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ago

set
1ª edição Museu Nacional dos Coches, Picadeiro Real — Lisboa, Portugal
Disclaimer
A paixão pelos livros é um sentimento quo e a formar as nossas próprias opiniões,
intemporal que transcende culturas e melhorando a capacidade de comunicação,
gerações. É um dos sentimentos mais tornando-nos assim mais eficazes na
enriquecedores e gratificantes que ultrapassa expressão das nossas ideias e emoções.
o tempo e o espaço, permitindo-nos viajar por A literacia, ou seja, a capacidade de ler e
mundos desconhecidos, explorar diferentes compreender textos escritos, desempenha
culturas e viver aventuras diversas. Abrimos as um papel fundamental na educação e
páginas de um livro e vemo-nos imersos em na construção de uma sociedade mais
histórias que nos fazem rir, chorar, refletir e informada, crítica e inclusiva. Ela não só
sonhar, onde cada livro e cada página virada abre as portas para o conhecimento e
é uma porta para um universo único, criado aprendizagem, mas também estimula a
pela mente brilhante de um autor. imaginação e a criatividade. A promoção da
É sabido que a leitura também nos torna literacia em Portugal, e no mundo, é uma
mais conscientes do poder das palavras. missão essencial para garantir que essa
Aprendemos a apreciar a beleza da paixão pela leitura continue a florescer e a
linguagem, a riqueza das metáforas e a enriquecer a vida das pessoas.
profundidade das mensagens. Descobrimos Abra um livro e permita-se apaixonar pela
com a leitura que as palavras de um livro leitura, pois essa é uma paixão que nunca se
têm o poder de nos transformar, individual e apaga, apenas cresce a cada página virada.
coletivamente, e a capacidade de nos fazer
questionar, de nos inspirar.
FICHA TÉCNICA A paixão pela leitura também nos torna
mais críticos e pensadores. Aprendemos
Publicado por a analisar e interpretar informações de Silvia Rodriguez
APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros forma mais eficaz, a questionar o status Diretora Executiva Book 2.0

Avenida Estados Unidos da América nº 97 – 6º Esq


1700-067 Lisboa, Portugal
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Book 2.0
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#Book20 #TheFutureofReading

Direcção de Relatório
Silvia Rodriguez, Madalena Madureira

Conteúdos
Equipa APEL em colaboração com Ricardo Farinha

Design Gráfico
BASLR

Fotografia
Sérgio Garcia, Patrícia Fernandes
Edição: Sónia Tomás

ISBN
978-972-9202-54-4
Índice
08 Book 2.0 #TheFutureOfReading 54 De Leitor a Ministro: Qual o desafio?
58 Capítulo II: Reflexões
60 Cerimónia de Encerramento
12 PREFÁCIO — O PODER DE
TRANSFORMAR O NOSSO MUNDO

14 O poder de transformar o nosso mundo 64 CAPÍTULO III — A EDUCAÇÃO COMO UM


PORTAL PARA O POTENCIAL HUMANO
16 Bem-vindo ao Mundo Editorial
18 A Esfera Internacional e a Indústria Editorial 66 Learnability: Vontade de Crescer e Adaptar
68 Escolas do Futuro: O Nascer de Novos
Modelos de Ensino
22 CAPÍTULO I — O FUTURO
DA EDIÇÃO NA ERA DIGITAL
72 Escolhas da Next Generation
74 A Importância da Literacia
24 Livros: Alimento da Saúde Física e Mental
76 O Equilíbrio entre a Cultura e a Educação
26 Desde o Nascimento:
Desafios e Oportunidades
78 O Panorama da Educação
80 As escolhas da Geração Futura
28 Commedia a La Carte
30 82 Capítulo III: Reflexões
Amantes de Livros, tal como Tu
32 IA: Oportunidades e Desafios
34 #BookTok: TikTok O Suporte para o 86 SUMÁRIO — COMPROMISSOS
‘Renascimento’ da Indústria Editorial PARA O FUTURO
36 Literatura, Poesia e Música para
Desenvolver o Potencial Humano
88 Imaginar o Futuro: O Poder da Mudança
90 Desenhar um Compromisso para o Futuro
38 Capítulo I: Reflexões
92 Enfrentar os Valores Humanos
94 Cerimónia de Encerramento
42 CAPÍTULO II — DA PEGADA ECOLÓGICA 96 Resumo das Principais Recomendações
À DIVERSIDADE apresentadas no Book 2.0

44 17 Objetivos para transformar o Mundo:


Repor a Confiança e Inspirar a Esperança
46 O Caminho para o NetZero: MAIS INFORMAÇÕES
Qual o Impacto de Imprimir Livros?
100 Momentos Sociais
48 União para os Negócios Responsáveis
106 Palavras que perduram
50 Como Pode a Música e a Poesia 108 Reflexões
Mudar o Mundo
110 Parceiros
52 Preconceitos Ocultos na Indústria
Editorial Inclusiva 112 Governança
Book 2.0 #The Future of Reading
31 Agosto — 1 Setembro Museu Nacional dos Coches— Picadeiro Real, Lisboa, Portugal

Em Portugal, a educação Uma viagem composta


e a leitura desempenham por três capítulos, que fez
papéis fundamentais a ponte entre o aqui e o
na construção de uma agora dos livros, e o futuro
sociedade mais informada, que os espera, colocando no
crítica e inclusiva. Ao centro do debate os principais
longo das últimas décadas, desafios que o setor enfrenta,
o país tem passado por apontando caminhos para
transformações significativas os ultrapassar, através das
no campo da educação e vozes de grandes escritores,
na promoção da leitura, pensadores, líderes e decisores
procurando responder aos da atualidade portuguesa e
desafios de uma sociedade do mundo.
em constante evolução. Além das várias sessões e
Apesar dos avanços, vozes representadas, o Book
existem ainda desafios 2.0 apresentou também as
que requerem a máxima conclusões de um estudo
atenção, nomeadamente sobre os índices de compra de
a desigualdade no acesso livros em Portugal, incluindo
à educação e à leitura que a análise dos padrões pré
ainda persiste, especialmente e pós-confinamento, bem
em comunidades mais como os hábitos de consumo
vulneráveis; bem como a de livros. O estudo, promovido
promoção da literacia digital, pela APEL e conduzido pela
fundamental dado o aumento GFK/Intercampus, pretendeu
da importância da tecnologia impulsionar as políticas
nas nossas sociedades e das públicas e fortalecer o
oportunidades que daí advêm. ecossistema do setor dos livros,
E foi neste contexto que editoras e educação no país.
nos dias 31 de agosto e 1 de O Book 2.0 nasce assim como
setembro de 2023, Lisboa um evento e uma comunidade
abriu portas à primeira que tem como missão
edição daquele que foi o promover os índices de leitura,
maior evento de discussão do da literacia e da educação
futuro dos livros e da leitura em Portugal, identificando e
em Portugal e na Europa, promovendo ações concretas
liderado pela Associação para o desenvolvimento da
Portuguesa de Editores e sociedade, da economia e do
Livreiros (APEL), Book 2.0: posicionamento do país no
#TheFutureOfReading. contexto europeu.
8 9
1ª Edição Book 2.0 (2023)
Sobre a APEL
A Associação Portuguesa SABIA QUE?
de Editores e Livreiros (APEL)
é uma associação sem fins ▶ A Feira do Livro de Lisboa
lucrativos, com estatuto de realizou a sua primeira edição
Utilidade Pública, constituída no icónico Parque Eduardo
em 1974 — proveniente da VII, em 1980.
Associação de Classe dos
Livreiros de Portugal criada ▶ Em 2023, a 93.ª edição da
em 1927 — sendo composta Feira do Livro de Lisboa teve
por pessoas que exercem cerca de 890 mil visitantes.
no território nacional as
atividades de editor, livreiro, ▶ O ISBN (International
alfarrabista, distribuidor, Standard Book Number)
revendedor ou exportador é um número de 13 dígitos
de livros e funcionando que identifica, de forma
como entidade de gestão única, os livros publicados
coletiva de direitos de autor internacionalmente.
destes mesmos operadores.
A APEL promove a Feira do ▶ A APEL é a Agência
Livro de Lisboa, que reúne Portuguesa do ISBN desde
anualmente milhares de 1988 e atribui números a
visitantes na capital, um editores sediados em Portugal,
evento que deixou a sua Angola, Cabo Verde, Guiné-
marca desde 1931 até à Bissau, Moçambique, São
atualidade como um dos Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
principais eventos culturais
do país, tendo a última e 93.ª ▶ A Agência Nacional ISBN
edição em 2023 recebido um atribui uma média de 19.700
total de 894 mil visitantes, números de ISBN por ano e
o maior número registado tem cerca de 21.800 editores
até então. registados.

Promover a leitura
e impulsionar a literacia,
lado a lado com a evolução
e as transformações sociais
consequentes, mantendo
um olhar atento às novas
exigências digitais, à inclusão
e à sustentabilidade —
fundamentais para a
prosperidade do setor.”
— Pedro Sobral
Presidente da APEL

11
O poder
de transformar
o nosso mundo O poder de transformar o nosso mundo reside nas mãos
de cada indivíduo, pois somos todos agentes de mudança, com
o potencial de impactar positiva ou negativamente o mundo ao
nosso redor. Mas o poder de transformação estende-se para
além do indivíduo. Quando unidos em comunidades e sociedades,
somos capazes de criar mudanças significativas e estruturais,
influenciando políticas, leis e normas sociais.

As novas tecnologias oferecem também ferramentas incríveis para


transformar o mundo. A conectividade global permite que ideias
se espalhem rapidamente, possibilitando a colaboração em escala
global para resolver problemas prementes, como as mudanças
climáticas, a pobreza e a desigualdade, e também a educação.
No entanto, o poder de transformação traz consigo uma grande
responsabilidade. Uma oportunidade acessível a todos para
moldar o mundo em que vivemos.

PREFÁCIO
12 13
O poder de transformar
o nosso mundo
Pedro Freitas O Poeta da Cidade, Portugal

AS PRIMEIRAS objeto comum, um objeto Crepúsculo dos Deuses,


PÁGINAS DE UM decorativo para estar na de Sophia de Mello Breyner
LIVRO EM BRANCO estante, em vez de uma prova (…)
A vitalidade dos mais novos central para o empenho do “Mas eis que se apagaram
e os dados que apontam seu próprio futuro, é um país Os antigos deuses sol interior
que a faixa etária mais à beira de o deixar de ser. das coisas
jovem tem comprado cada Eis que se abriu o vazio que
vez mais livros, é explicado LEITURA DE EXCERTOS nos separa das coisas
pelo papel que plataformas DOS POEMAS Somos alucinados pela
digitais (como o TikTok) têm "A literatura, que é a arte ausência bebidos pela
desempenhado para essa casada com o pensamento" ausência
mudança de paradigma, E aos mensageiros de
de aumento dos hábitos de Livro do desassossego, Juliano a Sibila respondeu:
leitura. A realidade digital de Bernardo Soares «Ide dizer ao rei que o
tem cada vez mais peso "A literatura, que é a arte belo palácio jaz por terra
para conseguir mudar casada com o pensamento, quebrado
uma sociedade, onde e a realização sem a mácula Phebo já não tem cabana
os jovens hoje têm mais da realidade, nem loureiro profético nem
espaço mediático, ainda parece-me ser o fim para fonte melodiosa
que este seja um mundo que deveria tender todo o A água que fala calou-se"
progressivamente mais esforço humano,
imprevisível, com um vazio se fosse verdadeiramente
intransponível na relação humano, e não uma
entre o digital e o concreto. superfluidade do animal. CURIOSIDADES
Creio que dizer uma coisa
POESIA PARA TODOS é conservar-lhe a virtude e ▶ Em 2014, aos 16 anos, Um livro é um tijolo
Também a institucionalização tirar-lhe o terror. após ver um cartaz na escola, essencial para a
da poesia e da figura do Os campos são mais verdes
edificação do nosso
inscreveu-se no concurso
poeta constitui um dos no dizer-se do que no seu de leitura Dá Voz à Letra,
maiores desafios para a verdor. da Fundação Calouste ser imaterial, para
Gulbenkian, tendo chegado
sociedade portuguesa. As flores, se forem descritas à final. construir a ponte
Deixámos de descobrir a com frases que as definam
▶ Em 2017, participou no
que atravesse o vazio
leitura e o escritor por aquilo no ar da imaginação,
que imprime na sua forma de terão cores de uma programa de televisão “Got intransponível.”
Talent Portugal” a dizer poesia.
ver o mundo e um país que permanência que a vida — Pedro Freitas
olha para o livro como um celular não permite” (…)
14 15
Bem-vindo ao Mundo Editorial
Pedro Sobral Presidente da APEL (Portugal)
A importância que os
livros continuam a ter nas
camadas mais jovens, que
representam atualmente
a faixa etária onde mais
se compra livros…estes
números fazem-nos UMA CONVERSA PELO que ronda os 27 a 28 mil
acreditar que é possível FUTURO DA LEITURA milhões de euros por ano e
mudar hábitos para Todos os intervenientes significativamente menos
do setor, desde escritores que o mercado espanhol que
as gerações futuras.” a editores, passando pelos vale 2,5 mil milhões de euros.
— Pedro Sobral executivos, especialistas e Comparativamente no mesmo
responsáveis políticos numa ano de 2022 os dispositivos
reflexão conjunta em busca eletrónicos vendidos em
de um sistema de educação Portugal somaram 934
moderno, livre e sustentável, milhões de euros.
em que os conteúdos digitais
complementares já são uma PROMOÇÃO DE
realidade, destacando o POLÍTICAS PÚBLICAS
papel dos editores de darem Com este estudo, a APEL
voz aos escritores, sobretudo espera contribuir para a
agarrando-se aos livros que promoção de políticas
nos inquietam. públicas favoráveis ao livro
e à leitura, ao mesmo tempo
RESULTADOS que fortalece o ecossistema
DO ESTUDO APEL do setor dos livros, editoras
A APEL promoveu a e educação no país. Exemplos
realização de um estudo como o cheque livro para
pela GFK/Intercampus todos os residentes em
em julho de 2023, sobre a Portugal acima dos 18 anos,
caracterização do mercado atualização da Lei do Preço
editorial português e hábitos Fixo que reflita as alterações
de compra em Portugal. Os das condições de mercado
dados recolhidos permitem pós pandemia, reforço dos
concluir que 62% dos orçamentos das bibliotecas
inquiridos compraram livros nacionais e escolares, assim
no último ano e, destes, 70% como a readequação dos
afirmaram que compraram currículos escolares de
o mesmo ou mais do que aprendizagem de Português.
no ano anterior. O estudo O Book 2.0 é o espaço
apurou também que os ideal para lançar estas
jovens entre os 15 e os 34 conclusões, desafiando cada
anos continuam a ter o um de nós a fazer a sua parte,
Através do livro, hábito de comprar livros, encontrando formas práticas
construir o Portugal sendo quem mais comprou de obter soluções. Um
que todos queremos no último ano (28%). O diálogo construtivo entre a
para nós e para a mercado livreiro português sociedade civil, representada
auditado representou 175 pela APEL, e os decisores
geração futura.” milhões de euros em 2022, políticos do Ministério
— Pedro Sobral apenas 1% do mercado da Educação e do Plano
livreiro na União Europeia Nacional de Leitura.
16 17
A Esfera Internacional
e a Indústria Editorial
Karine Pansa Presidente da International Publishers Association — IPA (Brasil)

A MISSÃO DA que os direitos de autor


INTERNATIONAL são desafiados pelas forças
PUBLISHERS tecnológicas, importante
ASSOCIATION é que o setor se mantenha
A maior federação do género unido e que resista,
a nível mundial, reunindo encetando um trabalho
92 associações de dezenas conjunto, de parceria e ação
de países, fundada em coordenada num formato de
1896 em Paris que defende modelo híbrido — edições
sobretudo os direitos de impressas e digitais.
autor e a liberdade de
publicação por parte das MAIS DIVERSIDADE,
editoras. A IPA opera em INCLUSÃO E
países com realidades muito SUSTENTABILIDADE
distintas, com regiões onde Podemos representar
os editores ainda enfrentam melhor a riqueza da nossa
intimidações, prisão ou sociedade através dos livros
mesmo morte pelo que que publicamos? Uma
publicam, mas por outro lado, maior relação na força
o papel educativo dos livros de trabalho em relação
em África ou na Índia tem ao género? Fazemos um
sido de extrema importância. excelente trabalho ao
publicar livros sobre as
O DESAFIO DAS NOVAS questões da sustentabilidade,
TECNOLOGIAS mas os negócios em si são
As feiras do livro estão a sustentáveis? Há ainda um
florescer a cada dia que caminho grande pela frente.
passa, onde o setor livreiro
está em recuperação desde a
pandemia com uma enorme RECOMENDAÇÕES
resiliência, em que as ▶ Necessário estimular
infraestruturas digitais que a leitura pelo prazer. É preciso enfatizar o quão
disponibilizam os audiolivros
e os e-books estão em ▶ Incentivar uma série de digitais são os nossos
crescimento um pouco por políticas públicas, como o negócios e como abraçamos
todo o planeta. A proteção cheque-livro e o IVA zero a tecnologia, para justificar
dos direitos autorais foi para todos os livros.
a necessidade de novas leis
sempre a base da indústria
editorial e embora o setor ▶ Importante usar as novas que protejam os direitos de
esteja numa encruzilhada tecnologias no setor, mas não autor.” — Karine Pansa
fascinante, numa altura em transformar tudo em digital.
18 19
International Publishers Association pelo Mundo

PAÍSES NOS QUAIS A INTERNATIONAL PUBLISHERS ASSOCIATION ESTÁ PRESENTE

21
O Futuro
da Edição
na Era Digital
A ascensão do digital tem vindo a transformar a literatura, com
novas formas de ler e escrever. Desde os Ipads aos Kindles,
dos ebooks aos audiobooks, passando pelas redes sociais e, mais
recentemente, pela inteligência artificial, que tem conquistado
cada vez mais protagonismo na sociedade e também no setor
dos livros. Apesar da força inevitável do digital, é na sua forma
física que os livros têm perdurado na história, enquanto símbolos
tangíveis de grandes ideias e pensamentos. E dificilmente a
intimidade e experiência sensorial da leitura de um livro
impresso conseguirá ser igualada. Assim, o que está em jogo?
Que desafios e oportunidades existem? Como poderão os livros
fazer mais parte das nossas vidas?

CAPÍTULO I
22 23
Livros: Alimento
da Saúde Física e Mental A morte do livro
foi anunciada
muitas vezes e não
Daniel Sampaio Psiquiatra e Autor (Portugal)
vai acontecer.”
João Tordo Autor (Portugal) — Daniel Sampaio

Não nos sentimos


sozinhos quando
lemos algo com que
nos identificamos.”
— João Tordo

O AMOR E OS LIVROS casa de pais para filhos a OS DESAFIOS


O alimento psíquico de todos partir de uma certa altura, A grande diferença nos dias
nós é o amor. E o livro é o perdendo os leitores numa de hoje para o passado onde
alimento da mente. Mas o época tão importante da os hábitos de leitura estavam
livro tradicional deixou de sua vida, quando têm muitas instalados é a Internet.
ser um objeto de amor para coisas para pensar ou ouvir. E é através do digital que
os adolescentes. Embora os Para passar a mensagem podemos pôr os jovens a
jovens leiam constantemente de que a leitura é um ler. Começa em casa, onde
nos seus telemóveis ou prazer, é contraproducente os pais deverão estimular
computadores — sobretudo apresentar leituras a leitura, inclusive através
mensagens escritas — os obrigatórias nas escolas, de podcasts ou de outros
livros tradicionais perderam abrindo-se uma janela de formatos online.
preponderância, ainda que oportunidade em permitir
os resultados do estudo aos jovens escolher os livros, RECOMENDAÇÕES
apresentado pela APEL sugeridos pelos professores e ▶ Esforço das editoras em
venham atenuar essa pelos pais. captar o prazer pela leitura
tendência. Apesar do esforço Também os livros na fase da adolescência.
das editoras ser grande na podem ser vistos como a
fase dos lançamentos de ferramenta mais poderosa ▶ Incentivar a leitura através
livros, é importante manter de identificação e inclusão de formatos digitais.
um reforço sustentado ao social de uma pessoa.
longo do tempo para que os É na fase da juventude ▶ Permitir que as crianças
livros perdurem. O futuro do que surgem por vezes e jovens escolham as suas
livro definir-se-á pela forma pensamentos violentos, leituras de uma lista de
como os jovens leitores perturbações sociais, sugestões apresentada pelos
reconquistarem a paixão tendência para o isolamento próprios professores e pais.
da leitura. e o típico aborrecimento,
onde os livros podem aqui ▶ Leituras em sala de aula
FASE DA JUVENTUDE servir como uma ferramenta são fundamentais.
Muitas crianças leem, poderosa no reconforto
e muitos pais leem para de se verificar que não se ▶ Leituras públicas
os filhos (inclusive para está sozinho num mundo apresentadas pelos próprios
adormecerem), e até visitam que interage em silêncio, escritores — uma prática
as feiras dos livros em mas onde surgem sempre muito comum no Reino
família. Mas em sala de aula personagens em condições Unido e nos Estados Unidos
não e não existe leitura em muito mais extremas. da América.
24 25
CURIOSIDADES Desde o Nascimento:
Desafios e Oportunidades
▶ Ana Maria Magalhães e
Isabel Alçada começaram
a escrever histórias para cativar
os seus alunos para a leitura,
até decidirem editar, em 1982, ESCRITORAS DA CÉLEBRE SAGA INFANTO-JUVENIL DE “UMA AVENTURA”

Isabel Alçada Escritora e Ex-Ministra da Educação de Portugal (Portugal)


o primeiro livro “Uma Aventura”.

▶ 40 Anos após o seu


lançamento, a coleção “Uma Ana Maria Magalhães Escritora de Literatura Infantojuvenil (Portugal)
Aventura” tem mais de 60
títulos publicados, com cerca
ESTÍMULO PARA
de 800 reedições.
que maçam ou assustam), bibliotecas escolares também
A SOCIEDADE tornando-se assim num é fundamental. Quando se
A leitura é uma extraordinária objeto desejado. É essencial faz uma leitura em voz alta na
fonte de conhecimento que ter experiências positivas escola, também é importante
permite o desenvolvimento de leitura, que envolvam que os alunos acompanhem
cognitivo e afetivo. Ler altera os leitores em sentimentos o texto, para não estarem
o modo como as conexões de amor ou amizade, onde passivamente a ouvir.
cerebrais acontecem no há emoções (positivas) em
cérebro. Ajuda a ir mais relação ao que se lê. Numa O SUCESSO
longe em tudo: a interpretar, fase mais precoce, a leitura DE “UMA AVENTURA”
a criticar, é um estímulo deve ser sempre um prazer. O sucesso pode ser explicado
para o individuo e para A família e a escola são as pelos valores de amizade
as sociedades. Escritores, instituições mais importantes ou solidariedade que são
editores, professores, neste processo. transmitidos de forma
jornalistas e famílias têm subliminar. As histórias
todos um papel para que INCENTIVO À ROTINA têm de ser imediatamente
Portugal se torne num país Ainda que a obrigação não visualizáveis. Quanto mais
de leitores. seja o melhor caminho, complexa a ideia, mais
deve-se forçar uma certa simples tem de ser o texto.
A PARTIR DOS SEIS MESES rotina da leitura. Os leitores Além disso, quando se escreve
A leitura não deve ser por adultos devem conversar para o público infanto-juvenil
necessidade ou obrigação. com as crianças sobre deve-se utilizar o português
As pessoas tornam-se leitoras aquilo que leram, para que corrente e ignorar expressões
através de um processo se desenvolva um espírito idiomáticas que caíram em
gradual que começa bastante crítico e de reflexão, que desuso, adaptando os livros
cedo na infância, a partir estimule o intelecto e o gosto assim aos novos padrões dos
dos seis meses, quando os pela leitura. No entanto os mais jovens.
pais folheiam os livros — pais rapidamente se vão
ainda que as crianças não desligando da leitura dos
consigam falar nem ler. filhos, quando já são leitores RECOMENDAÇÕES
Os leitores espontâneos são autónomos, o que é um ▶ Não se deve obrigar a ler,
muito poucos, ou seja, a erro porque aparentemente porque pode ter o efeito
esmagadora maioria precisa sabem ler, mas na verdade contrário.
de um estímulo para perceber não sabem. Não adquiriram ▶ Deve-se formar leitores a
Uma coisa é o trabalho que o livro pode ser uma todos os automatismos partir dos seis meses de idade.
porta mágica para mundos de descodificação. Aqui a ▶ Deve haver uma leitura
da língua, outra é a leitura alternativos, estimulando a escola e os professores são acompanhada e uma reflexão
orientada por prazer.” imaginação e a aquisição de essenciais para também fazer sobre aquilo que se leu.
vocabulário. No início, deve- esse trabalho de superar os ▶ Os alunos devem participar
— Isabel Alçada se ler com o apoio da criança, obstáculos à compreensão, na escolha dos livros a abordar
que pode ir complementando respeitando as opiniões na escola com os professores.
Por vezes, na ânsia de os tornar a leitura, o que cria uma e os gostos das crianças, ▶ Quando se escreve
leitores, afastam-nos dos livros.” sensação de vitória que incentivando à participação para jovens, deve-se usar
reforça a auto-estima e auto- ativa na escolha dos livros. linguagem simples e
— Ana Maria Magalhães confiança, associada ao livro A leitura orientada na enquadrar as mensagens
(não insistindo nas histórias sala de aula e o papel das em temas mais cativantes.
26 27
Commedia a La Carte
Gustavo Miranda Ator e Comediante no Commedia a la Carte (Colômbia)
Improvisar é o jogo de
estar constantemente
Carlos M. Cunha Ator e Comediante no Commedia a la Carte (Portugal)
a escrever e a apagar.”
— Gustavo Miranda

Foi precisamente
a partir desses livros
que arrancámos para
esta aventura que
DOIS LIVROS NA contou que, por volta da
ORIGEM DOS COMMEDIA mesma altura, começou a já tem 23 anos.”
Foi graças ao gosto pela fazer comédia de improviso — Carlos M. Cunha
leitura desde muito novos, no seu país. E que os
e de dois livros, que no ano contadores de histórias e
2000 surge a ideia de criar a construção de narrativas
os Commedia a la Carte presente no teatro e nos
— por onde já passaram livros foram fundamentais
diversos nomes do humor para desenvolver o seu
de improviso. Ricardo Peres interesse e capacidade
embarcou para uma viagem artística, inclusive o seu
nos Estados Unidos e acabou ofício enquanto dramaturgo,
nos clubes de comédia de onde usa a escrita como
improviso. Foi lá que adquiriu principal ferramenta.
dois livros, da autoria de O conceito de fluxo acrítico,
Keith Johnstone e Viola de deixar fluir a criatividade
Spolin, mestres na área, que sem limites para só mais
o levaram a tomar a iniciativa tarde a moldar, é a base dos
de, no regresso a Portugal, espetáculos de improviso
formar os Commedia a que apresentam. Uma
la Carte. Por sua vez, o morada na fronteira entre a
colombiano Gustavo Miranda improvisação e a escrita.

28 29
Amantes de Livros,
São as empresas
mais adaptáveis
tal como Tu
que vão sobreviver,
não necessariamente
MODERAÇÃO Pedro Santos Guerreiro Diretor Executivo da CNN Portugal (Portugal)
as maiores.”
Joachim Kaufmann CEO de Carlsen Publishing (Alemanha)
— Joachim Kaufmann Michael Tamblyn Presidente & CEO da Rakuten Kobo (Canadá)

A COMPETIÇÃO e plataformas digitais. ▶ Repensar as políticas


PELO TEMPO Numa altura em que públicas para encontrar
Mais do que entre o digital existem empresas que até novas formas de aumentar
e o físico, a competição no colocaram um preço na a leitura e torná-la acessível
setor livreiro é uma luta nossa atenção e que a estão a todos.
pelo tempo e pelo foco. a monetizar, e que as redes
Durante a pandemia, houve sociais podem ser fulcrais na
uma preocupação do setor adolescência, quando, por
com o encerramento das norma, os jovens se afastam
CURIOSIDADES
livrarias, mas os períodos de da literatura e são muito
confinamentos vividos nos influenciáveis, é importante
últimos anos concederam continuar a encontrar novas RAKUTEN KOBO
mais tempo às pessoas, que formas de captar a atenção ▶ O nome Kobo é um
é agora considerado o bem e trabalhar os algoritmos anagrama da palavra
“Book” — livro.
mais precioso. O digital é com este propósito da leitura.
uma solução eficaz para atrair É fundamental existir uma ▶ É a única livraria digital
mais leitores no sentido em inovação permanente para se especializada do mundo.
que encontra o leitor onde apostar em diversos formatos
▶ Propriedade da Rakuten,
ele está, e isso proporciona físicos e digitais, num mundo sediada em Tóquio, e com sede
uma perspetiva prática de que está sempre a mudar, e em Toronto.
incluir a leitura no dia a dia. onde o setor editorial não é
É sobre tentar encontrar esse diferente, é preciso troná-lo ▶ Com mais de 30 milhões
de leitores e 5 milhões de
tempo que reside o desafio acessível a todos. títulos disponíveis em todo
e a competição mais feroz, o mundo.
onde cada vez existe mais
ficção a ser lida e ouvida, RECOMENDAÇÕES CARLSEN PUBLISHING
e uma concentração de ▶ As empresas das redes ▶ Fundada pelo editor
públicos diferentes de leitura, sociais e plataformas digitais dinamarquês Per Carlsen em
1953, começou como uma
onde permanece ainda a poderão ajustar os algoritmos
editora infantil e juvenil.
venda de um livro de cada com o propósito de melhor
vez — e não por pacote ou captar a atenção e foco dos ▶ Desde 1967 publica
subscrições como no setor leitores. histórias de banda desenhada
destacando o “Tintin“ de Hergé,
O que nos dá mais do cinema ou das séries. ▶ O digital como ferramenta e em 1997 mangá japonês, com
importante para atrair mais
esperança é sabermos NOVAS FORMAS DE leitores, encontrando o leitor
o clássico “Dragon Ball” de
Akira Toriyama.
que se formos bons, CAPTAR A ATENÇÃO onde ele já está.
▶ Necessária uma constante ▶ É líder de mercado na
vamos prender os leitores.” Existe cada vez mais Alemanha em livros infantis e
uma preocupação com inovação e permanente destaca-se nos livros ilustrados.
— Michael Tamblyn a fragmentação da adaptação à realidade em
atenção nas redes sociais constante mudança.
30 31
Inteligência Artificial:
Oportunidades e Desafios
Eduardo Ferreira Head de Inovação da Capgemini Portugal (Portugal)

NÃO HÁ RISCOS, RECOMENDAÇÕES


HÁ DESAFIOS ▶ Flexibilidade e adaptação
Todas as gerações passam perante os desafios, onde
por revoluções tecnológicas a experimentação deve ser
onde é importante saber essencial.
como reagir e adaptarmo-nos.
Hoje em voga surgem as ▶ As ferramentas de
ferramentas de Generative inteligência artificial num
AI — ou seja, que geram prisma de oportunidades
conteúdos, como o ChatGPT e benefícios para o setor.
— que permitem um
aumento de eficiência, ▶ Importante definir a
diminuição do erro, redução regulação do setor no digital
de custos, disponibilidade numa perspetiva ética e de
permanente e negócio cuidado com a privacidade.
com base na evidência.
Estas soluções devem ser
encaradas como aliadas
e não como inimigas do
setor editorial. Uma vez que
o progresso tecnológico já
se iniciou, a única resposta
possível é a adaptação para
não se ser ultrapassado
pela concorrência numa
perspetiva de novas
oportunidades que se abrem
Das organizações
à inovação, onde um escritor multinacionais
poderá ter a capacidade exploram actualmente
a Generative AI
de desenvolver um maior
volume de trabalho e, por
conseguinte, de maior receita.
A maior preocupação
surge ainda associada à
Testem, arrisquem.
desinformação, onde será
A ética e a
Privacidade devem
A inovação é como
necessária mais presença estar no topo das a leitura: não pára,
continua e continua.”
humana para regular o decisões no que
diz respeito à
digital, em que a ética e a
privacidade estejam no topo
Generative AI
— Eduardo Ferreira
das decisões.
32 33
#BookTok: TikTok
Como tinha poucos
amigos que liam,
O Suporte para o ‘Renascimento’
encontrei através
do TikTok outros
da Indústria Editorial
leitores que tinham
interesse em discutir Pedro Sobral Presidente da APEL (Portugal)
e recomendar livros.” Yasmina Laraudogoitia Gestora de Relações Governamentais e Políticas
— Maria João Faria Públicas, TikTok Portugal e Espanha (Espanha)
Maria João Faria BookToker e Criadora de Conteúdos Digitais (Portugal)

O FENÓMENO jovens, que gostam de ouvir mais uma plataforma maior


DO #BOOKTOK recomendações de leitura para escolher livros para
O TikTok é uma das redes (e até refletir sobre elas) ler. Além disso, o facto de o
sociais mais utilizadas por parte de alguém que algoritmo desta rede social
em todo o mundo por tem a sua idade e/ou que levar a que os utilizadores
adolescentes e jovens partilha interesses comuns, assistam a conteúdos que
adultos. Nos últimos anos, pois sentem que não se não têm diretamente a
desenvolveu-se uma identificam com as sugestões ver com os seus interesses
comunidade de #BookTok veiculadas pelos meios de mais regulares, faz com
dentro da plataforma, com comunicação tradicionais. que muitos vídeos sobre
pessoas que partilham livros possam aparecer
sugestões de leitura e até UM NOVO CAMINHO a utilizadores que nunca
poderão fazer alguma crítica PARA O TIKTOK os tinham procurado.
literária. Isso tem gerado É certo que se trata de uma Sem dúvida uma grande
um aumento significativo tendência, mas a dúvida oportunidade para o
de vendas em diversos recai sobre se veio para ficar. mercado editorial.
segmentos e há quem Ninguém tem certezas,
aponte esta tendência mas abre-se aqui uma
no TikTok como um dos janela de descoberta para o RECOMENDAÇÕES
principais motivos para, repensar de novos conteúdos ▶ Repensar as plataformas
em alguns países, como para o universo do TikTok, digitais como o TikTok
Portugal, a compra de livros sabendo que a atenção é (e outras) como uma
na faixa etária mais jovem captada num momento de ferramenta de incentivo à
estar a crescer. diversão ou descontração, leitura junto dos mais jovens.
Há cada vez mais jovens, e onde a abertura para
como é o exemplo da Maria receber novas informações ▶ Promover interações
João Faria, que surgem é maior. Um novo caminho e reflexões digitais entre
agora como BookTokers no redesenho de uma os amantes da leitura como
— ou seja, criadores de estratégia internacional forma de inspirar os que
conteúdos digitais no TikTok de transparência, onde a ainda não lêm ou não têm
que se focam na literatura. preocupação pela proteção um hábito regular.
Jovens que, desde muito de dados é primordial,
cedo, tiveram o gosto pela mas onde os criadores de ▶ Sugestões de leitura
leitura, mas que durante o conteúdos digitais têm mais alinhadas com os mais
Estes criadores de conteúdo ensino básico se confrontam também um papel ativo e jovens do que nos meios
digitais têm muita influência, com a ideia de que não é de responsabilidade pelas tradicionais.
conseguem juntar pessoas “fixe” ler, tendo por vezes suas publicações.
até que ocultar esse hábito. ▶ Maior ligação e
que têm a mesma paixão.” O fenómeno do BookTok ALGORITMOS DE oportunidade de expansão
— Yasmina Laraudogoitia surge assim como uma nova INCENTIVO À LEITURA entre o mundo digital e o
tendência no meio dos mais O #BookTok é cada vez mercado editorial.
34 35
Literatura, Poesia e Música para
Desenvolver o Potencial Humano A criação é o maior
poder que os
Dulce Maria Cardoso Romancista (Portugal) humanos têm.”
— Dulce Maria Cardoso
Isabela Figueiredo Jornalista, Professora e Autora (Portugal)
Tânia Ganho Escritora e Tradutora (Portugal) Os escritores
constroem pontes
imateriais que
servem para
darmos o salto.”
— Isabela Figueiredo

OS DESAFIOS do seu potencial pleno. O às grandes obras. O risco é


DO SETOR CULTURAL indivíduo que tem o hábito criar um afastamento da
O setor cultural em Portugal da leitura absorve mais leitura, do pensamento e do
encontra diversos desafios conhecimento e promove desenvolvimento humano.
recorrentes no que respeita à uma evolução enquanto Ninguém começa como
sua subsistência nos moldes ser humano e profissional. atleta de alta competição,
atuais definidos pela lógica Mas o desenvolvimento e a leitura faz-se com
de mercado. Não é fácil do potencial humano gera treinos. Para além do mais,
mensurar o valor das artes naturalmente mudanças, a vida nas sociedades
criativas — que vai desde as quais trazem muitas contemporâneas vive-se de
os escritores ao cinema e inseguranças e barreiras forma extremamente rápida
às artes performativas — associadas, que de alguma e agitada e as crianças e
que vivem muito na base forma acabam por limitar adolescentes não sabem gerir
dos subsídios públicos. Não a expansão do ser humano o tédio (nem estar longe dos
se encontram reunidas na sua capacidade máxima. ecrãs), sendo que é nestes
as condições para que os Para além do mais, com o momentos de aborrecimento
autores persistam numa surgimento da inteligência que a criatividade por vezes
lógica de lei da oferta e da artificial, a preocupação mais surge.
procura, onde os apoios são é ainda maior. As novas
escassos e os critérios de tecnologias surgem como
apoios públicos condicionam um novo “Deus criador”, RECOMENDAÇÕES
a criação e a mostra de deixando de lado o potencial
talento, num país que não da criatividade humana e ▶ Sensibilização dos
é suficientemente forte usando-o apenas como molde decisores políticos e
nem rico para providenciar das ferramentas tecnológicas. instituições para agilizar as
o suficiente e melhorar a regras do mercado do setor Olho para o livro
qualidade de vida. SLOW LIVING cultural para não deixar cair como um objeto
Há também um a profissão do escritor.
A CRIATIVIDADE COMO desfasamento muito grande de slow living,
PODER DO SER HUMANO entre o que os mais jovens ▶ Rendimento incondicional que proporciona
Ler é um processo de vivem na vida real e o que se básico para os artistas. um ambiente de
expansão do cérebro aprende nas escolas, onde
humano e abertura para por vezes é preciso começar ▶ Criação de clubes de introspeção.”
muitas possibilidades, um com literatura mais leve leitura nas escolas com os — Tânia Ganho
caminho para o despertar para chegar, mais tarde, professores.
36 37
Capítulo I · Reflexões
Anselmo Crespo Diretor de novos conteúdos TVI/CNN (Portugal)

TEMPO PARA AS NOSSAS PAIXÕES


Todos temos várias paixões e é quase impossível ter tempo
para todas, daí que a leitura muitas vezes fique para trás.
Existe uma luta entre modelos de negócio — digital e livros
físicos — numa tendência atual de vendas em pacotes, em
que a tecnologia veio para ficar, e está cá para ajudar.
O importante não é como as pessoas leem, mas que
leiam e que sejam conteúdos de qualidade. No setor da
comunicação social existe uma responsabilidade acrescida,
sabendo que estes meios apoiam na educação e na formação
das pessoas. Mas é importante haver liberdade de escolha
— para que alguém se torne um leitor, os livros devem ser
comprados para serem realmente lidos, não para preencher
uma estante em casa. Um ato que deveria ser natural para
todas as classes sociais, para a nossa saúde mental e para a
inclusão social.

Falta democratizar
a leitura.”
— Anselmo Crespo

38
40 41
Da Pegada
Ecológica à
Diversidade O mundo está a mudar e os livros também. Querem-se os livros
como o mundo: em papel ou digitais, inclusivos, sustentáveis.
A crise das alterações climáticas obriga a que todos os modelos
de negócio sejam repensados tendo em conta esta nova realidade.
A indústria dos livros, naturalmente, não é exceção.
É fulcral que exista um olhar clínico sob toda a cadeia de valor,
numa altura em que a neutralidade carbónica é imperativa.
Há também muitos, pelo planeta, que continuam a não ser
ouvidos. A representatividade é um fator vital para uma sociedade
mais justa e plural e os livros devem estar na linha da frente.

Poderão os livros continuar a transformar o nosso mundo


em prol da regeneração do nosso planeta? Como é que os livros
podem cumprir esta missão e, ao mesmo tempo, servir como
veículos de informação e instrumentos para dar voz às pessoas?
Que lugar ocupa a leitura no protagonismo dos ecrãs, nas lentes
da sustentabilidade e no espelho da representatividade?

CAPÍTULO II
42 43
17 Objetivos para transformar
o Mundo: Repor a Confiança Sem livros a
sociedade nunca
e Inspirar a Esperança se irá desenvolver
do ponto de vista
educacional. Será
Anselmo Crespo Diretor de novos conteúdos da TVI e CNN Portugal (Portugal)
sempre pobre.”
Maria Neira Diretora de Saúde Pública na Organização Mundial da Saúde (OMS) (Espanha) — Maria Neira

PARA A NOSSA VEÍCULO DE ▶ O suicídio foi responsável


SAÚDE MENTAL INFORMAÇÃO por mais de 1 em cada 100
O livro, enquanto objeto, Ressalta-se também a mortes e 58% ocorreram
é um grande contribuidor importância da informação antes dos 50 anos.
para a saúde mental — pelo veiculada pelos livros como ▶ O abuso sexual infantil
poder de abstração que forma de contrariar as e a vitimização por bullying
proporciona (entre outros) — fake news digitais — que, são as principais causas da
mas também para a saúde tantas vezes, se referem depressão.
física. Para além do mais, tem aos temas de saúde,
um papel fundamental na especialmente nos últimos ▶ Todos os 194 Estados
transmissão de informação, anos, durante o período Membros da OMS assinaram
onde cada vez mais existe da pandemia. Quando se o Plano de Ação Integral de
uma procura por respostas na tem capacidade para ler Saúde Mental 2013–2030, que
área da saúde e da prevenção muito, mais facilmente não os compromete com metas
de doenças. se acredita em teorias da globais para transformar a A UNESCO e a OMS apelam
conspiração. A literacia é saúde mental. aos países para que façam
ACESSÍVEL A TODOS fulcral para não se acreditar de cada escola uma escola
Os livros são também na desinformação. promotora da saúde.
veículos de inclusão RECOMENDAÇÕES
social, no sentido em FACT NUMBERS ▶ Incentivar a leitura não A educação e a saúde são direitos
humanos básicos universais para
que proporcionam uma World Mental Health Report como obrigação, mas como todos, estão no cerne de qualquer
possibilidade de futuro nos “Transforming Mental ferramenta de combate para direito humano e são essenciais
países menos desenvolvidos, Health to All” — by the World a saúde mental e prevenção para o desenvolvimento social
para que as pessoas possam Health Organization (WHO) de doenças. e económico. As escolas
desempenham um papel vital
obter conhecimento e terem ▶ Em 2019, quase um bilhão no bem-estar dos estudantes, das
a capacidade de sonhar. É, de pessoas — incluindo ▶ O livro contribui famílias e das suas comunidades,
por isso, um dos elementos 14% dos adolescentes do como solução para a e a ligação entre a educação
que mais contribuem para a mundo — viviam com um democratização dos países e a saúde nunca foi tão evidente.
Em 2021, a UNESCO e a OMS
democratização. Não é por transtorno mental. em desenvolvimento
lançaram as Medidas Globais para
acaso que nas sociedades ▶ 1 em cada 7 adolescentes enquanto fonte de Escolas Promotoras de Saúde,
ditatoriais, as primeiras coisas sofre de uma doença de conhecimento e expansão concebidas para criar escolas que
a eliminar são os livros e o saúde mental. das sociedades. promovam a educação e a saúde
conhecimento, razão pela ▶ A depressão e a e que dotem os alunos com
conhecimentos e competências
qual existe uma importância ansiedade aumentaram ▶ Promover pontos de leitura para a sua saúde e bem-estar
acrescida das bibliotecas mais de 25% apenas no com livros e atividades pelas futuros, empregabilidade e
públicas nestas regiões. primeiro ano da pandemia. cidades. perspetivas de vida.

44 45
O Caminho para o NetZero: Qual
Um livro que
não é lido é um
o Impacto de Imprimir Livros?
desperdício.” António Redondo CEO da Navigator (Portugal)
— Rachel Martin
Rachel Martin Diretora Global de Sustentabilidade na Elsevier (Países Baixos)

O CAMINHO PARA A impressos. Neste contexto RECOMENDAÇÕES


DESCARBONIZAÇÃO a reciclagem é sem dúvida ▶ Estudo da pegada
Net Zero é o objetivo um dos maiores desafios, carbónica de toda a cadeia
acordado a nível onde mais de 70% do papel de valor da indústria do livro
internacional para mitigar na Europa é reciclado, em em Portugal e comparação
os efeitos do aquecimento comparação com 17% dos com os restantes mercados.
global a curto prazo. Isto e-readers.
requer que se avance ▶ Reciclagem dos
com a descarbonização NOVAS FLORESTAS dispositivos eletrónicos.
(a substituição das fontes PARA O PLANETA
de energia baseadas no Para além dos objetivos ▶ Sensibilização para a
carbono) e cujo objetivo estabelecidos do NetZero redução da pegada carbónica
consiste em reduzir 15% e do papel da reciclagem onde todos têm um papel
das emissões de carbono extensível a toda a indústria, a desempenhar.
do planeta até 2050 — a reflorestação do nosso
reduzindo ao mínimo a planeta — sem afetar as
quantidade de gases com atuais cidades ou terras
efeito estufa emitidos para agrícolas — é apontada como
a atmosfera. Uma meta que uma das melhores soluções e
só é possível com o esforço mais eficazes para combater
de todas as economias, as alterações climáticas.
empresas e cidadãos no seu Atualmente o papel
dia a dia. produzido é proveniente
de florestas criadas
A DICOTOMIA DOS propositadamente para esse
LIVROS EM PAPEL efeito. Estas novas florestas
E DO DIGITAL que nascem nas mais
O digital tem sido um aliado diversas regiões, permitem
para todos os intervenientes também desenvolver uma
da indústria, mas, de acordo economia local e gerar
com um estudo norueguês, postos de emprego fora dos
a pegada carbónica dos grandes centros urbanos.
livros impressos é 10 vezes
menor do que a dos ebooks,
uma vez que para ler livros SABIA QUE?
digitais é preciso comprar ▶ A Declaração de Stavanger
tablets ou outros dispositivos (2019) — é um estudo
eletrónicos que não são realizado por um grupo de
A descarbonização feitos, na sua maioria, com cerca de 200 académicos
é um dos maiores materiais recicláveis — ao e investigadores da área de
desafios da nossa contrário dos livros. Se leitura, edição e literacia de
geração.” falarmos de livros digitais toda a Europa sobre o Futuro
para consumo em desktop, a da Leitura e o impacto da
— António Redondo pegada carbónica é 30 vezes digitalização nas práticas
maior do que a dos livros de leitura.
46 47
União para os Negócios
Responsáveis É necessário produzir
os livros, mas reduzir
os desperdícios
Clara Capitão Diretora Geral da Penguin Random House Portugal (Portugal)
e promover um
Karine Pansa Presidente da International Publishers Association (IPA) (Brasil)
consumo consciente.”
— Clara Capitão

AS EDITORAS E O alterações climáticas. Cabe


IMPACTO AMBIENTAL às empresas a iniciativa de
Todos os dias somos contribuir para o planeta
confrontados com notícias sabendo que o desafio é
de desastres climáticos, em grande e o tempo é curto.
que cada vez mais é feito Na indústria editorial existe já
um apelo à ação, enquanto um trabalho conjunto e um
cidadãos, instituições pacto até 2030 para mitigar
e empresas. Até 2030 os impactos, ainda que sejam
é pedido um plano de muitos os desafios neste setor.
neutralidade carbónica, e É necessário produzir os livros,
todas as empresas deverão mas com a missão de reduzir
implementar medidas os desperdícios e promover
de análise do impacto um consumo de forma
ambiental que geram no consciente. Daí a importância
planeta, de forma a reduzir de haver uma ação solidária
e compensá-lo com outras por parte de todos os agentes
medidas. Desde a recolha da cadeia de valor.
da matéria-prima, ao papel,
passando pela distribuição
e o produto final. Sabemos RECOMENDAÇÕES
que o processo de minimizar ▶ As empresas têm de
o impacto é mais difícil nas agir por si próprias para
estruturas mais pequenas, serem mais sustentáveis
Só há muito pouco
mas ainda assim é um e não esperar pelas políticas tempo é que se fala de
caminho fundamental em públicas. forma verdadeiramente
que todos contam. preocupada. As grandes
▶ Repensar o processo
ANTECIPAR AS de reciclagem das empresas estão agora a
POLÍTICAS PÚBLICAS devoluções de livros para investir em grupos de
Não é sustentável aguardar reduzir o desperdício. trabalho para que isso
que os governos deem
diretrizes e definam as ▶ A importância de formar seja realmente feito.”
políticas públicas necessárias uma força de trabalho mais — Karine Pansa
no caminho do combate às inclusiva.
48 49
Como Pode a Música
Talvez seja utópico,
mas sinto que posso
e a Poesia Mudar o Mundo
ter um lugar ainda
Catarina Carvalho Jornalista (Portugal)
maior para a minha
opinião, respeitando Alice Neto de Sousa Poeta (Portugal)
a opinião do outro.” Tristany Mundu Músico e compositor (Portugal)
— Tristany Mundu

UMA PAUSA INSPIRADORA — Que raio é um lápis cor de Composição


A poesia tem uma forte pele? de Tristany Mundu
componente performativa, Levei uma reprimenda, uma Tudo o que existe na espera
da palavra dita, no sentido criança de tão tenra idade Tudo o que existe na espera
em que no próprio processo A questionar a autoridade, Mãos minhas ao olhar de
criativo vai murmurando as E olhava para o lápis, facto simples é
palavras para perceber se Olhava para a minha pele, Ser o que pode esperar na
está no caminho que deseja. Olhava fixamente para existência que quero
As palavras podem até conter aquele lápis cor… de pele. Tudo vai mudar
um certo sabor. Já na música Poeta. Tudo vai tocar
a relação com as palavras é (...) Tudo é aberto
muito visual e sonora. Tudo fica certo
“Falas tão bem português”,
Poema “Poeta”, fecho os olhos a engolir todos
de Alice Neto de Sousa os clichês. RECOMENDAÇÕES
Eu era pequena, “Mas não ouves kizomba,
Escola primária, ah, claro que sabes dançar”, ▶ A escrita e a leitura não
Inocente, dizem enquanto meto os existem só nos livros,
Mas curiosa nas palavras. Arctic Monkeys a dar. também podem ser
Peguei nos lápis, E já se sabe, quanto mais performativas.
Aqueles, talento, mais se tolera a cor,
Com todas as paletas de porque a Beyonce pode ser ▶ Repensar as mensagens
cores, preta afinal de contas o que escritas nas redes sociais
Amarelo-torrado, importa, é o interior. como novos formatos de
Azul-marinho, Ouço as palavras a fazer cartas.
Cor… ricochete,
Com o lápis na mão, ▶ Há ainda muitos poetas
Sem nem esconder a minha Num corpo em bala, por potenciar em Portugal
confusão, Eu vejo, na utilização da poesia mais
Olhei para o lápis, e para De sol a sol, convencional.
mim, Mantemo-nos fortes,
Que eu ainda era da altura Que as mães têm calos de
As bibliotecas estão de a língua afiar, pensar,
cheias de versos Tocar os sinos presos na Os pais as mãos a
contados, mas a poesia garganta, esbranquiçar.
Dizer o que sinto e me
dita está no olhar.” espanta: Fazemo-nos de fortes,
— Alice Neto de Sousa — Professora. Que mais poderíamos ser?
— Sim. (...)
50 51
Preconceitos Ocultos
na Indústria Editorial Inclusiva Será que não sou
latina o suficiente?
Jeanine Cummins Autora Best-Seller (Estados Unidos da América) O Twitter disse
que não.”
Michiel Kolman Presidente da Inclusive Publishing and Literacy da IPA (Países Baixos)
— Jeanine Cummins

LIBERDADE algo muito recorrente nos SABIA QUE?


DE EXPRESSÃO países autoritários, mas ▶ O lançamento do livro
Na indústria editorial tem também nas democracias, “Terra Americana” de
existido um esforço recente a numa tendência recente Jeanine Cummins gerou um
nível internacional no sentido de banir determinados debate sobre os privilégios
da inclusão dos autores, de livros, agarrados a socioeconómicos e sobre
eliminar o preconceito e da uma falsa narrativa de racismo no sector editorial.
liberdade de expressão, proteger crianças e jovens
onde qualquer autor — devido ao seu conteúdo ▶ Um estudo da American
independentemente da aparentemente sensível. Library Association indicou
sua origem e nacionalidade Por outro lado, existe ainda que 2.571 títulos foram
— tem o direito a retratar a falta de inclusão nas censurados em 2022 — o que
uma realidade que não a editoras, onde são precisos representa um novo recorde
sua. Este ambiente em que mais dados que avaliem a desde que a instituição foi
alegadamente um escritor diversidade do setor nos criada, há 140 anos.
tem de ser autêntico o mais variados sentidos.
suficiente para retratar ou ▶ Embora o livro “Terra
descrever certa realidade Americana” tenha recebido
leva a que muitos autores RECOMENDAÇÕES tantas críticas como elogios
pratiquem a autocensura. ▶ É fundamental diversificar pela sua representação de
No entanto, este assunto o setor editorial, o que migrantes mexicanos, gerou
revela problemas maiores também trará novos leitores. debates importantes sobre Como podemos tornar
que precisam de ser migração e representação
abordados na sua raiz. ▶ É preciso dados para cultural.
os livros mais diversos
avaliar a diversidade da e atrativos para as
O PAPEL DA IPA indústria a vários níveis. minorias se essas
A International Publishers pessoas não trabalham
Association posiciona- ▶ Sensibilizar para colmatar
se como uma instituição a autocensura e as nas editoras?”
declaradamente contra estratégias para banir — Michiel Kolman
qualquer forma de censura, alguns livros no mercado.
52 53
De Leitor a Ministro:
A ideia de se poder saber
tudo através do Google
Qual o desafio?
ou da Wikipédia é falsa.
Os livros consolidam o
Tiago Pereira Editor de Cultura do Observador (Portugal)

conhecimento. Sabem Pedro Adão e Silva Ministro da Cultura de Portugal (Portugal)


muito mais do que nós.”
— Pedro Adão e Silva

ENTREVISTA EM
EXCLUSIVO NO BOOK 2.0
No hábito de uma leitura Algumas
regular por vezes um leitor das melhores
não se lembra já do que leu. características
Muitas vezes o que se retém de um livro
é o processo de digestão e
compreensão, e menos a
memória do que se leu.
A verdade é que o livro é o
mais poderoso instrumento
de memória. Por isso,
ameaçar o livro é ameaçar a
sociedade e o seu passado.

AS TENDÊNCIAS
ESTÃO A MUDAR
Ainda que existam sinais
animadores de que os mais
jovens estão a comprar mais
livros em Portugal e que
os dados contrariem a ideia
de que estas gerações se
estão a afastar dos livros,
continua a forçar-se na
leitura, na atualidade, de
vozes relevantes, mas que
não refletem a vida social e
simbólica dos nossos dias.
Como forma de aumentar
os índices de leitura em
Portugal, terá de haver
Precisamos de incentivos. Ninguém começa
romper esse ciclo a ler do nada. Não se gosta
de ópera, de jazz ou de ler de
social na leitura.” um dia para o outro, de forma
— Pedro Adão e Silva súbita e espontânea. Há
sempre uma aprendizagem.
54 55
Fazendo uma analogia
com um brinquedo de
construção de peças, os
leitores podem começar
com as peças maiores,
para miúdos mais
pequenos, e a partir daí
vão maturando a sua
capacidade enquanto
leitores. Construir
mais tarde com peças
cada vez mais finas e Embora os índices de leitura benefícios no estímulo à
pequenas, irá resultar ainda se mantenham baixos, leitura em Portugal, apesar
num edifício mais diverso. as pessoas no geral valorizam de não ser algo decisivo.
— Pedro Adão e Silva simbolicamente a leitura, Complementar e marginal,
mesmo que não a pratiquem pois para muitos é ainda um
muito. O que significa que território desconhecido.
há espaço e caminho a Rejeitando as tendências
explorar. As pessoas não anti-intelectuais e a
rejeitam o livro. Oferecem-se substituição quase radical
muitos livros. O que é preciso pelo digital — e sem
é: incentivar a ler mais. É desvalorizar as capacidades
um desafio para todos — das novas tecnologias — só
destacando-se o papel dos se pode escrever bem se se
pais pois tradicionalmente os ler muito. Também, ler num
leitores tendem a ser filhos equipamento digital não tem a
de leitores. mesma dimensão, sendo algo
Mas existe ainda em mais efémero. Ler a imprensa
Portugal um grande em formato digital não é igual
desfasamento com as a ler um livro impresso, pela
desigualdades na leitura, no experiência táctil que o livro
sentido em que as classes impresso oferece.
mais privilegiadas compram
e leem mais, ao contrário das
mais desfavorecidas, onde RECOMENDAÇÕES
o papel das bibliotecas ▶ O livro como o mais
públicas e itinerantes é sem poderoso instrumento de
dúvida determinante. memória (não a Internet).

O CHEQUE-LIVRO ▶ O livro ajuda-nos a melhor


A medida do cheque-livro compreender o outro.
que entrará em vigor em
Portugal em 2024 consiste ▶ Incentivos à leitura com
na atribuição de um vale a especial atenção às classes
todos os jovens de 18 anos mais desfavorecidas.
na compra de um livro, que
apenas poderá ser utilizado ▶ O cheque-livro poderá ser
em livrarias físicas, não em uma medida decisiva.
lojas online. Uma forma de
permitir que os mais jovens ▶ Nas escolas, escolher obras
possam experimentar um de autores que tenham relação
livro, replicar a experiência, com a realidade de hoje.
não apenas da leitura, mas
da compra e da escolha, ▶ As editoras deverão publicar
deixando a cada um essa livros independentemente
possibilidade. Uma medida de se gostar, ou não, do
que trará com certeza conteúdo.
56 57
Capítulo II · Reflexões
Clara Capitão Diretora Geral da Penguin Random House Portugal (Portugal) Tem sido feito
muito trabalho
nesse campo,
mas há ainda
muito por fazer.
— Clara Capitão
UM APELO AO PODER DA MUDANÇA
Da preocupação com a emergência climática, em que a atividade
editorial tem um papel a assumir na redução do problema, à
importância da diversidade — destacando o mercado norte-
americano, onde ainda existe muita autocensura e os autores
sentem que não têm lugar para escrever sobre determinado
tema — o mundo editorial enfrenta, hoje, alguns desafios.
Para reforçar a ideia, há ainda alguns clássicos da literatura
que estão a ser censurados nalguns países o que é muito perigoso,
sendo a liberdade de expressão um valor inquestionável.
O setor deve ser tão diverso quanto a sociedade no que respeita
à representatividade na indústria editorial. Se não tivermos uma
força de trabalho diversa, dificilmente a oferta editorial será tão
diversa quanto precisa de ser.

Destaca-se a importância de o poder político assegurar o acesso


à leitura, sobretudo aos mais desfavorecidos, e o papel central das
bibliotecas públicas, onde o tempo é necessário para a leitura,
numa altura particularmente difícil em que a atenção se encontra
fragmentada. E independentemente da evolução tecnológica,
pressagia-se a derrocada do setor dos livros em todas as décadas.
Mas eles estão aqui, com uma longa vida pela frente, mas com
o mesmo desafio de sempre: os livros precisam de leitores,
precisam de se ligar aos seus leitores e de ser acessíveis. Só
deixam de ser objetos mortos, uma resma de papel encadernada,
para serem objetos vivos, se forem lidos.

58 59
Cerimónia de Encerramento
Marcelo Rebelo de Sousa Presidente da República de Portugal

APELOS PARA PORTUGAL

▶ Os constrangimentos ao livro é também


que a edição, seja de livros uma preocupação para
ou da comunicação social, o país — quer a nível de
hoje atravessa em todo desigualdades territoriais
o mundo é um alerta quer socioeconómicas —
para Portugal. Num setor que de alguma forma
em que várias empresas delimitam os hábitos de
eventualmente não terão leitura dos portugueses.
capacidade de se manter,
o poder não deverá ficar ▶ O futuro será digital
nas mãos de muito poucos. e irá desencadear mutações
culturais — com as devidas
▶ A intolerância e as imprevisibilidades — não
guerras de pensamento tendo necessariamente que
são um problema real. ser apocalipses culturais.
A sociedade democrática Dificilmente abre espaço
é uma construção de todos para o livro clássico, mas
os dias, sublinhando a abre espaço para a leitura,
importância de que não atraindo novos leitores.
hajam novas inquisições,
exclusões e cancelamentos ▶ Tolerância e pluralismo
na cultura do livro. como valores essenciais
para a sociedade e para a
▶ A desigualdade no acesso democracia.

Um suporte é um meio, não é


o essencial da cultura em si.”
— Marcelo Rebelo de Sousa

Nós somos diversos. Por isso,


a intolerância é intolerável.”
— Marcelo Rebelo de Sousa

60 61
62 63
A Educação
como um Portal
para o Potencial Nos seus primórdios, a educação servia o propósito de preparar
os cidadãos para participar na vida pública. Hoje, a missão é

Humano monumental: de que forma pode preparar-nos para navegar


num mundo que está em constante e rápida transformação,
com enormes desafios à escala mundial? Pede-se agora que a
visão estritamente cognitiva se abra para uma imagem mais
holística do mundo e do indivíduo. Nas ondas do digital,
vamos assistindo à emergência de novas plataformas, formatos
e métodos de leitura que tomam, cada vez mais, os lugares
dos livros físicos, residentes por excelência das salas de aula.
Olhamos agora para novos espaços de educação, novas formas
de ensino e de aprendizagem, que rompem com os modelos
educacionais que desde sempre conhecemos.

De que forma devemos abraçar esta transformação e conseguir,


assim, o passaporte para o mundo?

CAPÍTULO III
64 65
Learnability: Temos de nos focar
no propósito da
Vontade de Crescer e Adaptar educação. Temos
verdadeiramente
Ana Daniela Soares Jornalista (Portugal) de escolher o que
Tim Oates Diretor de Grupo de Pesquisa e queremos ensinar.”
Desenvolvimento de Avaliação em Cambridge (Reino Unido) — Tim Oates

EDUCAÇÃO de ideias com os alunos, RECOMENDAÇÕES


RESPONSÁVEL independentemente ▶ A escola tem de ser
Na base primordial deve da origem dos textos realmente útil e de interesse
equacionar-se qual o apresentados — com para os alunos.
propósito da educação. enfoque especial nos
Qual a sua missão. E sabendo cânones da educação. ▶ O digital traz oportunidades,
que o tempo é deles: qual a mas isso não significa uma
responsabilidade na escolha MANUAIS DE rutura total com o passado.
de temas e conteúdos que ALTA QUALIDADE
sejam úteis aos alunos? Que Uma das conclusões mais ▶ A concorrência entre escolas
os motive? Embora o digital importantes na reflexão pode ser positiva para aumentar
traga oportunidades incríveis sobre o ensino nos anos a qualidade do ensino.
para a aprendizagem, não 80 e 90 é a existência de
se deve romper totalmente manuais de alta qualidade. ▶ É fundamental que existam
com o passado. Apesar de O exemplo contemporâneo bons manuais escolares, e
haver alguma preocupação da Suécia, que introduziu a isso é positivo para as editoras.
com a geração Covid — concorrência entre escolas,
que revelam hoje sinais levou muitas instituições
de depressão, pouca a quererem destacar-se CURIOSIDADES
concentração e falta de pela sua capacidade e
aptidões sociais — o papel relevância, aumentando a ▶ Tim Oates está envolvido
em várias iniciativas na
dos professores tornou- qualidade do ensino. Outro
área da educação e tem
se mais complexo. Os bom exemplo do ensino da desempenhado um papel
docentes hoje não estão matemática encontra-se em significativo nas políticas
ainda preparados para lidar Singapura, com manuais educacionais no Reino Unido,
com os alunos que usem de alta qualidade, em que incluindo no desenvolvimento
do currículo nacional.
ferramentas de inteligência se aborda menos temáticas
artificial (como o ChatGPT) mas se foca de forma mais ▶ Com base nesta revisão do
para fazerem os seus profunda cada uma das Currículo Nacional do Reino
trabalhos. O desafio será matérias estudadas. É uma Unido, estudos subsequentes
sobre a qualidade e função
como trabalhar lado a lado situação boa para todos, de livros escolares, bem como
com as novas tecnologias incluindo para as editoras de outros recursos, foram
numa utilização mais dos livros, pois os mais jovens realizados por todo o mundo.
crítica, de análise e partilha gostam de estudar assim.
66 67
Escolas do Futuro: O Nascer
de Novos Modelos de Ensino
Pedro Santa Clara Diretor da 42 Lisboa e Porto (Portugal)
Tim Vieira Fundador da Brave Generation Academy (Portugal)

MODELOS OBSOLETOS a tecnologia pode ser uma de forma mais personalizada,


O modelo de educação oportunidade para uma às necessidades de
que funcionou bem durante melhor pedagogia, ocupando cada pessoa — ajustado
300 anos — em que todos um lugar de tutor pessoal aos alunos com mais
aprendiam ao mesmo ritmo, infinitamente paciente. Se dificuldades, ou até àqueles
e que permitiu em Portugal devidamente questionado com um ritmo mais elevado.
e no mundo uma evolução e treinado, poderá ajudar o Assim, a responsabilidade do
do grau de escolaridade — aluno a descobrir melhores processo de aprendizagem
levou a uma certa perda de respostas para os problemas fica nas mãos do aluno, à
vontade e entusiasmo por que tem. velocidade que cada um
parte dos alunos. Um modelo escolher, num espírito de
elitista, com disparidades MODELOS FLEXÍVEIS entreajuda entre os alunos.
brutais entre as famílias E PERSONALIZADOS
ricas e pobres, entre aqueles Nos próximos anos teremos
que são filhos de pais necessariamente de
licenciados ou não. Também experimentar novos modelos
a taxa de desistência na de educação — flexíveis e CURIOSIDADES
universidade é ainda muito personalizáveis, rejeitando
A 42 é uma escola de
alta e os resultados são pouco o modelo top down que
programação de software
animadores na educação inibe a concorrência. Mais do com um modelo pedagógico
em Portugal, com um que aprendermos todos as disruptivo num sistema de
desemprego jovem elevado mesmas coisas, a sociedade aprendizagem entre pares,
e salários baixos, além do valoriza conhecimentos com projetos práticos.
Fundada em Paris em 2013,
modelo atual não estar a diversos. Pelo que a mudança a 42 está hoje presente em
preparar bem para o papel tem de estar assente em mais de 40 cidades em todo o
que os atuais alunos vão dois pilares: concorrência mundo, oferecendo a qualquer
desempenhar na sociedade. e inovação. Um modelo pessoa com mais de 17 anos a
oportunidade de aprender a
de educação que procure
OPORTUNIDADES juntar o melhor do ensino programar de forma gratuita.

DA TECNOLOGIA tradicional com o melhor ▶ Sem horários pré-definidos.


Na era do ChatGPT a do digital. Nem tudo tem ▶ Campus está aberto 24
memorização de factos e a de ser mudado, há muitas horas, 7 dias por semana, 365
pequena capacidade para coisas boas nos modelos dias por ano.
Temos uma manipular os alunos tornou- tradicionais, mas o mundo ▶ Sem professores nem livros.
educação que é cara se menos importante, o mais mudou muito nos últimos ▶ Aprendizagem é feita
para os níveis de importante é enfatizar as anos e continuamos a fazer
entre pares, através do
desenvolvimento de projetos.
competências pessoais de como se fazia há 10 ou há 20
rendimento do país.” iniciativa, auto-confiança anos, o que já não é ajustado
▶ Voluntária e gratuita, graças
ao apoio de vários mecenas.
— Pedro Santa Clara e resiliência. É preciso à realidade atual. É preciso
aprender a aprender. Porém, um modelo que responda,
68 69
COACH DE até por vezes mais exames do ▶ É preciso gerar maior
APRENDIZAGEM que o habitual para poderem concorrência e inovação
Mais do que professores, errar e aprender e não focar no ensino em Portugal.
existe a figura de learning a avaliação da aprendizagem
coaches, que conseguem apenas em alguns momentos ▶ É preciso criar uma
acompanhar os alunos do ano. sensação de voluntarismo,
no seu processo de Sobre o papel dos livros liberdade e vontade de
aprendizagem. Desta forma, no futuro da educação, aprender, e não de obrigação
é possível ensinar mais não há respostas claras. de ir à escola.
disciplinas do que o habitual O livro é valorizado como
nos modelos tradicionais, sendo o instrumento do
numa preparação antecipada primeiro contacto com a
para a entrada no ensino abstração, como objeto que
superior — preparação que se exige tempo, dedicação CURIOSIDADES
inicia logo desde os 16 anos, e concentração, o que o
para que não haja um grande torna insubstituível. Porém, A Brave Generation Academy
(BGA) está presente em
distanciamento entre o o desafio é como levar as diversos países e segue um
secundário e as universidades. pessoas a querer ler. Aqui modelo educativo inovador.
No fundo o objetivo é criar a tecnologia pode ter um Tem como objetivo empoderar
a vontade de aprender papel importante. os alunos, dos 11 aos 19 anos,
focado em três dimensões
pelo que é fundamental
fundamentais: Conhecimento,
a responsabilidade na Habilidades e Comunidade.
liberdade de escolha. O fator RECOMENDAÇÕES Com um sistema de carga
que faz toda a diferença é a ▶ Repensar a educação em horária reduzida, permite
liberdade. As tecnologias são Portugal para todos os níveis aos seus alunos utilizar a
tecnologia e livros, a BGA
usadas como ferramentas, de rendimento do país. incorpora exames e avaliações
para que o professor ou regulares para garantir uma
coach seja cada vez mais o ▶ Há um caminho a percorrer experiência educacional
designer de uma experiência nos modelos de educação abrangente.
educativa e menos alguém para melhor preparar os ▶ Jovens dos 11 aos 19 anos.
que simplesmente apresenta jovens portugueses. ▶ Carga horária reduzida. A educação deveria
a matéria em frente da turma,
num sistema de centralismo ▶ O modelo de educação
▶ Os alunos podem utilizar estar na frente da
a tecnologia e os livros para
absoluto. Quando os alunos não pode ser igual para se educarem à sua própria sociedade, deveria
estão realmente interessados todos, cada um tem as suas velocidade.
preparar para o
▶ Os alunos vão de férias
aprendem muito mais, necessidades.
quando os pais vão. futuro, mas estamos
procurando encontrar as
temáticas sobre as quais os ▶ A tecnologia pode ser ▶ Há exames e avaliações atrasados e com
regulares.
jovens revelam mais interesse, uma oportunidade no ▶ Os temas são escolhidos medo do mundo.”
num modelo educativo com papel do tutor pessoal com os alunos. — Tim Vieira
uma carga horária mais complementado com
reduzida, mas onde existe o professor.
70 71
CURIOSIDADES
Escolhas das Novas Gerações
▶ Maria Francisca Gama
escreveu o seu livro aos 15 anos.
Maria Francisca Gama Escritora (Portugal)
Rita da Nova Ativista e Criadora de Conteúdos (Portugal)
▶ Helena Magalhães criou o
Book Gang — uma plataforma Helena Magalhães Ativista Literária e Criadora do Book Gang (Portugal)
de curadoria literária onde
inclui sugestões de livros
de qualidade, com pouca
representatividade no mercado.

▶ Rita da Nova tem um blog OS DESAFIOS DA A FALTA DE marcam presença nas


(ritadanova.blogs.sapo.pt) — LITERATURA PARA AS REPRESENTATIVIDADE plataformas digitais. As redes
onde começou por partilhar
as suas viagens, e, em 2017,
NOVAS GERAÇÕES GERA FALTA DE sociais naturalmente trazem
começou a partilhar livros Portugal depara-se com uma INTERESSE uma proximidade com os
e comida também. falta de representatividade Existe também outro fator leitores que só pode ser boa,
de escritoras, sobretudo que limita a liberdade de servindo de estímulo para um
jovens. No entanto há cada expressão destes escritores maior incentivo à leitura —
vez mais jovens que se — um enorme receio de mais importante para muitos
iniciam na escrita, mas ainda entrar no mundo literário do que qualquer prémio
com obstáculos diversos que com o tipo de histórias que literário da indústria.
se impõem. Um dos maiores abordam temas pessoais
desafios que a nova geração do autor como traumas
de escritores mais jovens familiares, relações difíceis RECOMENDAÇÕES
enfrenta é o facto de ainda entre mães e filhas, entre ▶ Maior representatividade
existir alguma limitação da outros — caraterizados em Portugal de escritoras
entrada dos seus livros nas muitas vezes como femininas, sobretudo jovens.
editoras, para além do tempo literatura light. Porque é ▶ Maior representatividade
útil de vida de um livro numa que continua a existir este de escritores mais jovens gera
livraria ser muito curto. Os tipo de obstáculos? Uma das maior interesse em ler.
escritores, hoje, têm também vantagens dos livros escritos ▶ O digital pode servir de
de agir como vendedores pelas novas gerações é a do ferramenta na promoção dos
para promover as suas obras. uso da linguagem corrente, livros e aumento dos índices
o que atrai a um público de leitura no país, com
REFERÊNCIAS mais jovem. Mas é necessário interações informais com os
FEMININAS que saibam que esta nova leitores.
Apesar de existirem geração de escritores existe. ▶ Os escritores não deviam
referências femininas em E para isso, os livros têm de agir como vendedores
Portugal como Isabel Alçada, ser mais comunicados, e este nas redes sociais, mas ter
Ana Maria Magalhães ou segmento de novos escritores mais apoio das editoras na
Alice Vieira, as escritoras tem de ser convidado a fazer promoção dos seus livros
mais jovens não se sentem parte dos festivais literários. com campanhas dirigidas às
representadas no meio gerações mais novas.
literário. Razão que leva A ESCRITA É PARA TODOS ▶ Incluir todos os escritores
muitas vezes a que se Constata-se que em Portugal — especialmente mulheres e
façam escolhas profissionais ainda existe discriminação jovens — no meio literário.
Se não estiver nas redes que nem sempre estão em relação às jovens
sociais a divulgar o meu alinhadas com o que as escritoras, muitas vezes
novas gerações mais se categorizadas de “escritoras
livro, ninguém comprará.” identificam e gostariam de influencer”, simplesmente
— Maria Francisca Gama fazer no seu percurso de vida. porque detém uma presença
A disparidade de género ativa no digital e até têm
Como é que entro no mercado é gritante numa secção de uma atração de leitores Em Portugal os escritores
editorial com histórias difíceis
ficção nacional nas livrarias considerável. No entanto, só são levados a sério
nacionais, onde continua sabemos que os grandes
de digerir?” — Rita da Nova ainda a existir em Portugal autores consagrados acima dos 50 anos.”
muito talento por descobrir. internacionais também — Helena Magalhães
72 73
A Importância da Literacia
Rodrigo Guedes de Carvalho Jornalista e Autor (Portugal) Ler é estar a sós
com a cabeça
Juan Gabriel Vásquez Escritor, Jornalista e Tradutor (Colômbia) e treiná-la para
Paulo Portas Escritor, Comentador, Especialista em Geopolítica e Professor (Portugal) a abstração.”
— Rodrigo Guedes
de Carvalho

A LITERACIA RESULTA disciplina e o método são RECOMENDAÇÕES


DA CAPACIDADE DE LER fulcrais neste processo. ▶ Importante incentivar
A literacia é a capacidade A leitura implica esforço e a leitura para aumentar
de interpretar, de aprender, paciência, duas qualidades a literacia em Portugal.
armazenar e depois utilizar fundamentais na formação
o que se leu. As palavras das pessoas desde a infância. ▶ Fomentar o hábito
escritas permitem sonhar, Para viver conscientemente da leitura na infância.
logo, imaginar. Saber precisamos de palavras para
interpretar o outro, o sabermos o que sentimos. ▶ Ensinar as crianças a saber
mundo. Saber como foi viver lidar com a frustração.
noutros tempos, ou como ATENÇÃO À ERA
é ter outra etnia ou género. DA SIMPLIFICAÇÃO ▶ Não seguir o caminho
Sem esta capacidade de Em Portugal existe da simplificação na leitura.
conhecer o lugar do outro, a perceção de uma
as sociedades são incapazes infantilização crescente
de ser tolerantes e estão da sociedade em que as
condenadas ao fracasso. Ou hierarquias estão de alguma CURIOSIDADES
seja, a leitura de ficção leva forma confundidas. Os filhos
a uma melhor democracia. são por vezes quem manda ▶ Paulo Portas considera-se
Dá-nos ferramentas para nos nos pais, não sabendo lidar um “leitor progressivamente
construirmos como cidadãos com o esforço e frustração compulsivo” e prefere os
e indivíduos. de fazer algo que os aborreça livros em papel porque gosta
de tirar notas a lápis.
— como ler. Apesar dos
ESFORÇO E PACIÊNCIA benefícios do digital como ▶ Juan Gabriel Vásquez, que A literatura não é só
Uma das formas de gerar o ferramenta complementar à também é tradutor, acredita entretenimento, é uma
que o aspeto mais desafiador
gosto pela leitura é durante leitura, temos de ter atenção
da tradução, especialmente forma de conhecimento.”
a infância, incentivando os à era das simplificações. As
filhos a ler e a discutir sobre pessoas e os problemas são
ao trabalhar com um livro
que se gosta, é aprender a
— Juan Gabriel Vásquez
aquilo que leram, até por complexos. E a literatura e ser infiel ao original.
vezes em troca de alguns a ciência são o contrário da Ler é um grande convite
▶ Rodrigo Guedes de
benefícios que possam simplificação. Mas é muito
Carvalho tem, diariamente, a ser tolerante, mas não
servir de motivação. Uma importante contar bem uma
forma de ensinar que os história e não apenas fazer
hora marcada para escrever
na esperança que a impede a intolerância.”
livros são importantes e têm discursos para querer passar inspiração surja. — Paulo Portas
mensagens a passar. Mas a mensagens nos livros.
74 75
O Equilíbrio entre
A leitura ajuda
a Cultura e a Educação
a desconfiar da
Isabel Lucas Autora e Jornalista (Portugal)
resposta simples.”
— João Costa
João Costa Ministro da Educação de Portugal (Portugal)

O LIVRO COMO ser os primeiros a noticiar INICIATIVAS DO PLANO


FORMATO CULTURAL determinado acontecimento. NACIONAL DE LEITURA
E EDUCATIVO (PNL)
Nunca houve tanta dispersão MAIS ESCOLAS Uma das iniciativas do PNL
de atenções. Antigamente DE QUALIDADE passa por promover clubes de
havia menos leitores e mais A escola tem de ser de leitura com os pais, onde se
analfabetos, e os dados do qualidade, já que é uma fala do livro com naturalidade
estudo apresentado pela responsabilidade imensa — numa seleção de mais
APEL dos hábitos de compra obrigar os cidadãos a de 8 mil livros para todos os
de livros em Portugal devem frequentá-la. E o caminho gostos. O objetivo é banalizar
ser olhados ao detalhe para terá de ser pelo incentivo o livro, tornando-o parte do
identificar o segmento e não pela obrigação. Um dia-a-dia de qualquer pessoa.
mais resistentes à leitura lugar de esforço mas com o Antigamente, as bibliotecas
para se poderem definir qual se aprende a lidar com das escolas eram lugares
políticas educativas que os problemas e com muitas não desejados, mas hoje são
contribuam para aumentar das coisas de que não espaços abertos, que respiram
os índices de leitura no gostamos — o que queremos e se tornam mediadores de
país. Os índices de leitura mudar no mundo. E através leitura. Existe a preocupação
não estão só relacionados da leitura os alunos podem de ter um olhar integrado
com o desenvolvimento aprendem melhor o esforço em que não podem ser
económico do país, mas — que a própria leitura exige. apenas os professores de
também com a qualidade da No entanto, o aluno tem de português a incitar a leitura.
democracia. Não é por acaso permitir ser conquistado É um caminho de todos na
que os primeiros alvos dos pelo autor. Permitir que a sociedade.
ditadores são os escritores, história se desenrole e não É através da leitura que
os professores, os jornalistas. esperar ler uma grande obra se educa para a cidadania,
A literatura dá-nos liberdade, logo nas primeiras páginas. que se estudam temáticas
Queremos que fomenta a curiosidade e Havendo mais leitores como a sustentabilidade. É o
não há educação sem
gostem de ler curiosidade. Mas muitos
jovens, o grande desafio
passa por equilibrar o gosto
que dá hipótese de explorar
caminhos alternativos. Mas ler
para se tornarem leitores hoje circulam pelas e dar o salto qualitativo, não é algo que nos acontece,
leitores. Se for um redes sociais e apenas leem sublinhando que a didática é uma prática que exige
pesadelo, eu não me os títulos dos artigos — isto da leitura é pouco trabalhada técnicas e estratégias. Ler não
é o contrário da leitura e o na academia e que os é só descodificar caracteres e
vou tornar leitor.” perigo da concorrência dos professores podem ser palavras. É interpretar palavras
— João Costa meios de comunicação, modelos de leitura muito desde muito cedo, fazendo
quando todos querem importantes. inferências, associando textos.
76 77
O Panorama da Educação
Afonso Cruz Escritor, Ilustrador, Cineasta e Músico (Portugal) Muitas vezes, por
cima das histórias
Regina Duarte Diretora do Plano Nacional de Leitura (Portugal) universais com que
António Feijó Presidente Fundação Gulbenkian (Portugal) todos nos conseguimos
identificar, existe uma
camada que dificulta.”
— Afonso Cruz

Estamos a trabalhar
para criar um espaço de
mediação para leituras
livres dos clássicos.”
— Regina Duarte
O FUTURO DA LEITURA exigem por vezes notas de ▶ Muitas das obras clássicas
ESTÁ GARANTIDO rodapé e requerem alguma exigem ajuda e contexto para
Não se prevê que a ajuda e um certo contexto a compreensão.
humanidade possa funcionar para as ler — o que muitas
sem ler. Há hoje cada vez vezes afasta os leitores ▶ As análises sintáticas podem
mais liberdade dos leitores quando confrontados afastar os alunos dos textos.
em escolher o que querem com alternativas digitais
ler — o que não é verdade nos mais atrativas. ▶ As pessoas têm de ser
regimes ditatoriais. Portugal incentivadas a ler, não podem
tem vindo a melhorar os OPORTUNIDADES PARA ser obrigadas.
índices de alfabetização OS NOVOS LEITORES
e diversidade de autores e As crianças por vezes ▶ Pode criar-se um espaço
de géneros disponíveis no sentem-se enganadas de mediação para leituras
mercado. Mas o esforço de ler quando não tiram prazer ao livres dos clássicos.
não deve ser sofrimento, um lerem um clássico. Muitos
ato punitivo. Mas sim positivo jovens olham para a leitura MAIS INFO PLANO
e motivacional. como “extremamente chata”, NACIONAL DE LEITURA
preferem morrer de tédio ▶ Foi lançado em 2006 como
OS CLÁSSICOS a ler um livro. Porém, uma resposta institucional à
QUE MUDARAM AS forma de incitar à leitura, preocupação com os níveis
ESTRUTURAS DA ÉPOCA é procurar o incentivo. de literacia dos portugueses,
Os livros de leitura tradicional Por exemplo, se os alunos em geral, e, em particular,
clássica são considerados, por nunca ouviram falar de um dos jovens.
muitos, leitura obrigatória. determinado autor clássico, ▶ Ao longo dos anos,
Mas os clássicos são clássicos talvez se deva exclamar implementou um conjunto
precisamente porque “que sorte”, por ainda irem a de medidas destinadas a
continuam a ser lidos. É um tempo de o descobrirem pela desenvolver competências
estatuto que exige essa primeira vez. e hábitos de leitura na Ninguém tem que
repetição. Porém, são o população portuguesa, ler nada. Não se deve
oposto disso na sua génese. com um foco especial na forçar. As pessoas
No sentido em que, para RECOMENDAÇÕES comunidade escolar.
serem clássicos, quando ▶ Deve haver esforço na ▶ Tem como objetivo investir devem gravitar
são lançados têm que ser leitura, mas não sofrimento. no desenvolvimento de para a leitura ou
mais modernos, de rutura novas vertentes, ampliando serem gentilmente
e de coragem, que mude ▶ Os livros clássicos, para o as suas ligações com a
as estruturas da época. serem, começaram por ser educação, cultura, ciência, incentivadas.”
Só depois se tornam num obras de rutura que abalaram tecnologia, ensino superior — António Feijó
clássico. Mas estas obras as estruturas da época. e autoridades locais.
78 79
As escolhas da Geração Futura
Como dizia André Carvalho Ramos Jornalista CNN Portugal (Portugal)
Vergílio Ferreira:
leiam, leiam tudo,
Nuno Lobo Antunes Neuropediatra e Autor (Portugal)
até o que vem no Carlos Neto Professor, Autor e Fundador de “A Torre” (Portugal)
pacote do leite.”
— Nuno Lobo Antunes

UM FUTURO INCERTO leitura, para desenvolver para a frustração. O papel


A situação atual que as uma capacidade de fuga à da leitura pode e deve ser
novas gerações atravessam realidade, para que depois uma ferramenta poderosa
é complexa. E embora se possa voltar a ela de para terminar com as
sejam reconhecidas diversas forma mais resiliente. As desigualdades sociais.
vantagens na revolução dificuldades de concentração
digital o futuro é incerto. existem e há cada vez mais COMPROMISSOS
Os ecrãs digitais vieram para crianças que fingem que DE TODOS — Leituras
ficar. E o digital representa aprendem, mas também complementares
uma oportunidade professores que fingem ▶ Relatório UNESCO —
extraordinária no acesso ao que ensinam. Para além “Reimaginar os nossos
conhecimento e à cultura. da importância cada vez futuros juntos: um novo
Mas os impactos do digital mais crescente do papel contrato social para a
são diferenciados consoante dos professores, as escolas Educação”.
as idades. Para o professor, os precisam de ser mais ▶ Convenção sobre os
ecrãs podem ser ferramentas ecológicas, cooperativas e Direitos das Crianças das
lúdicas ou para procurar participativas, precisam de Nações Unidas.
conhecimento. No entanto, refletir uma visão mais plural
é necessária uma discussão da sociedade.
sobre o uso de smartphones RECOMENDAÇÕES
nas escolas — que está UM APELO À
atualmente a decorrer em DIVERSIDADE DE ▶ Os professores são
Portugal depois de vários APRENDIZAGENS insubstituíveis, apesar das
países da Europa já terem As crianças têm hoje uma vantagens do digital.
optado pela proibição. agenda com uma carga
horária enorme, desde a ▶ Escolas mais participativas e
O PAPEL DOS escola aos ATL, passando não fechadas sobre si mesmas.
PROFESSORES pelos trabalhos para casa,
Os professores são as atividades desportivas ▶ Deve ouvir-se as crianças:
insubstituíveis, não só pela ou religiosas. E como se que tipo de histórias querem
A escola não pode importância dos afetos, mas aprende a gostar de ler elas ler?
ser uma “ilha”, não também pelos estímulos se são obrigadas a passar
pode viver dentro aos jovens para apelar ao tanto tempo na escola? É ▶ Dar mais tempo às crianças
entusiasmo e curiosidade, necessário que as crianças para brincar e reduzir a
de muros e deve incitando assim à leitura. tenham disponibilidade para agenda com tempo para ler.
expandir o seu Quando é que nos sentamos descobrir os seus próprios
espaço educativo.” com as crianças e as talentos e motivações e não ▶ O digital como oportunidade
ouvimos? O que gostariam se pode dar tudo pronto às para acesso à cultura e ao
— Carlos Neto de ler? É necessário um crianças, não havendo espaço conhecimento para todos os
esforço para a abstração da nem tempo para o tédio e estratos sociais.
80 81
Capítulo III · Reflexões
Susana Moreira Marques Escritora e jornalista (Portugal) Temos a vantagem
e liberdade de inovar
Sara Figueiredo Costa Jornalista (Portugal) porque há muitas
Carlos Maria Bobone Alfarrabista e colaborador do Observador (Portugal) histórias que não
Filipa Melo Escritora, crítica literária e jornalista (Portugal) foram contadas.”
— Susana Moreira Marques

Mas se escrevermos
todos sobre o mesmo,
INVISIBILIDADE SOCIAL FEMININA não faz sentido.
Constata-se que, em Portugal, os autores masculinos conseguem Um desacordo que
até é saudável.”
ser publicados mais cedo, obter vendas mais significativas
— Sara Figueiredo Costa
e ter mais visibilidade ao longo do percurso, embora os
editores recebam mais obras originais de autoras femininas.
Desigualdades de género que se mantêm na sociedade
portuguesa, onde existem diversos obstáculos — como a falta de
temas sobretudo sobre mulheres. Será importante ter em atenção
a diversidade na altura da escolha sobre que livros se deve
escrever. No entanto as mulheres têm um caminho mais aberto
para explorar o seu ofício, sem o peso do cânone — contra a
invisibilidade social.

A IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO
O panorama atual da leitura já não se centra em textos maiores
e mais demorados como antigamente. Os meios têm que ser
adaptados aos novos hábitos de consumo, não na lógica de
encurtar a mensagem, mas sim através da crítica e da reflexão
— permitindo desenvolver interpretações diversas para o mesmo
texto. Apesar da popularidade de fenómenos como a literatura no
TikTok, dificilmente a curta duração dos vídeos permitirá uma
verdadeira reflexão.

OS LIVROS EM 2ª MÃO
O mercado do livro usado e dos livros em segunda mão já atinge
17% do mercado livreiro em Portugal, o que representa um
número significativo. É considerado um mercado importante do É sem dúvida um
mercado importante
ponto de vista ambiental, tendo em conta a lógica de economia
do ponto de vista
circular, onde as livrarias (que tanto vendem novidades como
ambiental.”
usados) podem ser uma boa solução. — Carlos Maria Bobone

82 83
84 85
Compromissos
para o Futuro
Até haver um compromisso nas palavras, o percurso não se
iniciou. A verdadeira mudança começa com a busca incansável
de um objetivo — um compromisso com a excelência.
Mas um compromisso obriga a ter determinação. E determinação
requer confiança. E a confiança encontra sempre uma forma
de resolver os problemas, de ultrapassar barreiras, de seguir
em frente.

Como pode a liderança enaltecer o compromisso para a ação?

Estamos verdadeiramente empenhados para construir o futuro?

Que compromissos terão de ser assumidos?

SUMÁRIO
86 87
Imaginar o Futuro:
Defender as livrarias
é defender a
O Poder da Mudança
diversidade editorial.” Paulo Oliveira CEO Livraria Bertrand (Portugal)
— Paulo Oliveira
Núria Cabutí CEO Penguin Random House Grupo Editorial (Espanha)
Os livros podem Javier Arrevola CEO Casa del Libro (Espanha)
curar, podem ser
o refúgio para as
pessoas se sentirem
acompanhadas.”
— Núria Cabutí

O MERCADO EDITORIAL de ser mais atrevido, DESTAQUES DO


EM ESPANHA uma vez que as livrarias MERCADO ESPANHOL
O mercado editorial são lojas e mantêm as
espanhol representa 10 vezes mesmas estruturas há ▶ População de 46 385
o tamanho do mercado muitos anos. É preciso 343 cidadãos — 50.6% são
português — em contínuo mudar. E as redes sociais mulheres.
crescimento ainda que agora podem ser uma excelente
numa fase mais estável ferramenta. É preciso ir ▶ O país detém um grande
depois do pós-pandemia. atrás das tendências e do interesse pelos livros e
Comparações dificilmente que as pessoas gostam. hábitos de leitura.
poderão ser feitas, apenas Destaca-se uma das grandes
um sentimento de algum vantagens dos ebooks pelo ▶ Faturação de livros atingiu
pessimismo no mercado facto de qualquer livro estar os 2.718,52 milhões de euros
editorial nacional. Mas há disponível em qualquer em 2022 — um crescimento
sem dúvidas oportunidades parte do mundo. Ao contrário de 5,5% face a 2021.
e aprendizagens que da música ou do cinema,
poderão ser exploradas em na literatura é comum os ▶ 22% da faturação é referente
conjunto. Porque apesar de escritores estarem acessíveis a livros infanto-juvenis.
todos os benefícios dos livros, ao consumidor final —
a edição não deixa de ser um o que deve ser reconhecido ▶ As livrarias continuam
negócio para muitos. e aproveitado. Um tesouro a ser o principal canal de
que não existe em nenhum distribuição.
DESPERTAR A PAIXÃO outro setor.
PELA LEITURA ▶ 6,6% dos livros lidos já
O livro como veículo de existem em formato digital.
civilização e instrumento RECOMENDAÇÕES
fundamental para a
democratização, para o ▶ Inovação ao nível das
acesso e transmissão de livrarias no processo de venda.
conhecimentos e como
agente de transformação ▶ Explorar a mais-valia do setor
que promove a empatia de haver um contacto próximo
e o diálogo. Que pode entre leitores e autores.
É preciso pôr o livro capacitar o leitor. Um
formato estupendo de ▶ Oportunidades do digital
ao serviço do leitor.” entretenimento e de história. pela disponibilidade de livros
— Javier Arrevola De companhia. De cura. de forma fácil em todo o
Um setor que precisa mundo.
88 89
Desenhar um Compromisso
para o Futuro
Adriaan van der Weel Professor Emérito na Universidade de Leiden
Centre for Arts in Society (Países Baixos)

NOVOS HÁBITOS O EXEMPLO RECOMENDAÇÕES


DIGITAIS DOS PAÍSES NÓRDICOS
Existe uma desvantagem A sociedade nórdica já não ▶ Ler livros em papel para
no uso dos ecrãs para corre atrás da digitalização, uma melhor retenção de
a leitura. Segundo o mas do controlo do uso informação e maiores níveis
especialista, a compreensão das novas tecnologias na de compreensão.
de determinado texto é sala de aula. O caso da
reduzida se for lida num ecrã, Suécia mostra também ▶ Ler para a uma melhor
sobretudo se forem manuais que as escolas continuam a saúde física e mental —
educativos, textos mais apostar fortemente nos livros apostar nas classes mais
complexos ou houver menos impressos precisamente desfavorecidas e com maior
tempo para ler. Além disso, porque, de acordo com vários tempo de ecrãs.
os novos hábitos digitais estudos, oferecem uma maior
fazem com que associemos capacidade de compreensão ▶ Incentivo a recuar nas
os ecrãs a tarefas mais dos conteúdos. Para além do medidas de manuais digitais
simples e divertidas, que mais, sabemos que na Suécia, nas escolas para melhoria das
facilmente deixam a leitura os professores estão a regressar competências básicas.
de lado e a trocam por outras aos manuais em papel,
atividades digitais — uma recuando no digital, voltando
maior distração e tendência aos métodos tradicionais.
para o multitasking, que não A medida surgiu depois
existe com o livro em papel. de políticos e especialistas
O tempo de ecrã nas nossas terem questionado a
vidas tem vindo a aumentar abordagem hiper-digitalizada
e está correlacionado com a da educação no país, mais
redução da leitura. Também concretamente a introdução
a elevada exposição aos de tablets nos jardins-de- Temos de ser muito
ecrãs está relacionada com infância que poderá ter
uma pior saúde física e levado a um declínio das cuidadosos (...) não
mental, e é nas classes competências básicas. A podemos seguir os
socioeconómicas mais Agência das Nações Unidas desenvolvimentos
pobres que o tempo dos para a Educação e Cultura
technologicos de
ecrãs é maior — o que (UNESCO) emitiu também
significa que contribuirá um apelo urgente ao uso forma servil.”
para menos leitura e maior apropriado da tecnologia na — Adriaan van der Weel
dificuldade de concentração. educação.
90 91
Enfrentar os Valores Humanos
São os seres humanos Fred Canto e Castro Fundador e CEO Seekers e Criador Life MBA (Portugal)
de excelência que
vão construir
uma sociedade de
excelência.”
— Fred Canto e Castro

UM PERCURSO A realidade portuguesa —


PROFISSIONAL com salários baixos, um
INVULGAR alto grau de divórcios e de
Foi enquanto estudava créditos, e um elevado índice
gestão que teve a ideia de de problemas de saúde
criar um projeto que, aos mental — e o sistema de
olhos dos outros, parecia ensino não nos preparam
um autêntico sucesso. para os desafios da vida. E
Supostamente uma empresa é neste contexto que nasce
bem-sucedida, com clientes o Life MBA — um programa
de marcas de renome educativo complementar
mundial. Mas o sentimento ao sistema de ensino que
de satisfação não estava permite integrar uma jornada
preenchido. Faltava alguma de aprendizagens das
coisa num cenário de grande principais capacidades de
frustração. Foi então que, aos cada um para uma melhor
22 anos, numa viagem de gestão das diferentes áreas
crise existencial ao sudoeste da vida. Desde as finanças à
asiático, em busca de sentido, saúde, passando pela gestão,
que o propósito de vida foi a prioridade tem de ser a
encontrado. Na maioria das educação do indivíduo para
vezes, os nossos sentidos que, depois, possam ser feitas
estão virados para o exterior melhorias aos sistemas de
e a mentalidade vigente é a ensino que possam contribuir
de que devemos reconfigurar para um mundo melhor.
o mundo exterior, quando
a mudança começa em
nós. O estado emocional de
cada um é o principal fator LIFE MBA
que afeta a performance.
É necessário preencher ▶ Cria a vida que realmente
várias dimensões da vida desejas viver.
para uma pessoa se sentir ▶ Fortalece o teu estado
completa. Porque a vida não físico e mental.
é só trabalho. São relações, ▶ Desenvolve relações
hobbies, a gestão das nossas profundas.
finanças pessoais, saúde, ▶ Constrói a tua carreira
bem-estar. É muito mais do de sonho.
De nada serve sermos que aquilo que fazemos a ▶ Atinge a tua independência
bem-sucedidos se título profissional. financeira.
internamente não nos
sentirmos preenchidos.”
— Fred Canto e Castro

92 93
Cerimónia de Encerramento
Diogo Moura Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (Portugal)

SEJA QUAL FOR O língua, estrato social, idade, sua pegada no aumento
CONTEÚDO, O FORMATO, sexo, etnia, religião, grau de da literacia, no incentivo à
NÃO VIVEMOS SEM OS escolaridade, orientação leitura e no mais importante:
LIVROS sexual, ou necessidades o impacto positivo para o
A cultura continua a ser a específicas de qualquer desenvolvimento social e
garantia para uma cidadania tipo — encontram lugar nas humano destas comunidades
plena e participativa que bibliotecas, de acesso livre. da nossa cidade. Uma missão
estimula a consciência crítica da cidade de Lisboa. Um
de cada um e que permite a MAS MAIS DO QUE trabalho conjunto com a APEL.
criação de uma comunidade, PALAVRAS E POLÍTICAS É precisamente nos
cidade, país, etc., mais HÁ AÇÃO momentos em que se
diversa, rica e sustentável. Como criar hábitos de leitura? discutem as incertezas do
Para isso é importante Como provocar leitores? futuro, das ilusões de um
manter o acesso de todos à Começando nos mais novos futuro radicalmente novo,
fruição cultural. De todos. Em e criando mecanismos de que o livro mais importa.
Lisboa a importância dada à apoio à leitura. A aposta É o livro, guardião vivo do
biblioteca reflete a estratégia na rede de bibliotecas conhecimento que é o
desenhada nos objetivos de escolares é complementada garante da liberdade, da
acesso à cultura da cidade. por uma abordagem de criatividade, do futuro. Para
A rede municipal de 18 temas atuais — como a autonomia de pensamento.
bibliotecas — a maior do país por exemplo o bullying E em Lisboa o livro é parte do
— trabalha numa lógica de ou a obesidade infantil — seu alicerce.
articulação descentralizada retratados em livros, levada à
e de proximidade com as comunidade escolar através
comunidades locais, em de ações por via de outras SABIA QUE?
programas de leitura e manifestações artísticas Lisboa irá participar como
de literacia, diversidade e como a dança, a música ou cidade convidada e de honra
inclusão, desenvolvimento a simples leitura por uma na próxima edição da Feira
da sensibilidade artística, da personagem conhecida com Internacional do Livro em
literacia digital, gamificação, a qual os jovens e crianças Buenos Aires em 2024. Uma
sustentabilidade ambiental, e se identificam. O acesso das cinco maiores feiras
da preservação do património ao livro faz-se através de do livro do mundo, além O melhor e maior
cultural. Uma rede que está estratégias, especialmente de um importante evento compromisso
a ser alargada e reforçada, quando em territórios cultural e editorial da América
por forma a descentralizar difíceis, com realidades Latina. A Feira é organizada de liberdade que
geograficamente o muito próprias, e onde os pela Fundación El Libro, podemos fazer é
conhecimento e aproximar sonhos parecem desvanecer. uma organização sem fins o compromisso
ainda mais o livro das E aí é onde a esperança lucrativos da Sociedade da leitura. Por nós
dinâmicas de bairro, vem também através de Argentina de Escritores
criando comunidades de uma história narrada. Um (SADE), realizada desde 1975, e e pelos outros.”
novos leitores. Todos — trabalho diário, por vezes que atrai todos os anos cerca — Diogo Moura
independentemente da invisível, mas que deixa a de um milhão de visitantes.
94 95
Resumo HÁBITOS E PRAZER
PELA LEITURA
▶ Inovação das editoras em
captar o prazer pela leitura,
com livros e atividades
pelas cidades — por
exemplo as leituras públicas
apresentadas por autores
▶ Maior ligação e oportunidade
de expansão entre o mundo
digital e o mercado editorial.

das Principais
com início aos 6 meses para criar proximidade com ▶ Incentivar a leitura através
de idade e em especial na os leitores, muito habitual no de formatos e plataformas
adolescência, alinhadas com Reino Unido e nos Estados digitais (onde o leitor já lá
os gostos de cada um. Unidos da América. está e é acessível em todas as
partes do mundo) mas não

Recomendações
▶ Ler livros em papel para ▶ Maior apoio das editoras transformar tudo em digital,
uma melhor retenção de na promoção de livros com um modelo híbrido eficiente.
informação e maiores níveis campanhas dirigidas às
de compreensão. gerações mais novas. ▶ As empresas das
plataformas digitais poderão
▶ Não se deve obrigar a ler, ▶ Criação de uma publicação ajustar os algoritmos com o

apresentadas
porque pode ter o efeito gratuita com espaço para a propósito de melhor captar
contrário. crítica literária independente. a atenção e foco dos leitores.

▶ Uso da linguagem simples A CONEXÃO COM ▶ Promover interações e


e mensagens criativas numa O MUNDO DIGITAL reflexões digitais entre os
escrita dirigida aos mais jovens. ▶ Constante inovação e amantes da leitura como

no Book 2.0
permanente adaptação à forma de inspirar os que
▶ Permitir que as crianças realidade em constante ainda não leem ou não têm
e jovens escolham as suas mudança — em especial à um hábito regular.
leituras de uma lista de inteligência artificial — com
sugestões apresentada pelos espaço para a experimentação ▶ O digital como oportunidade
professores e pais. das ferramentas disponíveis para acesso à cultura e ao
para uma melhor adaptação conhecimento para todos os
▶ Promover pontos de leitura aos novos desafios. estratos sociais.

RESUMO
96 97
POLÍTICAS PÚBLICAS ▶ O livro como o mais ▶ Incentivos à leitura com
▶ Repensar as políticas poderoso instrumento de especial atenção às classes
públicas para encontrar memória (não a Internet). mais desfavorecidas.
novas formas de aumentar a
leitura e torná-la acessível a SUSTENTABILIDADE ▶ Oportunidade de maior
todos, como o cheque-livro e DO PLANETA liberdade de expressão
o IVA zero para todos os livros. ▶ As empresas têm de agir por e representatividade em
si próprias para serem mais Portugal de escritoras
▶ Importância de definir a sustentáveis e não esperar femininas, sobretudo jovens.
regulação do setor no digital pelas políticas públicas.
numa perspetiva ética e de ▶ Inclusão de todos os
cuidado com a privacidade. ▶ Estudo da pegada escritores — especialmente
carbónica de toda a cadeia mulheres e jovens — no meio
▶ Sensibilização dos de valor da indústria do livro e eventos literários.
decisores políticos e das em Portugal e comparação
instituições para agilizar as com os restantes mercados. ▶ A escrita e a leitura não
regras do mercado do setor existem só nos livros, também
cultural para não deixar cair ▶ Sensibilização para podem ser performativas.
a profissão do escritor. a redução da pegada
carbónica onde todos têm ▶ Repensar as mensagens
▶ Rendimento incondicional um papel a desempenhar, escritas nas redes sociais como
básico para os artistas. com incentivo à reciclagem novos formatos de cartas.
dos dispositivos eletrónicos.
▶ Incentivo a recuar nas ▶ Há ainda muitos poetas
medidas de manuais digitais ▶ Repensar o processo por potenciar em Portugal
nas escolas para melhores de reciclagem das na utilização da poesia mais
competências básicas. devoluções de livros para convencional.
reduzir o desperdício.
▶ Importante incentivar a ▶ O livro como ferramenta de
leitura para aumentar os ▶ Apostar mais nos livros melhor compreensão do outro.
níveis de literacia em Portugal. em segunda mão para a ▶ Há um caminho a percorrer ▶ Leituras em sala de aula, ▶ A sociedade democrática
sustentabilidade ambiental. NOVOS MODELOS nos modelos de educação acompanhadas de uma é uma construção de
▶ O livro contribui DE APRENDIZAGEM para melhor preparar os reflexão sobre o que se leu, todos os dias.
como solução para a O CAMINHO ▶ A escola tem de ser jovens portugueses em que especialmente nas obras
democratização dos países PARA A INCLUSÃO realmente útil e de interesse o modelo não pode ser igual clássicas que requerem maior ▶ Desigualdades no
em desenvolvimento E A DIVERSIDADE para os alunos, criando a para todos, e onde cada foco de atenção ao contexto. acesso ao livro — quer
enquanto fonte de ▶ Formar uma força de vontade de aprender e uma um requer necessidades a nível territorial quer
conhecimento e expansão trabalho mais inclusiva e sensação de voluntarismo diferentes. ▶ Escolha de livros nas socioeconómico — que
das sociedades. diversa no setor editorial, o que e liberdade. escolas ajustados à realidade delimitam os hábitos de
também trará novos leitores. ▶ A tecnologia pode ser uma de hoje. leitura dos portugueses.
BENEFÍCIOS ▶ É preciso gerar maior oportunidade no papel do
PARA A SAÚDE ▶ Estudo e dados para avaliar concorrência e inovação tutor pessoal complementado ▶ Criação de clubes de leitura ▶ O futuro digital irá
▶ Ler promove uma melhor a diversidade da indústria a no ensino em Portugal com o professor. nas escolas com os professores. desencadear mutações
saúde física e mental mas vários níveis em Portugal. para aumentar a qualidade culturais — com as devidas
deverá apostar-se nas classes do ensino. ▶ As análises sintáticas podem APELOS imprevisibilidades —
mais desfavorecidas com ▶ Sensibilizar para colmatar afastar os alunos dos textos. PARA PORTUGAL abrindo espaço para a
maior tempo dedicado a ecrãs. a autocensura e estratégias ▶ É fundamental que existam Pelo Presidente da leitura e atraindo novos
para banir alguns livros no bons manuais escolares, e isso ▶ Escolas mais participativas e República de Portugal leitores.
▶ Incentivar a leitura não mercado. é positivo para as editoras. não fechadas sobre si mesmas. ▶ Constrangimentos do
como obrigação, mas como sector da edição — dos livros ▶ Tolerância e pluralismo
ferramenta de combate para ▶ As editoras deverão publicar ▶ Repensar a educação em ▶ Dar mais tempo às crianças ou da comunicação social — como valores essenciais
a saúde mental e prevenção livros independentemente de Portugal para todos os níveis para brincar e reduzir a e o poder concentrado nas para a sociedade e para
de doenças. se gostar, ou não, do conteúdo. de rendimento do país. agenda com tempo para ler. mãos de muito poucos. a democracia.
98 99
Momentos Sociais
O tempo passa, as coisas mudam,
mas as memórias ficarão sempre onde
elas estão, no coração.

100 101
102 103
104 105
Palavras
que perduram
Palavras, as formas que transportam
pensamentos, emoções e ideias em
tempo real, transcendendo o tempo
e o espaço. As palavras têm o poder
de iluminar, inspirar e despertar. Detém
o potencial para moldar o nosso mundo
e deixar um legado duradouro.

106 107
Linhas de reflexão
sobre o melhor
que os livros nos
trazem e como
podem prosperar

REFLEXÕES
108 109
Parceiros
Um especial agradecimento
aos parceiros da primeira
edição do Book 2.0.

Media Partners

No âmbito de

110 111
Governança

Pedro Sobral Bruno Pires Pacheco Silvia Rodriguez


Presidente APEL Secretário-Geral APEL Diretora Executiva

Madalena Madureira Ana Tristão


Gestora de Projeto Projetos Internacionais
APEL

Pedro Sobral Miguel Pauseiro Clara Capitão


(LeYa) (Círculo de Leitores) (Penguin Random
Presidente Vice-Presidente House Grupo Editorial)
Vogal

Filipe Infante Paulo Batista Pedro Falé Ricardo Antunes


(Editorial Presença) (Saída de Emergência) (FNAC) (Alma dos Livros)
Vogal Vogal Vogal Vogal

112 113
Está na hora
de virar a página,
e o primeiro passo
está dado.

115
Book.apel.pt

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