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Amor de Perdição

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco (1825-1890) era órfão dos pais e veio a se casar
com dezesseis anos. Apesar de casado, mantinha relacionamento com Ana
Plácido, com quem veio a se casar mais tarde, não sem antes terem sido
condenados à prisão por adultério (à época era crime). Camilo contraiu
sífilis, o que o levou à cegueira e, mais adiante, a cometer suicídio.
Camilo notabilizou-se pelas novelas, especialmente as de teor
passional. Criou uma espécie de template novelístico, que preenchia de
acordo com personagens diferentes, porém com os mesmos elementos
narrativos: o amor impossível ou marginal, os conflitos oriundos desse
amor, o desvario e a morte dos apaixonados, o abandono da vida social pela
clausura em um convento ou mosteiro. Apesar disso, Camilo escreve para
um público burguês.
O amor impossível é o argumento básico de Amor de perdição,
publicado em 1862.
Literariamente, o autor está inserido no segundo momento da
literatura romântica portuguesa, caracterizada como ultrarromântica, por
tratar de modo explícito e exagerado sobre os sentimentos e a busca pela
realização amorosa.
O enredo gira em torno de Teresa Albuquerque, noiva, a contragosto,
do primo Baltasar. Ela era apaixonada por Simão Botelho. Diante da recusa
de Teresa em se casa com quem o pai gostaria, ele a interna em um
convento.
Desse modo, está erigido o conflito essencial sob o qual se assenta a
novela. De um lado, Simão e Teresa jurando amor eterno, de outro todos os
familiares contra essa união.
Narrado em terceira pessoa, o narrador, vez ou outra, explica o narrado
ou faz algumas considerações de ordem moral ou de técnica literária. Trata-
se de um típico narrador romântico, que procura estabelecer um diálogo
com o leitor, com o objetivo de demonstrar que a história, mesmo
parecendo fantasiosa, teria acontecido de fato.
Simão Botelho é descrito como alguém arrogante e briguento. Porém,
ao conhecer Teresa, abandona essa característica e passa a viver em função
dela, ao menos tenta ficar com ela, a despeito das brigas familiares entre os
Botelhos e os Albuquerques, devido a algumas contendas jurídicas.
Considerando a ida obrigatória de Teresa a um convento, Simão faz de
tudo para conversar com ela. O único meio são cartas, trocadas por meio
de mensageiros.
Em dado momento, Simão, com apoio de um ferreiro, chamado João,
arma uma emboscada para matar Baltasar. Na ação, o primo de Teresa
consegue escapar e Simão fica ferido. Por um tempo, passa a receber os
cuidados de Mariana, filha de João. A moça vem a se apaixonar por Simão.
Apesar disso, faz de tudo para ajudar o amado a ficar com Teresa.
Mariana, com efeito, passa a amar Simão. Apesar disso, abstém-se de
seu sentimento para ajudar o rapaz a falar e até a ver Teresa. Ajuda-o
mesmo com dinheiro. Não demora muito para Simão perceber as
intenções de Mariana, mesmo assim, é fiel a seu amor.
Simão, já recuperado dos ferimentos, vai ao encontro da amada, que
era escoltada por uma comitiva até a cidade do Porto, onde seria internada
no convento. Baltasar integrava a comitiva. O embate entre os dois é
inevitável, o que leva Simão a assassinar Baltasar. Ante essa atitude
desesperada, Simão, mesmo sendo filho de um desembargador, nada faz
para fugir ou para obter alguma defesa que o livrasse da morte. O próprio
pai também cansando das loucuras do filho pede que a justiça aja com rigor
no caso.
Simão, de sua parte, também não se preocupa em defender-se.
Dispensa inclusive um plano de fuga feito por João. Como herói romântico,
aceita seu destino de bom grado, mesmo sabendo que será condenado à
forca. Porém, consegue que a pena de morte seja comutada para o
degredo na Índia, onde viveria por dez anos em liberdade e depois poderia
retornar.
Teresa considera a possibilidade como uma espécie de solução para
eles, pois em dez anos, seu pai certamente estaria morto. Então poderiam
se casar. Por outro lado, Simão começa a imaginar que não aguentaria viver
dez anos no degredo, que seria como uma prisão sem grades, e que Teresa
deveria seguir a própria vida, pois ele não tinha certeza se sobreviveria tanto
tempo.
De qualquer modo, em 17 de março de 1807, um navio levava 75
pessoas, incluindo Simão Botelho e Mariana, que pagara para acompanhar
o homem que amava, mesmo sabendo que poderia não ter chances com
ele.
Quando a embarcação passava pelo mosteiro do Porto, onde se
encontrava Mariana, Simão a viu agitando os braços e um lenço. Teresa,
sem suportar a separação, já adoentada, vem a falecer em seguida. Simão,
durante nove dias agonizou nos braços de Mariana. Sem resistir mais,
falece. Para evitar propagação de doença, o corpo é atirado ao mar.
Mariana, de sua parte, pega todas as cartas de Teresa a Simão, e atira-
as no mar juntamente com o morto. Após o baque do corpo no mar, ouviu-
se outro baque. Mariana já decidira que, sozinha não iria viver. Sem pai, sem
o amado, jogou-se ao mar e, abraçando-se ao corpo, desaparece sob as
ondas, em uma atitude tipicamente romântica.
Em síntese, o livro apresenta as seguintes características:
metalinguagem, expressão ultrarromântica do amor, conflito entre valores
pessoais e sociais, diálogo do narrador com o leitor, personagens
irresolutos, praticamente não mudam a opinião, nem aceitam sugestão de
ninguém, especialmente os heróis da narrativa, como Simão e Teresa, e, de
maneira coadjuvante, mas de grande importância, Mariana. Ainda
podemos destacar o senso de mistério, o modo como o narrador conduz o
texto, dizendo que precisaria explicar algo antes de continuar a narrar.
Por fim, o autor, na voz do narrador, ironiza certos romancistas por
serem muito fantasiosos, bem como determinado tipo de leitor, que tende
a não aceitar o que diz como expressão da verdade, além de ironizar
práticas sociais, condenáveis pelo autor. Ironiza ainda as escolhas dos
jovens, como no caso de Teresa, que, se fosse mais experiente, poderia ter
agido de modo diverso e não provocado a própria morte.

Trechos mais importantes do livro

Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da


Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas
232, o seguinte:
Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e
estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e
assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito
anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa
Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos,
cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão
pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei — Filipe
Moreira Dias.
[...]
Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, fidalgo de
linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila-Real de Trás-os-
Montes, era em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com
uma dama do paço.
[...]
No mês de fevereiro de 1803 recebeu Simão Botelho uma carta de Tereza.
No seguinte capítulo se diz minuciosamente a peripécia que forçara a filha
de Tadeu de Albuquerque a escrever aquela carta de pungentíssima
surpresa para o acadêmico, convertido aos deveres, à honra, à sociedade e
a Deus pelo amor.
[...]
Teresa, resolveu Albuquerque encerrá-la num convento do Porto, e
escolheu Monchique, onde era prioresa uma sua próxima parenta.
Escreveu à prelada para lhe preparar aposentos, e ao procurador para
negociar as licenças eclesiásticas para a entrada. Todavia, receando o velho
algum incidente no espaço de tempo que mediava até se conseguirem as
licenças, resolveu não ter consigo Teresa, e solicitou a retenção temporária
dela num convento de Viseu.
[...]
Simão achou tão necessário à sua conservação o sacrifício, como ao
contentamento da carinhosa Mariana. Passou-lhe na mente, sem sombra
de vaidade, a conjetura de que era amado daquela doce criatura. Entre si
dizia que seria uma crueza mostrar-se conhecedor de tal afeição quando
não tinha alma para lha premiar, nem para lhe mentir. Assim mesmo, bem
longe de se afligir, lisonjeavam-no os desvelos da gentil moça. Ninguém
sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas
aflições, nas derradeiras horas do coração e da vida, é grato ainda sentir-se
amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o
último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração
humano, seja o que for, no amor que nos dão nós graduamos o que valemos
em nossa consciência.
[...]
Teresa pedira a Simão Botelho que aceitasse dez anos de cadeia, e
esperasse aí a sua redenção por ela. "Dez anos! — dizia-lhe a enclausurada
de Monchique. Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua esposa, e
irei pedir ao rei que te perdoe, se não tiveres cumprido a sentença. Se vais
ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás, ou não acharás
memória de mim, quando voltares".
[...]
Ao romper da manhã apagara-se a lâmpada. Mariana saíra a pedir luz, e
ouvira um gemido estertoroso. Voltando às escuras, com os braços
estendidos para tatear a face do agonizante, encontrou a mão convulsa,
que lhe apertou uma das suas, e relaxou de súbito a pressão dos dedos.
Entrou o comandante com uma lâmpada, e aproximou-lha da respiração,
que não embaciou levemente o vidro.
— Está morto! — disse ele.
[...]
Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte mas para
abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. O
comandante olhou para o sítio donde Mariana se atirara, e viu, enleado no
cordame, o avental, e à flor da água, um rolo de papéis, que os marujos
recolheram na lancha. Eram, como sabem, a correspondência de Teresa e
Simão.
[...]
Da família de Simão Botelho vive ainda, em Vila-Real-de-Trás-os-Montes, a
senhora D. Rita Emília da Veiga Castelo Branco, a irmã predileta dele. A
última pessoa falecida, há vinte e seis anos, foi Manoel Botelho, pai do autor
deste livro.
ATIVIDADES

1. (Unicamp-SP) Leia com atenção o trecho abaixo, extraído do último


capítulo de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.
"Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para
abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. O
comandante olhou para o sítio donde Mariana se atirara, e viu, enleado no
cordame, o avental, e à flor da água, um rolo de papéis, que os marujos
recolheram na lancha".
A) Que relação há, em Amor de Perdição, entre as personagens Simão e
Mariana?
B) No trecho citado, o narrador menciona um “rolo de papéis”. Que papéis
são esses?
C) Considerando as respostas dadas aos itens A e B, analise a função
desempenhada pela personagem Mariana na estrutura do romance.

2. (UESPI) O romance Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco, foi


publicado em 1862. Considerado um dos principais romances portugueses
do século XIX, a obra fala do amor impossível entre Simão Botelho e Teresa
de Albuquerque. Ainda sobre esta obra é correto afirmar que:
A) Amor de perdição é um romance que já prenuncia o Realismo-
Naturalismo em Portugal.
B) o personagem de Simão Botelho foi inspirado num outro famoso
personagem da literatura ocidental: Casanova.
C) com exceção dos primeiros capítulos, toda a estória se desenvolve no Sul
da Espanha.
D) Domingos Botelho, Baltasar, João da Cruz, Tadeu Albuquerque e D. Rita
Castelo Branco são alguns dos personagens da obra.
E) Camilo Castelo Branco localiza sua estória nas últimas décadas do século
XVIII.

3. (PUC-RS) Marque a alternativa correta sobre a obra Amor de Perdição, de


Camilo Castelo Branco:
a) Trata-se de uma narrativa centrada na opressão da liberdade individual,
opressão esta promovida por uma sociedade provinciana ligada a velhos
preconceitos.
b) Estabelece-se, na narrativa, o conflito entre o meio social, com a
consequente vitória do indivíduo através da realização de seus objetivos.
c) Nota-se que o sentimento amoroso, a imaginação e a sensibilidade são
valores que realçam a liberdade individual e abrem, a expectativa de
manutenção das normas sociais institucionalizadas.
d) Percebe-se que o sentimento do amor romântico entra em relação de
equilíbrio com a razão, para manter a liberdade do indivíduo e o seu contato
harmônico com o meio social provinciano.
e) Observa-se a pouca importância atribuída ao sentimento amoroso, que
é superado pela razão equilibrada de uma sociedade provinciana e estável.

4. (UEL) Sobre Amor de perdição, do escritor português Camilo Castelo


Branco, assinale a alternativa INCORRETA:

Descubra a faculdade certa para você em 1 minuto!


(A) Amor de perdição é uma novela ultra-romântica, marcada pelo
sentimento passional e pelo idealismo amoroso, confirmando, assim, duas
das principais características do período, que foram o subjetivismo e a luta
individual do herói.
(B) Narrada em terceira pessoa, a novela segue as convenções tradicionais
da narrativa de ficção, como a sequência temporal dos acontecimentos e a
linearidade do enredo, apresentando também referências históricas e
biográficas.
(C) O ultra-romantismo da novela é quebrado por tendências realistas
observadas no posicionamento da personagem Mariana e na forma pouco
subjetiva como a realidade é tratada numa ficção documental.
(D) Mariana é a principal agente de comunicação entre Simão e Teresa,
figurando como personagem auxiliar que promove a união amorosa entre
os dois adolescentes apaixonados, embora não possa dela participar.
(E) A personagem Mariana, encarnando o amor romântico, com pureza e
resignação, e a personagem Teresa, representando a mulher inacessível e
idealizada, encontram na morte a plenitude do amor idealizado, nesta
novela da segunda fase romântica da literatura portuguesa.
Gabarito das atividades

1 – Respostas:
A) Mariana é apaixonada por Simão, que por sua vez é apaixonado por
Teresa.

B) Eram as cartas que Simão recebia de Teresa enquanto estivera preso,


sob os cuidados de Mariana.

C) Mariana, por amor a Simão, ajuda-o a se comunicar com Teresa, e


também cuida dele quando estava ferido e depois ao ser preso.

2 – D; 3 – A; 4 – C.

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