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Camilo Castelo Branco, “Amor de Perdição”

Introdução

A Introdução inicia-se com a reprodução do registo de entrada de Simão Botelho na


Cadeia da Relação do Porto e a referência à sua partida para o degredo. A partir desses
dados, que conferem verosimilhança ao relato, o narrador desenvolve considerações sobre a
juventude do protagonista e os desafios a que se encontrou sujeito em virtude do seu
percurso de vida, sintetizado na frase: “Amou, perdeu-se e morreu amando”. Aos dezoito
anos, é “degredado da pátria, do amor e da família”, circunstância que leva o narrador a
refletir sobre os sentimentos provocados nos leitores pela entrega amorosa de Simão.
Procura sensibilizar em particular a “leitora” da sua obra (“a minha leitora, a carinhosa amiga
de todos os infelizes”) e antecipa a comoção que a história de Simão lhe suscitará, quando
conhecer o “pobre moço” que, “por amor da primeira mulher que o despertou do seu
dormir de inocentes desejos” perdeu “honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe,
vida, tudo”. Em linguagem emotiva, justifica ainda o seu interesse pela história de Simão
com o “doloroso sobressalto” e os sentimentos contraditórios (“amargura”, “respeito” e
“ódio”) que ela lhe provocou.

Capítulo I

O primeiro capítulo permite conhecer os antecedentes da ação. Apresenta a genealogia


de Simão, acompanhando a sua família nas diferentes etapas do percurso profissional do juiz
Domingos Botelho, pai de Simão. Este, ainda que “extremamente feio”, fraco em “dotes de
espírito” e com “escassos bens de fortuna”, granjeou a “estima de D. Maria I e Pedro III” e,
no paço, conseguiu “fazer-se amar da formosa dama” D. Rita Teresa Margarida Preciosa da
Veiga Caldeirão Castelo Branco, com quem veio a casar. Após o nascimento dos cinco filhos
(dois rapazes e três meninas) e da estadia em Lisboa, a transferência de Domingos Botelho
leva a família a mudar-se para Vila Real. D. Rita Preciosa estranha os costumes da região,
deprecia ironicamente a nobreza local e incomoda-se com a degradação material da casa em
que se instalam. Consegue mais tarde que o marido, com a ajuda de um “generoso subsídio”
da rainha, mande edificar uma nova habitação. Nos seis anos de permanência em Vila Real, a
mãe de Simão age com “altivez e zombaria”, causando ciúmes ao marido pela admiração
que suscitava junto dos primos, e, quando Domingos Botelho é nomeado provedor para
Lamego e a família o acompanha, “deixou saudades em Vila Real, e duradoura memória da
sua soberba, formosura e graças de espírito”. O marido, por seu turno, “deixou anedotas”.
Desagradada com Lamego, onde não mereceu simpatia, D. Rita Preciosa pressiona Domingos
Botelho, que assume o cargo de corregedor em Viseu. Em 1801, data do início da ação, é
nessa localidade que vive a família, à exceção dos dois rapazes, Manuel e Simão, estudantes
em Coimbra. Em Simão, apesar dos seus quinze anos, é desde logo destacado o “génio
sanguinário”, que assusta as irmãs, à exceção de Rita, a mais nova, e amedronta o irmão,
que, para se afastar dele, se muda para Bragança. O temperamento intempestivo e agressivo
de Simão fica evidente no episódio do chafariz, quando, para vingar um dos seus criados,
“partiu muitas cabeças” e acabou a “quebrar todos os cântaros”.

Capítulo IV

Depois de conhecer a vizinha Teresa e de se apaixonar por ela, Simão transforma-se.


Afasta-se das más companhias e passa a viver com maior recato. Apesar de recíproco, o
amor de Simão e Teresa não conta com o apoio das respetivas famílias, ligadas pelo ódio
decorrente de litígios anteriores. Por isso, o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, prepara o
seu casamento com um primo, Baltasar Coutinho, e informa a filha da sua resolução. Teresa
rejeita a proposta paterna e predispõe-se a aceitar uma vida de clausura monástica.
No Capítulo IV, depois de uma breve descrição de Teresa, que é apresentada como
“mulher varonil”, com “força de carácter” e “orgulho” e dotada de “perspicácia”, relata-se o
diálogo de Tadeu de Albuquerque com a filha, procurando convencê-la a casar-se com o
primo, Baltasar Coutinho. Este é, aos olhos do tio, “um composto de excelências”, mas,
segundo o comentário do narrador, distingue-se efetivamente pela “absoluta carência de
brios”. Teresa enfrenta o pai e recusa-se a aceitar o matrimónio com o primo, contando a
Simão, numa das suas cartas, todos os acontecimentos. Motivado pela “fúria do ódio”, o
jovem decide “apunhalar o primo de Teresa”, decisão que a lembrança da amada o impede
de concretizar. Tenta, contudo, ir vê-la e, através de um arrieiro, consegue instalar-se em
Viseu, em casa de um ferrador, João da Cruz, o qual, vem a saber-se mais tarde, retribui
deste modo uma dívida de gratidão a Domingos Botelho. Simão combina um encontro
noturno com Teresa, junto à casa desta.

Capítulo X

Conforme combinado (no final do Capítulo IV), Simão encontra-se com Teresa e é
surpreendido por Baltasar, que, noutra ocasião, durante um novo encontro noturno dos
apaixonados, ataca e fere Simão. Este é tratado em casa de João da Cruz por Mariana, filha
do ferrador, que se torna sua confidente e começa a desenvolver sentimentos amorosos
pelo jovem. Teresa entra no convento de Viseu e mantém o contacto com Simão através de
cartas. Tadeu de Albuquerque decide transferir a filha para o convento de Monchique, no
Porto, intenção de que Simão toma conhecimento e que Mariana se predispõe a confirmar
através de uma visita a Teresa.
O Capítulo X inicia-se com a visita de Mariana a Teresa, no convento, entregando-lhe
uma carta de Simão. Teresa envia, por sua vez, um recado a Simão, informando-o da sua
mudança, nessa madrugada, para o convento de Monchique, no Porto, e recomenda-lhe
“que se não aflija” e que não a procure, pois, conhecendo a sua impulsividade, receia que se
exponha ao perigo. Mariana regressa a casa e transmite-lhe as informações de Teresa, o que
desencadeia uma conversa entre Mariana, Simão e João da Cruz acerca da relação do jovem
com a filha de Tadeu de Albuquerque e na qual o ferrador expõe uma perspetiva popular do
envolvimento amoroso. Simão escreve uma carta a Teresa e, apesar de o negar a Mariana,
decide ir procura-la de madrugada, tentando falar com ela no momento em que sair do
convento para viajar para o Porto. Chega a Viseu e aguarda durante algumas horas, junto ao
convento. Quando a comitiva de Teresa se aproxima e a jovem já está no exterior, Simão é
surpreendido e envolve-se numa acesa discussão com Tadeu de Albuquerque e Baltasar
Coutinho. Este “lançou-se de ímpeto a Simão”, que dispara e o fere mortalmente. Apesar do
apoio de João da Cruz, que chegara entretanto, e da sua sugestão para que fuja, Simão
entrega-se às autoridades.

Capítulo XIX

Após a morte de Baltasar Coutinho, Simão é preso e condenado à forca. Teresa entra no
convento de Monchique, no Porto, e continua a trocar cartas com Simão. A jovem adoece e
o seu estado de saúde vai-se agravando. Simão é transferido para a Cadeia da Relação do
Porto, onde passa a ter a companhia de Mariana, que aí recebe a notícia do homicídio de
João da Cruz (num ato de vingança). A pena de Simão é comutada por dez anos de degredo
na Índia e Mariana decide acompanhá-lo.
O Capítulo XIX inicia-se com reflexões do narrador acerca da verdade, do amor e dos
efeitos desse sentimento em Simão, a quem, num tom intimista, interpela diretamente.
Descreve também as diferentes reações de Simão e de Teresa perante a hipótese de ver
comutada a condenação à forca do filho do corregedor por uma pena de dez anos de cadeia.
Nas cartas trocadas entre ambos, Teresa reage com esperança, desejando que Simão aceite
a pena de cadeia, por ver nessa opção a hipótese de concretização do seu amor. Temendo
perder Simão para sempre com a sua partida para o degredo, entende que, findo o prazo de
dez anos, o seu pai já não será um impedimento à sua união, por já ter morrido, e que uma
possível intervenção junto do rei permitirá mitigar a pena do jovem. Simão, contudo, recusa
viver enclausurado na “tortura” da “liberdade cativa” numa pátria que abomina e numa
sociedade contra a qual continua a querer afirmar a sua individualidade. A concentração
temporal do final do capítulo conduz a ação, por meio de referências temporais
gradualmente mais específicas (“Decorreram seis meses ainda”, “Duas primaveras”, “Era em
março de 1807”, “No dia 10 desse mês”), até ao momento em que Simão inicia a viagem que
o deve levar ao degredo e durante a qual se consumará o desenlace trágico da ação.

Conclusão

Simão embarca para a Índia e Mariana acompanha-o. Ao partir, passa junto ao convento
onde se encontra Teresa, vislumbra-a e os dois despedem-se, acenando. Teresa morre, mas,
antes, consegue fazer chegar a Simão as cartas que ele lhe enviara.
Na Conclusão, o ritmo narrativo abranda e relatam-se os acontecimentos dos poucos
dias em que Simão agonizou até ao da sua morte. Simão lê as cartas de Teresa, recordando o
amor que os uniu, sempre velado por Mariana. A febre intensifica-se e o jovem chega a ser
visto por um médico. Na madrugada do quarto dia de viagem, entra em delírio, repetindo
excertos das cartas de Teresa e morre. Mariana despede-se de Simão, ata-lhe à cintura um
embrulho com as cartas de Teresa e assiste à entrada do seu corpo na água, momento em
que, sem que nenhum dos presentes o possa impedir, se atira ao mar, abraçando-se ao
cadáver do amado. No último parágrafo, o narrador faz referência aos descendentes de
Simão Botelho, de que se assume sobrinho. Confirma, assim, a sugestão biográfica instituída
desde a Introdução da obra.

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