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Telmo Pais:
➔ não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo
modesto título de escudeiro;
➔ o seu verdadeiro senhor continua a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena,
dado como morto na batalha de Alcácer Quibir;
➔ possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
➔ é o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
➔ nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”,
digno “… da confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro
valido, o familiar quase parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
➔ era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “…
ao princípio não podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu
pai” – a sua não aceitação inicial era originada por ela ser fruto do casamento de
Madalena e Manuel de Sousa, que Telmo via como uma traição a D. João, cuja morte
não aceita; porém, com o passar dos anos, a formosura e bondade de Maria
cativaram-no de tal modo que agora afirma ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
➔ foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
➔ atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança
viva e permanente do «remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
➔ ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais
amor do que os próprios pais;
➔ não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações,
agouros, profecias (como, por exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na
madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo ou morto, Madalena,
hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está
vivo; além do mais, D. João nunca deixaria de cumprir a sua palavra;
➔ atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica
as prevenções de Telmo em relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por
Maria;
➔ começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria
(fragmentação que será confirmada na cena V do ato III): sendo tão amigo dela e
pretendendo ter-lhe tanto amor, sustenta uma crença que, a concretizar-se, significaria
a morte da jovem;
➔ é sebastianista: acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
➔ funções ou papéis que desempenha- coro:
◆ alimenta o sebastianismo;
◆ anuncia desgraças próximas;
◆ profere contínuos agouros;
◆ comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico, através dos seus
presságios e agouros;
➔ leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
➔ os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem
como a sua intenção de salvar Maria de uma desgraça que considera iminente.
Maria:
➔ nobre;
➔ o seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo
apelidam-ma de anjo) – configura a imagem da mulher-anjo dos românticos,
contrastando com D. Madalena;
➔ tem 13 anos;
➔ é alta;
➔ é precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como
psicologicamente: “… em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas
de seu sexo também…”; “Maria tem uma compreensão…”;
➔ é curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz
(“tão perspicaz”);
➔ é bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
➔ dotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
➔ é sonhadora;
➔ possui uma imaginação muito fértil;
➔ segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele
anjo”.
Manuel de Sousa Coutinho:
➔ nobre: “… o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está” (o ingresso na
Ordem de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia
certificado de nobreza);
➔ o seu nome é bíblico: é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa “Deus
connosco”, significado que se adequado à personagem, dado(a)
➔ a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva;
➔ a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe adivinha, revelada
◆ na resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao lar onde vivera
com D. João (I, 8);
◆ na vivência cristã da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3);
◆ pelo contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como
de portas a dentro, quase no início da mesma cena;
◆ no desapego dos bens materiais, “coisas tão vis e tão precárias”;
◆ no desamor pela própria vida (“vida miserável que um sopro pode apagar” – I,
11);
➔ nas palavras de Telmo:
◆ “fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por
melhores neste reino em toda a Espanha”;
◆ “é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português”.
D. João de Portugal:
➔ nobre: nobreza de sangue que vinha do pai (“aquele nobre conde de Vimioso”), a
designação dom, atribuído apenas a alguns membros da aristocracia; o nome de
família do Conde de Vimioso;
➔ nas palavras de Telmo: “… espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons…”;
➔ o nome de batismo:
◆ é bíblico: evoca o nome de um dos apóstolos;
◆ é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um
tipo literário (cf. um D. Juan).
● Relação Telmo vs. D. Madalena
Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em
muito a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro apresenta-se
mais como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero aio, graças aos
longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois de Manuel de
Sousa). Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um pai, daí a liberdade
de que goza quando lida com D. Madalena. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma
autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se fosse sua filha. De igual
forma, ele respeita-a e aconselha-a, não obstante ter sido contrário ao segundo casamento.
Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos) entre
ambos seja de grande respeito, amizade, confiança e abertura, como se comprova ao longo de
todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D. Madalena quer fazer ao seu velho aio:
acabar com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de que de D. Sebastião
está vivo e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade, acarretaria consequências trágicas
para Maria, reduzida então à condição de filha ilegítima.
E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo escudeiro
que perturba a relação. Note-se como Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a
jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está claramente a sugerir que ela era
merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados legitimamente,
sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar
que D. João ainda está vivo. A ser assim, a família seria destruída e Maria uma filha
ilegítima, com todas as consequências ao nível da mentalidade e das convenções sociais da
época.
Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão:
se continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros,
poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que D. João de Portugal poderá
estar vivo despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de tal situação poderia
agravar seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.