PENFOLD. Rosalind B. Mas ele diz que me ama. Graphic novel de uma relação violenta. 1. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro, 2009.
Este trabalho de Rosalind B. Penfold, é de grande contribuição para a
sensibilização da sociedade sobre o tema da violência doméstica. De forma ilustrada, em quadrinhos, a autora conta a vida de uma mulher de 35 anos, que tem sua trajetória, até então de sucesso, arrasada pela relação de abuso orquestrada por seu parceiro, Brian. Viúvo e pai de 4 crianças. Desde a desconstrução da identidade da autora, as mais variadas formas de violência doméstica e machismo, até a efetiva libertação da mulher. Ante os mais assustadores acontecimentos, a triste história é certeiramente coincidente com parcelas ou totalidades de relações que malgrado vimos ao nosso redor, em nosso mundo patriarcal, insensível e violador de direitos. A história, em início, aparenta ser mais um romance desses corriqueiros na literatura. Uma mulher bonita, bem sucedida, uma festa na piscina e um encontro ao acaso com um homem sensível, pai, e com manifesto interesse em se envolver em um romance. Ainda dentro da normalidade, e até mesmo, da previsibilidade, ambos se interessam reciprocamente e iniciam romance que é introdução à inimaginável relação de abuso e exploração da protagonista. O tempo vai passando e a protagonista vai criando uma espécie de perfectibilização da relação e do homem com o qual convive. Ele, Brian, se esforça demasiadamente para isso. Na busca de convencê-la de que ele é o melhor para ela, o citado à leva para lugares bonitos, jantares, envia flores e está sempre presente, presencialmente ou por telefone. De forma quase que “natural”, mas prefiro a palavra “sem perceber”, a até então empresária bem sucedida, vai deixando seu emprego de lado, para estar mais presente na vida de Brian. Ao mesmo passo que Roz se doa a Brian, este vai tomando atitudes ciumentas, numa incessante busca de “tornar um só”. Até que em uma viagem do casal, ele se altera e torna-se agressivo com sua companheira pela incapacidade de aceitar que ela converse e se sinta bem ao conversar com outras pessoas. Nesse sentido, e a este ponto de referencial, é importante destacar esse primeiro momento de demonstrações sutis de relações abusivas. Uma relação abusiva nunca começa com socos, chutes e estupro, mas sim, com cerceamentos da liberdade individual do outro, fantasiado de amor, de carinho. A autora utiliza de suavidade para que o leitor compreenda, a forma imperceptível pela qual se manifesta o machismo e se instaura essas relações. Cabe também ressaltar, referente a primeira agressão psicológica de Brian, que ela foi intimamente motivada não somente pelo ciúme, mas pela completa insegurança de ver sua companheira sair de sua zona de controle, sendo ela mesma, sem sua permissão para tudo. Logo após o primeiro episódio, as personagens que ocuparam o lado oposto da discussão, recomendam que Roz tome cuidado com Brian, sendo esta advertência não recebida completamente por aquela. Aduz nessa perspectiva a dificuldade em colocar em pólos distintos o amor (ou a expectativa de amor) e a individualidade, a segurança, a própria vida. Com a dissolução do episódio e com a flexibilidade de Roz em permanecer com Brian, este vê então o caminho para que possa orquestrar suas manipulações e ir além, na sua violência psicológica e física. De fato, o caminho é este, como dito, toda relação abusiva tem introdução e desenvolvimento, e seu grau de perigo aumenta constantemente. Todo tipo de controle começa a ser exercido, celulares, vida social, até a relação de Roz com sua família é objeto de persuasão do abusador. Ela, por sua vez, perdia-se em meio às incertezas, a insegurança, a imprevisibilidade com que agia seu algoz companheiro. Infrutíferas tentativas de moldar-se a vontade dele, já não havia espaço para a individualidade, já não havia mais duas pessoas, e sim, uma trágica caminhada para a unificação carnal a partir da perversa mente de um machista violentador. Brian, a essas alturas, já aparenta ser um homem totalmente diferente daquele descrito exordialmente. É perspicaz também, a autora, ao expor a relação, também violenta, de Brian com seus filhos, quando aquele em primeiro momento, delegava todas as tarefas para sua companheira, incumbido-a de dever que é seu também. Cabe aqui, uma excelente reflexão sobre o tema, a violencia contra as crianças, é também forma de violência doméstica, não intimamente ligada ao gênero, mas sim a estrutura de poder familiar. Essa estrutura, tem suas complicações similares às da opressão de gênero. Devido a uma construção social histórica, onde o homem, patriarca, é o tomador de decisões, o provedor, o centro da família, tem-se que todos devem curvar- se a ele, e assim acontece na triste história. Brian é extremamente explosivo com seus filho, tão bem como intolerante, agressivo, e ameaçador. Surge, para nós leitores, em certa parte do livro, até a possibilidade de haver abuso sexual de sua filha por parte do pai. De todo modo, o resultado disto, é a complicação psicológico a qual acometia as crianças. Tormento, dificuldade de entrosamento social, tentativa de suicídio, demasiada carência e necessidade de que a madrasta, Roz, estivesse a todo momento com eles. Por sua vez, Brian agia muito inconstantemente com sua prole, em certos momentos parecia ser um ótimo pai, amoroso e carinhoso, mas bastava um curto lapso temporal para que tudo se desfizesse em violência e dor. Roz, personagem mulher oprimida durante toda a história, começa a se desconhecer, como mulher, como ser humano. Incessáveis tentativas de melhorar o relacionamento foram tomadas por ela, abdicou daquilo que era mais importante em sua vida, questionava-se onde errara e jamais entendia o que havia feito para que tudo estivesse daquela forma. Fora a personagem, caindo no mais escuro poço de confusão, típico lugar passivo onde aquele que manipula deseja que o manipulado esteja. Com essa confusão e desconhecimento, Roz se torna extremamente vulnerável às articulações maldosas de Brian. Este então, começa a deferir as mais diversas formas de abuso. Esses abusos, a essas alturas, tornam-se mais palpáveis e perceptíveis. Podemos aqui, fazer um enquadramento certeiro e específico, com a legislação brasileira que visa a defesa da mulher em situações de violência (lei 11.340). Brian cometia clara violência psicológica, ao atacar já verbalmente de forma direta, Roz. Além de cercar toda sua comunicação com outras pessoas. A respeito disso, é interessante o episódio da compra de um celular que Brian fez para sua companheira, colocando entretanto, como obrigação, que ela tão somente o utilizasse com ele, não passasse seu número para ninguém. Ora, como é possível, que alguém, viva em plena saúde mental, tendo contato apenas com seu companheiro, que sobretudo, lhe cometia as mais diversas formas de violência? A relação de abuso, era sempre confortada com alguma próxima e/ou prévia boa ação, mas que também possuía um certo prazo de validade. Ao comprar um cachorrinho para a família, por exemplo, Brian tenta ser carinhoso, agradar os filhos, mas basta que o animalzinho comece a se portar como o que é, para que o patriarca se manifeste das piores formas possíveis, quando está frio, deixa o cachorrinho na rua, quando está calor, coloca dentro da casinha, e sempre o tratando da pior forma. Até que o animal adoece e Roz percebe, sem qualquer sensibilidade, Brian não se importa, e só o leva para um veterinário pela forte inclinação de sua companheira. Tarde demais, infelizmente. O animalzinho precisa ser sacrificado devido aos maus tratos que sofreu. Mas isso também não toca o protagonista violador. Ele, com sua já perceptível forma desumana de lidar com todas as situações, diz que “compramos outra”, como se sentimentos, laços e carinhos, fossem facilmente substituídos, não tendo valor algum. Em outro momento, a autora externaliza a questão da violência para com os estranhos, que também não era incomum vir de Brian. Traz para o livro, determinada manifestação de agressividade, ao intimidar outro estranho sobre o pretexto de ciúme. Sem qualquer sentido. Além disso, uma sutil colocação, refere-se ao caráter violento de Brian, quando é exposto, um taco de baseball no carro dele. Que questionado, afirma não ser nada. É nesse ponto, perceptível também, a pincelada a respeito da própria violência própria do homem contemporâneo, advinda de heranças de um passado primitivo e que hoje parecem naturais, mas foram, na verdade, naturalizadas durante o início do processo de divisão de poderes dos gêneros. O homem parecer, em diversos momentos, ainda cultivar, dentro de si, esse homem cabeludo e com barba grossa, que arrasta, vejam a referência, pedaços de paus por aí para combater seus inimigos. A diferença, é que com a modernidade e a pós modernidade, o homem tem seus instintos satisfeitos (ou não), com objetos supérfluos, sensações de prazer em detrimento a necessidade de sobreviver, e assim, por mero dissabor em suas satisfações, ativa seu modo brusco, agressivo e animal. Voltando ao roteiro da ilustração de Rosalind, tratemos do primeiro afastamento real, feito pela personagem violentada, Roz. Quando Brian, em mais um de seus episódios de inconstante normalidade de humor, devido a um comentário proferido por Roz, a título de correção de Brian, durante um jantar, expulsa aquela de sua casa. Ela, sem nem entender direito o que acontecera, vai parar casa de sua mãe. Personagem também importante, pois é a todo momento, uma outra mulher, que consegue enxergar a relação de abuso que há no relacionamento dos dois, mas que também, não vê, ou não consegue ver, a magnitude da violência presente. Infelizmente, Roz perdura pouco na casa de sua mãe, a tortura mental e dependência psicológica que Brian deferiu contra ela, faz com que em poucos dias, com uma mera ligação do violentador, eles retornem o relacionamento. Ela, em sua esfera de passividade monstruosa, acredita que ainda pode melhorar, e que deve, na verdade, ser ainda mais forte para que o relacionamento se mantenha. É paradoxal, e serve inclusive para outros estudo, nesse sentido, a força de resistência da mulher. Conhecida como sexo frágil pelas mentes ainda deturpadas por essa opressão de gênero, as mulheres, nas relações de violência doméstica, não sobrevivem por serem frágeis, ou delicadas, mas sim por terem resistência psicológica e física, superior a muitos atletas, competidores de altos níveis. Friso, que se inversa fosse a situação, certamente muito menos tempo levaria para que um homem tivesse todos seus sentidos desarrazoados, e por ventura, viesse a não suportar tamanha violência. Mesmo sob tantas orientações de pessoas próximas, que acabam por ineficazes, Roz se mantém ao lado de Brian. Este, então, começa a não conseguir esconder suas traições dentro do relacionamento. Primeiramente, com a professora de ballet das crianças, as quais em certo momento da ilustração, está na residência junto com a protagonista, ensejando uma situação extremamente confusa, para ela, mas escancaradamente de traição, para o leitor. Brian, utiliza de sua agressividade, controle da vítima, e opressão de gênero, para impedir que as duas se vissem, ou se comunicassem, mandado a professora embora. Na mesma noite, a situação mais asquerosa de todo o roteiro, também acontece. O opressor, não contente com a traição em seu relacionamento, não assustado com o fato de as duas pessoas com a qual se relacionara quase se encontrarem em sua residência, insinua e pede, para que Roz, se porte como a Cheryl, professora no momento da relação sexual. Desarrazoado, sem qualquer escrupulo, ele é advertido por Roz, mas não parece surtir muito efeito. A partir de então, a questão sexual também passa a ser discutida dentro do livro com mais rigor. Pois como a violência doméstica se manifesta no controle possessivo, no controle mental, nas ofensas, na forma de tratamento, manifesta-se também na vida sexual do casal. Quando o homem, de forma primária tenta satisfazer tão somente seus desejos, sendo indiferente com os anseios, medo e sugestões do outro. Malgrado, ainda é a forma inescrupulosa, e doentia, com a qual o homem tem coragem de pedir, para que sua companheira, seja, em alguma fantasia sexual doentia, idêntica a sua amante. Brian começa a se distanciar, e comporta-se estranhamente ao computador, ao falar no telefone, e no carro. Ao leitor fica claro a intenção de esconder algo, mas Roz está bastante confusa e confia cegamente em seu companheiro. Algo inusitado acontece. Brian é demitido, e isso faz com que se aproximem novamente, dando esperança para que Roz continue confiando em seu companheiro. Na tentativa de arrumar um novo emprego, Brian vai até a Califórnia, para uma entrevista. Nesta, precisa fazer um teste de personalidade. Temendo que a nova empresa possa não contratá-lo, pelo mesmo motivo pelo qual fora demitido na última, faz chantagem para que Roz responda, e assim ele consegue o desejado emprego, sem ao menos agradecer Roz, ligando para esta no meio da noite, com expressiva demonstração de que teria feito sozinho. Em um momento anterior, Brian havia sido demitido devido a sua personalidade. É notável durante todo o livro, mas aqui com um certo destaque, que Brian sofre de sérios problemas psicológicos. O homem, como já dito, possui uma necessidade doentia de controle sobre Roz, levando-o a tomar atitudes que, em um relacionamento normal, não deveriam acontecer nem mesmo de maneira próxima ao que aqui ocorre. Situações como esta última se repetiram, com cobranças que não faziam sentido. São pertinentes estes acontecimentos, pois demonstram a complicação a qual Brian está, com seu desenvolvimento psíquico. Traz a luz, aqueles que se dedicam ao assunto, até mesmo a discussão sobre a origem do machismo e a utilização dessa plataforma de poder do homem. De onde viria isso? Seria isso, uma patologia mental, responsável pela violência a qual Brian faz sua companheira viver? Bem, quando o contrário acontece, devido a uma fuga de Megan, Brian se comporta como esperado, sem o mínimo de preocupação com sua filha e desdém com relação a Roz, que se preocupava claramente muito mais com a situação do que o próprio genitor da menina. Ao desligar o telefone, Brian ainda tem a capacidade de dizer que está numa reunião, sem ao menos se dar conta do horário, e quando na verdade estaria traindo novamente sua tão dedicada companheira. É assustador, mas demonstra a incapacidade daquele em ser razoável, sendo autor a todo momento, de manipulações ardilosas, que ferem e corroem sua companheira. Vale dizer aqui, que ele se apropria muito bem da frase “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Sem nenhum escrúpulo, simplesmente se apropria da confiança de Roz, e usa-a descaradamente para seu próprio benefício. Passado um tempo, numa determinada noite, a antiga babá das crianças, Lottie, retorna a cidade e vai até a residência para um jantar. Revelações estão por vir. Após a refeição, Lottie chama Roz para conversar, e revela outro lado da história contada por Brian, de que a babá teria sido demitida por este. Segundo a mesma, não houve demissão alguma, e sim um espanto de Roz, ao saber que Lottie teria saído da residência devido à chegada dela. Ficou claro neste momento a relação igualmente abusiva pela qual passava esta mulher, evidenciando o homem que Brian é, e sempre será. Este homem demonstra ser igual em toda relação: num primeiro momento, conquista a confiança de sua companheira, faz com que o ame mais do que a si mesmas, para depois começar um ciclo vicioso de violência que perdura até que não restem dúvidas para a mulher, em clara situação confusa e desfavorável, de que é um monstro. A simples história não convenceu Roz, que preferiu, novamente, confiar em seu algoz. Ao ser confrontado com a história, Brian novamente nega tudo, e faz uso de seu gaslighting, deixando Roz mais uma vez confusa. A fim de ajudá-la, Lottie envia uma carta com fotos enviadas por Brian durante seu período juntos, ao passo que Roz prefere simplesmente acreditar na palavra de seu consorte. Brian consegue manipular tão fortemente sua companheira que nem provas cabais sobre a traição são capazes de tirá-la deste âmbito tóxico. A confiança que Roz possui em seu namorado é de se espantar, pois em nossa sociedade atual, até mesmo de nossos amigos mais íntimos a desconfiança na confiança é a regra. Cegar-se diante da palavra de seu companheiro somente levou-a ao abismo, que caía sem nem mesmo perceber. Em mais uma situação, Brian mostra seu descontrole, ao insinuar que sua filha, Megan, teria sido a causa da morte se sua própria mãe, colocando a menina numa situação de conflito interno muito forte, demonstrado pelo estado de choque em que se encontrava. Aqui fica muito claro a violência psicológica praticada por Brian contra seus filhos, que os coloca em situações completamente desnecessárias, causando grandes reflexos no desenvolvimento destas crianças, que se sentem praticamente sem um pai, restando a Roz o papel de apoiadora, e de verdadeira mãe, para estes infantes. Roz se sente muito magoada após tal situação, demonstrada no último quadrinho, com o semblante da protagonista escorrendo uma lágrima. Ela se afasta. Ao retornar, se encontra numa situação em que volta mais cedo para casa, e se depara com uma cena que causa-a uma sensação estranha, diante de um possível, e aparente, caso de abuso contra Lizzie, filha mais nova. Roz decide levá- la até um pediatra, que se demonstra preocupado com as crianças, mas fica de mãos atadas sem ter provas físicas contra o pai. Esta situação produzirá reflexos no futuro. Estamos diante, neste momento, de um cenário clássico de abuso. A criança não quer falar, por provável receio de possíveis consequências, ainda mais Lizzie com seu pai descontrolado. A ausência de provas físicas neste caso também evidencia uma falha em nosso sistema. A mulher com uma simples declaração de abuso dificilmente vai ter suas necessidades atendidas, em virtude de um sistema machista, sustentado pelo patriarcado que nos rodeia e é passado adiante. Cinco anos se passam, e agora as crianças envelheceram e se encontram em outra fase de seu desenvolvimento. Lizzie tem agora dez anos, e rabisca os papéis de parede que mesmo escolheu, parecendo para Brian mais uma situação normal, praticando novamente seu gaslighting contra Roz. A situação se repete com os outros filhos, que novamente se encontram em estado emocional bastante abalado, confusos com o comportamento de seu pai. Neste trecho pode ser feita uma relação entre o perfil de ação de Lizzie com o acontecido anteriormente entre ela e seu pai. A criança foi fortemente afetada por aquele episódio, o que causou uma evidente confusão na cabeça dela. Numa determinada noite, Brian começa a pensar alto, proferindo palavras que indicam uma forte tendência manipuladora, mas desta vez contra seus subordinados. Sem perceber, faz com que Roz, ao escutar, se sinta num furacão, sugada para dentro deste esquema manipulador, que fica ilustrado com a imagem desta presa a um redemoinho em constante decadência. Neste momento da história, Brian deixa transparecer ao leitor uma personalidade que se aproxima a de um psicopata, ao demonstrar frieza em manipular as pessoas. Até mesmo prazer em fazê-lo. Parece ser esta a mesma conclusão de Roz, que, apesar disso, continua com seu amado. Novamente a autora traz à história a temática da personalidade de Brian, que se desenvolve cada vez mais num perfil maníaco. As fantasias estranhas retornam, fazendo com que Roz se sinta novamente um objeto, que está ali apenas para satisfazer a lascívia de um homem insaciável em suas bizarrices. Com a desconfiança da traição, e com temor de contrair doenças venéreas, Roz decide sugerir o uso de camisinha durante a relação, e é respondida com xingamentos, seguida de uma relação forçada. No dia seguinte, ele faz questão mais uma vez de demonstrar seu comportamento doentio, dizendo que Roz consentiu com a sua última relação, fazendo-a reagir apenas com uma lágrima a escorrer. O crime de estupro aparentemente ocorre nesta cena. Roz exclama “não”, e é simplesmente ignorada. Não há o consentimento. Há o estupro. Algum tempo após essa relação não consentida, Roz descobre que está grávida - para sua infelicidade, que não pode ter filhos, sob perigo de vida - e conta a Brian, explicando sua situação, e acaba sendo ignorada diante de seu choroso pedido de apoio. Ela decide abortar, mesmo sozinha, sem nenhum tipo de suporte, - pelo contrário - sendo chamada de assassina por seu próprio namorado. Ao concluir o procedimento, se depara com Brian esperando-a na saída, o qual levou-os para casa, sem conversa alguma, para ser novamente usada e descartada. Após vários dias de mudez por parte de Brian, chega um dia em que Roz decide pedir seu apoio, numa situação de extrema infelicidade, doente, e é novamente descartada, ao ponto de novamente se afastar. Roz se sente inútil, sem valor, com sensação de desaparecimento. Uma nova etapa da história tem início. Brian sai em uma viagem a trabalho, e Roz desta vez já não parece se importar tanto - talvez esteja se cansando. Esta viagem deu a Roz a oportunidade de aproveitar melhor a companhia das crianças. Elas mesmo pareciam mais felizes sem a presença do pai. Numa dada noite, Roz recebe uma ligação, já tarde, de uma colega de trabalho de Brian - Victoria. Roz sente um estranhamento devido ao horário e ao desconhecimento por parte da colega a respeito da viagem de Brian. Decide retornar. Elas se encontram e várias revelações começam a surgir. Roz parece agora estar determinada a romper seu relacionamento com Brian. Arruma suas coisas, e vai para casa de Val - sua amiga. Ao chegar, Brian não para de ligar para Roz, que não atende. No dia seguinte, ele vai até a casa de Val implorando pelo retorno de sua tão - supostamente - amada companheira. Como num toque de mágica, Roz deixa seu sentimento falar mais alto e acaba abrindo a porta. Com uma série de promessas e garantias, o manipulador consegue novamente conquistar a confiança de uma mulher extremamente amável e digna de coisa melhor. Passam a noite juntos, e Brian se comporta de maneira a conquistá-la, fazendo-a se sentir novamente amada, “como se ele tivesse voltado a si”. Roz recebe a ajuda de várias pessoas durante o ciclo de seu relacionamento, mas parece ignorar tais preocupações, apegando-se demasiadamente na confiança em Brian. Até mesmo em situações nas quais provas cabais eram mostradas a ela, esse apego permanecia. A partir deste momento, a história passa de maneira muito intensa e rápida. Na noite daquele mesmo dia, Roz decide ligar para Victoria, e conta o ocorrido. Esta última fica bastante irritada e sem conseguir acreditar no que acabara de ouvir. A ex companheira de Brian se encontra numa situação clara de vantagem sobre Roz, que parece ignorar todos os avisos daqueles ao seu redor. Por já ter vivenciado a trágica experiência de um relacionamento com este homem, tenta incessantemente convencer a atual companheira dos fatos que para ela, são claros como água. Foi até a casa de Brian, esperando que Roz fosse junto, para que pudessem esclarecer de vez a história. Esta última vai até a casa e se depara com a porta da casa escancarada e pode ouvir gritos. Como era de se esperar, Brian nega toda a história contada por Victoria, e ainda tem a coragem de, na frente de Roz, dizer que nada do que tinham feito, teria de fato acontecido. Neste momento, Roz perde o controle pela primeira vez e esbraveja sua indignação. O cruel homem que vinha se demonstrando e construindo um monstro à sua imagem chega no limiar que Roz não podia mais aguentar. Sem medir forças, agride-a a ponto de causar escoriações em sua pele. Esta foi a gota necessária para que ela fosse até uma delegacia. Parece estar tudo se encaminhando para o fim desta relação. Passaram-se três meses sem que os dois se falassem, até um dia no qual Roz estava dirigindo. Brian liga desesperado repetindo todo seu discurso de retratação, o qual já conhecido por Roz, não surte tanto efeito. Ao mencionar as crianças, ele consegue algo. Somente por causa delas é que Roz dá ouvidos ao homem que a agrediu. Somente o amor por filhos que são mais seus do que dele foi capaz de impedir que Roz desse o último passo para que Brian fosse preso. Por um breve momento, ela pensou em até mesmo tirar sua própria vida. Por este breve momento, pareceu-a mais fácil acabar com tudo daquela maneira do que lidar com um monstro novamente. A tortura emocional feita durante a relação quase resultou em mais um final trágico. Durante a ligação, ela faz menção ao fato de que Brian não poderia falar com ela. Isto nos remete às medidas protetivas de urgência garantidas pela Lei Maria da Penha. Estas medidas são um grande avanço em nosso sistema normativo, pois possibilitam que mulheres em situações iguais ou análogas à de Roz tenham sua integridade resguardada pelo Estado. Naquele momento, segundo a lei brasileira, Brian estaria cometendo mais um crime: o de descumprir medidas protetivas, incluído há pouco tempo na mencionada lei. Agora, Roz retoma contato com suas amigas e família, que ajudam-na a perceber a tamanha armadilha em que caiu e lá se encontra. Mesmo com essa ajuda, ela não parece estar disposta a pôr um fim na relação. Encontra-se num estado de dúvida eterno, sopesando o seu bem-estar com o suposto amor que possui por Brian. Era hora de tomar outras medidas. Este apoio da família e amigos foi sempre presente durante o relacionamento, mas acabava ficando ofuscado pelo amor que Roz tinha por Brian, que fazia praticamente o que quisesse com ela, e saía incrivelmente ileso de todas as situações Outra medida foi tomada. Roz foi até uma terapeuta - Sage, a qual pôde ajudá-la a compreender melhor a si mesmo e o porquê de se comportar de tal maneira diante de situações nas quais pessoas comuns, aparentemente, não se comportariam como ela. Explica a profissional que Brian mantia sua companheira presa a ele devido ao seu modo de falar, mas não de agir. Ao proferir diversas promessas de boas ações, dizer que a ama e logo após mentir descaradamente, Brian mantia a esperança em Roz de que ele mudaria, de fato. Isso causava uma confusão enorme na cabeça dela, que se via em dúvida se o problema não poderia ser ela, já que ele falava isso, e agia de modo diferente de suas palavras. Ao falar sobre a memória, elucida muito bem a Roz que seu cérebro a protegia, organizando boas memórias, mas não as ruins. Estas últimas acabam passando despercebidas e uma história só com boas lembranças é construída. Isso responde bastante o porquê de Roz confiar tão cegamente em seu companheiro, a ponto de submeter-se a situações degradantes de sua psique. Segundo a terapeuta, os tremores que Roz sentia ao se aproximar da casa de seu cônjuge eram nada mais do que a adrenalina subindo em seu sangue. Seu corpo dando um sinal - fuja! Mas isso era interpretado por ela como algo bom, alguma felicidade que surgia quando esta se aproximava de seu amado. Roz já não sentia mais amor por Brian, e sim um vício naquela adrenalina - como numa montanha russa apavorante. Esta parte aproxima bastante o leitor. É possível termos uma ideia do que esta mulher sentia. Dificilmente homens se encontram no polo em que se encontrava Roz, além de esperarmos que mulheres também não se encontrem, mas é bastante menos raro a situação da montanha russa. A terapeuta ainda fala sobre a síndrome de estocolmo, na qual - resumidamente - o sequestrado passa a gostar do sequestrador. Roz teve um grande avanço em sua compreensão, mas parecia ainda não acreditar totalmente. Acreditava que as ações poderiam ser compensadas. Associava a ideia de amor à um passado distante no qual apanhava de seu pai, como forma de educação, justificando assim as agressões que sofrera. Tinha como conto de fadas favorito - ironicamente - “A bela e a fera”, na qual uma besta é transformada pelo amor de uma jovem. Essa coincidência acabou sendo percebida de maneira positiva por Roz, pois esta realmente esperava que poderia transformar sua besta. Após a consulta, ela mesma vai atrás de conhecimento e descobre a teoria comportamental de Skinner, associando seus comportamentos à um condicionamento que se submeteu com os tratamentos de Brian. Nesta analogia, o segundo pombo, que não tinha a certeza de que receberia a comida ao apertar o botão - em contrapartida do outro que sempre recebia - assemelha-se muito a Roz. Esta nunca sabia o que poderia acontecer. Estava sempre tentando agradar Brian dos mais diversos jeitos possíveis, mas sem resultado. Esta resposta de Brian só fazia com que Roz tentasse cada vez mais agrada-lo, na tentativa de algo diferente dar certo, esgotando suas energias, mas sem nunca obter um bom resultado, ou minimamente previsível. Ao voltar para o consultório, encontra-se muito melhor esclarecida, e finalmente aparenta estar decidida sobre o futuro que quer dar à sua vida. Firme de sua postura, abre mão de seus laços com as crianças e finalmente rompe definitivamente com Brian. Ela retoma sua vida normal, voltando a fazer o que antes fazia. Mas não acabou aqui. Cinco anos se passaram e Brian se juntou novamente com uma mulher, o que fez despertar em Roz novamente a sensação de que era ela a errada, e que deveria ela se amoldar ao jeito do homem que amava. Por fim, a terapeuta convence-a de que Brian não poderia ter mudado de repente, e que ela é tão bonita e inteligente quanto poderia ser a companheira atual de seu antigo namorado, a qual Roz ouvira falar sobre. Mesmo após todo o esclarecimento, de toda a teorização e explicação da situação na qual se encontrava, restava em Roz a parte que nos é comum: o sentimento. Este é o único que poderia justificar toda a pacificidade de Roz diante da relação na qual se encontrava. As nossas emoções afetam todas as nossas outras funções mentais, alterando drasticamente - por exemplo - o raciocínio lógico. Esta talvez seja a única justificativa em meio a todo o ocorrido. Somos capazes de aceitar praticamente tudo quando submetidos ao funcionamento de nosso cérebro.