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— Belmira. E você?
— Eduardo.
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8. Esse ato de sufocá-la com o travesseiro, em meio ao ato sexual, pode ser lido
como um abuso-físico.
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foi sua vontade que prevaleceu. Ademais, se não tivesse seu próprio
filho, e, de preferência, um filho homem, ele não estaria represen-
tando adequadamente seu papel de macho (BOURDIEU, 2016).
Bela conseguiu, finalmente, engravidar, porém, a violência sexual
perpetrada por Eduardo não ocorreu apenas durante a gestação da
esposa. E a narradora, da mesma maneira que se submetia às extra-
vagâncias sexuais do marido para tentar engravidar, também era
completamente submissa no que concerne à vida sexual “regular”
do matrimônio. Ela estava sempre acatando as vontades e os desejos
de Eduardo e inerte aos seus próprios anseios. Além disso, Eduardo
chamava seu pênis de “Comendador”. De acordo com o Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa (2007, p. 499), tal verbete tem como
algumas de suas acepções: “aquele que tem comenda (benefício);
titular de ordem militar ou honorífica, cuja dignidade é superior à
do cavaleiro; indivíduo que tem uma insígnia ou uma condecoração
honorífica”. Logo, é perceptível o alto valor que ele dá a seu falo.
Sabe-se que este foi constituído, segundo a visão androcêntrica, como
instrumento simbólico de virilidade, mantendo uma relação estreita
com a questão da honra masculina. A exibição do poder de Eduardo
(e da virilidade que acreditava possuir) pode ser lida abaixo:
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9. Na Lei 11.340/06, artigo 7º, inciso III, lê-se que “a violência sexual é enten-
dida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a
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— Por que esse olhar variável, Bela? Sei que está chateada por
causa do meu encontro com Lucho, e mais chateada ainda com
meu encontro com Ramón. (...). Como você sabe, Bela, apesar de
me dirigir a todos com simplicidade e afeto (...) devo confessar
que minha conduta permanece irretocável. Continuo rigorosa-
mente fiel ao nosso compromisso. Um homem honra com seus
compromissos. Não houve nenhuma mudança para uma linha
mais aberta. Por que essa expressão de cachorro em dúvida?
(GARCIA-ROZA, 2006, p. 30).
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Apesar das perguntas, ela nada responde. Ela não expõe o que
está sentindo em relação à traição, ela não o desmente, dizendo que
ele não trata a todos com simplicidade e afeto, principalmente os
mais próximos, como ela e sua família, nem explica o porquê de
suas dúvidas em relação à postura de Eduardo frente ao casamento.
O silêncio se mantém. Contudo, é possível desvendar a razão de suas
dúvidas, pois ela acreditava que estava sendo regularmente traída.
Bela não tem nenhuma amiga 11 com quem possa dialogar e externar
suas suspeitas. Todavia, quando ela está na classe de natação, mesmo
que não interaja com ninguém, ela narra o que outras mulheres, que
também se encontram no clube, conversam. Em uma das ocasiões,
elas estão discutindo justamente sobre a traição masculina. Ao escu-
tar o que diziam, ela se sentiu tão incomodada que não conseguiu
mais nadar, saiu da piscina e foi embora. Desse modo, ainda que
não exponha em palavras suas desconfianças, podemos concluir
que o tema a perturbava, porque era o que ela imaginava que Edu-
ardo estivesse fazendo, embora nunca o interpelasse.
Mais uma vez, Eduardo saiu sem dar explicações. Ela acabou
cochilando e acordou com o som do interfone do prédio, era Josi-
mar, o porteiro, informando que Eduardo estava lá embaixo e que
necessitava falar com ela. Ela desceu e o encontrou dentro de seu
carro, com outro homem ao volante, porque Eduardo estava tão
bêbado que não teve condições de voltar para casa dirigindo. Ela ten-
tou tirá-lo do carro e levá-lo para o apartamento, mas ele se negou,
esbravejando que dormiria ali mesmo. Diante desse contexto, ela
relata: “Passei pela portaria e pedi a Josimar que de vez em quando
desse uma espiada em Eduardo. Qualquer coisa, podia me chamar.
Dei boa-noite e subi. Dormi numa noite escura, com Eduardo lá
embaixo, longe de mim” (GARCIA-ROZA, 2006, p. 37). É perceptível
que, mesmo perante uma circunstância em que era para ela sentir
raiva do marido, ela se preocupa com ele e também se entristece
por ele não estar ao seu lado na cama. Ainda sobre esse episódio,
no dia seguinte, quando ela desce e o encontra acordando, ele sai do
11. Houve apenas duas ocasiões em que ela se relacionou com alguém fora do
habitual: nesses dois momentos, ela foi ao cinema com uma colega de tra-
balho. Porém, a protagonista não interage com a colega, ela praticamente
apenas escutou o que a outra professora tinha a dizer. Portanto, tal relação
não pode ser caracterizada como uma amizade.
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— De forma alguma.
Estávamos os dois no quarto, tentei saber por que não nos acom-
panharia, mas ele, com pressa, não respondeu. Em seguida, saiu,
e eu fui atrás para me despedir. Sempre que posso levo-o até a por-
ta. (...) Eduardo deu um tchau geral, disse no meu ouvido (...) que
à noite, depois que a família se escafedesse, eu podia lembrá-lo de
como se trepava, e bateu a porta (GARCIA-ROZA, 2006, pp. 66-67).
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Perguntei por que estava falando comigo daquele jeito, ele então
disse que guardaria a discussão para o recesso do nosso lar. E des-
ligou. Estranhei meu marido. (GARCIA-ROZA, 2006, p. 105).
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“as relações familiares não devem ser vistas como organizadas por
normas fixas ou em evolução linear, mas como fruto de contínuas ne-
gociações e acordos entre seus membros” (SCHRAIBER et al., 2005,
p. 89). Percebe-se que a dinâmica do casamento mudou de maneira
significativa com as viagens de Eduardo, porém, independentemen-
te, se eram legítimas ou não, não houve as negociações mencionadas
por Schraiber, pois tais alterações na rotina do casal foram impostas
a Bela pelo marido, causando-lhe sofrimento, como veremos adian-
te, além da intensificação das suspeitas de traição.
Nesse momento, há na narrativa um grande salto temporal, que
acompanhamos pelo crescimento de Raphael. O menino, até então
de um ano, agora “já ia para a escola de condução, comia sozinho,
e não queria que ninguém o visse tomando banho” (GARCIA-ROZA,
2006, p. 114), ou seja, compreende-se que haja passado, no mínimo,
uns quatro anos, em razão da autonomia que a criança adquiriu em
vários aspectos. Todavia, na rotina da protagonista, nada mudou,
pois as viagens de Eduardo continuaram, e essa ausência a afetava
profundamente. Sobre isso, ela diz: “muitas vezes, chorei de sau-
dade de Eduardo, e quando eu lhe contava, ele dizia que não gos-
tava de me ver fraquejando” (GARCIA-ROZA, 2006, p. 122). Como ela
podia sentir falta de um marido que a violentava constantemente,
além de não ter a mínima empatia para com o seu sofrimento? Uma
interpretação possível é a de que o que Bela sentia não era saudade,
e sim dependência afetiva, um sentimento muito comum compar-
tilhado pelas vítimas de violência doméstica. Simone Zolet define a
dependência afetiva como:
12. Segundo Sophia et al. (2007), a dependência afetiva é considerada uma enfer-
midade psicológica.
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— Quem? Não, ela não pode falar, está conversando com o marido.
13. Marquinho foi o rapaz que avisou a Bela que o marido estava bêbado na rua,
como explicitado anteriormente. Ele, às vezes, telefonava para Bela, alegan-
do que tinha algo a lhe contar, porém, ela nunca quis escutá-lo, assim, como
o texto é narrado em primeira pessoa, o leitor também desconhece o motivo
das ligações.
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Eduardo não vinha mais à nossa casa (...). O tempo passava e eu não
ouvia nem via mais o meu marido. Nosso casamento devia estar
mesmo para acabar, e eu precisava pensar no que ia fazer. Com a
vida que ele inventara, estávamos sempre em desequilíbrio, ou eles
estavam juntos [Eduardo e Raphael], ou nós, meu filho e eu, mas
nunca mais os três, pai, mãe e filho (GARCIA-ROZA, 2006, p. 150).
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14. A culpa da separação também pode recair na própria mulher, a qual não
soube ser uma boa esposa, não colocando o marido em primeiro lugar, com-
prometendo, desse modo, a felicidade conjugal (PINSKY, 1997). O homem é
sempre eximido dessa responsabilidade.
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