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Baseada em um caso verídico – a vida de um tio que esteve preso na mesma cadeia da
Relação – a narrativa explora a força dos sentimentos como a razão de ser da vida.
Resumo
A história de Amor de Perdição circunda-se na cidade portuguesa chamada Viseu, mas
o enredo não se centra absolutamente em tal cidade, pois a alternância de cidades se faz
presente à medida que o enredo da ficção avança deliberadamente.
Domingos José Correia Botelho era um fidalgo não muito rico que teve a prerrogativa e
sorte última de se casar com a ilustríssima e formosa Srª Rita Teresa Margarida
Preciosa. Esta senhora era a Dama da rainha de Portugal (a rainha D. Maria, também
conhecida no Brasil como Maria, a louca) vigente na época em que começou a narrativa
de Castelo Branco, por volta aproximadamente de 1779, seguindo, pois, suas
respectivas sucessões temporais.
É justamente perto desta data apontada acima que Domingos Correia era juiz de fora da
cidade de Cascais, mas posteriormente conseguiu transferência para Vila Real, cidade
onde nasceu. Seria bom e gratificante exercer o ofício na terra onde foi concebido à
vida, não fosse as incessantes e inoportunas reclamações de Rita Teresa, ainda saudosa
de seus luxos monárquicos da corte de Lisboa, luxos estes que toda Dama do Paço
usufrui e, estando em sincronia com suas perfeitas sanidades mentais, jamais quer
abdicar.
Apesar dos queixumes de Rita Teresa, o casal ainda conseguiu ter cinco filhos: Manuel,
Simão, Maria, Ana e Rita. Manuel era o mais velho dentre os meninos, e Rita a mais
nova dentre os rebentos femininos.
Foi-se feita mais uma transferência do casal, agora para a cidade de Viseu, mas desta
vez acrescida a uma promoção: Domingos Botelho tornou-se corregedor desta cidade.
Se o romance de Teresa e Simão ainda persistisse, mesmo sendo por cartas, Tadeu
estava convencido de mandá-la a um convento Sabendo disso – através de uma carta -,
Simão teve a resolução de se hospedar na casa de um conhecido seu, o ferreiro João da
Cruz, este que se mostrou a todo momento sempre prestativo e disposto a ajudar Simão
em qualquer coisa, já que, há tempos atrás, o ferreiro conseguiu se livrar da cadeia
graças à intervenção jurídica do pai de Simão.
O ferreiro tinha uma filha chamada Mariana, “moça de vinte e quatro anos, formas
bonitas, um rosto belo e triste”. Ela demonstrou, desde o início, total disposição para
ajudar Simão no que fosse preciso, passando, além de ajudar Simão, também a admirá-
lo e amá-lo. Mariana tinha um semblante melancólico porque predizia tristezas que
aconteceriam com Simão caso ele continuasse com seu amor por Teresa, amor este
obstruído por egoísmo e orgulho dos pais do casal:
“ ─ Não sei o que me adivinha o coração a respeito de vossa senhoria. Alguma desgraça
está para lhe suceder…” Disse certa vez Mariana ao fidalgo.
Baltasar Coutinho passa a atormentar a vida de Teresa, querendo a todo custo seu
consentimento para o casamento arranjado. Através de ameaças e com o aval de Tadeu,
Baltasar se transforma em um estorvo na consolidação do amor do sofredor casal.
Depois de algumas tentativas não bem-sucedidas de encontro com Teresa, certa vez
Simão viu-se cara-a-cara com o fidalgo Baltasar Coutinho. Ambos discutiram, e Simão
– com o intuito nobre e extremamente passional de livrar o estorvo da vida de Teresa –
atirara contra o fidalgo de Castro Daire, matando-o instantaneamente. Como
consequência óbvia e imediata, Simão fora preso em Viseu após o fato, e Teresa
transferida para o convento de Monchique, na cidade do Porto.
O pai de Simão nada fazia para tentar tirar o filho da reclusão. Era bem possível que se
quisesse fazê-lo conseguiria relativo êxito, pois detinha o ofício de corregedor, profissão
essa de significativo status e influência persuasiva nos meios jurídicos da época. Mas, a
despeito de tudo isso, Domingos Botelho sempre negava e limitava-se sempre a dizer
isso:
“ ─ Eu não determino nada. Faça de conta que o preso Simão não tem aqui parente
algum.”
Enquanto a Teresa, sua vida tornara-se terrivelmente obscura e lastimosa também. Seu
único entretenimento dentro do convento eram as cartas que escrevia ao detento Simão.
A única atividade da rapariga dentro do convento era chorar. Sua tia Constança, a única
companhia que tinha no convento, lamentava-se ao ver diariamente sua sobrinha aos
prantos por causa de um amor impossível de se materializar.
Graças à ternura e solidariedade de Mariana, Simão tinha com quem contar dentro da
prisão. E também deve-se a Mariana o título de ser a intermediadora entre o romance
missivista do casal.
Enfim, foi graças a um tio-avô de Simão que o pai deste pôde repensar sua atitude de
não ajudar o filho a se livrar da prisão. O nome do tio-avô era a António da Veiga, este
que ameaçou se matar caso o pai não “mexesse seus pauzinhos” para tirar o filho da
forca. Infelizmente, tudo que o corregedor conseguiu foi a substituição do cárcere pela
deportação de dez anos do filho para o exílio na Índia.
Mariana decidiu ir com o amado ao exílio. Para ela não restava mais nada na vida a não
se o amor que sentia por Simão, já que o pai desta rapariga morrera assassinado por um
almocreve. Quanto a Teresa, ao saber da resolução do exílio, enlouquecera. Não poderia
imaginar Simão exilado por dez anos.
Enfim, a 17 de Março de 1807, sai do cais de Ribeirinha o navio com os 75 degredados,
entre eles Simão e Mariana. Teresa, vendo do convento o navio transportando os
exilados, suicidara-se.
“ ─ É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu. A tua pobre Teresa, à
hora em que leres esta carta, se me Deus não engana, está em descanso”.
Simão, tempos depois de ler a carta, e já com bastante febre provocada pelo enjoo do
mar, falecera no navio pedindo antes que Mariana jogasse todas as cartas que recebera
de Teresa ao mar.
É claro que Mariana fez tudo isso conforme seu amado pediu. Só um detalhe: Mariana
jogou no mar algo mais que as cartas. Jogou no mar si própria, tentando
desesperadamente encontrar ali o corpo cadavérico de Simão que lá estava, arremessado
pelos almirantes do navio às ondas do mar. Mariana morrera, pois, abraçada com o
corpo do fidalgo em alto mar.
É com este final trágico que Camilo Castelo Branco rematou Amor de Perdição.