Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apresentação
Camilo Castelo Branco, ao publicar Amor de Perdição (1862), nos presenteou com
uma obra que, passados quase dois séculos, ainda conserva-se icônica, emblemática,
representativa de um modelo de expressão artística e sociocultural deveras influente no
mundo ocidentalizado: o Romantismo. Seu enorme sucesso e penetração no gosto popular
não são infundados: sua trama, seus personagens, seu apelo discursivo, tudo encontra-se
disposto em consonância com os ideais e espírito da época, notoriamente marcados nesta obra
de forma cativante. Parafraseando Calvino (2007), clássico é todo aquele livro que sua leitura
se renova, no qual ainda encontramos chaves de interpretação e que ainda gera discussões
sobre seus aspectos inerentes; Amor de Perdição, portanto, insere-se nessa categoria de
clássico, sem reservas.
Pautado nessa perspectiva de tentar recuperar elementos desencadeadores de
apreensão de sentidos com os quais se possam estabelecer novas leituras – inclusive
extralinguísticas –, neste breve ensaio pretendo me debruçar sobre uma questão que me saltou
bastante instigante: a construção, ou melhor, a configuração de um perfil de masculinidade
comum às personagens masculinas. Assim sendo, lanço uma investigação introdutória acerca
das características presentes naquelas de maior destaque, a saber: Simão Botelho,
personagem que dá vida à história e em torno do qual ela se desenlaça; Domingos Botelho,
pai de Simão e um juiz sem muita projeção pessoal e profissional; Tadeu de Albuquerque, pai
de Teresa – interesse romântico de Simão –, que nutre um desafeto pela casa dos Botelho;
Baltasar Coutinho, primo de Teresa, candidato a seu esposo e principal antagonista; e João da
Cruz, mestre ferrador e comparsa de Simão em seus planos. Como recorte metodológico,
escolhi determinados episódios nos quais se denota uma presença mais assinalada de ações
e/ou discursos para, ao final, traçar um painel representativo desse (ou desses diversos) ethos
masculino apresentado no romance.
Caracterização e análise dos personagens
–Vais dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha filha. É preciso que te
deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres este passo difícil,
conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam ser imposta pela
violência. Mas, repara, minha querida filha, que a violência de um pai é
sempre amor.
– Não sou cruel – disse o ferrador –, o fidalgo está enganado comigo; é que,
diz lá o ditado, morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho. Tanto faz
matar um como dois. Quando se está com a mão na massa, tanto faz amassar
um alqueire como três. As obras devem ser acabadas ou então o melhor é não
se meter a gente nelas (...).
Conclusões e apontamentos