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Em relação: Frei Luís de Sousa ▪ Os Maias

Lê os dois textos e as notas. Na resposta aos itens, tem em consideração ambos os textos.

Madalena – [...] Onde está ele, Telmo? Onde está meu marido… Manuel de Sousa?
Manuel (que tem estado no fundo, enquanto Madalena, sem o ver, se adiantara para a cena,
vem agora à frente) – Esse homem está aqui, senhora; que lhe quereis?
Madalena – Oh, que ar, que tom, que modo esse com que me falas!…
5 Manuel (enternecendo-se) – Madalena… (caindo em si gravemente). Senhora, como quereis
que vos fale, que quereis que vos diga? Não está tudo dito entre nós?
Madalena – Tudo! quem sabe? Eu parece-me que não. Olha, eu sei… mas não daríamos
nós, com demasiada precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosas
palavras de um romeiro, um vagabundo… um homem enfim que ninguém conhece? Pois dize…
10 Telmo (aparte a Jorge) – Tenho que vos dizer, ouvi. (Conversam ambos à parte).
Manuel – Oh! Madalena, Madalena! não tenho mais nada que te dizer. Crê-me, que to juro na
presença de Deus: a nossa união, o nosso amor é impossível. [...]

Madalena – Jorge, meu irmão, meu bom Jorge, vós, que sois tão prudente e refletido, não
dais nenhum peso às minhas dúvidas?
15 Jorge – Tomara eu ser tão feliz que pudesse, querida irmã.
Madalena – Pois entendeis?…
Manuel – Madalena… senhora! Todas estas coisas são já indignas de nós. Até ontem, a
nossa desculpa, para com Deus e para com os homens, estava na boa-fé e seguridade de
nossas consciências. Essa acabou. Para nós já não há senão estas mortalhas (tomando os
20 hábitos de cima da banca) e a sepultura dum claustro. A resolução que tomámos é a única
possível; e já não há que voltar atrás… Ainda ontem falávamos dos condes de Vimioso… Quem
nos diria… oh, incompreensíveis mistérios de Deus… Ânimo, e ponhamos os olhos naquela
cruz! Pela última vez, Madalena… pela derradeira vez neste mundo, querida… (Vai para a
abraçar e recua). Adeus, adeus! (Foge precipitadamente pela porta da esquerda).
GARRETT, Almeida, 2014. Frei Luís de Sousa. Porto: Porto Editora (pp. 128-131)

25 Carlos ergueu-se arrebatadamente, numa revolta de todo o ser:


– E tu acreditas que isso seja possível? Acreditas que suceda a um homem como eu, como
tu, numa rua de Lisboa? Encontro uma mulher, olho para ela, conheço-a, durmo com ela e, entre
todas as mulheres do mundo, essa justamente há de ser minha irmã! É impossível… Não há
Guimarães, não há papéis, não há documentos que me convençam! [...]
30 O avô, testemunha do passado, nada sabia! Aquela declaração, toda a história do Guimarães
aí permaneciam inteiras, irrefutáveis. Nada havia, nem memória de homem, nem documento
escrito, que as pudesse abalar. Maria Eduarda era, pois, sua irmã!… E um defronte do outro, o
velho e o neto pareciam dobrados por uma mesma dor – nascida da mesma ideia. [...]
Calado, junto da mesa, Ega ficou percorrendo outros papéis da Monforte – cartas, um livrinho
35 de marroquim com adresses, bilhetes de visita de membros do Jockey Club e de senadores do
Império. Subitamente Carlos parou diante dele, apertando desesperadamente as mãos:
– Estarem duas criaturas em pleno Céu, passar um quidam1, um idiota, um Guimarães, dizer
duas palavras, entregar uns papéis e quebrar para sempre duas existências!… Olha que isto é
horrível, Ega!
1
40 Ega arriscou uma consolação banal:
– Era pior se ela morresse…
– Pior porquê? – exclamou Carlos. – Se ela morresse, ou eu, acabava o motivo desta paixão,
restava a dor e a saudade, era outra coisa… Assim estamos vivos, mas mortos um para o outro,
e viva a paixão que nos unia!… Pois tu imaginas que por me virem provar que ela é minha irmã,
45 eu gosto menos dela do que gostava ontem, ou gosto de um modo diferente? Está claro que
não! O meu amor não se vai de uma hora para a outra acomodar a novas circunstâncias, e
transformar--se em amizade… Nunca! Nem eu quero!
Era uma brutal revolta – o seu amor defendendo-se, não querendo morrer, só porque as
revelações de um Guimarães e uma caixa de charutos cheia de papéis velhos o declaravam
50 impossível, e lhe ordenavam que morresse!
QUEIRÓS, Eça de, 2016. Os Maias. Porto: Porto Editora (pp. 657, 660 e 661-662)

1. quidam: indivíduo sem importância.

Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.

1. Relaciona o modo como Madalena e Carlos se referem ao «romeiro» (l. 9) e a «Guimarães» (ll. 29-
-30), respetivamente, com o papel desempenhado por estas figuras nos acontecimentos
representados nos excertos.

2. Madalena e Carlos reagem de forma semelhante às revelações que ameaçam a sua felicidade.
Comprova a afirmação, recorrendo a elementos textuais.

3. Compara a decisão tomada por Manuel e por Carlos após o reconhecimento da impossibilidade de
manter a sua relação amorosa, explicitando um dos traços de carácter de cada uma das
personagens evidente nessa decisão.
Considera os excertos apresentados e o teu conhecimento global das obras.

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Letras em dia, Português, 11.º ano Sugestões de resolução

Em relação: Frei Luís de Sousa ▪ Os Maias


1. Madalena e Carlos, perturbados pelas revelações que alteraram as suas vidas, referem-se às figuras que
lhes deram voz procurando desvalorizá-las e descredibilizar as informações que transmitiram. Assim,
Madalena associa o «romeiro» a «um vagabundo» (l. 9), salientando que se trata, afinal, de «um homem
enfim que ninguém conhece» (l. 9). Também Carlos destaca o facto de Guimarães não ser uma figura do
meio social lisboeta e, na sua perspetiva, não passar de um anónimo («um quidam», «um Guimarães», l.
37), chegando mesmo a referir-se-lhe como «um idiota» (l. 37).
2. Madalena e Carlos reagem com incredulidade ao reconhecimento de que a figura familiar que
consideravam morta está, afinal, viva (D. João de Portugal e a irmã, Maria Eduarda, respetivamente) e
expressam de forma angustiada as suas dúvidas: «Olha, eu sei... mas não daríamos nós, com demasiada
precipitação, uma fé tão cega uma crença tão implícita a essas misteriosas palavras de um romeiro, um
vagabundo... um homem enfim que ninguém conhece?» (ll. 7-9); «– E tu acreditas que isso seja possível?
[...] Não há Guimarães, não há papéis, não há documentos que me convençam!» (ll. 26 e 28-29). Madalena
associa a descrença à tentativa desesperada de encontrar fundamento para as suas dúvidas («– Jorge,
meu irmão, meu bom Jorge, vós, que sois tão prudente e refletido, não dais nenhum peso às minhas
dúvidas?» (ll. 13-14) e Carlos age, ao longo do excerto, «numa revolta de todo o ser» (l. 25),
«desesperadamente» (l. 36) e dominado pela «brutal revolta» (l. 48).
3. Manuel revela-se determinado, ao manter a intenção firme de ingressar na vida religiosa, afastando-se de
Madalena (ll. 11-12 e 19-21). Apesar das hesitações momentâneas (ll. 5 e 23), mantém a atitude grave e
convence a esposa de que a resolução tomada «é a única possível» (l. 20). Carlos revolta-se contra a
situação de incesto em que se vê envolvido, reconhecendo, tal como Manuel, que, a partir desse momento,
ele e Maria Eduarda estarão «mortos um para o outro» (l. 43). Contudo, assume que não deseja abdicar do
seu amor (ll. 46-47) e acaba por se revelar sentimental (romântico, como virá a reconhecer no final da obra)
e inclusivamente moralmente fraco quando, já conhecedor do laço de parentesco que o liga a Maria
Eduarda, pratica o incesto consciente.

3 | LDIA11 © Porto Editora

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