percebendo meu
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pânico infantil lá nas alturas, providenciou logo o remédio: "Quer uís-
que? Eu trouxe."
Ofereceu-me o cantil, matou minha sede e contou do projeto de
escrever a biografia do pai, começando por historinha que bem definia sua
ética, seu estilo. Na juventude, Chico Monte presenciou briga feia. Terminada
em morte dum dos contendores. E na fuga do sobrevivente. Quando a
polícia chegou e o interrogou sobre o destino do matador, deu-lhe orientação
errada. Para dificultar sua ação e facilitar a vida do fugitivo.
É que depois de tais ocorrências, sua filosofia era esta:
"Primeiro, vamos enterrar o morto. Depois, tratar de absolver
o vivo."
Olga Barroso foi personalidade polêmica e talvez estas mal
traçadas linhas reacendam paixões adormecidas. É a homenagem que
não posso deixar de prestar a esta sobralense bravia, que era muito gente.
Olga era ainda uma mulher com cabelo na venta.
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por ribanceira de cuscuz. Tinha, de fato, acontecido. A ele. Por conta de
suas narrações fabulosas, um grupo de sobralenses, que se encontrava
em Fortaleza, decidiu pregar-lhe uma peça, armar-lhe uma cilada. Contar-
lhe história que superasse todas as de sua lavra. Quando ele chegou à
roda, na porta do hotel da rua Senador Pompeu, um conterrâneo foi
encarregado de lhe contar:
"Seu Messias, você não sabe o que acaba de acontecer, aqui na rua.
Estou ainda pasmo. Pois bem, vinha ali das bandas da estação da estrada de
ferro um caminhão em disparada quando, sem que ninguém pudesse esperar,
surgiu em sentido contrário, em alta velocidade, uma motocicleta. A única
coisa a fazer era tapar os olhos com as mãos para não ver a desgraceira, a
tragédia. Sabe, porém, o que aconteceu? O cara da motocicleta foi em frente,
subiu ao motor, passou por cima da cabina, da carroceria e saltou lá adiante,
prosseguindo, imperturbavelmente seu caminho".
Ele deu uma risadinha murcha, como se tivesse sido derrotado,
logo, porém, retomou ao seu natural e deu a volta por cima, perguntando:
"Sabe quem estava na moto? Quem era o motociclista?"
"Não", respondeu o outro.
Ele, então, brincando com o suspensório, todo ancho, reintegra-
do em sua força, revelou:
"Era eu".
Antônio Frota Cavalcante foi menino para a Amazônia, onde
chegou a comandante de navio e donde trouxe algum dinheiro e muitos
"causos". Era forte em histórias de sua mocidade, principalmente em
caçadas no antigamente chamado "inferno verde".
Contava que, certa vez, se viu sozinho, no meio da floresta,
diante de onça bravia. Cadê a espingarda? Ficara longe. Cadê a faca?
Não tinha. O que tinha mesmo era um quicé de picar fumo, uma faquinha
de menino. O jeito era arregaçar a camisa e ir à luta. Avançou contra a
fera, dando-lhe uma facada na testa com tanta força que, de repente, se
viu lançado por trás do animal que urrava, fazia força descomunal e ele
segurando-a firmemente pelo rabo, até que a onça fugiu, sangrando,
descascada, deixando-lhe o couro inteiro às mãos.
Doutra vez, não correu sangue, dado o seu bom coração e talvez
graças à eloqüência da besta. Iam ele e seu cachorro, na selva, quando
avistaram outra onça que, preguiçosa, dormitava ao afago do sol matutino,
ao lado das crias. Não teve dúvida. Aquela estava no papo. Fez pontaria
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e se preparava para o tiro fatal quando o animal acordou, deu um salto e
se pôs, de joelhos, numa clareira, implorando:
"Seu Antônio Frota, pelo bem de dona Dragomira, não me mate
que tenho três filhos para criar".
A súplica lhe pareceu tão comovida e comovente que ele baixou
a espingarda, pigarreou e, emocionado, comentou com o cão:
"Nunca tinha ouvido onça falar."
O cachorro confirmou:
"Nem eu".
Uma vez, já de retorno a seus pagos, deixou ele, no gavetão da
mesa da sala da casa da fazenda, uma dúzia de ovos e um saco de milho.
Demorou a voltar. Quando apareceu, abriu a casa, ouviu uma piadeira
sem fim e nada de identificar donde vinha o ruído. Até que abriu a gaveta
e dela saiu uma dúzia de pintos, encandeados com a luminosidade, todos
com uma asinha inclinada pruma banda, por conta da exigüidade do
espaço em que o haviam nascido e de que ele libertara.
Campeão de reminiscências da Amazônia e doutros lugares por
onde passara, era o juiz, depois desembargador e glória da magistratura
cearense, Amaud Ferreira Baltar.
Juiz de Sobral, gostava de transmitir a seus jurisdicionados ima-
gens da riqueza do coronel Feitosa de Tauá, onde trabalhara. E narrava:
"O coronel Feitosa é rico, tão rico que, às terças-feiras, sai de
sua fazenda uma tropa de trezentos burros do pé preto. Já na sexta,
despacham mais trezentos burros, todos do pé branco".
Um homem do povo, que ouvia, empolgado, a narrativa, riu. O
juiz o percebeu e ficou bravo:
"Está rindo de mim? Não acredita na palavra do juiz?"
O cara se explicou:
"Acreditar, acredito, doutor Baltar. Só estava aqui imaginando
comigo mesmo como era o tamanho do paiol das cangalhas".
70
O FIM DO VELHO SONHO DE SER UM BISPO
COMO NOS VELHOS TEMPOS
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quando velhos. Os bispos exigiam que elas, as "canônicas" como se
chamavam, tivessem, no mínimo, 40 anos (àquele tempo, as
quarentonas eram velhas. Já haviam, há muito tempo, encostado as
chuteiras). Por isso, um deles, espertinho, como quem não quer nada,
consultou o superior:
"Excelência, posso ficar com duas de 20?"
Pra encerrar, conto "causo" parecido, história piedosa, edificante,
dessas que levarão a mim e aos leitores aos caminhos do céu.
O ESTUDO E O AMOR
72
entrei. E no dia em que deixei de ser procurador do Ipase, doei todos os
meus livros técnicos. Daí porque nunca tive coragem de usar o rico anel
de chuveiro com que dona Dolores me presenteou, quando me formei.
Quando me submeti ao vestibular da Faculdade de Filosofia do
Estado, em 1969, só tinha em mente paquerar. Saía da redação do Cor-
reio do Ceará e do Unitário, de que era Editor-chefe, diretamente para
o exame e quase me machuquei. Até mesmo em português. Não sabia o
que era catacrese, anacoluto, parequema, sinédoque. Figuras inúteis que
só nos servem em tais ocasiões. O que me salvou foi redação. Tirei,
acho, 5,5. Raspei o travessão. Meu amigo Matos Dourado ficou com
7,5 ou 8,5. Depois do batente, lá ia às fatigantes e sonolentas aulas,
naquelas cadeiras duras. Não demorei ali dois anos.
À essa época, namorei Maria Helena, que era jovem e virgem
como acontecia àquele tempo. Todavia, ousada o suficiente para manter
romance escondido da vigilância da sua mãe, com um descasado com
quem trocava enternecidos e intermináveis beijos à sombra das mangueiras
da praça do aeroporto. Certa manhã de domingo, que dor, vi-a na praia,
ao lado do aviador por quem me trocara. Doeu, daquela vez doeu. Passei
recibo. Não escondi a dor de cotovelo. Não me acudiu uma pontinha,
sequer, de amor próprio. Depois casou e o marido dela fugia, à noite,
refugiando-se nas ondas do rádio-amadorismo.
Depois, ainda a perigo e a fim de me dar bem com as colegas,
fiz o primeiro vestibular da Unifor. Para ciências econômicas. Eu,
Dorian Sampaio e Danilo Marques. Estes movidos apenas por
irrefreável curiosidade científica. Queriam ser Mário Henrique
Simonsen, o Celso Furtado, o Delfim Neto, daqueles tempos. Como
as moças não pintaram - hospitaleiras, acolhedoras e rapidamente,
como sonhava - tranquei matrícula e fui cantar noutra freguesia. Dorian
e Danilo, desestimulados, também encostaram as chuteiras mal o jogo
começara. Vejam os leitores que brilhante carreira acadêmica teria
feito se as moças me tivessem sido propícias, nas diversas faculdades
que cursei...
73
NA DÉCADA DE CINQÜENTA
74
do divórcio. E em verdade, em verdade vos digo, graças a seu olho
vivo, muita virgindade não foi ceifada pela concupiscência dos mais
sôfregos e, por isso, nunca será devidamente louvada.
Mesmo os casados, nos salões alviverdes, tinham de andar na
linha. Já contei, mil vezes, a história daquele casalzinho enamorado que
dançava aconchegado em seus salões. Um diretor vigilante se tocou e
chamou-lhes a atenção. O rapaz explicou, então, candidamente, que era
recém-casado, estava em lua-de-mel, dançava com a mulher. O Catão
não deu moleza, não. Pôs termos aos arroubos apaixonados com a
indagação sutil:
"Não tem cama em casa, não??
O Ideal Clube, bem mais liberal, era capaz de receber até casais
que se haviam juntado, sem as bênçãos da Igreja, nem o "ciente" naquele
tempo em que não havia ainda o divórcio, como espécie de sofisticado
antro da corrupção...
Vocês vão dizer, lá vem o Lustosa com histórias de Sobral. Esta,
agora, tem razão de ser. Na década de trinta, acho que foi em l 934, o
Ideal retribuiu homenagem do Grêmio Recreativo Sobralense, o Palace
Clube, com festa em sua sede, ainda localizada no bairro das Damas.
Sabem como veio trajada a diretoria do clube da Princesa do Norte?
De casaca.
Daquela festa, ficou na memória registro da animação dos
sobralenses numa frase:
"O José Maria Montalverne trocou de camisa, quatro vezes."
Durante muitos anos rolou, na cidade, que senhora das mais
respeitáveis de seu quadro social se apaixonou por um colar. Foi, várias
vezes, ao joalheiro, namorar a preciosidade. Sonhava com ele.
Até que, nas proximidades do Natal, o joalheiro, abelhudo, lhe
confidenciou que se tranqüilizasse, não mais perdesse o sono, pensando
na peça, porque ela seria sua. O marido já encomendara. Só faltava vir
buscar. Ela ficou esperando.
Segundo as fofocas daquele tempo, no baile do reveillon do Ideal,
ela, mortificada, viu o colar, tão desejado, esplendendo no colo da outra.
Que diziam ser amante do marido.
A rapaziada de classe média adorava ir ao Maguary, presidido
pelo sobralense Egberto de Paula Rodrigues, herdeiro de dezenas de
milhares de hectares de terra na zona norte. De seus quadros, saiu uma
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Miss Brasil, Emília Correia Lima, por sinal, nascida em Sobral. Claro,
não era este o maior atrativo pra moçada. O que eles amavam era o
centro do salão, o chamado "miolo" do clube onde se curtiam, sem res-
trições, porque a diretoria se lixava pros amassos dos casais.
O porteiro era "seu" Manuel. Pra conquistar seu coração, basta-
va saudá-lo, dizendo-lhe o nome:
"Boa noite, seu Manuel!"
Ele escancarava o riso de maus dentes e permitia o ingresso.
O Comercial Clube, que produziu uma miss Fortaleza de muito
charme, Irineide Silveira, realizava suas "tertúlias" nas manhãs de do-
mingo a que os rapazes compareciam devidamente trajados de paletó e
gravata e as mulheres de longo, naquele calorão. O Edilmar Norões e o
hoje professor universitário Luciano Gaspar, então cronistas sociais, eram
mortos e vivos lá.
Ao meio-dia, o Norões, que era também locutor da Rádio Verdes
Mares, anunciava que a orquestra tocaria o Hino Nacional, para que todos
se pusessem de pé. Logo após, o presidente José Cláudio Oliveira soltava
o gogó, numa oração patriótica porque, com freqüência, estavam presentes
o Governador do Estado e o Comandante da Décima Região Militar. O
clube era tão importante que distribuía até títulos de Cidadão Cearense.
Um de seus diretores andava muito enxerido, atirando-se pras
associadas mais jovens, certo de estar fazendo furor. Zéclaudio resolveu
cortar-lhe as asas. No dia de seu aniversário, mandou o verbo, saudando
o evento. E encheu a boca de primeiro cinqüentenário, de meio século,
dos cinqüenta anos que o outro estaria fazendo. Não se sabe se a
propaganda negativa, no tempo em que cinqüenta anos eram muito tempo,
contiveram os ímpetos do árdego colaborador.
76
vantei-me rapidamente, acendi a luz, peguei um facão que ficava debai-
xo da rede em que dormia e abri a porta. O quase-assaltante saiu. Não se
assustou com os meus gritos nem com a arma que brandia, afastando-se,
sem pressa, da calçada da casa em frente.
Não havia, ainda, televisão. Nem poluição. O trânsito era ralo.
Assim as pessoas colocavam as cadeiras na calçada, à tardinha, antes de
ouvir a "Ave Maria" de Gounod, na PRE-9, para um balanço das
novidades do dia.
Na Praça do Ferreira havia a Coluna da Hora antiga, em torno
da qual se formavam muitas rodas de conversa, e o Abrigo Central, à
cuja sombra, de dia, comprava jornais do Rio e, de noite, depois do
expediente na Gazeta de Notícias, ia comer um pedaço de Souza Leão
ou de Luís Felipe com refrigerante, antes de ir pra casa.
Os vendedores de peixe, de cuscuz, de miúdos de porco ou boi,
lançavam pregões de suas mercadorias no silêncio das manhãs.
Éramos formais, muito formais. Íamos aos clubes, de paletó e
gravata, em plena manhã de domingo. Só assim trajados podíamos en-
trar no Cine Diogo ou assistir às aulas na Faculdade de Direito.
O sexo não era risonho nem franco. A moçada de hoje, criada com
a tranqüilidade da pílula e o conforto dos motéis, precisa saber que, naquele
tempo, não havia uma coisa nem outra. Quando um cidadão ia adquirir
camisa-de-vênus, chegava à farmácia em horas mortas, esgueirando-se pelos
cantos. E só fazia o pedido, murmurando-o entre dentes, a caixeiro do sexo
masculino. Não tinha coragem de fazê-lo se fosse mulher que o atendesse.
Fazer sexo, porém, era uma festa nas grandes pensões dos subúrbi-
os, a Margot, freqüentada pelas mais altas autoridades do Estado e do país, a
Gaguinha, a Lei la. No centro, eram mais modestas mas nem por isso menos
animadas. Quase todas tinham orquestra com mais de doze integrantes. Eram
aNena, a Graça, a América, a Fascinação, a Cristalina, a Império, a Oitenta.
As prostitutas eram conservadoras ao extremo, repelindo, em altas vozes e
deliberado escândalo, qualquer proposta menos ortodoxa.
Tudo isso acabou. O amadorismo venceu o profissionalismo.
Àquele tempo, não. As moças, que queriam conhecer o sexo antes do
casamento, sofriam toda espécie de vexames. Os namorados levavam-nas
aos chamados "chatôs". Eram casas de cafetinas, geralmente sujas, que
recebiam casais. Ou visitas masculinas para as quais vestiam meninas pobres
com fardas da Escola Normal a fim de tomá-las mais atraentes à freguesia.
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Os mais abonados contratavam carros de praça dos postos Mazini,
Nove ou Pará e tomavam o rumo da Praia do Futuro, então sítio ermo,
distante. Lá, o motorista ficava sentado numa pedra fumando, olhando
as estrelas, enquanto o casal se curtia no banco traseiro do automóvel.
É claro que a moça, além de correr o risco de ter de, eventual-
mente, bater à porta de uma "fazedora de anjos", com todos os ônus daí
decorrentes, ainda ficava falada. Quando o chofer passava em frente à
sua residência, se sentia na obrigação de informar ao passageiro:
"Aí tem uma moça que dá."
Sem falar na chantagem que outros rapazes, inteirados de sua
liberalidade, faziam:
"Você saiu com o Fulano. Se não quiser sair comigo, conto a
seu pai."
Ainda assim, apesar dos riscos e percalços, ninguém deixava de
transar, não.
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coloridos. Àquele tempo, era um bom pedaço de areal que, diziam, se
tornava perigoso, à noite.
À época (à gente sempre acha bom ou pensa que achou bom o
tempo que passou) a inflação ainda não desmoralizava nosso dinheiro.
Meu avô ganhava pouco ou quase nada com sua aposentadoria do IPEC.
Hosames, outro tanto, no escritório de despachante de outro tio, seu
irmão, Luiz Costa. Suponho que quem segurava as pontas era Dagmar,
tia e amiga, professora em Cajazeiras, com o reforço de Abigail, que
tinha bodega na Rua General Sampaio e que tantas vezes carinhosamen-
te ali me acolheu. Dagmar adorava preparar doces exóticos e fazer bolos
de carimã. Eram caprichadas as festas que promovia em honra de Nossa
Senhora, com as meninas que criava ou vizinhas, vestidas de anjo.
Com muita garra, manteve, durante tempos, o jornal Âncora,
onde conheci o grande poeta Francisco Carvalho, Manuel Aguiar Arruda,
Aida Miranda entre tantos outros. Não esqueço os domingos em que o
grupo de Âncora se reunia lá embaixo do mangueiral. De vez em quan-
do, era necessário sacrificar mais uma galinha pela chegada de conviva
inesperado. Não havia álcool. Eram tempos de sobriedade.
A grande aventura de menino era ir até o final do sítio, à casa de
um preto velho, José Pinto, nosso morador. Lembro que seu terreiro era
muito limpo. Quando aparecíamos lá, mandava tirar cocos. Como era
bom beber água de coco, depois comer aquela laminha gostosa!
Íamos à missa no Convento dos Capuchinhos. Aos 16 anos,
depois de deixar o Seminário, acho que estava distante de Deus, como
acontece em tais transes. O certo é que, ao entrar na capela, não fiz a
genuflexão de praxe, o que deixou meu avô, a quem acompanhava, muito
magoado. Na vila, pontificava o vigário Padre Pereira, em guerra vã
contra os namorados que escolhiam, justo a calçada de sua igreja, para a
troca de carinhos mais ardorosos.
Não me lembro de um banho na lagoa, aquela em que Iracema,
vinda do Ipu - que caminhada! -, fazia suas abluções. Sei porque me
contaram que aí, quase morri afogado. Felizmente, escapei para contar a
história e lamentar a destruição da lagoa. Meu coração bate como cora-
ção do menino que, há muito tempo, eu fui, quando revejo seus sítios,
cheios de mangueiras, coqueiros, pés de sirigüelas e procuro, em vão,
em mim, a criança que fui e que se perdeu ao longo do caminho! Ah!
Messejana, que bom pedaço de minha vida vivi em teu chão!
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ÚLTIMO SALÃO
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"Só pensa que sou comunista quem tem prisão de ventre mental."
Lúcio tentou entrevistar Chiquita, que, atordoada pelo uísque ou
pelo vallium ou pela mistura dos dois, desmaiou ante o fogaréu dos
refletores e não respondeu a seu questionário proustiano.
Logo refeita, ela comandou belíssima recepção em nossa home-
nagem, com a presença de Olga e do governador Parsifal Barroso e tout
le monde. O uísque jorrou como as águas do rio Acaraú, na temporada
das chuvas. Não me sai da memória o tom vitriólico com que o romancista
João Clímaco Bezerra, naquela memorável noite, analisava poemas
febrilmente eróticos da dona da casa.
Tempos depois, ali foi sagrado "Sir" o então cronista social Klinger
Mota, segundo rígido protocolo trazido da Inglaterra pelo coronel Emílio
Burlamaqui. O agraciado velou, a noite inteira, antes que a anfitrioa
pousasse pesada espada sobre seus ombros, o que o deixava muito inqui-
eto ("Cuidado, grande dama!" murmurava, a cada instante). Muitos
estávamos fantasiados. Eu, inclusive, fui de saiote escocês de tweed.
Também apareceu Frota Neto, então ativo na caça a forasteiras e nati-
vas, tanto assim que um brioso marido teve de afastá-lo, certa noite, à
força, do amasso com sua cara metade, bela morena de olhos verdes,
pela qual andávamos todos apaixonados.
Vale a pena recordar boas coisas. O salão de Chiquita Gurgel foi
uma delas.
g1
Não nego, porém, que ainda hoje alguns dos meus negócios com
a Providência Divina parecem comerciais. Dou esmolas mais generosas
quando ganho um dinheiro que não esperava, alcanço alguma vitória,
vivo momento prazeroso.
Noutros casos, a esmola constitui investimento. Dou aos pobres
esperando receber de Deus retribuição generosa. Diretamente ou através de
meus filhos. Em suma, quando faço o bem, estou sendo interesseiro, propondo
ao Céu negócio que seja bom para mim, que remunere o investimento.
Otimismo compassivo
Jantava uma vez com a caçula do Beco da Piedade, a historiadora
Isabel Lustosa, no restaurante do Hotel Ouro Verde. No tempo em que se
tinha coragem de ir ao Rio e se freqüentava o Ouro Verde. Estavam lá o
então presidente da CNI, Albano Franco, e a mulher. Ao sair, ele se despediu,
com um aceno discreto e cúmplice. Atalhei a indulgência de que não precisava:
"Alto lá, Albano, é minha irmã!
Coisa muito mais confortadora me aconteceu no trabalho de
minha filha, na embaixada americana. Um vadio abalroara seu carro,
quando da visita do Clinton. Nesses casos, a vítima fica a pé um bocado
de tempo e ainda arca com o pagamento da franquia. Por isso, eu a
levava à embaixada, todos os dias. Na portaria, um dos seguranças lhe
perguntou se eu era seu marido.
Teve melhor. Um dia desses, entro num restaurante português
com ela. O colega Jorge de Oliveira, um alagoano com bom rastro na
grande imprensa, no seu canto, à espera de mesa, me olha meio feliz,
meio desconfiado. Apressei-me em desfazer-lhe o otimismo compassi-
vo, porque estes coroas são cheios de expectativas ridentes: "Deixa de
otimismo. É minha filha". Só assim, tranqüilizado ou já despido de
inveja, ele vem me abraçar.
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Aproveitar o restinho de ano
SAUDADES DA GAZETA
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O repórter policial era Jonas Sampaio, o "Galeguinho", que só
vibrava com desgraça muita e chegava desolado quando a safra era escassa:
"Apenas uma tentativa de homicídio", às vezes se queixava.
Entusiasmava-se com as grandes tragédias que galgavam as
manchetes, como um desastre de trem, com dezenas de mortos.
Uma das novidades da redação era a presença feminina, a de
Adísia Sá, que, às vezes, assinava suas crônicas, sob o pseudônimo de
Moema. Repórter credenciada junto à Assembléia, uma vez ouviu do
deputado Wilson Gonçalves a pergunta:
"Adísia, este Lúcio Brasileiro é sério?
Cortou o papo, com rispidez:
"Não estou entendendo, deputado!"
De início, eu traduzia do espanhol telegramas da agência noti-
ciosa INS.
Depois, escrevia tópicos que, à época, se chamavam sueltos,
publicados logo abaixo do primo-editorial do Nobre, em que defendia
minhas causas da época: a criação do curso noturno da Faculdade de
Direito e do Departamento de Provocação de Chuvas. Arabá Matos,
Didi, Telmo Freitas, o Cirandinha, Manuel Lima, o fotografo, Yôyô, o
gerente, mestre Feijão, o chefe da oficina, são nomes de que me lembro
da equipe da velha Gazeta de Notícias.
ESCREVER, UM VÍCIO
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pediente, de volta ao lar, descendo da charrete em que se transportava,
me jogou o pacote de jornais de domingo, dizendo:
"Veja a vergonha que você me faz passar..."
Era o Jairo Martins Bastos que, na edição dominical de Unitá-
rio, fazia a maior gozação com o pretensioso correspondente. Levava,
na maior troça, o menino do interior que sonhava escrever no mesmo
jornal dele, no suplemento literário que saía àquele tempo.
Era empregado da secretaria do Náutico Atlético Cearense,
quando passei no vestibular para a Faculdade de Direito. Precisava con-
tinuar trabalhando, durante o dia, para garantir a subsistência.
Sabem o que fiz? Fui até o todo-poderoso superintendente
dos "Diários e Rádios Associados", Eduardo Campos, pedir sua ajuda.
Para campanha pela fundação do curso jurídico noturno. Ele, com a
maior boa vontade, prometeu apoiar meu pleito. Pediu-me escrevesse
a respeito.
Mal acabei de comer meu bife com ervilhas e alface, no pequeno
restô da Loja de Variedades, me mandei pro escritório do clube em que
trabalhava. Ali, enquanto não voltavam os outros funcionários, escrevi,
velozmente, dois tópicos que logo deixei na redação dos "Associados",
num velho e desmantelado casarão da Rua Senador Pompeu a que, de
quando em quando, estou retornando, nos meus sonhos. Dia seguinte,
deslumbrado, experimentei a emoção de ver um deles, publicado, logo
abaixo do primo-editorial do Correio do Ceará, escrito por Murilo Mota
que, àquele tempo, fazia furor.
Quando apareci no jornal para agradecer ao Manuelito, ele me
indagou à queima-roupa: "Quer trabalhar comigo?"
Temerariamente, impus condições, lembrado das ironias do J airo:
"Só se não for no jornal, nem de dia."
Aparentemente, ele não se deu conta da minha petulância, pois
concordou:
"Pois não é no jornal, nem de dia. É pra escrever a 'Crônica
do Ceará.'"
Quase caí pra trás de emoção. Afinal, iria substituir, aos 19
anos de idade, um profissional do nível de Blanchard Girão, que trocara
a "Ceará Rádio Clube" pela "Rádio Dragão do Mar", recém-fundada
pelo PSD.
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A "Crônica do Ceará" tinha o impacto de uma bomba, lida, ao
meio-dia, na mais poderosa emissora da cidade, pela possante voz de
João Ramos.
Lá sentei praça. Além do editorial, escrevia textos apaixonados
(andava sempre apaixonado naquele tempo), lidos entre uma e outra canção
romântica, interpretada por Guilherme Neto, seresteiro e amigo de fé.
Logo depois, Eduardo Campos me convidou para trabalhar, tam-
bém, em Unitário. O secretário do jornal, o sobralense Felizardo
Montalverne, andava brigado com Oscar Pacheco Passos, que produzia
solenes e pachecais comentários políticos no outro jornal "Associado".
Viu, em mim, o concorrente para o inimigo. Deu-me todo o prestígio,
fazendo-me logo titular de uma coluna, "Resenha Política" que susten-
tei quente, apaixonada, alvoroçada até o ocaso da classe política de 1964.
Meu pai escreveu, num esboço de memórias que deixou, haver ficado
emocionado quando, no ônibus, de volta pro almoço, viu as pessoas
abrirem o jornal, indo logo à terceira página, para me lerem. E que logo
um deputado, seu colega de colégio e seu contemporâneo que o esnobava,
voltou a falar com ele. Essa coluna era praticamente lida em "Estas são
confidenciais", meu programa na emissora, na hora do almoço, que
também tinha seus ouvintes.
Veio a TV CEARÁ. Mais uma obra pioneira de Assis
Chateaubriand. Houve tempo de preparação de pessoal para o novo
veículo. Era uma programação local, difícil, dada a precariedade de equi-
pamento de que saíram milagres. Principalmente na dramaturgia.
Cumpri curso, ministrado por Péricles Leal, para produtor de
programas que, a esse tempo, se denominava realizador. Ao final, houve
prova. Apresentei uma novelinha, um caso especial, como se diz hoje,
baseado na morte de Sprandell pelos fascistas, cujo chefe ele assassina-
ra, extraído do meu livro predileto de então, Contraponto, de Aldous
Huxley.
Pessimista, não acreditei no meu trabalho. Tanto assim que, no
final, escrevi, na gíria da especialidade: "Escurecimento sobre a carreira
de realizador."
Era engano meu. Passei. Não aceitei o lugar porque pagava pouco.
Taí uma experiência que ainda faço, que ainda hoje me tenta.
Na tevê, tornei-me responsável pelo programa "Política, quase
sempre", de debates políticos, quase sempre de grande impacto, porque
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eu não tinha muito juízo, felizmente, e não existia outra tevê, na cidade.
O Renato Aragão satirizava as personagens das entrevistas em seu
programa "Política, quase, quase". Participei, ainda, do "Telejornal Crasa",
jornal vivo, dinâmico, feito por jornalistas que sabiam o que estavam
dizendo e não bonecos bem penteados e otimamente encadernados, como
se vêem hoje em dia.
Veio a eleição de 1966. Apesar de Eduardo Campos ser homem
do golpe militar, tive, inventado pela amizade de seu vice na rádio e na
tevê, Rômulo Siqueira, programa de televisão, intitulado "Perspectivas
Cearenses", para falar ao eleitorado. Não me elegi, porém. Tive tantos
votos que me pareceram uma condecoração.
Depois, fui Editor Chefe de Unitário e do Correio do Ceará,
posto de que saí, demitido estrepitosamente após haver escrito artigo
violento contra o Governador do Estado e o Reitor da Universidade que
estavam concluindo mandato. Dizia, a propósito, à época, ter sido atro-
pelado por um féretro. Aliás, dois, para ser preciso.
Neste período, o diretor comercial, por incrível que pareça, era o
Guilherme Neto, cuja amizade foi preciosa para enfrentar um ou dois
terremotos sentimentais que me acometeram. Ele escrevia gostoso, lem-
brando-me o estilo do Fernando Lobo, cronista e compositor de "Chuvas de
Verão." Adotava dois pseudônimos, o de Ivan Sodré e outro, deliberadamente
suburbano, de lvanise Santos. Eu andava demasiado prolífico, de modo que
desapropriei os dois. Escrevia adoidado. Ele, às vezes, copidescava minhas
crônicas. Muitas delas melhoraram muito e andam por aí fazendo algum
sucesso, graças a ele. Gostava de escrever, assinando principalmente Ivanise
Santos. O que levou o Geraldo Fontenele a me mandar, de gozação, carta
anônima, facilmente identificável, até pelo portador, o soldado Herculano
que trabalhava no Palácio da Luz, perguntando por que não me definia
como Oscar Wilde ou como uma das Catarinas da Rússia que acolhia, em
seu leito democrático, metade da Guarda Imperial.
Nos "Diários Associados", cumpri a parte mais importante de
minha vida de homem de imprensa. Porque, quando me transferi pra
Brasília, a fim de ser repórter de O Estado de S. Paulo, Oliveira Bastos
me confiou uma coluna política diária no Correio Braziliense, o mais
importante órgão da cadeia jornalística. Nele, falava mal do regime militar,
o que me fez conhecido na Corte. Houve até quem achasse que dei
alguma contribuição para o desmoronar da ditadura.
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O VELHO IAPC
DE COMIDAS E BEBIDAS
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amigos a quem pedi que o procurassem, quando me mudei pro Rio em
fins de 1966, pra quitação de pequena dívida que ali deixara.
Antes, a gente ia muito ao Drink Bar, de Irene, urna funcionária
dos Correios. Ficava ali na General Sampaio, esquina com a Praça Clóvis
Beviláqua, em diagonal com a sede da Gazeta de Notícias e da Rádio
Uirapuru. Ali, num atentado que rendeu manchetes, atribuído pelas vítimas
ao deputado Cincinato Furtado Leite, quase foram mortos a tiros Iranildo
Pereira e Clóvis Lacerda que sustentavam o PSD de Santana do Cariri.
Logo começava a andar pelo Lido, freqüentado pelo Lúcio Bra-
sileiro, que residia em frente, no Iracerna Plaza Hotel. E pelo "Tony's",
do Figueiredão, de enorme pança, ar bonachão, ali vizinho.
Quando me tornei responsável pela coluna "Resenha Política"
(o título não fui eu quem escolhi), o Central já se mudara para a Avenida
Beira-Mar, com o nome de Copacabana. Descobri que muitos de meus
personagens podiam ser encontrados descontraídos, soltos, no restau-
rante do Ideal Clube. Principalmente os deputados do PSD, PTB, depois
PTN, que apoiavam o governo Parsifal Barroso. Os udenistas, por motivos
que jamais descobri, eram mais caseiros, saíam pouco. Fiz, do local meu
reduto e ataquei, com tal intensidade, sua lagosta à baiana e seu uísque
escocês que, certo fim de ano, tive de bater às portas do banco, pedir
dinheiro emprestado pra quitar meus "vales".
Airton Napoleão lera que Antônio Maria, às vezes, escrevia a
crônica na pérgula do Copacábana Palace, e ficara impressionado com o
fato. Num sábado à tarde, mandou vir a máquina de escrever para que,
numa mesa do restaurante, eu produzisse minha coluna. Não deu certo.
A esse tempo, o restô se encontrava a cargo dum casal de judeus
húngaros, os Navratill, que aportaram ao Ceará com urna filha solteira, a
bela Hanna, pela qual muitos de nós andávamos perdidamente
apaixonados. Oriel Mota gastava, no local, seus subsídios de deputado
estadual, à espera de um olhar que jamais foi seu e, sim, de um aviador,
pois, a esse tempo, as moças viviam de olhos postos no céu.
Corno pagava minhas contas, possuía desembaraço para dizer o
que me dava nas ventas. Não gostei duma refeição e aproveitei um
artiguete para dizê-lo, com bom humor. Contava da exígua porção de
camarão que me fora servida e da pesquisa vã que empreendi, em meio
ao arroz, ao molho, às batatas, para encontrar algum crustáceo. O velho
Karell Navratill quebrou a cabeça, tentando entender a ironia.
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Era, então, jovem e não me apraziam apenas os prazeres da
mesa. Certo jantar, noite alta, céu risonho, como na velha canção, uma
moça, que se achava ao lado, com parentes e aderentes, deu pra flertar
comigo. Pois bem, a loura, pois se fizera loura com ajuda da botica, veio
à minha mesa. Logo depois estava em meu carro, a caminho da então
desolada praia do Náutico.
Quando chegou a oportunidade de explicitar-lhe minhas aspira-
ções óbvias, fingiu surpresa, fingiu enlouquecer, não sei mesmo o quê. E
saiu, gritando:
"É a carne. É só a carne."
Talvez supusesse a ingênua donzela que a houvesse levado,
naquele horário e tão prazerosamente, à solidão salobra da praia, atrás de
peixe, de camarão, de lagosta. Não sei. Nunca o pude entender.
Depois, a casa ficou sob a responsabilidade de José Curi, que
encostara o alaúde com o qual esperava ganhar a vida em Fortaleza e
logo se fizera amigo de todos. Ele é que nem a cigarra da fábula, sem um
teto de seu e não apenas por conta do amor das cartas. O coração é
grande demais.
Basta contar que, durante algum tempo, se dedicou ao forneci-
mento de marmitas. O negócio até ia bem. Ele alegava, porém, não
querer estragar a comida que sobrava, que não era vendida. Assim deci-
diu matar a fome de alguns pi vetes que faziam ponto perto de seu trabalho.
No começo, eram cinco, seis. Depois uma multidão de crianças pobres à
espera da refeição. Claro que o negócio foi pro brejo.
Quando publiquei Fortaleza, meu amor, pedi ao fotógrafo que
captasse o Curi, em ação no comando do restô do Ideal. Pra minha
tristeza, ele não entendeu. Não quis. Por isso, o livro só traz retrato de
uma personalidade, a do Francisquinho, que morava de frente a nós, na
rua Rodrigues Júnior, aquele bodegueiro desquitado que, todo o dia, ia
namorar a ex-mulher.
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Tempos depois, o uísque dos sábados era à beira da piscina da
casa hospitaleira de Irene e Cláudio Martins, onde nos entretínhamos,
assistindo à costumeira polêmica do dono da casa com o bardo Otacílio
Colares. Ou, então, chez Milton Dias, na rua Coronel Ferraz, Praça da
Escola Normal, onde o grande cronista e doce amigo era vizinho de si
mesmo, pois morava parede e meia com a mãe.
Diarista era, nos crepúsculos, no restaurante do Savanah Hotel,
na Praça do Ferreira, com Danilo Marques. Em 1966, na disputa duma
cadeira de deputado federal, tive, porém, de fazer sacrifícios. Um deles:
deixar o uísque do crepúsculo pra sair com Mauro Benevides, em sua
camioneta Rural Willys, rumo ao subúrbio mais remoto, em busca de
votos. Ele detestava bebida e eu, que precisava de seu apoio, contenta-
va-me com o indigesto Campari. Não se esgotavam aí minhas humilha-
ções. Ao fim de nossas preleções eleitorais, o dono da casa, geralmente,
nos oferecia refrigerante quente pois, pobre como Jó, não tinha geladei-
ra. Mauro então passava a bola adiante: "Não quero, não, compadre,
porque estou empachado. Mas o doutor Lustosa aí é doido por Fanta."
Lá me cabia consumir a beberagem. A tais sacrifícios nos leva o povo.
QUASE PIGMALIÃO
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do veículo com dúvidas (aliás ele não nutria dúvidas, tinha era certezas)
sobre minha masculinidade. O que fazer? Nada.
Durante a campanha eleitoral, findos o namoro e as aulas na Facul-
dade, lá ia à casa apalacetada de Raul Carneiro, na Avenida Santos Dumont,
onde se reunia a corte de Carlos Jereissati. Depois que este se inteirava das
novidades do dia e despachava com o último correligionário, levava-o, no
meu fusquinha riscado e amarrotado, pra sua morada, na Tristão Gonçalves.
No peito e na raça, ele enfrentou a confederação das oligarquias
que receavam seu aparecimento, como força de renovação, e a ascensão
de Adail Barreto, tido como esquerdista, ao governo do Estado. Definiu
a vitória na capital com seu excelente (e inesperado) desempenho na TV
CEARÁ. Os que lhe viram a fala, lembram do seu gesto com as duas
mãos na direção do ventre, como querendo mostrar a tentativa de
açambarcar o Estado pelas correntes políticas tradicionais, agrupadas na
chamada "União pelo Ceará".O eleitorado o entendeu. Espalhou-se que
Álvaro Costa e eu havíamos bolado a apresentação que lhe rendeu a
vitória. Nada disso. É certo que ele treinou o programa conosco. Seus
efeitos especiais, como o gesto para condenar o "acórdão"", constituíram
surpresa até pra nós. O mérito assim foi só dele.
Que nem o do professor Morais, que Danilo Marques levou ao
nosso escritório e de Dorian Sampaio, para o promover de segundo su-
plente de vereador a deputado federal, doze anos depois. Toda a tarde,
ele ia nos pedir temas, sugestões e treinar sua apresentação no vídeo.
Aproveitou e melhorou várias propostas nossas, rejeitando, porém, mi-
nha idéia de dar um passeio no elefante do Jumbo (que vinha de ser
inaugurado em Fortaleza) pela Avenida Beira-Mar. Vamos ser justos.
Suas falas foram sempre melhores do que as do nosso roteiro. Conquis-
tou, assim, três mandatos consecutivos.
VERSATILIDADE
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"Que diabo. Pra outra o compadre Chico Monte não me pega.
Estou arriada, estou morta".
E contava:
"De manhã cedo, votei na Meruoca. Na hora do almoço, votei
no Jordão. E, agora, estou chegando do Patriarca onde também tive de
votar. Estou arrasada".
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seus métodos persuasivos. A sala estava repleta quando chegou Pordeus.
Chamado em voz alta pelo secretário, soltou o título sobre a mesa e foi
cascavilhar os bolsos, à procura dos óculos. Quando os encontrou, quan-
do os enganchou sobre o nariz, o título havia desaparecido. Foi a maior
discussão: "Deixei aqui. Não deixou. Alguém roubou. O senhor está me
chamando de ladrão? Me respeite. Não sou homem de duas conversas",
era o que se ouvia do bate-boca. E nada de reaparecer o título. Tudo
parecia resolvido quando o dissidente mete a mão no bolso da calça e
saca dele a segunda via do título de eleitor. Por esta, Luizinho não
esperava. Pálido de espanto, decepcionado, frustrado, só pôde estender
a mão à palmatória, murmurando:
"É, um homem prevenido vale por dois".
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mia de corda. E urubu não come mato". Ou, então, sentenciava: "As
lagoas do Ceará não tomam água porque são propriedade privada"".
Além de frases, alimentava projetos, um deles encanar o vento
da serra de Maranguape pra amenizar o calor que fazia em Fortaleza.
Pra viabilizá-lo, urgia eleger-se vereador. Candidatou-se. Foi à luta. Gastou
a sola do sapato no centro e nos subúrbios. Percorreu toda a capital,
distritos inclusive. Uma canseira. Trabalhão de candidato a deputado
federal. Veio a eleição. A apuração. Ele todo apetrechado, aparelhado
para registrar a vitória, em detalhado mapa, com espaço para cada uma
das urnas de Fortaleza. Aconteceu, porém, o que não se podia prever. O
desastre. Os eleitores se esqueceram dele. Firme na apuração, Zé-de-
Sales não arredava pé de seu posto nem pra beber água. Ia anotando,
zero, zero, zero. Os mesários perguntavam-lhe, de brincadeira:
"Quer que some?"
Já eram duas horas da tarde. Nenhum voto lhe aparecera. Ele
firme, na vigília. Um amigo, olhando o mapa, pontilhado de decepções,
se ofereceu pra substituí-lo:
"Zé, vá almoçar. Enquanto você almoça, fico em seu lugar, ano-
tando os votos." E continuou escrevendo zeros no mapa.
Mais tarde quando lhe perguntavam pelo resultado do pleito, não
dava o braço a torcer. Respondia, contristado:
"Não tive nem 400 votos".
Não estava mentindo. De fato, não recebera quatrocentos votos.
Apenas 18. (17/01/93)
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Obtive a mais calorosa solidariedade dos colegas de imprensa.
Deram-me notas simpáticas, elogios, torcida. Dois deles se encarrega-
ram.do livro de ouro, arrecadaram dinheiro para a campanha. Um outro,
Dorian Sampaio, no segundo mandato de deputado estadual, fez
dobradinha comigo, ele que, no pleito anterior, votara no homem mais
rico do Ceará, José Dias Macedo. Graças a seu prestígio, recebi votos
no interior, não, porém, o suficiente para me eleger.
Levou-me a Aracati. O que podíamos, porém, fazer ali contra
Abelardo Costa Lima, que continua a ser o dono das bolas e das camisas
e que, àquele tempo, disputava votos com outro descendente de família
tradicional, Ernesto Gurgel Valente?
Sem falar que integrávamos uma sigla maldita, o MDB, que
amedrontava o eleitor dos pequenos aglomerados urbanos. Aliamo-nos
a um enfermeiro, Mário della Rovere, líder populista que se dizia des-
cendente direto dum papa. Sei apenas que, no primeiro comício de que
participei, ousei denunciar:
"O Abelardo costuma dizer que não se incomoda com o que o
Dorian e o Lustosa falam. Acha que o povo do Aracati é como um
cachorrinho, que vai correndo se ele o chamar, estalando os dedos."
A coisa pegou. Pegou tanto que fui o candidato a deputado
federal mais votado na cidade.
É claro que nem tudo eram flores. Chegamos a um distrito
perdido cujo nome não resistiu ao olvido e não houve quem quisesse nos
acolher. Trepamos a um caixão de querosene e discursamos um pro
outro. Lembro-me de assim saudar o companheiro que havia sido expul-
so do programa de propaganda eleitoral gratuita na televisão porque se
metera a fazer gracinhas com as forças armadas, chamando-as de "Helenas
Rubinsteins da democracia": "Dorian Sampaio, pugilista da democracia,
boxeur da liberdade." Fomos e voltamos sem um aperto de mão de
qualquer dos moradores do lugarejo.
Dorian havia sido bem votado em Uruburetama, terra de Florinda
Bulcão. Levou-me lá com ele. Era praxe que os candidatos subissem a
serra, a cavalo. Há séculos, não montava. Tive de fazê-lo. A cavalgada
saiu da porta da casa de nosso candidato a prefeito, João Galdino. Eu,
candidato ao mandato mais importante na disputa, o de deputado federal,
não saí do lugar. O cavalo conhece o cavaleiro. O meu, ciente das
deficiências de quem o tentava guiar, empacara. Não havia jeito de fazê-
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lo andar. Era situação que não se podia admitir. Dorian voltou pra mo
dizer. Fiz das tripas coração e usei o chicote. Galopamos. Medo era o
que não me faltava, mas o ginete não desconfiou. Rendeu-se e nos
emparelhamos ao restante da comitiva. Cada vez que o cavalo, numa
descida, pisava em falso, o coração queria-me sair pela boca. Quando
sua pata escorregava numa grota, numa loca, lá embaixo esperavam-me
as fauces aterradoras do abismo. Ia, porém, em frente, sonhando com
as paradas para descansar as partes mais sofridas do corpo, chupar laranjas
da serra, deitar no friozinho do chão de cimento do alpendre das casas.
No meio da subida, ocorreu-nos ir à casa do Gabrielzinho, influente
cabo eleitoral. No pleito anterior, não tivera qualquer problema em votar no
Macedo. Como Dorian mudara de parceiro - quanto mudara! - se desobrigou
de apoiar seu companheiro de chapa. Vendera os votos ao Wilmar Pontes.
(O Wilmar negociava a compra em termos estritamente monetá-
rios, sem qualquer concessão ao romantismo. Acertava, por exemplo, a
aquisição de votos pelo equivalente a cem mil dólares. Aí o cabo eleitoral
acrescentava um "porém". Queria saber das nomeações que ele arranjaria,
das posições estaduais, das verbas públicas que conseguiria. Wilmar,
então refazia tudo, poupando-se aborrecimentos:
"Ao invés de cem mil, dou-lhe duzentos mil dólares com a con-
dição de você nunca mais me procurar."
Não sei se as palavras eram estas. O que ele queria era resumir
o acordo a dinheiro e não ficar devendo qualquer obrigação política ao
cabo eleitoral e ao lugarejo que habitava.
Pois bem. Gabrielzinho nos recebeu meio sem jeito, desconfia-
do. Sentamos no alpendre, jogando conversa fora. Era um papo
descozido que não ia nem voltava, não saía do lugar. O que ele queria
era ver-nos pelas costas. Nós, porém, estávamos famintos. Não havia
onde comer nas redondezas. Dorian, desembaraçado, cobrou:
"Não se come nessa casa, não?"
O anfitrião explicou que não nos esperava, não o havíamos avi-
sado, não sabia que vínhamos almoçar. Estava desprevenido.
"Qualquer coisa serve", insistiu Dorian.
Gabrielzinho resmungou algo, a respeito duns preás.
"Que viessem os preás", rogou Dorian.
Cozidos, n'água e sal, por um ex-correligionário, sem nenhum
intento de agradar, imaginem como ficaram os preás!
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Lembro-me de que, por baixo da modesta mesa de refeições,
havia intenso e desenvolto tráfego de cães e galinhas. Ainda quis encarar
o rato do mato. Não deu. O que fazer? Enquanto Dorian conversava
animadamente,joguei, com discrição, os bocados que me couberam, aos
pés, onde os cães domésticos os devoraram com valentia. Contentei-me
com pedaços de batata doce.
Só de mal, pra agravar meus padecimentos, de quando em vez
Dorian indagava:
"Está bom o preá, jornalista? Não se encabule, não. Mais um
pedacinho."
E tascava mais preá em meu prato.
Na volta, tentei descer de bicicleta. Foi pior, muito pior. Mais
arriscado. Afinal, não havia freios que agüentassem. O jeito foi, humil-
demente, voltar ao cavalo que, de longe, silencioso e zombeteiro, teste-
munhava minha rendição.
O bom e generoso povo de Uruburetama, berço de Florinda
Bulcão e de outras glórias cearenses, compreendeu a extensão de meu
holocausto hípico e procedeu, nas urnas, com justiça, ao ressarcimento
de minhas angústias, meus penares e minhas assaduras.
98
ganhar. Deixei-me levar pelo fascínio das causas perdidas, capricho que
não abandonei de todo.
Achando que abafava, dirigi logo telegrama ao patrão, Júlio
Mesquita Neto, anunciando o feito. Não sabia que a luta pela liberdade
era privilégio do dono. Como resposta, veio ordem para demissão imedi-
ata de O Estado de S. Paulo, que Carlos Chagas, meu superior imediato,
contornou, com habilidade mineira. Continuei no batente. E só nos fins
de semana, rumava para a campanha.
Pegava então a camioneta Alvorada, do Nenen, amigo de Cha-
gas Vasconcelos, e ganhava o sertão.
Em Poranga, num comício friorento pela manhã, uma
professorinha, carinhosamente, entoou "Parabéns para você". Estava
eu chegando aos quarenta anos.
Durante o comício de Sobral, na praça Dr. José Saboya, o sau-
doso Paulino Rocha anunciou o nascimento de minha filha, Sara, naque-
la tarde. E a nova brasileira foi saudada com palmas da multidão.
Em discurso no Mucuripe, mandei brasa no governo, com vee-
mência. Surpreso, Paes de Andrade telefonou para colegas de bancada
em Brasília anunciando: "Temos um novo Chico Pinto: o Lustosa". Chico
havia sido cassado pela veemência (muito justa) com que condenou o
facínora Augusto Pinochet.
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O bom humor não nos abandonou jamais. Nem sequer quando
Chagas nos levou a Miraíma e Cruxati, então remotos distritos de Itapipoca,
de acesso poeirento, em precárias estradas de piçarra. Para espancar o
sono, terminávamos entoando hinos religiosos. E estando Mauro
Benevides a bordo, bem se vê que a coisa era séria:
100
É claro, depois de haver haurido "a poeira balsâmica de nossas
estradas" - para usar expressão do Dorian Sampaio -, peguei o restinho
das férias e me mandei a Paris, a fim de consumir o pato numerado de
"La Tour d 'Argent".
IN ILLO TEMPORE
A cidade, que amo e de que falo tanto, não mais existe a não ser na
recriação de minha nostalgia. A geografia mudou. Já não há mais centro da
cidade, reunindo o governo, a prefeitura, a Catedral da Sé e o comércio.
Tudo se dispersou. Também as pessoas se espalharam, emigraram ou já
foram estudar a geologia do campo santo. O que remanesce são fragmentos
dispersos que vamos juntando, segundo nossas próprias e saudosas carências.
Passeio, sozinho, pelo antigo centro, pela Praça do Ferreira,
pelo antigo "quarteirão de sucesso" da cidade. Não mais encontro aquelas
personagens que o povoavam e coloriam, paquerando. Ou batendo
papo, o pé encostado à parede das lojas, dos cafés, das livrarias. Não
acho quem procuro. Talvez por isso mesmo reveja Fortaleza com os
olhos da saudade e busque o reencontro nas coisas de ontem Como os
outros nos vêem.
Como diz a velha canção: "É no espelho do meu quarto e no
olhar das mulheres que vejo a minha idade". Sempre penso comigo
mesmo quando vejo uma contemporânea e a acho tão acabadinha, tão
envelhecida: "O que será que ela está pensando de mim?" Mas não são
apenas as mulheres que nos enxergam, com os anos que temos. Os
marmanjos, também.
Algum tempo atrás marquei encontro com um amigo, à porta
do antigo Iracema Plaza Hotel. Ele atrasou-se e precisei partir. Ao chegar,
depois da hora, indagou do porteiro por mim. Sabem a resposta do
maldito?
"Era um senhor gordo, de óculos e de cabelos brancos?"
Fora assim que ele me vira.
Ou então acontece que você deixa um aparelho de som pra
consertar. No dia seguinte, telefona pro técnico para saber do resultado:
"Sou aquele rapaz que esteve ontem de manhã aí e deixou um
som pra consertar."
101
Há um silêncio embaraçoso do outro lado do fio, até que o técni-
co põe ordem no raciocínio e os pingos nos ii:
"Rapaz, não. Quem esteve aqui foi um senhor gordo, de óculos,
cabeça quase toda branca."
Pedro Nava costumava dizer que o primeiro sinal de que você
está envelhecendo consiste em achar os contemporâneos velhos. Quan-
do encontro aquele colega e o acho tão chochinho, tão envelhecido, na
iminência de virar sexagenário, logo me dou conta de que somos da
mesma idade e vou ao espelho em busca de consolação ou sofrimento.
É como sempre digo. O mesmo acontece às mulheres de nosso
tempo, as desejadas, as tesudas de trinta e tantos anos atrás. Tanto as
que nos deram bolas e nós, aí, pensamos, como pude querer tanto a
titular de tanto pé-de-galinha, daquelas pelancas, aquela flacidez? Quan-
to as que nos esnobaram, vingamo-nos em pensamento: pra que aquela
pose toda, tanto orgulho, para terminar - aliás nem terminar, pois é só
depois do meio-dia - no estado em que se encontram? Bem feito.
Não nos acontece, como disse no comecinho, refletir sobre o
que elas, eventualmente, estão achando de nós. Aí só me ocorre aquela
história cruel, atribuída ao padre Pita, ao final de sermão sobre a vaidade
humana. Depois de esbravejar contra tal pecado, o santo e riquíssimo
pastor pretendeu fulanizar, personalizar sua fala numa das senhoras pre-
sentes à missa na Igreja de Santa Filomena. Voltando-se para os fiéis
presentes, convocou uma das senhoras que havia sido miss, na década
de trinta, a se levantar:
"Dona Ivone, apresente-se."
Ela se adiantou e ele começou a expor sua tese da vaidade humana:
"Taqui, dona Ivone. Foi Miss Ceará. Foi considerada a mulher
mais bela do Estado. Foi fotografada para a revista O Cruzeiro Foi
desejada pelos homens. Invejada pelas mulheres. Agora prestem atenção
a este caquinho, ao estado a que ficou reduzida."
102
QUANTO ME FALTOU
103
o qual, se dizia, passava toda a semana. Uma vez, contrariando os
hábitos caseiros, aceitou convite para jantar no restô do Ideal, em minha
companhia. Não deu certo porque um colega bêbado e ressentido invadiu
nossa mesa e passou o tempo todo agredindo meu convidado. Nesse
tempo, cheguei ainda a ser amigo do Valdemar Alcântara, um dos "cardeais"
do PSD, o que foi considerado uma façanha, àquele tempo, porque o
austero homem público tinha cara fechada e nenhuma preocupação de
agradar. Na intimidade, era bom papo, irônico, bem- humorado.
Quem me municiava a coluna, cedinho, era o telefonema de
Wilson Roriz, líder do governo, um político de muito faro para assuntos
polêmicos, defensor da criação do Estado do Cariri. De tarde, ia conferir
suas informações com as dos udenistas Barros dos Santos, Edson da
Mota Correia, Guilherme Gouveia, Filemon Teles, José Napoleão, Moa-
cir Aguiar, Edival Távora, Cincinato Furtado Leite, Aquiles Peres Mota,
do pessepista Pontes Neto, do republicano Péricles Moreira da Rocha,
do integralista Pio Sampaio.
De noite, assinava o ponto no restô do Ideal. A bancada da UDN,
na oposição ao governo Parsifal Barroso, circulava pouco. Quem muito
aparecia, nos restôs do Náutico e do Ideal, eram os pessedistas, Vicente
Augusto, ainda hoje muito encontradiço no último, Stênio Dantas, Ernâni
Viana, Murilo Aguiar que, depois dos segundos drinques, começava a tocar
violino imaginário ou cantava comigo cânticos religiosos. Era preciso ouvir-
nos, na madrugada, encharcados de uísque e de Drambuie, cantando:
"No céu, no céu, com minha mãe estarei/ na santa glória um dia..."
Ou então: "A 13 de maio, na Cova da Iria/ Nos céus aparece a
Virgem Maria".
104
tal que desbaratou seu populismo, e, sim, um general, de oratória modes-
ta, Murilo Borges, vitorioso nas urnas daqueles tempos de excitação
esquerdista. Ele substituiria, no posto, outro militar, o general Cordeiro
Neto, que, na ditadura do Estado Novo, instituíra a "lata", trabalhos
forçados para presos, em construções do governo.
O jornalista Temístocles de Castro e Silva, homem forte do
governo, chegava mais tarde e sempre mandava abrir mais um litro de
bom "scotch" para matar a sede dos colegas menos afortunados.
105
tiros seguidos, do plenário, sobre um deputado que ocupava a tribuna e que,
providencialmente, se agachou, sem ser atingido.
106
GARANTIA DE FIDELIDADE
107
quelas a quem um só marido é muito pouco porque amor demais têm pra
dar. Maria Helena estava tentada a reescrever sua biografia, a mudar a
História, ou somente a nossa História. Por que não o fazer, por inteiro?
Tomei resolução. Aceitei-a tal como então se propunha: minha, somente
minha, na revisão conveniente do pretérito.
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fervoroso e ativo moralista, se soubesse da conspirata, botasse a boca no
trombone, pusesse tudo a perder. Como, nestes e noutros casos, pinta
sempre um espírito de porco, alguém o informou de que se tramava. Ele
nem hesitou. Apesar de acidentado, pulou do leito, pegou as muletas e se
mandou pro velho prédio da Assembléia. Ali, ao preço de muito sacrifício,
galgou os dois lances da íngreme escada. Fremente de indignação,
empurrou a porta do gabinete da conspiração e, dali mesmo, bradou:
"Celerados! Celerados!"
(A esse tempo, ainda se usava a palavra celerado).
Os outros se voltaram, surpresos, encabulados. Baixaram a ca-
beça. Não esperavam jamais a interrupção, tal o estado de saúde do
puritano, que era grave, menos grave, porém, que seu amor de pai.
Ele, aos berros, prosseguiu na condenação:
"Celerados. Vocês são iguais a ladrões públicos. Num Estado
arrasado, como no Ceará, ainda criam empregos milionários, arruinando
as finanças". Depois de concluir o inflamado sermão aos colegas silenci-
osos, com a sensação do dever cumprido, foi refazer-se da emoção no
cafezinho. Logo chegou ao mesmo local-dos inventariantes, esperta ra-
posa da UDN, o Zé Napoleão, que, depois de reclamar um cafezinho,
sem olhar pra ele, murmurou:
"Ingrato".
Como a vestal se voltasse, o "inventariante", ainda fitando um
ponto à frente, não o interlocutor, prosseguiu:
" Você é um ingrato, Renato".
Ante a curiosidade do outro, agora o fitou, para explicar:
"Enquanto você estava no hospital, sem poder se locomover,
seus colegas aqui se preocupavam com você. Até já haviam proposto a
criação de um lugar de taquígrafo pro seu menino, o Antônio."
O puritano soltou a xícara sobre o pires e ponderou:
"Mas o Antônio não sabe taquigrafia".
"Besteira", atalhou o outro. E o tranqüilizou:
"Aprende! Ora, um menino inteligente como ele".
Vergado ao peso do amor paternal, a vestal se rendeu.
Graças à sua compreensão, os quadros da Assembléia ganharam
taquígrafo operoso e competente.
109
UM QUARTO DE SÉCULO
Época
Tempo
110
Na missa, o padre Gotardo falou de um quarto de século. Era comigo.
Doeu. Doeu, sim, porque você agüenta vinte e cinco anos. Agora, um
quarto de século pesa sobre você como um rochedo.
Os vitoriosos
Virgens
REPETIR
111
primeiro lugar, em estar vivo. Depois, em me manter em condições de
vir, pelos meus próprios pés. Foi bom o reencontro. Rir, cantar, dançar,
jogar bolinhas de papel nos outros, restituídos, por instantes, só por
instantes, à atmosfera e à convivência de um quarto de século atrás. De
tudo, resta uma certeza vulgar: já tive 25 anos. E era bom. Nunca mais
terei de novo 25 anos e é uma pena. Há pouco, porém, que extrair o
possível do iminente cinqüentenário.
112
fotografias, faturas, encomendas, dois telefones pendurados no pescoço,
administrando o caos na mais perfeita lucidez!
Vinte e cinco anos depois, registro: ele tanto demorava a entregar
quanto a cobrar. E, afinal, bancou o empreendimento. Confiou em nós.
Não lhe demos um só níquel adiantado, inclusive porque não tínhamos.
Bom e correto Luiz Esteves, que Deus o conserve por muitos e muitos
anos, com suas pilhas de provas, papéis, seus inúmeros telefones e seu
inalterável bom humor!
Paris, abril de 1995.
A PRAIA DE IRACEMA
113
Dona Dolores percebessem, Antônio me pôs nas mãos um copo de
cerveja que entornei, gostosamente. Aí não parei mais.
Adolescente, recém-chegado de Sobral, ia, às vezes, ao Tony's
Bar, do gordo e pachorrento Figueiredão, vizinho ao extinto lracema
Plaza Hotel. Não posso esquecer certa manhã de domingo em que a
orquestra tocava alto, muito alto, "Esmeralda"", história de tremenda dor
de cotovelo. Praguejava o perdedor:
114
Conversa vai, conversa vem, disse-lhe estar pensando em me
candidatar a deputado federal. Entre goles de água mineral, ele não
conteve o entusiasmo. Me deu a maior corda. E apoio. Prometeu-me
ali, no ato, oitocentos votos. Nem mais nem menos: 800. Gratuitos.
Eu não precisava ir nem lá. Ele me traria o boletim eleitoral, com os
resultados. Agradeci, comovido. Era minha noite de sorte, apesar da
virada do carro.
Pois não ficou nisso.
Como soubesse que, no final do ano, terminaria o curso de Di-
reito, ofereceu-me um lugar de consultor jurídico de sua Secretaria.
Não terminariam aí as emoções daquela noite.
O parlamentar, que era também fazendeiro, estava mais ge-
neroso do que nunca. À certa altura, me presenteou com uma bezerra.
Uma bezerra de verdade, com quatro patas, dois chifres ainda
incipientes, cabeça, tronco e membros. Que estava, na fazenda, às
minhas ordens.
Suponho que o Brasileiro, mortificado, ouvia o ressoar das
espórtulas que a largueza do parlamentar lançava no pires do colunista
político, esnobando o cronista social.
Naquele ano, não fui candidato. Se fosse, teria, no mínimo, aque-
les oitocentos votos.
Ao me diplomar em ciências jurídicas, fui logo nomeado procu-
rador do IPASE, lugar que Carlos Jereissati, pouco antes de morrer,
pediu ao Jango e que Os ires Pontes, depois, tirou do mocó do Palácio do
Planalto para a notoriedade das páginas do Diário Oficial da União.
Resta-me a bezerra. Se ela era parideira e eu, tão sortudo quanto
naquela noite, deve ser mãe de numeroso rebanho de minha proprieda-
de, lá pras bandas do Jaguaribe.
Nem sempre, porém, na Praia de Iracema, a Fortuna me bafeja-
va assim. Também ali experimentei revezes. Depois duma festa, fomos
ao Estoril. Pedi um filé. O Brasileiro, um caldo de peixe. O meu
pedaço de carne veio duro, duro, como pedra. Lutei inutilmente contra
sua rijeza. Perdi. Reclamei ao garçom. Ele, resoluto e pragmático,
resolveu, na horinha, o problema, anunciando: "Vou buscar uma faca
mais amolada".
115
O BAIRRO DE JACARECANGA QUE CONHECI
116
"Seu filho, Chico Philomeno, não acha caro. Porque me dá
uma nota de cinqüenta e me manda guardar o troco."
Sem saber o que dizer, saiu-se com esta:
"É que ele tem pai rico. Eu, não."
Um de seus operários encontrou, no pátio da fábrica, nota de quinhentos
mil réis que, àquele tempo, equivalia a um bom dinheiro. Veio-lhe entregar e
ficou esperando a gorjeta. Nada. Despedindo-o rápido, Pedro disse:
"Vá andar mais, para ver se o sô acha mais dinheiro. Isto é lá
dinheiro que se ache. É muito pouco."
Um de seus capatazes era chamado, com freqüência, à Polícia,
para responder a acusações de defloramento. Pedro recriminou-o:
"O sô está faltando muito. O sô está querendo mudar minha
fábrica? Minha fábrica é de tecidos, não é de menino, não."
Doutra feita, para estimular os operários que trabalhavam numa obra
de construção civil, na fábrica, disse-lhes naqueles tempos de guerra fria:
"Trabalhem direito, sôs, que, quando o comunismo vier, tudo
isto será de vocês."
117
Meu jegue, não!
118
O SAGÜI QUE VIROU CARVÃO
As vaias no sol
119
Uma penosa imolada
120
Pula! Pula!
Também não vi, mas soube do caso do cara que subiu à torre da
TV Ceará para se suicidar. Embaixo, começou o aglomerado. E as pes-
soas, sôfregas, por emoções fortes, passaram a pedir o suicídio: "Pula,
pula!" Foi, inicialmente o grito de um só que surpreendeu os presentes
antes que todos, uníssonos, passassem a reclamar pressa no desfecho.
Pula logo!
Um rapaz, de pasta de executivo, olhou o relógio e reclamou
impaciente: "Pula logo, senão não vou poder assinar o ponto". Foi quan-
do o suicídio se consumou. Talvez para que o outro não perdesse o dia
de trabalho.
121
termina alguém acreditando e quem ganha com isso é minha imagem.
Pros outros, chamei o Dorian Sampaio, o Milton Dias e o Frota Neto,
movido pela mesma motivação interesseira.
Blanchard é uma alma cheia de cordialidade e ternura. Já expli-
co a razão de seus exageros em relação a mim e que muito me como-
vem. Nem pensem que não curto as referências que ele me fez. Gosto
muito e as mostrei, todo feliz, à filharada. Fui seu substituto na PRE 9
e muito me honro disso. Anos depois, era Editor-Chefe do Correio elo
Ceará e do Unitário e ele tivera o mandato e os direitos políticos
cassados pelos militares. Pra ganhar o pão de cada dia, andava pelos
subúrbios do jornalismo. Dava forma literária às reportagens publicitá-
rias que a Eme Socorro fazia no Norte do País. Era um desperdício
Um trabalho quase braçal. O Correio estava sem cronista, desde o
desaparecimento do Caio Cid. Pra melhorar o jornal, sugeri que
Blanchard o substituísse, com sua prosa apurada, do agrado de muitos
de nós, havia muito tempo. Eduardo Campos, apesar de um dos líderes
dos acontecimentos de 1964, não levantou qualquer objeção. Não fiz
nenhum favor ao cronista como, erroneamente, ele pensa e escreve.
Foi ato de esperteza conquistar um grande profissional pro jornal que
dirigia e que ninguém se lembrara de acolher. Era, decerto, um brasileiro
exilado no próprio País por motivos políticos. Ele passou a escrever
páginas suaves, poéticas, de bom gosto, como todos esperávamos. Não
fui, assim, nenhum herói a desafiar a situação e não fiz nenhum grande
obséquio ao colega.
Quem ganhou foi o Correio elo Ceará. E isto qualquer pessoa
reconhecerá, ao ler os exemplares daquela fase. Nesse tempo, suponho
haver dado ainda algum estímulo aos estreantes José Augusto Lopes e
Leda Maria. Apenas porque identifiquei neles suas potencialidades e tenho
sobejas razões para crer que não me equivoquei. Não fosse eu, mais
cedo ou mais tarde, alguém terminaria vendo os talentos de ambos.
Luiz Carlos Aguiar, quando esteve aqui, jantando conosco no Le
Grand Café Capucines, sugeriu que eu fizesse o lançamento nos salões
do Ideal Clube, em cujo restaurante passei (passo ainda) tantos bons
momentos de minha vida. Dessa vez, vou trair o Náutico Atlético Cearense,
do qual fui empregado e onde tenho lançado outras obras. Só me mortifica
um pouco é que, graças a Deus, tenho lá, na sua presidência, outro
amigo, o Stênio Carvalho Lima.
122
No silêncio das madrugadas, reescrevo as páginas sobre acida-
de amada e seus personagens no meu Pentium. Só não encontro aquela
que escrevi sobre a morte do Dário Macedo, "Estão chamando minha
turma", que o Edson Filho achou muito pessimista. Vou pedir os bons
ofícios da Soninha Pinheiro para localizá-la. Qualquer dia, eu as mando
de volta, uma obra à procura de um editor.
Não é um livro sobre os sete pecados da capital. Estes são encargos
do Luciano Diógenes. Como o Santo Ambrósio da lenda, mencionada
por Eça, que não quis ver o câncer que corroía o seio da mulher que
amava, eu também só vi os encantos ensolarados da cidade amada. Não
faltará quem, com autoridade maior, denuncie suas mazelas. Fiquei com
a parte do elogio, da louvação.
Foi bom reler e reescrever algumas destas páginas e, assim,
mergulhar naquele tempo que passou e do qual só quero lembrar as boas
coisas vividas. Vou fazer força pra estar vivo até o lançamento (e depois
dele também) em que desejo reunir o maior número de pessoas queridas.
Até aquelas a quem o Marcelo Linhares se refere, dizendo que "há trinta
anos não saem de casa."
Paris, abril de 1995.
123
Por outras vias, terminei chegando lá e ficando por seis anos.
Quando Itamar Franco tomou posse, Mauro indicou o novo presidente da
instituição, o Melo, que, logo depois, me telefonou para informar que um
cara comprara centenas de milhares de ações só pra ser conselheiro. Queria
porque queria meu lugar. (Só a mim acontecem tais coisas !). À noite, vou
a jantar, em homenagem ao colega Francisco Baker, secretário de imprensa
da Presidência da República. Mauro, ao me encontrar, pergunta se sei dos
perigos que rondam meu posto. Digo-lhe que sim. Anuncia, porém, que
falou, sério, ao Melo, a meu respeito. Citou até Camões:
"Pedi a ele todo engenho e arte pra você continuar no banco."
Não continuei.
Devo, porém, dizer que este negócio de conselheiro não é bom
pra pobre, não. Por causa de minha eleição, "seu" Costa logo perdeu o
direito ao cheque garantido ("o conterrâneo") que usava, há bem vinte
anos. Assim como o cunhado e dois irmãos, todos funcionários
concursados do BNB.
Não nego, porém - seria insincero fazê-lo -, que experimentei
certo conforto como integrante do Conselho de Administração do Banco
do Nordeste. O negócio foi o seguinte. Meu dinheiro encurtou brutal-
mente nos tempos de Collor. O preço do caviar e do escocês, se não
aumentou, não baixou um centavo. Andava vendendo a alma. Como sou
cara escancarado, todo mundo ouvia minhas lamúrias. Uma vez, queixava-
me de tais percalços em reunião do Conselho, quando o Célio, advogado
do banco, me restituiu a moral de antigamente.
"Mas você é banqueiro."
124
EU E O TCU
125
'Se, por acaso, tu estivesses com AIDS."
Tem gente, porém, que o faz com a maior naturalidade. Um dia
desses, falava-se sobre pena de morte. Eu era (sou) contrário. Ao ouvir
meus argumentos, um parlamentar apelou:
"E se uma filha tua fosse seqüestrada?"
Aí não me contive. Contra-ataquei no ato:
"Por que não a tua?"
Outro faz a mesma proposta:
"Vamos supor que estás na UTI, desenganado e..."
Você tem mais é que jogar bruto na volta:
"Por que não és tu que estás na UTI, sem mais qualquer
esperança?"
126
homem, com medo de que o tomem por veado. É engraçada tal
insegurança.
127
Os mais novos não sabem de quem se trata. Nem podem. A
dona da "pensão alegre" mais luxuosa da cidade, afastada pessoal e
profissionalmente das lides, é, agora, grave senhora, que freqüenta os
clássicos e fala do sucesso dos filhos.
128
Meu primeiro emprego, em Fortaleza, foi na Gazeta de Notí-
cias. A folha, comandada por Olavo Euclides Araújo, independente e
desabusada, tinha seus fãs. Um deles, o médico amazonense Vinícius
Gonçalves. Ia lá, todas as noites, bater papo, sempre de charuto na boca.
Gabava-se, para nosso espanto, de fumar vinte deles por dia.
Logo depois, repórter político, freqüentava o restô do Ideal. Às
vezes, quem descia do cassino, onde jogava, era o ex-prefeito Acrísio
Moreira da Rocha, cujas primeiras conversas costumavam agradar. Ele
falava, falava, falava e quando ia acender um Hollywood sem filtro no
outro, punha a mão na boca do interlocutor para não ser interrompido.
Muito tempo depois, tive escritório vizinho ao ex-governador
Plácido Castelo. Pois bem, o homem que chegara a lugar tão alto na vida
pública virava um menino, ante o vício. Fumava no banheiro, escondido
de médicos e filhos.
Fumei muito, fumei desbragadamente e foi muito prazeroso fu-
mar durante tanto tempo. Tem mais: vou-lhes confessar. Ainda hoje sonho
que estou fumando. Primeiro, resisto à tentação. Depois me rendo
gostosamente a ela, dizendo a mim mesmo: a gente morre de qualquer
jeito por que, então, não fumar?
Quando acordo, fico na maior dúvida: vou ao pneumatologista
ou ao analista?
Parei. Hão de dizer ante fumante tão voraz:
"Que força de vontade!"
Foi nada. Foi medo mesmo. Da primeira e única vez em que me
hospitalizei por conta dum susto do coração. E olhem que quando, no
Instituto do Coração, a médica Maria Helena começou a examinar a
maçaroca de radiografias, perguntei-lhe inquieto:
"Como é? A coisa está muito preta?"
"Por quê? Você fuma muito?"
"De sessenta a oitenta cigarros por dia."
"Pois nem parece."
Vocês pensam que isto me tranqüilizou? Nada. O medo era tal
que pare1.
129
cirúrgica na aorta. (Como vêem, os cirurgiões cardiovasculares há muito
andam de olho em mim, brandindo seus afiados bisturis). Perguntei-lhe se
podia esperar. Disse-me que sim. Podia. Ainda hoje ando fugindo deles.
Mas não era disso de que queria falar. Dez anos depois, o grande
profissional deu-me a honra de ir lá em casa. E para que o prazer fosse
maior veio com outro pernambucano, o gentil-homem Marcos Vilaça.
O médico tinha sede. Dessedentamo-nos juntos. Mais: ele lan-
çava-me, desafiador, baforadas gostosas de seu "Hollywood"", matan-
do-me de inveja. Ainda assim resisti.
Era tudo o que tinha a dizer sobre o tabaco. Parece matéria paga
da Souza Cruz, mas nem é. É que não tenho autoridade, não posso falar
mal de quem sempre me fez boa companhia, me proporcionou prazer
por tanto tempo.
Que saudades ainda tenho do cigarro!
130
facalhão do açougueiro e que só a ele se rendera, por fim exausto, sob
uma condição:
"Mate-me se eu for me tornar um produto Raphael".
Não foi, exatamente, assim, embora todos conheçamos as quali-
dades cênicas do sócio que, em tempos de jovem, chegou a fazer teatro.
Lembrei-me, porém, dessa fase de nossas existências, vendo, aqui, em
Paris, o outdoor dos produtos Noblet. Um porquinho se debulha em
lágrimas, enquanto uma menina procura consolá-lo:
Pleure pas grosse bête, tu vas chez Noblet.
A cada vez que me pilho, sem ter o que fazer, passeio no
Boulevard Saint Michel, no Quartier Latin, ou nos Champs Elysées. Os
filhos me questionam se não me canso, se não enjôo do programa. Que
nada! Ir ali, pra mim, constitui sempre novidade. É como se fosse sem-
pre a primeira vez.
É claro que vivi, noutros locais, emoção mais funda. Talvez por
mais rara. Foi, em certo crepúsculo, num verão distante, em Veneza, ao
entrar no ambiente majestático da Praça de São Marco, quando ali se acendiam
todas as luzes da cidade dos doges. Ou, então, aquela outra experimentada
quando, em 1974, pela primeira vez, pus os pés na Catedral de Westminster
e caminhei, por cima da lápide do túmulo de Isaac Newton. Emocionado,
ainda consegui brincar com Antônio Lúcio Carneiro:
"É mesmo o Newton? Aquele da maçã?"
Era.
Isso, porém, não me impede de sentir saudades das caminhadas
matinais pelo centro de Fortaleza, deixando-me acariciar pelo vento do
Aracati, ao entrar na Praça do Ferreira, vindo pela Floriano Peixoto,
depois de passar na sapataria do Citó e na joalheria do Pedro. De parar
em "A Leão do Sul" pra tomar um caldo de cana com sabor de antiga-
mente. Comprar jornais na banca do Bodinho. Perguntar pelo livreiro
aposentado Luís Maia, que saiu de Fortaleza para Recife, ou pelo poeta
Alcides Pinto, que trocou a cátedra universitária pela criação de bodes
em Santana do Acaraú. Rever o velho prédio da Assembléia onde fui
repórter e vivi tão bons momentos. Passear pela Praça dos Leões. No
finzinho da tarde, procurar o banco dos "velhos" na Praça do Ferreira,
dando pra Farmácia Oswaldo Cruz. Enfim, saio, pelaí, tentando recolher
pedaços de mim mesmo, espalhados ao longo do caminho.
131
PORQUE NÃO FIQUEI MILIONÁRIO
132
Por algum tempo, o arguto homem de imprensa viveu a euforia
de milionário. Tinha um sítio. Quarenta e cinco hectares de boa terra,
pras bandas de Paracuru e o plantou, todinho, de urucum. Já se conside-
rava o rei do urucum. Via-se filmado no "Gente que faz" do Bamerindus,
em meio às suas plantações. Imaginava-se homenageado pela Organiza-
ção Mundial de Saúde pela propagação do corante natural, pelo combate
indireto que, assim, movia ao câncer. Contemplava, em pensamento,
toneladas de sacas de urucum, no porto do Mucuripe, indo pra Hollywood
maquiar os peles-vermelhas dos filmes, temperar e colorir a macarronada
dos gringos, o arroz dos milhões de chineses, de japoneses. Venderia
colorau para todo o mercado norte-americano, europeu, pra gregos,
troianos e goianos.
Só não lhe ocorreu insignificante detalhe, em meio a seu sonho
de grandeza: a chuva. O urucum precisa tanto d' água quanto nós, huma-
nos e desbotados. Ele não sabia disso, de que precisava, como todo
agricultor - vá ser ele rei do urucum ou plantar uvas no Ipu - de chuva,
das bênçãos de São Pedro. Como de hábito, houve seca no Ceará. O
certo é que o plantio todo gorou. Ele não tirou, de seus quarenta e cinco
hectares, um cacho de urucum. Uma lata de colorau. E ainda teve de
encarar a postura glacial do Banco do Nordeste, uma casa bancária sem
nenhum apreço pelos sonhos, pelos delírios dos clientes.
Com tanta adversidade, como é que a gente pode virar milionário?
133
venceu-se de que seria primeiro-ministro, mentor, dono do governo. A
muito custo, o máximo que Jânio Quadros lhe arranjou foi emprego de
embaixador itinerante junto aos países do Leste.
Quando trabalhei no Diário de Notícias, já estava falido. No
entanto, quando descia no elevador na companhia de algum
funcionário, não se dignava dirigir-nos o olhar. Não nos
cumprimentava. Nem nos pagava.
O encarregado de nos dar um "vale" esporádico e de nos levar
na conversa e, decerto, aos outros credores, era o mineiro Severo Pi-
nheiro da Fonseca, que, malgré tout, conseguia ser benquisto.
Claro que a incompetência e a pose de João Dantas levaram ao
naufrágio o Diário de Notícias que quando chegou a cair em suas
desastradas mãos era um dos melhores e mais respeitados jornais do Rio
de Janeiro.
134
Contei inúmeras vezes, mas repito sempre, pois, como Nelson
Rodrigues, sou flor de obsessão. Tive um relógio que durou em meu pulso
o espaço de um amor. Infeliz como pedra de esgoto, mal-atado, muito mal
pelo Código Civil, amei. Amei uma criaturinha mais moça que eu, de mais
simples alma e a Deus agradeço. Ela foi água fresca na sede, agasalho no
frio, conforto do oásis no deserto. Eu andava precisado, como andava.
Muito lhe devi e devo naqueles tempos inóspitos. A moça, porém. Era
noiva e o noivo, intolerante. Sabem o que fez, movido pelo despeito, pelo
ciúme? Certa madrugada, contratou um caminhão, um piano, um pianista,
um cantor e se mandou para a casa de (nossa) amada. No silêncio e na
bruma, feito Cyrano de Bergerac, fez o seresteiro cantar, dez, vinte vezes,
"Nono mandamento". Aquele tempo quase não passavam carros e a voz
acusadora agredia o silêncio: "Você traiu o nono mandamento, o nono da
nossa lei". E terminava, cretinamente, pedindo "consolação para um, feli-
cidade para dois". Não era, porém, disso que ia falar.
Há indícios de que ela me amava. Enchia-me de presentes. O pai
operava na área de importação. Sem qualquer burocracia, o que, às vezes,
o punha em dificuldades compreensíveis até à incompreensível aduana.
Ela foi ao lote de mercadorias dele e dali tirou um Mondaine que me deu.
Usei-o, durante o tempo feliz de nosso complicado amor.
Teve pior: pouco antes de trocar o Senado pelo Tribunal de Con-
tas, Henrique de La Rocque me chamou a um canto para me dar um
relógio "que marcasse minhas horas de felicidade". Disse-me ele com
carinho de tio. Foi um vexame. A relação, aqui, era naturalmente outra.
Não usei o presente. Morria de vergonha, porém, de quem me dera. E
passava pelo saudoso senador, escondendo o pulso para que não pensas-
se que desprezara seu presente. É que a gente já anda tão sobrecarrega-
do de responsabilidades e de objetos que quando se pode livrar de umas
ou de outros, nem hesita. No tocante a relógios, é fácil. Inclusive porque
o vizinho sempre anda com um, em que você espia pelo rabo de olho.
Quando somos jovens, temos em relação ao tempo a impaciência
de credores. Estamos sempre querendo que ele corra. Para que chegue logo
o carnaval, a Semana Santa, as férias de julho, o São João, então depois dos
"bros", o tempo voa. Até o Natal. Até o réveillon. Quando damos fé, estamos
um ano mais velhos. É quando passamos a nos portar como devedores.
Embalamo-nos na esperança de que o Banco esqueça o dia do vencimento
da promissória. Ou, então, passamos a pleitear prorrogação.
135
Ainda hoje sou dos apressados, reconheço minha culpa, minha
máxima culpa. Nem posso recriminar os outros. Nos tempos em que
trabalhávamos juntos, Guilherme Neto costumava me perguntar porque
vivia tão sofregamente: "Tens muito medo de morrer'. O quanto, po-
rém, se perde em amar tão depressa, beber tão rápido, ler e viver corren-
do, ao invés de curtir mais, usufruir mais cada oportunidade de prazer.
Inclusive porque ela pode não se repetir. Para que, então, andar tão
velozmente atrás das voltas do relógio?
É o que tenho vontade de dizer a essas meninas de hoje, Raquel
e Sara, em particular, que nutrem desejo tão intenso de se despedirem,
logo, desses tempos amenos e leves. Para que tanta pressa em deixar de
ser criança? Para que a angústia de ir logo à frente, chegar logo à
faculdade, formar-se, ingressar cedo na rotina do trabalho ou na frustra-
ção do desemprego? Para que trabalhar tão cedo? Dar duro pelo pão de
cada dia, casar? Agüentar marido que, muitas vezes, somente produz
desgosto e roupa suja? Limpar cocô de neném. Chegar logo à idade da
gente e ficar com bruta vontade de negar? Ah! Peçamos ao tempo que
maneire, ao relógio, que está certo, não pare, mas que, pelo menos, não
voe. Peraí, não curti a vida como devia, como merecia, uma outra opor-
tunidade, sim, porque somente, agora, aprendi a amar, a beber, a viver, e
quando não me resta tanto e a cobradora implacável, senão está às portas,
avança a passos largos?
136
dourado do uísque. Quem consome, porém, assim, não tem paladar
requintado. Por isso mesmo, quando o Brasileiro, certa vez, para me
homenagear com carinho fraterno, abriu um Royal Salute, protestei: "Não
mereço". Como ele sabe que humildade não é o meu forte, quis saber
por quê. É que uísque de qualidade deve ser servido puro. Sem gelo.
Comporta, no máximo, água fresca da Irlanda, bebida em separado, após
cada gole. Agora, com quatro, cinco pedras de gelo, vira sangria, garapa.
É a mistura que me permito.
É fundamental que o gelo venha de água limpa, filtrada e que
não seja tocado pelas mãos de ninguém. Porque muito barman não se
manca. Não tem educação social nem formação profissional e, por isso,
coloca pedras de gelo com as mãos, em nosso copo. Sabe Deus onde,
antes, pusera as mãos.
Fernando Sabino conta que, em bar de luxo, em Nova York,
vendo cidadão ansioso por se relacionar, meter o dedo no gelo de seu
uísque, indagou: "O senhor é brasileiro? O outro, mais que depressa,
continuou e perguntou: "Como é que o senhor descobriu?" O cronista
lhe explicou: "Porque só o brasileiro faz a porcaria de mexer com o dedo
o gelo do uísque... "
O uísque deve ser sorvido em companhia leve, longe dos sectári-
os, dos fanáticos, dos obsessivos, dos que querem prolongar, na mesa do
bar, o expediente do trabalho ou problemas profissionais. Dos que
pretendem impor-nos sua opinião. Dos que falam muito alto, por
exibicionismo, por falta de educação. Cumpre, pois, buscar companhias
leves, saudáveis, que privilegiem o lado ameno da vida. Cuja conversa
tenha sal, senso de humor, que te enriqueça, que não te jogue no colo
problemas e dramas. Certa vez, um bom bebedor de uísque estava a um
canto do bar, fugindo de companhias, quando lhe indagaram o porquê da
solidão. Explicou: "O uísque está muito caro. Não posso desperdiçá-lo
na companhia de chatos". É a lei fundamental, é o primeiro mandamen-
to, exigência sine qua non: fuja do chato como o bode da chuva, o diabo
da cruz. Há dias, fiquei em pânico diante da perspectiva de que um
desses me viesse, no bar, baixasse no meu centro e desfizesse uma roda
que era toda harmonia, toda bom caráter, toda alto-astral. Mais cuidado,
portanto, com os que têm contas a ajustar com a vida, os que guardam,
lá dentro, como animais de estimação, suas mágoas e suas frustrações e
somente querem, do álcool, liberação. São pessoas atormentadas que
137
apenas sossegam quando jogam seu tormento sobre os outros que nada
têm a ver com isto. Ao longo dos anos, tenho bebido tonéis e sempre em
boa companhia. Desde o primeiro pileque, em casa de Agenor Rodrigues,
com Hélio, filho do anfitrião já falecido, Antônio Rangel e Oswaldo Rangel.
Todos os copinhos de vodka (nacional, bem se vê) num jantar no Kremlin,
com Flávio Marcílio, uísque no Palácio de Westminster, com o presidente
da Câmara dos Comuns, Sarney e Accioly Filho. Bom champã com
Thomaz Coelho, no La Tour D'Argent, e com Norton Macedo e Ary
Kffuri, no Maxim's. A cachaça de Chico Caldas, em Viçosa, com Tarcísio
Tavares e o abstêmio Arialdo Pinho. O álcool não me torna valente nem
arruaceiro. Não me leva a meter a mão no decote das mulheres dos
amigos. Nem a dizer grosserias que não diria, sóbrio. Torna-me, porém,
mais romântico, dá-me o desejo de curtir música sentimental, nostálgica.
O álcool me tem sido boa companhia, na euforia das comemorações, nos
instantes crepusculares em que a gente saca que a vida está feia e não dá
para agüentar. Aí, então, você vira um pouco de Deus. Decreta, por
conta própria, morte interina, provisória, mergulhando na garrafa os
gnomos, os duendes, os fantasmas que o perturbam. Mais tarde, acorda
e vai à luta, com um Vallium número dez ou Old Parr de boa origem.
Ninguém pode considerar-se definitivamente infeliz ou totalmente perdido.
Tem, sempre, possibilidades de ganhar o reino dos céus.
20 ANOS DE BRASÍLIA
138
aquela confortável rotina ia-me levar à estagnação e decidi me picar,
sem nada avisar ao sócio. Antes, passei uns meses em Paris, num apar-
tamento de sexto andar na rue de Montparnasse, sem elevador, pra me
desarmar, não chegar tão chucro à capital da República.
E foi, no segundo dia de dezembro de 1974, numa segunda-
feira, que desembarcamos no aeroporto internacional de Brasília, onde
Gláucia, então casada com Fernando César, nos esperava com um bouquet
de lindas rosas. Fernando já me conseguira, com Carlos Chagas, lugar na
sucursal de O Estado de São Paulo e apartamento provisório onde me
alojar, do qual involuntariamente "expulsei" outro que se tornaria também
excelente amigo, Sérgio Chacon. Já lá vão vinte anos. Os Mesquitas
precisaram de I4 anos para descobrir que eu não servia. Assim "caí
com toda a equipe, quando Chagas deixou o suave comando. Tão ameno
que uma das colegas daquele tempo, Hebe Guimarães, que passou longa
temporada na Europa, quis-nos reunir numa festa das "viúvas de Chagas",
para a qual obteve adesão pressurosa de quantos trabalharam com ele
naquele tempo.
Quando tentava morar em Brasília, sobreveio o golpe. Lembro-
me de haver escrito vários artigos contra a sedição e a gorilada, que
foram assinados por Alberto, irmão já falecido, à época jornalista
conhecido na capital. Por conta disso, ele entrou no chamado IPM do
Arcebispo, instaurado contra os que, como dom José Newton, se
haviam pronunciado em defesa da legalidade, através dos microfones
da Rádio Nacional. Dez anos depois, assisti à interminável agonia da
ditadura militar, à eleição é à morte de Tancredo Neves e à deposição
de um presidente, acusado de corrupção (lembro, a propósito, haver
levado Carlos Eduardo a ver o plenário do Senado convertido em
Tribunal. Naquele instante, em que lá entramos, discursava o austero
Antônio Mariz).
Em Brasília, no tempo do Oliveira Bastos, escrevi coluna no
Correio Braziliense ao qual devi (e devo) a divulgação de meu nome na
Corte. Aqui se criaram meus três filhos da segunda ninhada, a primogênita
Raquel, já cursando escola superior, ganhando seus trocados como
professora de inglês; a bela Sara, iluminando, com seu sorriso, os
crepúsculos de domingo do Gilberto Salomão. Fiz muitas amizades - o
que sempre acontece onde quer que vá. Liguei-me tanto à cidade, embora
costume dizer que moro mesmo é no Congresso, na Câmara e no Senado,
139
e não no Plano Piloto - que só a trocaria, hoje em dia, por Paris, o que
ora faço. E assim mesmo temporariamente. É tal a afeição que lhe voto.
Só me falta, agora, perpetrar o livro sobre a capital que ainda
não conheço bem, circunscrito que tenho vivido ao mundo político. Vou
saber do Carlos, como o batizo: Brasília, meu xodó ou Brasília, meu
maior amor? Afinal, em seu chão passei o período de tempo mais com-
prido de minha existência. ( 12/03/95)
AS TRAGÉDIAS DE 31 DE MARÇO
140
MORRI E NÃO SABIA
141
"Renan Miranda, editor de O Globo".
Muito na minha, dirigi-me, discretamente, ao barman, reclamando
meu scotch.
O colega, no entanto, queria papo e me interpelou:
"E você, quem é?"
"Não sou ninguém, não", respondi, com hipocrisia, com falsa
modéstia, tentando me esquivar do papo.
Ele insistiu, tenaz:
"Você não escrevia 'Lustosa da Costa Informa', no Correio
do Ceará?
Quase caí para trás. Ele continuou:
"Trabalhei com o Dorian Sampaio, na Gazeta, e com o Costa,
em O Povo".
Ante minha admiração, lembrou que havíamos sido contempo-
râneos na Faculdade de Direito do Ceará:
"Terminei em 1964 e fui o orador da turma. Trabalhei em Reci-
fe, no Diário de Pernambuco, na Veja e, agora, estou no Globo".
Perguntei-lhe:
"Como é que sendo nós cearenses nunca nos encontramos em
Fortaleza?"
Ele negou fosse cabeça-chata.
"Nasci em Cajazeiras, da Paraíba".
Foi demais. Puxei da carteira de identidade para provar que
também deixara o umbigo enterrado em Cajazeiras. Não pude, assim,
por força de tantas coincidências, recusar atender a seu convite para
esticada, madrugada adentro, em "A Parreirinha de Alfama", onde fomos
ouvir o fado de dona Argentina. Valeu a noite.
Ao chegar a Lisboa, liguei para Tarcizo Azevedo, ex-dono do
Sandra's e do Dunas, que está tentando montar resto cearense, em
Lisboa, na Rua do Salitre, bem pertinho do hotel em que me hospedo.
Ele me informa que o administrador geral do Banco do Brasil, Emílio
César Burlamaqui, nos quer oferecer jantar em "O Escorial", onde já
passei um final de ano, alguns tempos atrás. Quando me defrontei com o
anfitrião, perguntei-lhe se tinha parentesco com o coronel Emílio Roriz
Burlamaqui. Ele confirmou:
"É meu primo. Me hospedei muitas vezes em seu apartamento
no Rio, quando ele morava na Rua Santa Clara".
142
Quando lhe indaguei onde morava, respondeu que no bairro das
Amoreiras.
"Rua Amoreiras, nº 80? Vizinho do José Hugo Machado?"
Ele confirmou. E aí pude ver o quanto o mundo (ou Portugal?)
está ficando pequeno para os nordestinos.
143
Como era obsequioso o português! Passeava pelas ruas de
Amadora, numa radiosa manhã de sol. Quando a fome chegou, entrei, por
acaso, numa farmácia e indaguei o funcionário por um restaurante onde
pudesse fartar o bandulho com arroz de mariscos, bom como o do "Solar
dos Presuntos", às portas de Santo Antão ou do "Solar de S. Pedro", na
praça do Mercado de Sintra. O ajudante de farmácia, solícito, pressuroso,
gentil, saiu de seus cuidados, veio até a calçada pra me orientar.
Apontando um largo, dois quarteirões adiante, me perguntou:
"O senhor está a ver aquele sítio à frente?"
"Estou", foi o que pude responder.
"Pois não é lá".
Calei-me indeciso, à espera de que prosseguisse.
Ele, então, me deu a dica:
"Quando o senhor passar daquele largo, vai encontrar a estátua
de um cavalheiro, de costas. É logo ali".
Segui seu conselho. O estadista luso estava de fato de costas
para quem ia, como eu.
Fui ao "Nevada". Comi como um abade e encharquei-me do
Bucellas, o velho, e bendisse o Deus que criara o arroz de mariscos e os
ajudantes de farmácia.
Ao então presidente Sarney ocorreu episódio interessante quan-
do, ao lado de Marcos Villaça, fazia a ronda das livrarias, numa sexta-
feira, último dia útil de sua temporada lusitana. Perguntou por um livro.
Não havia, na casa, naquele instante. Gentil, o gerente se prontificou a
consegui-lo. O Presidente lamentou porque viajaria domingo.
E indagou, com derradeira esperança:
Vocês fecham, aos sábados?"
Prontamente, o livreiro negou:
" Não fechamos. Presidente".
"Como?" Sarney perguntou, surpreso.
Foi a vez do anfitrião explicar:
"Não fechamos porque não abrimos".
Hélio Matos, que foi secretário de Hugo Napoleão, participou
de interessante seminário de sua especialidade, realizado nos salões do
Tivoli da Serra, localizado em Sintra, com esplêndida visão de seus
choupais. Fez amizade com outro brilhante colega. Que, ao final do
encontro, quis lhe dar o endereço, mas estava sem cartão de visitas.
Escreveu, então, à mão:
144
"Nome: Joaquim Manuel Pereira
Endereço: Rua dos Ciprestes, nº 60
Telefone: não tem."
Deixamos Lisboa, com saudades. Vamos a Paris. Mais precisa-
mente, ao pato numerado do "La Tour d'Argent".
O maftre quer saber o que bebemos. Pedimos champã. Que
marca? Indaga. Norton Macedo nem hesita:
"O melhor".
Peço-lhe modos, parcimônia, sem muita convicção. O certo foi
que o divino licor rolou como as águas do rio Acaraú nos tempos em que
chovia em Sobral. Como o pato 551.978. O vinho me desata a língua.
De repente, desvenda um francês fluente que jazia em mim e que não
conhecia. Aí falo com o patrão, Claude Terrail. Pergunto-lhe se posso
roubar cinzeiros. Ele não responde. Sorridente, vira as costas, dando-nos
autorização. Volta a conversar conosco. Pergunta por lbrahim Sued. Digo-
lhe que também escrevo em jornal, mais precisamente em O Estado de
São Paulo. Quer saber de Jorge Guinle.
Brinco:
"É aquele miúdo playboy brasileiro?"
Foi uma noitada inesquecível. Éramos seis à mesa. Pagamos 2
mil e quatrocentos francos.
Fomos a Roma e vimos o Papa.
Antes disso, pesa-me confessá-lo, temo que a Folha de São Paulo
o saiba e aí estou perdido e mal pago. Porque jantamos com o Giulio
Andreotti, aquele que, segundo o vigilante jornal paulista, está metido em
grandes maracutaias, até beijava a face dos chefes da Máfia. Pois bem,
comi de seus pirões do Emílio Colombo, presidente do Parlamento
Europeu. Que o intrépido jornal paulista não saiba de tais mordomias, é
o que, todo o santo dia, peço a Deus.
145
UM SUSTO
146
Ele se rendeu fácil à minha proposta. Fomos, então, à cantina
de Monsieur Krautner, no Boulevard Montpamasse, esquina com ator-
re, executá-la. Sentamo-nos na varanda envidraçada, para não deixar
de ver Paris passar. Paulo pediu champanhe. "Aqui? A estas horas?
Não é possível", diz o garçom. Não vira ninguém até então pedir ostras
e champanhe naquele local, naquela hora. E alinhou severos argumen-
tos contrários ao atendimento de nosso pleito. Depois de ouvi-lo, Paulo,
então, engrossou:
"Será necessário fazer um requerimento ao gerente?"
Ao ouvir falar no patrão, o garçom, furioso, foi lá dentro.
Deblaterou com o superior hierárquico, repetindo as razões do veto.
Perdeu. Fulo da vida, veio atender-nos. Pedi um litro de champanhe. Pra
nos humilhar, ele fez questão de enfatizar o preço.
"É exatamente esta", confirmei.
Resmungando, ele nos trouxe o bom champanhe e aquelas sucu-
lentas, deliciosas, sensuais ostras que se comem em Paris, enquanto o
Paulo filosofava:
"Se fosse na Inglaterra, eles nos teriam pedido mil desculpas,
diriam que não sabiam como nos atender, iam aprender, voltássemos no
próximo ano, nem pagaríamos nada. Agora, não, não dava. Não sabiam
como fazer".
147
ter custado tanto ao contribuinte, para tão reles resultado, tão
decepcionante diagnóstico - um mero bico de papagaio. Causado pela
idade. Pior, na casa do sem ter jeito. É ir com ele até o fim. Se doer,
aspirina. Analgésicos. Não carecia hospital tão bem aparelhado, tanto
médico qualificado, tanto exame para um simples problema de coluna. E
para que me receitassem Melhorai.
MEU CARDIOLOGISTA
RÉVEILLON EM PARIS
148
no 31 do boulevard Saint Michel, ali no quente do Quartier Latin, onde
hei ficado, vez primeira, em 1976, pagando oitenta e um francos (a diária
hoje deve orçar por oitenta e um dólares). É pouso que tenho recomen-
dado a muitos amigos e que, por isso mesmo, virou endereço de cearense
em Paris. A localização é privilegiada. Você fica na rive gauche, a um
passo do Sena, da Notre Dame, da Sorbonne, em meio aos célebres
cafés da cidade. Claro, o estabelecimento não tem luxo. E a exigüidade
do seu elevador levou Paes de Andrade a uma crise de claustrofobia.
A primeira vez em que me abriguei, sob seu teto, o proprietário,
Pierre Lemagat me recomendou um apartamento de fundos, dando pra
rue Saint-Jacques, para me poupar da brouhaha, isto é, da algazarra do
Boul Mich. Ora, foi justo o que me atraiu. Se estivesse querendo repou-
so, calma, ia para a Serra de Santo Estêvão. Ou iria fazer retiro espiritual
no Colégio dos Salesianos de Baturité. Queria mesmo era a brouhaha, o
mundo passando e eu o vendo passar do Café de Cluny.
Foi, no Le Grand Hotel de Suez que, certa madrugada, a Providên-
cia Divina me mandou Papai Noel antecipado sem que tivesse eu colocado
os sapatos à porta do apartamento e eu não fui capaz de perceber, de recolher
a dádiva. Estava posto em sossego, prestes a dormir, quando bateram à
porta. Levantei-me, surpreso. Não esperava ninguém. Quanto mais visitas,
sem aviso. Abri. Sabem quem era, leitores? Duas louras dessas que fazem a
alegria dos espelhos, como diria Nelson Rodrigues, dessas belas nórdicas a
quem apetecem, no verão, os negros e os mestiços. Apesar de ciente disto,
sabem o que fez aqui o panaca? Nem lhes abriu, inteiramente, a porta, como
se fazia mister. Apenas, por ela entreaberta, murmurei, trêmulo, confuso:
"Não é aqui, não."
Foi aí que Deus percebeu que eu não merecia as moças. Man-
dou-as cantar noutra freguesia.
Ali, pertinho na rue des Écoles, assisti a um show em que o cara
fazia amor numa rede, pendurado lá em cima, perto do teto. Coitado, era
feito jumento de lote, diria, ao saber do acontecido, lá em Sobral, o dr.
Ramos presidente da Academia de Letras da cidade. Era obrigado a fazer,
por profissão, o que só tem graça por lazer. Enquanto o rapaz, sobre
nossas cabeças, dava duro para cumprir o dever, eu cá com meus botões,
ficava pensando sobre como reagiria o público brasileiro em tal transe.
Se o show fosse aqui, garanto que muita gente ia ficar revoltada. Ia ver,
naquele tesão todo, ofensa pessoal. Uma agressão. Torceria para que o
149
casal desabasse lá de cima. O cara não desse conta da moça. Todos,
porém, acompanhamos, atentamente, o esforçado rapaz e soltamos um
"uff' aliviado quando, afinal, deu conta do recado.
Eram fins de 1977 e vinha da Inglaterra. Aportei no modesto
hotelzinho. Ary Kfuri, Norton Macedo e Santos Filho, que haviam alu-
gado limousine presidencial, iam ali me buscar para alegres deambulações
pela chamada Cidade Luz. Numa delas; lancei, literalmente, meu primeiro
livro... às águas do Sena. Eu, no carrão, me sentava no banquinho do
ajudante de ordens. Chique pra valer.
Uma noite, eles foram me pegar para o Réveillon do Maxim's.
Lá fui àquele templo do consumismo, entre novos ricos do mundo intei-
ro, orientais lindíssimas com jóias que me encandeavam. Era eu prova-
velmente o único dos presentes, de smoking alugado.
Quando entramos, sentimo-nos, a princípio, intimidados.
Descontraímo-nos quando o garçom falou espanhol. Pressuroso, lhe co-
loquei, no bolso, cinqüenta francos, para que o champã rolasse, em nos-
sa mesa, como as águas do Acaraú na estação das chuvas. Naquele
tempo, dez francos ainda eram muita coisa. Foi meu presente para o
violonista que tocou "As time goes by" e "Fascination".
Pois bem. Nós - que, de início, estávamos meio mal feitos de
corpo, sem jeito - nos soltamos e terminamos, para espanto dos nativos,
puxando, nos salões, cordão de carnaval, do qual participavam Beki Klabin
e Hosmany Ramos (o cirurgião plástico que virou bandido). Eu, em fran-
cês macarrônico, suplicava, em vão, ao maestro, que tocasse "Cidade
Maravilhosa".
Doce e elegante velhinha, vendo minha euforia, se aproximou.
E, galantemente, deitou-me sobre a cabeça confetes que trazia num copo.
Eu, bicho do mato, sem nada entender, lancei o conteúdo do meu copo
sobre ela. E o "champã" manchou a linda pintura de seus cabelos azuis.
Desapontada, ela voltou para sua mesa, para sentar junto ao marido.
Não levava raiva porque não identificara maldade nos meus olhos, no
meu gesto. Só ignorância.
Uma tarde, fui à Place de Tertre passear. E lá terminei me ren-
dendo à cantada de um daqueles projetos de Picasso, estudantes de pintura,
e me deixei retratar. Quando vi o resultado do trabalho, francamente não
gostei. E o disse. Achei-me muito lânguido. Reclamei ao pintor: "Está
muito maricon ... "
150
Ele, no ato, devolveu a pelota:
"No tiengo culpa."
Doutra feita, estava no Café Cluny, em manhã ensolarada. Um
bêbado dormia na calçada, na coxia. O sol forte o acordou. De repente,
se deu conta de que estava diante do café. E viu a todos nós, ali senta-
dos, tomando nosso chá, nosso vinho, e se irritou. Desfechou então o
que lhe pareceu supremo insulto:
"Capitalistes! Capitalistes!"
Só pude exclamar espantado, ante o riso dos presentes:
" Moi, capitaliste?"
151
A economia do desperdício
O complexo do Paulo
152
O lixo moderno
Velho?
154
ta. E logo lhe falo de sua raiz sobralense, sobre o que ele não tem muito
a dizer, pois morou pouco tempo na Princesa do Norte. Entende de
contar a discussão havida numa Câmara Municipal de Mato Grosso em
que alguém argüiu contra determinada obra pública a lei da gravidade.
Eu, sôfrego, imprudente, cortei-lhe o barato:
"E um vereador apresentou projeto revogando a lei da gravidade?"
Era. Mas devia ter deixado o fim para o narrador.
Anos depois, em Paris, passeando pelos Champs Elisées, encon-
tro o ex-ministro Jutahy Magalhães, que perdera a eleição na Bahia. A
certa altura, a título de autoconsolo, comenta: "Graças a isso é que posso
estar assim, tão à vontade, passeando em Paris". Não me custava nada
ficar calado. Sabem os leitores o que respondi?
"Pois encontrei, nesse instante, o Teotônio Vilella Filho, que
nem precisou perder a eleição para vir a Paris ... "
Wilson Ibiapina conta que o avô, Pedro Ferreira, historiador da
Serra Grande, nunca respondia à primeira pergunta que lhe faziam.
Mesmo correndo o risco de parecer surdo, esperava que ela fosse repeti-
da. Ao neto, explicava:
"Quando você ouvir uma pergunta a primeira vez, medite. Fi-
que pensando nas respostas que pode dar. Prefiro parecer surdo a res-
ponder logo da primeira vez".
O QUANTO MELHOREI
155
motora, o ex-governador Parsifal Barroso. Este, até pra fechar a porta
do carro, fazia-o da maneira mais desajeitada, mais complicada possível.
Como ia dizendo, sem intenção de humilhar vocês, tenho melho-
rado muito. Sei até ligar o aparelho de televisão. Só não sei é ir atrás da
imagem quando ela vai embora, nem da cor, quando ela foge do vídeo.
Passei por maus momentos. No tempo em que viajava pro exte-
rior, acho que foi em 1972. Passei noite de cão no King Minos Hotel, em
Atenas. De calor sobralense. Ou senegalês. Tudo porque não soube ligar
o ar-condicionado do apartamento. Só dia seguinte o descobri, o que não
me adiantou mais nada.
É certo que não sei ligar o CD player pra ouvir os discos laser.
Cantos gregorianos. Isto, porém, ocorre até com gente mais moça. Um
dia destes, no avião, o Wilson me contou que o filho dele foi passar
temporada nos States. Antes de viajar, passou-lhe uma série de instruções
sobre como manipular os aparelhos eletrônicos da casa. E ia perguntan-
do: "Está entendendo, pai?". Mesmo quando não compreendia, o nosso
Aragão dizia: "sim", temendo apenas que o mestre o submetesse a teste
e o pegasse na mentira. Raquel não teve tais cuidados, ao viajar. Espera-
rei por ela, pra ouvir meus discos.
Quando morava, sozinho no Rio, vivi instante de desespero. Queria
até morrer. Sabem por quê? Porque a pia da cozinha do apartamento
entupira. Deu-me aquele desespero que me acomete quando sou obrigado
a encarar os pequenos desafios do cotidiano. Danilo Marques, que
presenciou minha angústia, elegeu-a como símbolo de minha incapacida-
de de resolver problemas menores. Quando me vê, semblante preocupado,
tenso, indaga:
"A pia entupiu?"
Pode ser Q.I. baixo. É que também houve salto tecnológico
vertiginoso. Taí a xerox. Sou do tempo da prensa manual para copiar
documentos. A cópia saía, naturalmente, borrada da rudimentar máquina
existente na Fábrica Santa Catarina, em Sobral. Agora, a xerox reproduz
centenas de cópias, num abrir e fechar de olhos. Sem falar que o telefone
engole uma delas, por segundos, e logo a remete pra Tóquio, Los Angeles
ou Sobral. Pra mim, é milagre. Continua a ser milagre.
E o telefone? Sou dos que ainda falam alto, ao telefone, quando
recebe chamada internacional, lembrando o tempo em que a gente queria
fazer-se ouvir, através do Atlântico.
156
LIVRO É QUE NEM FILHO
Não vale a pena levar nada muito a sério. Nem nós mesmos.
Quem se leva muito a sério, perde o sense of humour. Corre o risco de
se tornar chato. A propósito, dizia eu a um companheiro de bar que,
quando jovem, li os livros certos, na presunção de que ia ser alguma
coisa na vida. Logo, porém, percebi o quanto me enganara. Ele supôs
que eu estivesse brincando. Riu muito, lembrando Alvaro Moreyra:
"Um dia acreditei na vida. Ela, em mim. Depois, desandamos a rir um
do outro..."
De quando em vez, a gente é dado a um balanço existencial.
Olhar o que ficara pra trás.
Filhos, pelos quais respondo, tenho quatro. Livros quase dez,
se incluídos os Anuários do Ceará, editados em parceria com Dorian
Sampaio. Árvore só me lembro de haver plantado uma. Foi ali em
frente ao Hospital Militar no sesquicentenário de Fortaleza quando o
alcaide era o Fialho.
Na vida, porém, já me meti em cada uma. Eu mesmo quando
volto a cabeça pro passado, tomo susto.Um dia desses, a Suzana Ribei-
ro, numa das missas de sétimo dia a que vou, quando estou em Fortale-
za, me perguntou se havia sido proprietário de "A Invernada". Pensei em
título de livro. Em propriedade de algum irmão ou cunhado. Até que ela
me esclareceu que se tratava do sítio do cardiologista Luiz Carlos
Fontenele, ali no Coité, perto da estância do José Macedo. Aí me lembrei
de que já me acontecera a inacreditável aventura de ter sido dono de
sítio. Foi quando apareceu o Luiz Carlos e me livrou de tal responsabili-
dade e até hoje lhe sou grato por isto.
Já me imaginaram de botas compridas (com medo das cobras,
claro, embora o Hélio Barros garanta que os ofídios só nos picam, nos
mordem quando se sentem ameaçados, quando têm medo de nós. Meu
Deus, como é que eu vou chegar perto de uma cascavel e perguntar
qual a expectativa dela em relação a mim?), caminhando no mato,
estabelecendo relações de trabalho com os campônios, voltando à cidade,
com o carro lotado de macaxeira, ovos, galinhas caipiras, verduras,
frutas? É ocorrência tão antiga, tão paleontológica quanto certos casa-
mentos bestas que você faz e que é como se nunca houvessem nos
acontecido, como se tivessem sido protagonizados por terceiros. Por
157
isso, tive de buscar esta recordação nos desvãos, nos sótãos
empoeirados da memória.
Tudo isto de árvores e sítios me vem à mente porque o Neno
Cavalcante e o Edmo Linhares, em Fortaleza, e o Paulo Pestana, em
Brasília, entre outros amigos, me cobram mais um livro. Enfeixar,
num volume, estas conversas pra boi dormir. Quer que elas deixem
de ser couves do amanhecer. Que se eternizem num livro de crônicas.
Sei, não. Será que vale a pena? Antes devo saldar compromisso
assumido comigo mesmo, de escrever romance, versando aspectos
da saga sobralense. Posso dizer mesmo que, há muito, ando grávido
desta obra. O parto está tão demorado quanto de mula. Para me
estimular, meu tio, Oscar, o historiador da Igreja Católica, garante
que, um dia, sai, e sai a jato. Deus o ouça a ele que é seu funcionário
graduado. Assim o espero. Isto não quer dizer que não me venha a
render, porém, à sugestão.
É que tenho publicado muita coisa, apressadamente, sem que
houvesse razão para tal correria, tanta agonia. É que vivo tão rápido que
o Guilherme Neto costuma perguntar se tenho muito medo de morrer.
Às vezes, amigo de fé, identificando notórias falhas de acabamento em
minhas obras, me adverte disso. Como meu ex-professor, o padre-poeta
Oswaldo Chaves, lá de Sobral.
A gente, porém, não se emenda. Inclusive porque livro é que
nem filho. Quando nasce, você pode até achá-lo feinho. Depois se acos-
tuma. Termina por amá-lo e não querer mais perceber seus defeitos.
Taí, inicialmente, o caso de Sobral do meu tempo, preguiçoso
como costumam ser livros de jornalistas, reunindo, sem maiores cuida-
dos, páginas de memórias, crônicas, pesquisa histórica, artigões sobre a
cidade em que vivi a infância e parte da adolescência. Até a foto de capa
saiu errada. Quem notou a falha da montagem foi o engenheiro Oswaldo
Rangel, colega, acho que do curso primário, no Educandário S.José, de
dona Honorina Passos, como o irmão Antônio, oftalmologista, na noite
do lançamento em Sobral. Este enjeitadinho me tem proporcionado
grandes, indizíveis alegrias.
Quando conheci Jorge Amado em casa de Roseana Sarney, ele
me disse: "Li seu livro e gostei. O James, também." E acrescentou: "Ali
há material para quatro a cinco romances." (Foi o que também disse
Blanchard Girão, ao escrever sobre Clero, Nobreza e Povo de Sobral.
158
O que me cobrava, muito antes disso, o saudoso Juarez Barroso, não sei
bem porquê. O que exigem de mim sempre que me encontram José
Rangel e Tarcísio Tavares, entre outros amigos.)
Depois, um amigo gaúcho, René Domeles, me avisou que, por
conta dele, sou citado no Aurélio, segunda edição. Não sosseguei senão
quando folheei as mil e tantas páginas do dicionário e ali encontrei seis
referências ao livrinho. Voltei-me, então, pra ele e agradeci-lhe, contrito,
o prazer que já me proporcionou, com remorsos, como se lhe pedisse
perdão do pouco caso em que, durante muito tempo o tive, antes do
reconhecimento alheio.
159
sucessão, antecipando a herança dos descendentes e terminavam a vida,
na miséria, na mendicância. Era o que temia e de que Deus o poupou. Nas
memórias que começou, fala da ajuda literária que lhe dei na educação da
numerosa prole, nunca financeira "porque nunca precisei", conclui
orgulhosamente. Ao contrário, envaidecia-se de me pagar o almoço dos
domingos no Marina ou no restô do Ideal e queria que bebesse o uísque de
qualidade, nunca de marca mais barata para lhe poupar despesa. E também
de entrar com alguma contribuição pras campanhas eleitorais dos filhos.
160
aquela hora não comera nada. Está com fome. Derreto-me em senti-
mentalismo. Penso logo em minha mãe - que tem praticamente a sua
idade - e que nunca viveu provação igual porque sempre teve, graças a
Deus, oportunidade de trabalhar. Não sou como aquele pão-duro que se
diz socialista e nega esmola aos pobres por não querer atrasar a marcha
da Revolução. Não, não vou esperar tão laborioso parto da História.
Prefiro remediar aquele problema momentâneo, pagando o almoço da
conterrânea. O vendedor de rapadura sentencia:
"É melhor poder dar que precisar pedir."
Como são sábios os vendedores de rapadura de minha terra!
UMA BISAVÓ
Não é noite. Já não é mais manhã. Fui mais moço, podem crer.
Talvez nem o aparentasse. Quando assumi meu primeiro emprego na
secretaria do Náutico Atlético Cearense, uma das funcionárias, Frassinetti
me indagou: "O senhor já tem uns 27 anos?". A danada me sapecava,
exatamente, uma década a mais. Tudo por conta do ar taciturno, austero,
de ex-seminarista, os óculos, o paletó escuro.
O tempo passou na janela. Por dentro, você até pode nem notar.
Mas se se detém, se você presta mesmo atenção, aí você sente. Não só
no espelho de seu quarto. E no olhar das mulheres. Também na maneira
com que o tratam.
Foi aquele domingo de voltar mais cedo da Praia do Futuro. Vinha
a sós, imerso em meus pensamentos, quando, à altura da esquina do Náutico,
duas suburbanas, sumariamente despidas, pedem carona. Você,
delirantemente otimista, começa a sonhar que vai se dar bem. Uma delas
põe a cabeça dentro do carro e formula a desastrada pergunta:
"Tio, o senhor podia nos levar ao centro?"
Claro que não. Se queriam realmente que as levasse, mesmo que
fosse só isso, deviam primeiro aprender a tratar a gente. Uma mentirinha
galante, consoladora, teria pegado bem. Se me injuria de "tio" que vá a
pé. No máximo, de buzu.
Tem coisas, porém, que são inevitáveis. De que não é possível
escapar. É quando você dá de cara com seu nome, na coluna "Há trinta
anos" de O Povo, entrevistando o governador Miguel Arraes no programa
161
"Política quase sempre" da TV CEARÁ. Quando já não tem filho de
amigo na relação dos aprovados no vestibular. (Quem está passando, agora,
são os netos). Quando a porta do elevador se abre, e lhe dão preferência
para sair. Quando você é apresentado a um jovem profissional. nem mais
pergunta: "quem é seu pai?" vai logo querendo saber o nome do avô.
Sabem o que me aconteceu, na última vez em que fiz isso? Foi na S.
Raimundo onde fora ver o Régis Jucá. Pois a moça, uma médica, doutora
Marilena, respondeu que era neta. Sim, neta de um antigo companheiro de
uísque, de noitadas do fim da década de sessenta, Zé Raimundo Gondim.
Tem pior.
O pior mesmo me aconteceu, um dia desses, ao folhear página
do DN GENTE da Soninha Pinheiro. De repente, não mais que de re-
pente, deparo-me com foto de respeitável senhora, ainda gloriosa ruína
que ali comparecia como bisavó. E que, em tempos idos, fora minha
Julieta, sendo eu Romeu, minha Virgília quando era Brás Cubas.
Ainda guardava resquícios da beleza antiga mas era bisavó. Eu
amara, outrora, uma moça que, hoje, possui bisnetos. Considerei-me, de
alguma maneira, uma virtualidade de bisavô.
CORAGEM DE QUÊ?
Não sou valente. Não tenho, como dizia meu pai, coragem de
mamar em onça. Ocorre que, quando ia fazer qualquer exame, os médi-
cos assumiam tal ar de pânico que quis saber a razão. Eles foram claros;
se ficar, o bicho pega. Se fugir, também. Asseguravam que carregava
162
uma bomba atômica no peito, bomba que podia explodir a qualquer
momento. Isto nos outros já é grave, vá lá na gente. O negócio era
resolver logo. Por que, porém, aqui na França e não em Fortaleza, com o
Régis, tendo dona Dolores por perto?
Não dava. Tinha um trabalho a executar em Paris. E a tempora-
da de estudos dos filhos no Velho Mundo. Você não é só você, sua bolsa,
seu livro, seu copo de vinho. É você e suas circunstâncias. Tinha de ser
em Paris. Não fui tão destemido assim, como pensa o Bonifácio, em
enfrentar a solidão de um hospital estrangeiro. É que no seu colégio de
cirurgiões havia uma voz brasileira, acatada, a me socorrer. Era o médico
brasiliense, Leonardo Esteves Lima, com experiência de dez anos em
trinchar corações alheios. (Ele me levou a seu chefe, Prof. Iradj
Gandjbakhch, que, um dia desses, esteve em todas as folhas do mundo,
como tendo realizado uma operação sem abrir o peito do paciente. Façanha
que o discípulo repetiu logo depois em Brasília. Por que não esperei por
ela7). Por isso, fui. E, felizmente, voltei. Estou aqui, contando a história.
Outra vez foi um deputado estadual que subiu à tribuna da As-
sembléia Legislativa para me ameaçar de engolir o jornal em que escre-
vera algo que lhe desagradara. Que devia fazer diante do valentão? Deixar
de freqüentar o Poder Legislativo? Mudar de cidade? Trocar de profissão?
Morrendo de medo, voltei lá no dia seguinte. Ele esbravejou de novo
desaforos da tribuna e ficou por isso mesmo. Por causa disso, durante
um ano inteiro, eu andava com um revólver no cós, arma que o Dorian
Sampaio me emprestara. Serviria para quê? Para jogar na cabeça dele se
me agredisse? Talvez só pra isso.
163
Ou que tinha de aviar uma intervenção cirúrgica urgente. O enterro a
pagar. Tudo que explodia no peito, na mão do despachante, digo do
vereador, do deputado e ele tinha de resolver sozinho. Encarar. (Não foi
coragem coisa nenhuma). Só por isso, fui logo candidato a uma cadeira
na Câmara dos Deputados - para ficar longe das bases, da realidade
eleitoral, hoje o confesso.
164
Um amigo ia comprar um carro popular para a filha. Ao encon-
trar um conhecido rico, disse-lhe de tal intento. O outro o dissuadiu e o
convenceu a adquirir um carro de melhor qualidade. (Jamais conheci rico
que me desse dinheiro. No máximo, idéias.) Afinal, a moça só lhe dava
gosto. Vinha de concluir mestrado no exterior com brilho. Estava na idade
casadoura. Um automóvel melhor era carro de representação. Essencial.
Como o meu amigo alegava estar sem dinheiro, lembrou que, em junho,
ele receberia parte do décimo terceiro salário. Perguntou se tinha ações da
Telebrasília a torrar. Um saldo do fundo de investimentos 157. Cozeu-o,
com competência, na própria banha. O certo é que terminou o papo
persuadido a dar um veículo de melhor qualidade à herdeira. E como na
fábula da divisão dos camelos de Malba Tahan, mais do que isto, dotado
dos meios para tanto. Pelo menos na avaliação otimista do outro.
Assim fui eu.
Quando deixei este amigo mendaz e gentil, parti melhor de vida e
de estado de espírito. É sempre melhor de que dar de cara com alguém
que vai azinhavrar o resto de teu dia. E também acontece.
SAPATOS NOVOS
165
MUSA DA DÉCADA DE SETENTA
RECUERDOSDESOBRAL
RECUERDOS DO RIO
166
FUGIR PARA ONDE?
LEMBRANDO A CABEÇA DE
MARIA ANTONIETA
Não sei se lhes falei que o meu novo micro deu problemas. E
quando o computador, no primeiro, segundo mês não se acerta com a
gente, é que nem casamento. Acabar logo para evitar maiores dores-de-
cabeça. O que adquiri, com dois meses, ficou cheio de manhas, manias e
negaças. Não queria nada. Propus ao vendedor a restituição da máquina
emburrada. Hesitou, claro. Ameacei denunciá-lo ao Procon e ele terminou
167
por me devolver o dinheiro. Depois, um amigo me advertiu de que essas
máquinas modernas vêm lotadas de caprichos, dão sempre quiproquós.
Vou torcer para que a nova não seja assim complicada.
Bom, vou tentar a convivência com o meu ACER de quem o
vendedor disse ter um design arrogante. Ele queria falar de design arrojado
e lhe saiu arrogante. O que se há de fazer?
TUDO NOVO
EMPREGO
168
TERRINHA BOA, A NOSSA
VERGONHA DA ORIGEM
169
os primeiros colonizadores lusos. Ainda assim morremos de vergonha
de nossas raízes. De primeiro, todos nós, mestiços, que havíamos lido
algum livro, nos considerávamos franceses exilados nos trópicos.
Atualmente, queremos ser descendentes de anglo-saxões. De
passageiros do "Mayflower". É a maior palhaçada. Até as palavras são
assim travestidas.
Por exemplo, inventaram uma complicada história para explicar
a etimologia da palavra baitola. Ela se deveria a um inglês, homossexual,
funcionário da Light que fornecia luz e energia e explorava o serviço de
bondes. Ao falar da bitola dos trilhos, pronunciava "baitóla". Não tem
nada disso. Quem leu Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, viu
que "baito" era a residência secreta de homens, onde adolescentes se
preparavam para a maturidade, local e convivência que favorecia práti-
cas homossexuais.
PICI
170
Transporto-me no meu Santana como andava no primeiro fus-
ca. A única vantagem é que nesse carro de agora posso usar ar condi-
cionado. O que é bom para quem é calorento como se estivesse na
menopausa. E se livra desses panfletos de propaganda comercial que
você é obrigado a receber, em toda parada do automóvel.
Tem gente que gasta os tubos para possuir carro de luxo, símbo-
lo de status, prosperidade, sex-appeal. Eu, não. Quero carro para me
levar e trazer ao destino sem dar prego nem entrar em pane. Prefiro me
endividar com minhas viagens.
ELITE EM PARIS
171
"Só pode ter sido com o Venelouis Xavier Pereira".
Claro que acertei.
Ela se encontrava a seu lado quando o falecido diretor de O Estado
foi acordado por agressores, familiares de um personagem que ele atingia
com suas críticas. Está casada com bisonho mineiro de Corinto e garante
ser dona (?) de boutique em Paris, onde reside há dez anos. Vem mais
uísque e, de repente, estou conversando com um sul-africano, de
nacionalidade inglesa, que conhece Sobral pois morou na cidade da Granja,
pesquisando a ocorrência de ouro. É muito para meu pobre coração (ainda
não operado) cearense, pelo que tomo o primeiro táxi de volta para o lar.
Somente sonhos
Ando doido de vontade de voltar à Europa. E não é só para
comprar meu Paco Rabane que está acabando. É para, em primeiro
lugar, ver a Expo 98 em Lisboa, passear de bonde em suas ladeiras,
comer no antigo Convento Mariano, hoje York Mansion.
Nos arredores
Quando voltar à França, quero almoçar no Le Manége, em Saint
Germain en laye, arredores de Paris, consumir ali sua salade campagnarde
e seu côte de bouefà la moelle, como fiz lá várias vezes. Uma vez, eu e
Carlos Eduardo. E depois passear pelo seu castelo e pelas ruas, em ma-
nhã de sol. Vou pegar, como fazia, o ônibus 89 na rue Brancion, esquina
com Vouillé, e seguir até o Jardim de Luxemburgo. Ali descerei pelo lado
direito, passando pela Sorbonne e pelo "le Grand Hotel de Suez", em
que tantas vezes me hospedei, indo até a Notre Dame.
TELEFONE EM PARIS
172
residência, situada na rue de Vouillé com Brancion, em cima do Banco
Nacional de Paris. Ou o Minitel, um computador doméstico, simples que
atende a este tipo de demanda.
O apartamento, que alugamos, era razoável.
Dispunha, porém, de um terraço de igual tamanho, no qual Carlos
Eduardo, às vezes, jogava futebol com amigos.
Um casal solidário
Romênia
Quebradeira, a rotina
173
Hábitos
174
MIA COUTO
175
CAÍ FEIO
176
elas voltavam tão felizes de lá porque esperavam encontrar um galã
da estatura dum campeão de basquetebol norte-americano e não acha-
vam. O que se sabe é que, logo depois, o nosso herói preferiu o espaço
da TV Tupi, no Rio. Depois, o da TV Globo, em Brasília, onde brilhou
até um dia desses.
Bons tempos da TV Ceará, da cadeia associada. Prestigiava-se o
talento local. Não só no jornalismo. Também no setor de novelas que
chegaram a conquistar prêmios internacionais. Hoje, tudo é padroniza-
do. Não sobra espaço pro sotaque da gente. Pra vida inteligente, a não
ser a que existe entre Rio e São Paulo
Depois, apareceu o Telejornal Crasa, patrocinado pela empresa
de Clóvis Rolirn e apresentado, ao vivo, por jornalistas profissionais que
podiam até falar bobagens, mas sabiam o que estavam dizendo, ou mes-
mo lendo. Éramos João Ramos, Aderson Brás, Augusto Borges, Wilson
Machado, Lúcio Brasileiro e eu. Quando saí, em 1966, para o desafio
das umas, ficou o Pádua Lopes encarregado da área política.
Lembro-me de que a equipe visitou Sobral para receber home-
nagens do prefeito Cesário Barreto. Todos nós fornos chamados ao pal-
co de um grande salão (Era um clube? Um cinema, Zémaria Soares?
Onde era?), e ali aplaudidos.
177
Lúcio costuma dizer que abandonei atividade tão prestigiada e
tão rendosa por causa do patrulhamento do então deputado Pontes Neto,
que me interpelou:
"Então, aderiste ao Zémacedo?"
Não sei se foi por isso que saí ou porque andava entusiamado
com o programa de entrevistas" Política quase sempre" e o" Telejornal
Crasa ", na televisão, a coluna em Unitário, lida, na Ceará Rádio Clube,
sob o título "Estas são confidenciais."
Lembro-me ainda do ex-presidente Juscelino Kubitscheck de-
pois do golpe de 1964, sendo entrevistado em "Política quase sempre".
Já não era mais o "enfant gaté "da empresa. Ficou praticamente sozi-
nho, na sala do diretor artístico, Guilherme Neto, com o Ésio Pinheiro
(suponho), numa tremenda maçada porque a emissora, única no Estado,
não possuía maior preocupação com horário.
À certa altura da espera, tentando ser engraçadinho, falei pro
futuro entrevistado:
"Presidente, minha mãe não tem culpa nenhuma nisso."
Ele, que estava sentado pacientemente, levantou os olhos aper-
tados em minha direção e esboçou sorriso contrariado, dando a entender
ter precisa consciência de que os tempos haviam mudado.
Sucesso mesmo foi a aparição do ex-prefeito Acrísio Moreira da
Rocha com sua tremenda cara de pau. Ele passava dia e noite, no carteado,
no cassino do Ideal. Isto não constituía segredo pra ninguém. Transmiti-
lhe, assim, pergunta dum telespectador:
"O senhor é jogador profissional?
Ele soltou um risinho altaneiro, auto-suficiente pelo canto dos lábios.
E respondeu que não. Não era. Nunca fora. No seu tempo, ainda não
havia profissionalismo. Quando jogara futebol pelo Maguary Esporte Clube,
era amador. Não ganhava nada. Como pelas características do programa,
não havia tréplica, passei-lhe outra questão. E ele saiu cantando vitória.
É do que ora me recordo, aqui no frio primaveril de Paris. Isto,
porém, se encontra muito melhor contado e mais documentado no livro
A televisão no Ceará, preciosa coletânea de dados, que o Gilmar de
Carvalho reuniu sob o estímulo do Ciro Saraiva, então Secretário de
Comunicação do Estado do Ceará.
178
TURISTA SEM DISSIMULAÇÃO
179
APROVEITAR
MOROSO NO PAGAMENTO
O idioma devia ser outro. Assim que pude, levei os filhos para
um banho de civilização na Europa. Passamos um ano em Paris, durante
o qual eles aprenderam o idioma no Curso de Civilização Francesa da
Sorbonne e no Lycée Montaigne. Sem falar em que percorreram treze
países, mochila às costas. Pensei haver feito um grande investimento.
Quando voltei, o Itamaraty não mais exigia francês no seu exame e o
quente era estudar espanhol. Eu lhes pusera à disposição uma língua
aristocrática e literária, quando importante, agora, é o idioma do Mercosul.
Aí soube que muitos anos-luz à frente, Leda Maria mandara sua Raquel,
logo, para uma temporada no Japão.
180
A GABOLICE DEVIA SER OUTRA
O LUXO
181
Há quem diga que apenas 20% da mão-de-obra válida terá ocu-
pação no próximo século. Um outro futurólogo é mais drástico: "Só have-
rá dois tipos de emprego em breve: guia turístico e babá de velho rico".
ÍNDIA
SARAMAGO
182
BEBENDO POR PROCURAÇÃO
ESTEREÓTIPOS
COMO EM PARIS
183
mas é uma grande presença na noite." Ela, moça de fina educação,
naturalmente, não passou recibo da bobagem. Maior quando me dei conta
de que o vate jamais se inscreveu no partido dos amigados, atualmente
nem bebe mais, sorvendo somente inocentes licores caseiros. Apenas,
como poeta e boêmio ama a noite, é freguês da madrugada, gosta de
declamar, a desoras, poemas para outros boêmios, como fez naquela noite.
Que diabo de direito tinha eu para formular tão extemporânea hipótese?
AGRADECIMENTO
IAA SOBRAL
Perdi o avião para Sobral e até achei bom. Era manhã de muita
chuva. Já imaginaram quanto o bicho ia balançar? (Os leitores sabem
que viajo, tomando conta do avião. A qualquer catabi, balanço, preocu-
po-me. E fico furioso com a displicência dos outros. Só eu com aquela
responsabilidade toda. O pior foi um dia desses, quando o piloto do Boeing
deixou a cabine e veio passear nos corredores do avião. O que agravou
minha responsabilidade e meu pânico. Isto não se faz). Os pessimistas
costumam dizer que monomotor já sai na emergência. Um só motor é a
iminência da panne. Os otimistas garantem que eles não caem. Pla-
nam. E voam sempre próximo à estrada real onde podem pousar, em
caso de necessidade.
184
LIVRO EM PARIS
MULATAS OU MALETAS?
185
ETELVINO NA ÍNDIA
Você saber que tem um leitor esperando para ver o que você
escreveu. E se você não tiver acertado o ponto? Não estiver inspirado
Não lhe fornecer biscoitos finos como Oswald Andrade requeria "A
frustração do outro". E a sua? É que nem o cozinheiro cujos quitutes não
agradam ao freguês, ao consumidor.
186
CLOACA
COTAS
É claro que defendo o direito das minorias. Que eles devem ter
voz. Precisam ser escutadas. Não sou muito simpático, porém, ao siste-
ma de cotas para favorecê-las. Isto de nomear uma mulher para cada
homem que for apontado para o Supremo Tribunal Federal pode gerar
precedentes perigosos. Por que não indicar, proporcionalmente, um gay?
Um dono de jornal previu que o terceiro sexo, em breve, será o primeiro,
razão pela qual ele já foi à frente, como batalhão precursor da mudança?
E os negros ficarão sem um representante na Alta Corte? E os zarolhos,
vesgos, não terão vez? E os manetas? Por que não teremos um Ministro
do Supremo com um só braço? Os gagos? Os fanhos? São minorias que
devem ter seu espaço naquela casa que o Moacir Aguiar costumava
chamar, em seus discursosna velha Assembléia, de Pretório Excelso.
Entra uma, entram várias mulheres no Supremo, porque haverá
uma lei estabelecendo o sistema de cotas? Não seria um absurdo excluir
as lésbicas que, em breve, serão o segundo sexo? Os gagos não terão sua
vez? E os xifópagos?
187
sua tarefa e é demitido, estrepitosamente. Fica no olho da rua, sem
jornal nem tevê que o acolha, que o empregue. Você se pergunta: como
isso pode acontecer justo a mim? Eu devia estar livre de tais percalços.
É assim quando você, de repente, é passado para trás por uma
mulher, você que se considerava o gostoso, que achava que era o dana-
do, que podia fazer e acontecer, se danar quando bem entendesse e
estava livre de tais riscos. De repente, o corneado é você. Como dói.
Ou então quando você vai ao médico e ele diz que você vai entrar
na faca. Ou se entrega ao bisturi ou o coração lhe estoura e é tudo tão rápido
que você nem sentirá passar para o andar de cima. De repente, você está de
peito costurado na solidão da UTI, se perguntando: "Por que comigo"?
Deus lá em cima deve de estar respondendo: "Por que não com
você? Por que você seria indene de tais problemas? Por que seu empre-
gador o deixaria a salvo de pontapé na bunda? Por que ficaria livre de
chifres, de cirurgias?
Você é um ser humano qualquer, sujeito a fragilidades, a erros, a
quedas. Como todos os outros. Sua vaidade é que lhe deu impressão diversa.
Falsa como tudo o que nosso orgulho produz, engendra, inventa.
Só quero elogios
Um dia desses recebi carta que logo percebi amarga, fel puro. Por
covardia, por comodidade, pedi ao Wilson Ibiapina para lê-la. Uma tremenda
agressão. Nem a olhei. Passei batido. Eu lá quero saber disso. Tratava-se de
um pobre diabo, morto de inveja do vidão que levo, dos amigos que tenho,
da coisas boas que a vida me proporcionou e lhe negou. Coisas pequenas, é
certo, que fui buscar, que não herdei, que conquistei sozinho. O que eu
posso fazer para remediar isso? Ir viver a vida mesquinha dele é que não
vou. Inclusive porque não resolveria nada. Seria apenas mais um infeliz na
praça, raspando suas chagas com o caco de telha, feito Jó.
Sou que nem Costa e Silva. Contam as lendas que, depois de designado
para suceder a Castello na Presidência, o marechal foi almoçar na sede do
Jornal do Brasil. A certa altura do campeonato, a proprietária, Condessa
Pereira Carneiro, velha espertíssima, prometeu ao futuro Presidente julgar os
atos de seu governo, com isenção, com imparcialidade. Costa e Silva protestou:
"Com imparcialidade, não, Condessa. Quero é todo dia editorial
a meu favor e retrato na primeira página".
Não sou marechal mas alimento tais sonhos.
188
Alaska
Crise
189
UM AMARAL SINGULAR
190
é quase a segurança de imortalidade. Não vêem os franceses como
custam a morrer?! Apesar de se esbaldarem no consumo de croissants
amanteigados, filé mignon com molho béarnaise, seguido por queijo
camembert, só morrem em último caso. Têm a maior dificuldade em
tomar o rumo do cemitério. Graças aos bons rouges que entornam,
todo o santo dia. Que fazem bem ao coração, sustentam os médicos, e
evitam a gripe. Há muito tempo sabia disso e há décadas é assim que
cuido de minha higidez física. Sempre à luz mortiça dos crepúsculos
nunca de dia, sol a pino. Entro no bar como quem ingressa no ambula-
tório médico, no consultório do clínico, do cardiologista. Quando vou
me abastecer na loja de venda de bebidas é como se fosse à farmácia.
E convenhamos: é muito melhor comprar o bom Balantines que Vallium
12. Isto é que é remédio. O mais é dar lucro às multinacionais da
indústria farmacêutica.
191
Informo a estes amigos que lá em casa o povo é meio longevo.
"Seu" Costa é que se precipitou e inventou de partir aos 85, todavia, na
plenitude da razão, graças a Deus. Dona Dolores está nos 82 e vai longe.
Pergunto-me sempre: será que tenho competência para viver bem tanto
tempo? Você tem de saber se vale a pena, pondera o Paulo Elpídio. Será
que valeu a pena para o senador Plínio Pompeu chegar aos 102 anos em
Sobral, sobrevivendo aos descendentes?
Airton Monte quer a maravilhosa possibilidade de viver para sempre
livre da ferrugem corrosiva da velhice? Tudo bem. Vivo um século com
saúde mas vou conversar com quem? Quem quererá escutar minhas lorotas
Voto em 1966
192
HÁ TRINTA ANOS
193
CANETA BIC
194
O PRAZER DE LER
O desrespeito ao livro
195
diagnosticou, um dia desses, o nenhum aproveitamento que um
conhecido fizera de longa e recente temporada no exterior: "Os burros
também vão a Paris". Será? Quando revejo as crônicas de viagens
que perpetrei e as comparo às de grandes autores, baixa em mim
insuportável complexo de inferioridade. Eles viram tanta coisa. Eu
baixei a vista pro meu prato e pro meu copo e quase ali comecei e
concluí minha experiência turística.
196
Pois fui ao médico e ele me disse que minha função hepática é boa. Normal,
apesar dos tonéis de uísque, vinho e champã que já sorvi, aqui e alhures. O
ácido úrico está normal. E completou: Coitada de tua mulher. Não fica viúva
tão cedo. Pois esta é, pelo menos, a conversa do médico.
Consoladora para quem não tem vontade de viver pela metade.
Meia vida. Andar trafegando pelaí cheio de limitações. Correndo feito
um babaca. Deixando para amanhã o uísque que pode consumir hoje.
Já estou chegando à idade canônica. Do respeito que nos votam
as mulheres, não mais o desejo. Ou a esperança do desejo. Já não fumo.
Se me despeço de Baco, o que vai ser da vida?
NO APRÊS-MIDI EM BRASÍLIA
197
A CAMINHO DA UNIVERSIDADE
BOA MOÇA
198
SEM CONFUNDIR AS COISAS
COMEMORAÇÃO
199
y
COISA DE POBRE
SEM RANCOR
MIMOS DE NATAL
200
Do Mia Couto, em Moçambique. Do Germano de Almeida, em Cabo
Verde. Dos amigos do Ceará. Sem falar nos mundos que nele se escon-
dem e vamos pouco a pouco desvendando. O Pentium vira uma espécie
de vício, de dependência como deve de ter sido o rádio-amador do tem-
po dos nossos pais e avós.
Um novo cidadão
201
Não pergunto sem solução
Calvados
Primeiro que tudo, devo dizer-lhes que nem sempre tive 59 anos,
estive na iminência de me tomar sexagenário, como ora me ocorre. Não.
Já fui moço. Até recém-nascido, em Cajazeiras. Depois a Vida fez de
mim o que quis.
Era um menino velho triste e encabulado em Sobral. Adolescen-
te, cheio de complexos, encabulado, cortava caminho, mudava de rota
para não passar junto às rodas de conversa na calçada. Tinha fundo
desgosto. Não sabia dançar, o que me distanciava dos bailes e das moças.
Sofria com isso. Como todo o tímido, era muito orgulhoso. Tinha a vaidade
de haver lido Contraponto, de Aldous Huxley, e precisava me sentir
superior aos outros, na convivência daqueles ingleses aristocratas, ricos e
cerebrais. Já me encontrara em O Retrato de Dorian Gray e me
encantara com a faiscante ourivesaria verbal de Oscar Wilde. Publicara
jornais de duração efêmera que não resolveram meu problema.
202
O primeiro emprego foi na Gazeta de Notícias, ao me mudar
para Fortaleza. O que, porém, me fez bem à alma e à cabeça foi a coluna
política de Unitário. Ela constituiu minha salvação. A comunicação com
o mundo. Eu era, afinal, alguém e muito jovem. Deu-me status para
circular na cidade, e, depois, na sociedade, sem a paralisante timidez da
adolescência. Tirou-me até o mortificante complexo de não saber dançar.
Tinha leitores. Meu pai registrou, em seus escritos
memorialísticos, sua vaidade ao ver, no ônibus, em que ia para o trabalho
ou voltava dele, que os leitores de Unitário abriam logo o jornal na
terceira página, atrás da "Resenha Política". Havia, sim, quem gostasse
daquelas notas soltas, descomprometidas, cheias de malícia própria e
alheia. Porque muita vez me fiz porta-voz de intrigantes. Porque tinha
muito pouco juízo. E nem sei se criei tal bicho.
O jornal também me tirou da fossa, da tristeza. Estava no Rio,
longe da família, dos amigos, do bar do Ideal depois de uma eleição
perdida e do desfazimento de uma relação matrimonial que, há muito,
acabara. Escrevia furiosamente. E um dos colegas do escritório em que
trabalhava, de José Ayler Aguiar Rocha, onde me empregara seu irmão
Ayrton, Wilson Rianelli, levava minha produção para a Tribuna da Im-
prensa, em cujas páginas Carlos Lacerda ainda escrevia. Uma manhã de
sol, ao sair de casa, à avenida Nossa Senhora de Copacabana, para o
trabalho que era próximo de meu apartamento no Edifício Copamar,
adquiro o jornal do "Corvo" na primeira banca. E, trêmulo, deslumbra-
do, encontro, em sua primeira página, assinado, meu artigo "A crise na
universidade". Passei noutra banca, temendo que fosse trote. Comprei
outro exemplar. Também nele estava minha prosa. Um terceiro para
conjurar qualquer brincadeira. Não era brincadeira, não era trote. Estava
eu lá, onde Lacerda publicava suas catilinárias. Ao chegar ao escritório
da Pronews (assim se chamava a empresa de José Ayler) fui saudado
com palmas pelos colegas de trabalho.
Por isso, abomino colegas dizerem a propósito da profissão dos
filhos: "Deus queira que não desejem entrar nessa profissão desgraça-
da". Jamais diria isso. Não vou induzi-los ao jornalismo (Raquel trocou
Biologia por Comunicação Social, este ano) embora eles me vejam sem-
pre cercado de jornais. Compro seis aos sábados e sete aos domingos e
os tresleio. Eles, também. E não posso me queixar do ofício que exerço,
que nos permite a ilusão de que lutamos por melhorar o mundo, tomá-lo
203
mais justo, menos mentiroso, menos hipócrita. E que me deu status, me
dispensou de aprender a dançar e me pôs em contato com dirigentes do
País. Até do mundo. Não tenho porque maldizer o que faço.
Inclusive porque sou um daqueles privilegiados. São os que amam
o que fazem e, por isso, não cansam no ofício. É-me leve o fardo de
escrever. Escrevo rápido. Há quem goste de minha prosa. Minha mãe,
por exemplo. E tenho até outros leitores. Alguns que há décadas lêem
essa conversa para boi dormir. E gostam.
SEXAGENÁRIO
Bem que não queria ser sexagenário. Não era o que queria.
Nunca pensei chegasse a tanto. A alternativa, porém, era fatal. Quem
não quer envelhecer, morre. Por isso me conformei. Até o fim do ano
ingressarei nessa categoria sexy. Não é nada confortável. Bem menos
ruim, creio que vocês também concordam, que estar morando na cidade
dos pés juntos.
204
PORQUE SESSENTA
Agradeço ao Senhor pelos filhos que tive, pelos livros que li, pelos
livros que publiquei, pelas amizades que fiz, pelas mulheres que me amaram,
pelo scotch e pelo rouge que bebi, em quantidades industriais. Pela saúde
de que desfrutei. Pela bem sucedida meia-sola feita no coração em Paris.
Em suma: muita gente me leu e houve até quem gostasse do que escrevi.
Algumas mulheres me amaram. Os garçons foram sempre atenciosos.
Os amigos, corteses. Bebi este divino licor destilado na Escócia, estes
rouges maravilhosos, saídos dos vinhedos franceses. Que mais poderia
querer da vida?
205
A gota tomou conta do meu pé esquerdo e vai abrindo
seu caminho, subindo, de modo que mais dia, menos dia, baterá
à porta do coração; não me queixo, pois penso em todo o roast-
beefque comi, em todo o bordeaux que bebi, e acho que valeu a
pena... (Alessandro Barbem, Boa Vida e Guerras Alheias do
fidalgo Mr. Py le)
207
COLEÇÃO ALAGADIÇO NOVO
1. IRACEMA-José de Alencar-Edição fac-similada; UFC -- 1983.
2. FORTALEZA E A CRÔNICA HISTÓRICA - Raimundo Girão -- UFC- 1983.
3. TEMPOS HERÓICOS - Esperidião de Queiroz Lima- Reedição da 2ª parte do livro ANTIGA
FAMÍLIA DO SERTÃO- UFC- 1984.
4. AS VISÕES DO CORPO-Francisco Carvalho - UFC- 1984.
5. CONTOS ESCOLHIDOS - Moreira Campos -- 4 Edição -- UFC, 1984.
6. DEZ ENSAIOS DE LITERATURA CEARENSE- Sânzio de Azevedo- UFC- 1985.
7. O NORTE CANTA-Martins d' Alvarez 2 Edição - UFC - 1985.
8. TIBÚRCIO- O GRANDE SOLDADO E PENSADOR Eusébio de Sousa - Edição Especial
UFC-1985.
9. O CRATO DE MEU TEMPO- Paulo Elpídio de Menezes - 2" Edição -- UFC-- 1985.
10. BUMBA-MEU-BOIE OUTROS TEMAS - Lauro Ruiz de Andrade -- UFC - 1985.
11. CANTO DE AMOR AO CEARÁ-Artur Eduardo Benevides -- UFC 1985.
12. MUNDO PERDIDO - Fran Martins -- 2 Edição - UFC- 1985.
13. ILDEFONSO ALBANO E OUTROS ENSAIOS-F. Alves de Andrade - UFC - 1985.
14. POEMAS ESCOLHIDOS-Cruz Filho-UFC-1986.
15. REFLEXÕES SOBRE AUGUSTO DOS ANJOS-Antônio Martins Filho -- UFC- 1987.
16. GUSTAVO BARROSO-SOL, MARESERTÃO-EduardoCampos- UFC- 1988.
17 EXERCÍCIOS DE LITERATURA- Francisco Carvalho- UFC- 1989.
18. POESIAS- 2 Edição -Filgueiras Lima - UFC- 1989.
19. A RECEPÇAO DOS ROMANCES INDIANISTAS DE JOSE DE ALENCAR Ingrid
Schwambom - UFC - 1990.
20. LITERATURA SEM FRONTEIRAS -Coordenadores: Helmut Feldmann e Teoberto Landim
- UFC- 1990.
21. UFC & BNB -- Educação para o Desenvolvimento - Antônio Martins Filho - UFC- 1990.
22. IMPERIO DO BACAMARTE-Joaryvar Macedo -2' Edição- UFC- I 990/1992.
23. O MUNDO DEFLORA,- Angela Gutiérrez -- UFC- 1990.
24. CRONICAS DA PROVINCIA DO CEARA- Manuel Albano Amora -- UFC- 1990.
25. APOLOGIA DE AUGUSTO DOS ANJOS E OUTROS ESTUDOS- F.S. Nascimento
UFC - 1990.
26. ESPELHO DE CRISTAL- Wilson Fernandes -- UFC- 1 990.
27. MEDICINA MEU AMOR- CONTOS E CRÔNICAS -José Murilo Martins -- UFC- 1991.
28. O TERRITÓRIO DA PALAVRA -- MEMÓRIA & LITERATURA - Carlos d' Alge-
UFC-- 1991.
29. METAFÍSICA DAS PARTES-Carlos Gildemar Pontes -- UFC- 1991.
30. REINCIDÊNCIA- Cláudio Martins --UFC-- 1991.
31. CONCEITOS & CONFRONTOS - Heládio Feitosa e Castro -- UFC- 1 991.
32. DESCRIÇÃO DA CIDADE DE FORTALEZA-Antônio Bezerra de Menezes Introdução e
Notas de Raimundo Girão -- UFC - 1992.
33. NOTURNOS DE MUCURIPE E POEMAS DE ÊXTASE E ABISMO Artur Eduardo
Benevides -- UFC - 1992.
34. NOVOS ENSAIOS DE LITERATURA CEARENSE- Sânzio de Azevedo - UFC-- 1992.
35. SECA, A ESTAÇÃO DO INFERNO- Teoberto Landim -- UFC- 1992.
36. FORTALEZA DESCALÇA - Otacílio de Azevedo -- UFC-- 1992.
37. CRONICA DAS RAIZES-Francisco Carvalho -- UFC-- 1992.
38. A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO CEARÁ- O POVOAMENTO- Vinícius Barros
Leal -- UFC- 1993.
39. FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO- ITINERÁRIOS E QUESTIONAMENTO-André
Haguette (Organizador) - UFC- 1993. .
40. HISTORIA ABREVIADA DE FORTALEZA E CRONICAS SOBRE A CIDADE AMADA-
Mozart Sariano Aderaldo -- UFC- 1993.
41. ANDANÇAS E MARINHAGENS -- Linhares Filho -- UFC- 1993.
42. TEMPOS E HOMENS QUE PASSARAM À HISTÓRIA- Tácito Theophilo -- UFC- 1993.
43. POESIAS INCOMPLETAS-Antônio Girão Barroso -- UFC- 1994.
44. FICÇÃO REUNIDA - Durval Aires, Dimas Macedo (Organizador). - UFC- 1994.
45. OCEU E MUITO ALTO-Lembranças-Blanchard Girão- UFC- 1994.
46. SONATA DOS PUNHAIS-Francisco Carvalho - UFC -- 1994.
47. MAR OCEANO -- Fran Martins - 2 edição - UFC 1994.
48. SEARA -Luciano Maia -- UFC - 1994.
49. MEUS EUS- Pedro Henrique Saraiva Leão - UFC- 1994.
50. A PADARIA ESPIRITUAL- Leonardo Mota- 2 edição Introdução e Notas de Sânzio
de Azevedo -- UFC- 1994
51. CANTIGAS DOCORAÇÃO-Heládio Feitosa e Castro- UFC- 1995.
52. PROSA DISPERSA- Newton Gonçalves - UFC- 1995.
53. O OUTRO NORDESTE- Djacir Menezes - UFC- 1995.
54. LEITURA E CONJUNTURA- Dimas Macedo- UFC 1995.
55. LOUVAÇÃO DE FORTALEZA - Lustosa da Costa- UFC- 1995.
56. TEXTOS E CONTEXTOS - Francisco Carvalho- UFC- 1995.
57. NOVOS RETRATOS E LEMBRANÇAS -Antônio Sales -- UFC 1995.
58. MARÉ ALTA - Yolanda Gadelha Theophilo -- Imprensa Universitária - 1995.
59. TEORIA DA VERSIFICAÇAO MODERNA- F.S. Nascimento -- UFC- 1995.
60. ELOGIO AOS DOUTORES E OUTRAS MENSAGENS-Antônio Martins Filho- UFC- 1995.
61. COISAS IMPERFEITAS. (Escritos de Filosofia da Ciência) - José Anchieta Esmeraldo e Rui
Verlaine Oliveira Moreira- UFC-1996.
62. SITUAÇÕES E INTERPRETAÇÕES LITERÁRIAS -Pedro Paulo Montenegro - UFC- 1996.
63. MEMORIAS DE UM CAÇADOR DE ESTRELAS - Rubens de Azevedo- UFC 1996.
64. OS CAMINHOS DA UNIDADE GERMANICA- Paulo Elpídio de Menezes Neto- UFC- 1996.
65. NO MUNDO DOS TREBELHOS- Ronald Câmara - UFC - 1996.
66. NADA DE NOVO SOB O SOL- Lúcia Fernandes Martins - UFC- 1996.
67. DIMENSÕES ESPIRITUAIS DA ESPANHA & OUTROS TEMAS- José Newton Alves de
Sousa -- UFC- 1996.
68. POESIA COMPLETA-Aluízio Medeiros - UFC - 1996.
69. ÁGUAS PASSADAS -Olga Stela Wouters - UFC 1996.
70. CONCEITOS DE FILOSOFIA - Willis Santiago Guerra Filho - UFC 1996.
71. RESGATE DE IDEIAS-Estudos e Expressões Estéticas- Vianney Mesquita- UFC- 1996.
72 A RUA EO MUNDO-Fran Martins -- UFC-- 1996.
73 MEU MUNDO É UMA FARMÁCIA -- José de Figueiredo Filho _- UFC- 1996.
74. A PADARIA ESPIRITUAL E O SIMBOLISMO NO CEARA - Sânzio de Azevedo -
UFC - 1996.
75. HISTÓRIA ABREVIADA DA UFC- Antônio Martins Filho -- UFC 1996.
76. O ESPANTALHO -- Pedro Rodrigues Salgueiro -- UFC - 1996
77. A GRAMATICA DOPALADAR - Antepasto de velhas receitas - Eduardo Campos -- UFC.
78. RAIZES DA VOZ -Francisco Carvalho -- UFC - 1996.
79. MISCELÂNEA - de garoto sertanejo a médico cardiologista - Heládio Feitosa e Castro--
UFC-1996.
80. REPASSE CRÍTICO DA GRAMÁTICA PORTUGUESA -- Martinz de Aguiar -- UFC- 1996.
8I. FURIAS DO ORACULO: uma antologia crítica da obra de José Alcides Pinto -- UFC- 1996.
82. TRES DIMENSOES DA POETICA DE FRANCISCO CARVALHO-Ana Vládia Aires Mourão
- UFC- 1996.
83. NO MUNDO DA LUA-Martins D'Alvarez-UFC-1996.
84. NOVELO DE ESTÓRIAS - Hilda Gouveia de Oliveira -- UFC- 1996.
85. AS QUATRO SERGIPANAS-Padre F. Montenegro - UFC- 1996.
86. POEMAS DA MEIA-LUZ- Hamilton Monteiro- UFC- 1996.
87. REBUSCAS E REENCONTROS -Linhares Filho - UFC- 1996.
88. ALENCAR, O PADRE REBELDE-J.C. Alencar Araripe- UFC- 1996.
89. RITMOS E LEGENDAS - Martins D' Alvarez-- UFC- 1996.
90. O RETRATO DE JANO- Paulo Elpídio de Menezes Neto - UFC- 1996.
91. ROSTRO HERMOSO-Luciano Maia- UFC-1996.
92. REFLEXÕES MONÍSTICAS SOBRE GEOGRAFIA E OUTROS TEMAS- Caio Lóssio
Botelho - UFC - 1996.
93. ATRAVÉS DA LITERATURA CEARENSE-Crítica- Florival Seraine- UFC- 1996.
94. VIRGÍLIO TÁVORA: SUA ÉPOCA-Marcelo Linhares - UFC- 1996.
95. O INQUILINO DO PASSADO -Eduardo Campos - UFC- 1996.
96. POESIA REUNIDA-Otacílio Colares - UFC- 1996.
97. PALIMPSESTO & OUTROS SONETOS - Virgílio Maia- UFC- 1996.
98. MISSISSIPI -- Gustavo Barroso -UFC 1996.
99. PORTUGAL E OUTRAS PÁTRIAS- Os mundo Pontes - UFC 1996.
100. AS TRÊS MARIAS- Rachel de Queiroz- UFC- 1996.
!OI. DONA GUIDINHA DO POÇO-Oliveira Paiva- UFC- 1997.
102. ESCADARIAS NA AURORA-Artur Eduardo Benevides - UFC- 1997.
103. QUIXADÁ & SERRA DO ESTÊVÃO-José Bonifácio de Sousa- UFC- 1997.
104. CANÇÃO DA MENINA Angela Gutiérrez- UFC- 1997.
105. O SAL DA ESCRITA-Carlos d'Alge- UFC-1997.
106. MATHIAS BECK E A Cia DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS: o domínio holandês no Ceará
colonial- Rita Krommen- UFC- 1997.
107. MENINO SÓ-Jáder de Carvalho -- UFC- 1997.
108. UMA LEITURA ÍNTIMA DE DÔRA, DORALINA-A lição dos manuscritos - Italo Gurgel
-UFC-1997.
109. FICÇÕES- Martins d' Alvarez- UFC- 1997.
110. PRÍNCIPE, LOBO E HOMEM COMUM - (Análise das idéias de Maquiavel, Hobbes e
Locke)- Rui Martinho Rodrigues -- UFC- 1997.
111. GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA- Raimundo Girão -- UFC- 1997
112. CARTAS E POEMAS AO ANJO DA GUARDA-RitadeCássia- UFC-1997.
113. RIO SUBTERRÂNEO- José Costa Matos - UFC- 1997.
II4. ADOLFO CAMINHA: Vida e Obra - Sânzio de Azevedo- UFC- 1997.
115. POEMAS DO CÁRCERE E ÂNSIA REVEL-Carlos Gondim - organização e introdução de
Sânzio de Azevedo -- UFC- 1997.
116 RIMAS -José Albano - UFC - 1997.
117. VOZ CEARÁ- Stella Leonardos -- UFC 1997.
118. GIRASSÓIS DE BARRO- Francisco Carvalho -- UFC 1997.
I19. AS CUNHAS - Milton Dias-- UFC-- 1997.
120. FORTALEZA: VELHOS CARNAVAIS Caterina Maria de Saboya Oliveira
UFC -- 1997.
121. NÓS SOMOS JOVENS- Fran Martins -- UFC- 1997.
122. TRIGO SEM JOIO (seleção de poemas)- Otacílio de Azevedo -- UFC- 1997.
123. UMA CEARENSE NA TERRA DOS BIITE SCHÔN- Regine Limaverde- UFC -- 1997.
124. O PACTO ( Romance)- Stela Nascimento- UFC- 1997.
125. A POLÍTICA DO CORPO NA OBRA LITERÁRIA DE RODOLFO TEÓFILO-João Alfredo
de Sousa Montenegro - UFC - 1997.
126. IMAGENS DO CEARA-Herman Lima- UFC -- 1997.
127. EDITOR DE INSÔNIA E OUTROS CONTOS-José Alcides Pinto - UFC - 1997.
128. A CAPITAL DO CEARÁ-Geraldo da Silva Nobre UFC 1997.
129. MEMÓRIA HISTÓRICA DA COMARCA DO CRATO- Raimundo de Oliveira Borges-
UFC -- 1997.
130. CORPO MÍSTICO & OUTROS TEXTOS PARA TEATRO-Oswald Barroso -UFC 1997.
131. AS VERDES LÉGUAS - Francisco Carvalho - UFC- 1997
132. AUTORES CEARENSES - Joaquim Alves - UFC- 1997.
133. IMAGINANDO ERROS -José Anchieta Esmerai do Barreto, Rui Verlaine Oliveira Moreira
(organizadores) -- UFC - 1997. _
134. O POETICO COMO HUMANIZAÇAO EM MIGUEL TORGA -Linhares Filho -UFC- 1997.
135. DOIS DE OUROS -Fran Martins -UFC- 1997.
136. AUTA DE SOUZA - Jandira Carvalho -- UFC - 1997.
137. NO APRÊS-MIDI DE NOSSAS VIDAS -Lustosa da Costa - UFC-- 1997.
138. MAR VIOLETA, VIOLETA MAR- Fabiana Guimarães Rocha- UFC- 1997.
139. NÃO HÁ ESTRELAS NO CÉU -- João Climaco Bezerra- UFC-- 1997.
140. SONETOS CEARENSES (poetas cearenses)- Hugo Victor --UFC-- 1997.
141. IRACEMA - José de Alencar- UFC- 1997.
142. PIREU IDA E VOLTA & OUTRAS CRONICAS -Fran Martins - UFC- 1997.
143. UMA CHAMA AO VENTO - Braga Montenegro -- UFC - 1997
144. O DISCURSO CONSTITUINTE/Uma Abordagem Crítica - Dimas Macedo -- UFC- 1997.
145. A ESCRITA ACADEMICA (Acertos e Desacertos) -- José Anchieta Esmeraldo Barreto e
Vianney Mesquita- UFC-- 1997.
146. A ESTRELA AZUL E O ALMOFARIZ: Exercícios de poesia e metapoesia -- Horácio
Dídimo -- UFC-- 1998.
147. RUA DA SAUDADE (POESIA) -Eduardo Fontes - UFC-- 1998.
148. REMINISCÊNCIAS - Monsenhor José Quinderé- UFC -- 1998.
149. A INSTITUIÇÃO NOTARIAL NO DIREITO COMPARADO E NO DIREITO BRASILEI-
RO - Regnoberto Marques de Melo Júnior -- UFC -- 1998.
150. CRÓNICAS DA MOCIDADE NO CEARÁ Pires Saboia - UFC - 1998.
151. MÃO DE MARTELO E OUTROS CONTOS - Astolfo Lima Sandy - UFC - 1998.
152. A NOITE EM BABYLÔNJA E OUTROS RELATOS AO ETERNO - Poesia Artur Eduar-
do Benevides - UFC- 1998.
153. ESTRELA DO PASTOR - Romance - Fran Martins - UFC - 1998.
154. A BORBOLETA ACORRENTADA-Contos-Eduardo Campos-UFC-1998.
155. HISTORIA ABREVIADA DE LA UFC-Antonio Martins Filho-UFC-1998.
156. GRACILIANO RAMOS-Reflexos de Sua Personalidade na Obra-Helmut Feldmann-
UFC-1998.
157. OS CAMINHOS DA MUNICIPALIZAÇÃO NO CEARÁ-Uma Avaliação- André
Haguette e Eloísa Vidal (Organizadores)-UFC-1998.
158 O CRUZEIRO TEM CINCO ESTRELAS-Romance-Fran Martins-UFC-1998.
159. MÉDICOS ESCRITORES E ESCRITORES MÉDICOS DA UFC- Geraldo Bezerra da Silva
- UFC - 1998.
160. A VOLTA DO INQUILINO DO PASSADO - Segunda Locação - Memórias - Eduardo
Campos - UFC - 1998.
161. O LIMO E A VÁRZEA- Poesia - Regine Limaverde - UFC- 1998.
162. TERRA BARBARA - Poesia - Jáder de Carvalho - UFC - 1998.
163. A GUERRA DOS PANFLETOS - História - Waldy Sombra - UFC - 1998.
164. ROMANCE DA NUVEM PÁSSARO - Poesia - Francisco Carvalho - UFC - 1998.
165. NQTÍCIA DO POVO CEARENSE- História - 2' Edição - Yaco Fernandes - UFC - 1998.
166. A ULTIMA TESTEMUNHA - Romance - Elano Paula - UFC- 1998.
167. A INVENÇÃO DO DISCURSO AMBIENTAL - Ecologia - Eduardo Campos - UFC- 1998.
168. URBANIDADE E CULTURA POLITICA-(A cidade de Fortaleza e o liberalis-
mo cearense no século XIX)-José Ernesto Pimentel Filho-UFC-1998.
169. PEDRAS DO ARCO-ÍRIS OU A INVENÇÃO DO AZUL NO EDITAL DO RIO -Poesia-
Barros Pinho-UFC-1998.
170. CONTAGEM PROGRESSIVA-Reminiscências da lnfãncia-Memórias-Caio Porfírio Car-
neiro-UFC-1998.
I71. RACHE O PROCÓPIO' - Crónicas-Lustosa da Costa-UFC-1998.
172. O VENDEDOR DE JUDAS - Contos - Tércia Montenegro - UFC - 1998.
173. A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA-Ensaios -José Filomeno de Moraes Filho - UFC- 1998.
174. ALMA DE POETA - Poesia- Eduardo Fontes - UFC - 1998.
175. ESTUDOS TÓPICOS DE DIREITO ELEITORAL - Ensaios - Napoleão Nunes Maia Filho
- UFC- 1998.
176. SALA DE RETRATOS - Poesia - Marly Vasconcelos - UFC - 1998.
177. A CONCHA IMPOSSÍVEL - Poesia - Napoleão Maia Filho - UFC - 1998.
178. RASGANDO PAPÉIS - NJemórias - Tacito Theophilo Gaspar de Oliveira - UFC - 1998.
179. CRATO: LAMPEJOS POLITICOS E CULTURAIS - História - F. S. Nascimento -UFC- 1998.
180. NA TRILHA DOS MATUIÜS - Contos - José Costa Matos - UFC - 1998.
181. NADA NUEVO BAJO EL SOL- Novela- Lúcia Fernandes Martins - UFC- 1998.
182. GENTE NOVA - (Notas e Impressões) - Crítica - Mário Ljnhares - UFC - 1998.
183. TEMAS DE DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTARIO - Napoleão Nunes Maia
FiIho - UFC- 1998.
184. O GUARANI ERA UM TUPI?-Sobre os romances indianistas O Guarani, Iracema,
Ubirajara de José de Alencar-Ingrid Schwamborn-UFC-1998.
185. A PRESENÇA DA POESIA NO MUNDO DOS NEGOCIOS - Antônio Martins Filho -
UFC-1998.
186. NORTE MAGNÉTICO - Poesia - Sérgio Macedo - UFC - 1998.
187. REVOLUÇÃO POR CONSENTIMENTO - Valores ético-sociais do empresariado União
pelo Ceará político - 1962/C1C-1978- José Flávio Costa Lima - UFC - 1998.
188. CANTO IMATERIAL - Poesia - Vanderley Moreira - UFC - 1998.
189. POR UM FIO- Contos - Sandra Maia - UFC - 1999.
190. ERA UMA VEZ - Poesia- Karl a Karenina - UFC- 1999.
191. O PORTAL E A PASSAGEM - Poesia - Beatriz Alcântara - UFC- 1999.
192. POÇO DOS PAUS - Romance - 2 Edição - Fran Martins - UFC- 1999.
193. CAPISTRANO DE ABREU - Biobibliografia - José Aurélio Saraiva Câmara UFC - 1999.
194. UNIVERSIDADE- Caminho para o desenvolvimento - José Teodoro Soares - UFC - 1999.
195. PONTA DE RUA - Romance - 2 Edição - Fran Martins - UFC- 1999.
196. MELANCHOLIA - (Antologia) - Sociedade de Belas Letras & Artes Academia da ln-
certeza - UFC - 1999.
197. TEATRO- (Teatro Completo de Eduardo Campos)-VOL 1-Eduardo Campos - UFC - 1999.
198. TEATRO -(Teatro Completo de Eduardo Campos) -VOL II- Eduardo Campos - UFC - 1999.
199. Para uma FILOSOFIA da FILOSOFIA (Conceitos de Filosofia) - Willis Santiago Guerra
Filho - UFC- 1999.
200. CAMINHOS ANTIGOS E POVOAMENTO DO BRASIL - 3 Edição - J.Capistrano de
Abreu - UFC- 1999.
201. O GUARANI - José de Alencar - Romance - (Volume I)- UFC- 1999.
202. O GUARANI - José de Alencar - Romance - (Volume II) - UFC - 1999.
203. CARLOS BASTOS TIGRE- O Guardião das Árvores (Centenário) - Ilka Tigre/
Organizadora - UFC - 1999.
204. NORDESTE MISTICO-Império da Fé - Ensaio sobre manifestações da religiosidade
popular, no folclore e do sincretismo religioso do Nordeste - Vi]ma Maciel e Célia
Magalhães - UFC - 1999.
205. ROTEIRO BIOGRÁFICO DAS RUAS DOCRATO-J. Lindembergde Aquino- UFC- 1999.
206. BRASIL, A EUROPA DOS TRÓPICOS - 500 anos rumo à Civilização Trópico-Equato-
rial- Caio Lóssio Botelho - UFC - 1999.
207. VOZES DO SILÊNCIO- Poesia- Cecília Bossi - UFC -1999.
208. ESTÂNCJA CEARENSE - Poesia - Márcio Catunda - UFC- 1999.
209. A SHORT HISTORY OF THE FEDERAL UNJVERSITY OF CEARÁ (UFC)-Antônio
Martins Filho -- UFC- 1999.
210. O ELEFANTE E OS CEGOS -José Anchieta Esmeraldo Barreto, Rui Verlaine Oliveira
Moreira (Organizadores) - UFC- 1999.
211. MANIPUEIRA - Contos - Fran Martins - UFC- 1999.
212. REENCONTRO-Contos- Glória Martins- UFC- 1999.·
213. LOUVADO SEJA TAMBÉM O PEIXE (crônicas)- Ciro Colares - UFC-- 1999.
214. A LEI 4.320-COMENTADA AO ALCANCE DE TODOS (Direito Financeiro)- Afonso
Gomes Aguiar - UFC - 1999.
215. DIREITOPROCESSUAL-QUATROENSAIOS-NapoleãoNunesMaiaFilho-UFC-1999.
216. CANTOS DA ANTEVÉSPERA- Sânzio de Azevedo - UFC- 1999.
217. NOITE FELIZ (Contos)- Fran Martins - UFC - 1999.
218. O PRANTO INSÓLITO - Eduardo Campos - UFC - 1999.
219. PALAVRAS AOS QUE AINDA OUVEM (Discursos)- Raimundo Bezerra Falcão -
UFC- 1999.
220. LUSO-BRASILIDADES - NOS 500 ANOS - Dário Moreira de Castro Alves - UFC- 1999.
221. FEITOSAS - GENEALOGIA - HISTÓRIA - BIOGRAFIAS -Aécio Feitosa- UFC- 1999.
222. CANUDOS - Poema dos Quinhentos - Carlos Newton Júnior - UFC- 1999.
223. PER SONAS - Notas de Um Bibliófilo Cearense - José Bonifácio Câmara - UFC - 1999.
224. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: Em busca da operacionalização - Manoel do
Nascimento Barradas (Organizador) - UFC - 1999.
225. COMEÇAR DE NOVO: Romance-Elano Paula- UFC- 1999.
226. COMO ME TORNEI SEXAGENÁRIO- Lustosa da Costa- UFC - 1999.
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