Apreciação crítica – Duarte São Payo Ayres Pereira
A força da resistência e D. Manuel de Sousa Coutinho
A força da resistência (2018) de Marilena Nardi é um cartoon monocromático cuja expressividade se relaciona intimamente com a atitude de Manuel de Sousa Coutinho, no final do Ato I de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garret. Pretendo, assim, escrutinar esta intimidade estabelecida, bem como a técnica de desenho adotada, apreciando-as de forma crítica. No primeiro instante em que se observa o cartoon, este parece não passar do retrato de uma mão cujo dedo esmaga uma pequena criatura. Contudo, analisando de forma minuciosa aquilo que está representado, percebemos e somos capazes de interpretar o facto de que a pequena criatura remete para uma pessoa que, apesar da sua pequenez, é capaz de resistir à força da tirania. Deste modo, considero magnífica a indissociável ligação que esta obra tem com a atitude de D. Manuel retratada em Frei Luís de Sousa. De facto, o final do Ato I consiste no comportamento de Manuel de Sousa Coutinho assim que se depara com o desprezo e altivez demonstrados pelos governadores espanhóis ao pretenderem ocupar o seu palácio. Na verdade, a Cena XI baseia-se num monólogo do fidalgo patriota, no qual este reflete que “[…] por mais poderosa que seja a tirania, sempre lhe pode resistir […]” e se decide a deitar fogo à sua própria residência como forma de resistência e lição. Ora, é precisamente esta a mensagem que o cartoon e o seu título nos transmitem de forma eficaz e simples: por mais que poderosa seja a tirania, qualquer pessoa, por mais ínfima que seja, tem a capacidade de lhe oferecer resistência. Por outro lado, penso que a monocromia não contribuiu para a expressividade da obra e poderia ser mais trabalhada, nomeadamente com tons de vermelho, amarelo e bordô. Para além disso, a autora parece não se ter centrada na técnica de desenho, dando a entender, à primeira vista, que o cartoon não passa de um rabisco. A meu ver, é apenas este ponto que afasta esta obra da categoria de obra-prima. Em jeito de conclusão, apesar de ser dotada de grande simplicidade e monocromia, esta obra apresenta-se com uma expressividade exímia, peculiar e intemporal, sendo esta que me leva a recomendar a sua visualização e análise.