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Apresentação:
O narrador apresenta, num primeiro momento, os motivos que o levaram à escrita da
novela. Assim, refere que encontrou na Cadeia da Relação do Porto antigos registos de entrada
dos prisioneiros, onde constava uma nota sobre a prisão de Simão Botelho. Nela, encontra
algumas informações sobre o prisioneiro, nomeadamente a filiação e fisionomia. Afirma-se
nesse documento que Simão partiu para o degredo na Índia em 17 de março de 1807.
Capítulo I:
Em 1779, Domingos Botelho, fidalgo de Vila Real de Trás-os-Montes que exercia a
função de juiz de fora em Cascais, casa com D. Rita Preciosa, uma dama do paço que era «uma
formosura». Em 1784, quando nasce Simão, o penúltimo dos filhos (o casal teve dois filhos e
três meninas: Manuel, Simão, Maria, Ana e Rita), Domingos Botelho consegue transferência
para Vila Real, sua «ambição suprema». Aí, são recebidos pela nobreza da vila. D. Rita estranha
o atraso das gentes, respondendo com altivez à cordialidade; também desdenha das
comodidades. É construída uma nova casa. Apesar de não ter razão, Domingos Botelho sofre
com os ciúmes, temendo não conseguir preencher o coração de sua mulher e porque se
considera muito feio (comparando-se, mitologicamente, a Vulcano casado com Vénus). Em
1790, consegue transferência para Lamego, o que muito desagrada a D. Rita.
Aos poucos, D. Rita passa a ter desgosto por ter um filho como Simão. Este tem amigos
e companheiros que a família não aprova (escolhendo-os na plebe de Viseu), escarnece das
genealogias e faz com que as irmãs mais velhas o temam. Também Domingos sente aversão
por Simão.
Quando estão a terminar as férias, um dos criados de Domingos Botelho quebra, por
acidente, umas vasilhas, enquanto dá de beber a um macho, sendo espancado pelos
aguadeiros. Simão, que por ali passa, toma o partido do criado e acaba por partir «muitas
cabeças». Após a queixa dos feridos, Simão foge para Coimbra, com o dinheiro da mãe, ficando
a aguardar o perdão do pai. O corregedor desiste de deter o filho.
Capítulo IV:
O capítulo abre com uma caracterização de Teresa, a partir do diálogo com Baltasar
Coutinho, destacando o narrador que ela é uma mulher de «orgulho fortalecido pelo amor».
Por carta, Teresa relata o sucedido a Simão, omitindo apenas as ameaças do primo.
O estudante resolve ir a Viseu para ver a filha de Tadeu. Como precisa de um sítio seguro
onde ficar, o arrieiro recomenda-lhe a casa de um primo seu, que fica perto de Viseu. Simão
envia uma carta a Teresa e combinam um encontro às onze horas, no dia do aniversário desta.
À hora combinada, Simão fica surpreendido por ouvir música vinda de uma casa que ele
sempre considerara triste e sem vida.
Personagens:
Simão Botelho – Este é o protagonista que, inicialmente, é descrito como um jovem
revoltado e engajado nas questões sociais de sua faculdade, aos 17 anos de idade. Quando
conhece Teresa, torna-se um homem virtuoso e dedicado, embora ainda seja muito passional
e capaz de fazer tudo por sua amada; um típico herói romântico.
Teresa de Albuquerque – Ela também é protagonista, uma doce jovem de 15 anos que
representa a materialização do ideal romântico feminino. Embora delicada, ao longo da trama,
vai adquirindo traços heroicos à medida que luta por seu amor.
Mariana – Uma jovem melancólica, de origem simples, que se envolve numa paixão
por Simão. Sabe que nunca será correspondida, o sofrimento lhe serve de combustível para
estar sempre servindo ao seu amado; até naquilo que ele precisa para se corresponder com
Teresa.
João da Cruz – O pai de Mariana, um simples ferreiro que contraiu dívida com o pai de
Simão, sendo, portanto, designado para ser o “fiel escudeiro” do herói protagonista. A
personagem mais equilibrada da narrativa.
Amor paixão:
É efetivamente isto o que sucede em Amor de perdição: como foi referido anteriormente,
o narrador assume uma posição subjetiva — salientando o carácter absurdo do ódio entre as
duas famílias, bem como a injustiça que está subjacente às tentativas, por parte de Tadeu de
Albuquerque, de impor à sua filha um casamento com um homem que ela não amava, e que a
condenaria a ser infeliz para todo o sempre. Em contrapartida, é louvado o carácter heroico de
Teresa e de Simão, que, tendo consciência da dimensão sublime da sua paixão, estão dispostos
a abdicar da liberdade e, posteriormente, até da própria vida, em seu nome. A morte não os
intimida, dado que ambos encaram o amor como um sentimento ideal, que, caso não possa
ser vivido na Terra, será concretizado no Céu. Com efeito, ambos estão seguros do carácter
eterno da sua paixão, que não se coaduna com a mesquinhez de uma sociedade movida por
valores meramente terrenos.
O amor-paixão é também vivido por Mariana, na medida em que, como foi anteriormente
referido, apesar de ter consciência de que o seu sentimento não é correspondido, acabará por
dedicar toda a sua vida a Simão. Contudo, ao contrário dos protagonistas, esta personagem,
pelo seu carácter prático, ao invés de projetar na eternidade a esperança de ser amada por
Simão, tem esperança de ser correspondida ao acompanhá-lo no exílio. O pragmatismo não
torna, no entanto, o seu amor inferior ao de Teresa: sabe que a sua vida não faz sentido sem o
amado e diz friamente que, caso este morra, se suicidará — o que efetivamente acaba por
suceder.
O herói romântico é também uma personagem que se define pelo seu isolamento
existencial: individualista e egocêntrico, Simão distingue-se e demarca- -se das demais
personagens e existe num mundo que é só seu e diferente do dos outros homens. • Outro
traço de Simão que faz dele um herói romântico é a oposição que se estabelece entre ele e a
sociedade, oposição que evolui para um conflito. A personagem opõe-se com todas as suas
forças às convenções, regras e ideias-feitas da sociedade, mas acaba por sucumbir nesse ato
rebelde e heroico. Simão contesta desde cedo as práticas sociais e os valores hipócritas e
vazios que a comunidade defende: um falso conceito de honra, a falta de integridade e de
carácter, a falência dos valores humanos e cristãos e dos sentimentos e laços de família.
Meneses e Albuquerque cultivam ódios entre si, os privilegiados sentem-se superiores aos
desfavorecidos e o verdadeiro Amor não encontra espaço para existir nesta sociedade.
De facto, Amor de perdição é bem uma obra que, sendo romântica — veja-se a forma
como se expressam as emoções e como se veiculam os valores do Liberalismo —, anuncia já a
narrativa da atualidade (Buescu, 1997: 344-350), na medida em que estuda e critica a
sociedade do seu tempo, ainda que a ação se circunscreva ao início do século XIX e a uma
região do Norte do País.
😉😊